ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO
PARECER n. 00808/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10154.145131/2022-39.
INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS/SECRETARIA DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DO PARANÁ - MGI/SGPU/SPU-PR) E MUNICÍPIO DE GUAÍRA-PR.
ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. ÁREA DE DOMÍNIO DA UNIÃO. TERRENO MARGINAL A RIO FEDERAL. AUTORIZAÇÃO DE OBRA(S). ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. BENS PÚBLICOS. ÁREA DE DOMÍNIO DA UNIÃO. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. AUTORIZAÇÃO PARA EXECUÇÃO DE OBRA(S). ESTRUTURAS DE CONTENÇÃO (MURO DE ARRIMO) E URBANIZAÇÃO EM TERRENO MARGINAL A RIO FEDERAL. PORÇÃO DE TERRA QUE SE ESTENDE ATÉ A DISTÂNCIA DE 15 METROS, MEDIDA HORIZONTALMENTE PARA A PARTE DA TERRA, CONTADOS A PARTIR DA LINHA MÉDIA DE ENCHENTES ORDINÁRIAS (LMEO). MINUTA DE PORTARIA AUTORIZATIVA. ESTRUTURAS DE CONTENÇÃO. URBANIZAÇÃO. INFRAESTRUTURA E EQUIPAMENTOS. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
I. Minuta de Portaria. Autorização para que o ente municipal execute obras de estabilização mediante estruturas de contenção (muro de arrimo) em terreno marginal ao Rio Paraná.
II. Terrenos marginais. Propriedade da União quando forem contíguos a rios ou quaisquer correntes de águas federais.
III. Terreno marginal ao Rio Paraná, estendendo-se até a distância de 15 metros medida horizontalmente para a parte da terra contados a partir da Linha Média de Enchentes Ordinárias (LMEO).
IV. Competência do Superintendente do Patrimônio da União para formalização do ato autorizativo.
V. Fundamento legal (Legislação Aplicável): Artigo 5º, inciso XI, da Portaria nº SPU/ME 8.678, de 30 de setembro de 2022, da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SCGPU), c/c o artigo 36, incisos XIV e XX, da Portaria ME nº 335, de 02 de outubro de 2020, que aprovou o Regimento Interno da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União.
VI. A PORTARIA consiste no instrumento pelo qual Ministros ou outras autoridades expedem instruções sobre a organização e o funcionamento de serviços, sobre questões de pessoal e outros ato de sua competência.
VII. Juridicidade formal e material da minuta de Portaria. Orientações para ajuste e aprimoramento da redação. Atualização para adequar o ato autorizativo à legislação superveniente.
VIII. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida (s) nesta manifestação jurídica.
Após a(s) recomendação(ões) sugerida(s) na COTA n. 00062/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU, de 03 de julho de 2023 (SEI nº 35580922), o Superintendente do Patrimônio da União no Estado do Paraná, por intermédio do OFÍCIO SEI nº 112257/2023/MGI, de 28 de setembro de 2023, assinado eletronicamente em 03 de outubro de 2023 (SEI nº 37594689), disponibilizado a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao Sistema Eletrônico de informações (SEI) com abertura de tarefa no Sistema AGU SAPIENS 2.0 em 06 de outubro de 2023, encaminha novamente o processo para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.
Trata-se de solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) referente a análise da minuta de PORTARIA (SEI nº 34733822) autorizando o Município de Guaíra-PR a realizar obras de estabilização mediante estruturas de contenção (muro de arrimo) em trecho da orla (margem) do Rio Paraná, terreno marginal de domínio da União, com 1.980 metros de extensão, 2,30 m de altura e 1,95 m de base, localizado na Avenida Sete Quedas, s/nº, Bairro Centro, compreendendo o trecho próximo da ponte Ayrton Senna (Rodovia Federal BR-163) e o farol localizado no Centro Náutico, Município de Guaíra, Estado do Paraná.
O processo está instruído com os seguintes documentos:
PROCESSO/DOCUMENTO | TIPO | |||
---|---|---|---|---|
26898051 | Anexo | |||
26898054 | Anexo | |||
26898056 | Anexo | |||
26898057 | Anexo | |||
26898059 | Anexo | |||
26898062 | Anexo | |||
26898065 | Anexo | |||
26898070 | Anexo | |||
26898072 | Anexo | |||
26898076 | Anexo | |||
26898080 | Anexo | |||
26898085 | Requerimento | |||
28437714 | Despacho | |||
31110466 | Anexo | |||
31110546 | Despacho | |||
31208754 | Despacho | |||
33764691 | Despacho | |||
34602637 | Nota Técnica 17469 | |||
34733822 | Minuta de Portaria | |||
34974804 | Ofício 61050 | |||
35152750 | ||||
35580922 | Parecer | |||
36476978 | ||||
36600654 | ||||
36602073 | ||||
37594689 | Ofício 112257 | |||
37680568 |
II – PRELIMINARMENTE – FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.
Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.
A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.
Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionária da autoridade assessorada.
Já as questões que envolvam a legalidade,[1] de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.
Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.
III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever fragmento da Nota Técnica SEI nº 17469/2023/MGI (SEI nº 34602637), elaborada pelo Serviço de Destinação Patrimonial da Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Paraná (SPU-PR), verbis:
(...)
"SUMÁRIO EXECUTIVO
1. Trata-se a presente Nota Técnica do Requerimento PR02407_2022 (SEI nº26898085) , para obtenção de autorização de obras em área da União, realizado pela prefeitura municipal de Guaíra-PR a fim de construir muro de arrimo às margens do rio Paraná com duração estimada de 59 meses.
ANÁLISE
2. A obra compreende 1980 metros, altura de 2,30m e 1,95m de base, compreendido entre as proximidades da ponte Ayrton Senna (rodovia federal BR 163) e o farol localizado no centro Náutico com as seguintes coordenadas: Ponto 01: 22J779.771,85 m E/7.335.226,65 m N e Ponto 02: 22J778.129,26 m E/7.334.693,52 m N.
3. O requerente anexou os documentos do representante legal da solicitação em (26898057, 26898054 e 26898059) compostos pelos documentos pessoais, termo de posse e publicação em diário oficial.
4. Também foram anexados os documentos referentes à planta do terreno (26898051), memorial descritivo (26898056), comprovação de pedido de autorização no Instituto Água e Terra (26898062) e documento do IBAMA afirmando se tratar de competência de autorização estadual (26898065).
5. Após isso, a solicitação foi indeferida à época, por esta SPU, sob argumento de que "a realização de obras em áreas de preservação permanente - APP - depende de prévio licenciamento ambiental e consequentes estudos, tais como o de impacto ambiental, entre outros", conforme indeferimento (26898070).
6. Com isso, o requerente anexou os documentos 26898080 e 26898076 que tratam, respectivamente, da reiterada afirmação do IBAMA quanto a se tratar de área com responsabilidade estadual no que tange à questão ambiental e da Informação Técnica 033/2021 do Instituto Água e Terra, na qual foi explicitada que "É fato e notório que na análise e percepção das questões socioambientais, o trechodas margens pretendido para as obras de construção de muro de arrimo não se caracteriza por atividade ou obra de grande porte e/ou que possua alto potencial poluidor/degradador. Em que pese a obra ser localizada em Área de Preservação Permanente APP do rio Paraná, a mesma converge a luz do que expressa a Resolução CONAMA nº 369/2006, que dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em APP, em especial o disposto no seu artigo 2o...".
7. Após isso, foi verificada mais acuradamente a área e sua localização, no que resultou nos documentos (31110466 e 31110546) elaborados pela área de caracterização desta SPU.
8. Ressalta-se que é proibida a construção fora da área cadastrada, em imóvel da União, passível de multa e suspensão da mesma.
CONCLUSÃO
9. Conforme os fatos elencados acima, indicamos o atendimento do requerimento. Opina-se pelo deferimento do pleito.
10. Para tanto, indicamos o envio da minuta de portaria (34733822)."
III.1 - TERRENOS MARGINAIS. PORÇÃO DE TERRA BANHADA PELAS CORRENTES NAVEGÁVEIS FORA DO ALCANCE DAS MARÉS.
Quanto aos "terrenos marginais", o artigo 4º, do Decreto-Lei Federal nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, os conceitua como aqueles banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, até a distância de 15 (quinze) metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, contados desde a linha média das enchentes ordinárias.
Para melhor compreensão do conteúdo e alcance da expressão "terrenos marginais", reputo conveniente citar o conceito existente no Manual de Fiscalização do Patrimônio da União 2018, páginas 20/21, verbis:
(...)
"OS TERRENOS MARGINAIS
Terreno marginal é a porção de terra banhada pelas correntes navegáveis, fora do alcance da influência das marés, que se estende até a distância de 15 metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, contados a partir da Linha Média das Enchentes Ordinárias (LMEO).
A Linha Média das Enchentes Ordinárias (LMEO) é uma linha fictícia, definida a partir da média das enchentes do rio.
Os terrenos marginais só serão propriedade da União quando seguirem lagos, rios ou quaisquer correntes de águas federais.
Os terrenos marginais são aqueles situados fora da influência de maré. Portanto, somente terrenos localizados ao lado de águas doces podem ser considerados terrenos marginais.
Por fim, cabe destacar que a regra para definir a titularidade das praias fluviais é a mesma que se aplica aos terrenos marginais, ou seja, segue a titularidade do rio onde estão situadas". (os grifos não constam do original)
Neste sentido entendo oportuno transcrever o magistério de José dos Santos Carvalho Filho[2]:
(...)
"16
Bens Públicos
(...)
"XI. Águas Públicas
Águas públicas são aquelas de que se compõem os mares, os rios e os lagos do domínio público.
De acordo com o Código de Águas (Decreto nº 24.643, de 10.7.1934), existem três categorias de águas: (a) águas públicas (pertencentes ao Poder Público); (b) águas privadas (nascidas e localizadas em terrenos particulares, quando não estejam em categoria diversa); (c) águas comuns (correntes não navegáveis ou flutuáveis e que não criem tais correntes)[3].
As águas públicas, por sua vez, dividem-se em águas de uso comum e águas dominicais.
As águas públicas de uso comum, em toda a sua extensão, são as águas dos lagos, bem como dos cursos d’água naturais que, em algum trecho, sejam flutuáveis ou navegáveis por um tipo qualquer de embarcação (art. 2º do Código de Águas).
São águas públicas dominicais todas as situadas em terrenos também dominicais, quando não se configurarem como águas públicas de uso comum ou não se qualificarem como águas comuns (art. 6º do Código de Águas).
Segundo alguns especialistas, em virtude do crescente processo de publicização das águas e pelo texto sobre águas previsto na vigente Constituição, teria sido extinta a categoria de águas privadas, prevista no Código de Águas, fato que teria sido reforçado pelo art. 1º, I, da Lei no 9.433/1997, sobre recursos hídricos, segundo o qual a água é um bem de domínio público[4]. Com a devida vênia, ousamos discordar desse entendimento. A uma, porque não vislumbramos no texto constitucional tal desiderato; a duas, porque a norma da Lei no 9.433 deve ser interpretada em relação às águas que são efetivamente públicas. As águas formadas em áreas privadas – tanques, pequenos açudes e lagos, locais de armazenamento de águas da chuva – são bens privados, ainda que eventualmente tenham sido captados de águas públicas. Por conseguinte, concordamos em que as águas, em sua maioria, sejam bens públicos, mas isso não afasta a possibilidade da existência de águas privadas[5].
A Constituição apresenta partilha de águas entre a União e os Estados. Assim, são do domínio da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água que:
a) estejam em terrenos de seu domínio;
b) banhem mais de um Estado;
c) façam limites com outros países; e
d) se estendam a território estrangeiro ou dele provenham (art. 20, III, CF).
Aos Estados pertence o domínio das demais águas públicas. Segundo o texto constitucional, pertencem-lhes “as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito”, ressalvando-se, nesse caso, as que decorram de obras da União (art. 26, I, CF).
Nenhuma referência foi feita na Constituição sobre o domínio do Município sobre águas públicas. Como a divisão constitucional abrangeu todas as águas, é de considerar-se que não mais tem aplicação o art. 29 do Código de Águas, quando admitiu pertencerem aos Municípios as águas situadas em seus territórios
(...)
4. TERRENOS RESERVADOS
Terrenos reservados, também chamados terrenos marginais, são aqueles que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, se estendem até a distância de 15 metros para a parte da terra, contados desde a linha média das enchentes ordinárias. A expressão terrenos reservados é empregada pelo Código de Águas, ao passo que terrenos marginais foi a utilizada no Decreto-lei nº 9.760/1946. A conceituação é idêntica em ambos os diplomas, razão por que se consideram com o mesmo sentido[6]. (destacou-se)
Lavra grande controvérsia sobre o domínio dos terrenos reservados. Entendemos que o ponto nodal para análise é o art. 31 do Código de Águas, pelo qual pertencem aos Estados os terrenos reservados às margens das correntes e lagos navegáveis, isso se, por algum título, não estiverem no domínio federal, municipal ou particular. Diante desse texto legal, ter-se-á que considerar, no concernente aos rios navegáveis, que a regra é que tais terrenos pertençam aos Estados, só não lhes pertencendo se forem federais, municipais ou particulares, estes provando a propriedade por título que indique sua transferência pelo Poder Público, como, por exemplo, as concessões de domínio. Em relação aos rios não navegáveis, dispõe o art. 12 do Código de Águas que, dentro de faixa de 10 metros, fica estabelecida servidão de trânsito para os agentes da Administração, quando em execução de serviço.
A Súmula 479 do STF, a seu turno, averba que “as margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”. Pelo entendimento da mais alta Corte do país, foi considerada a antiga tradição do Direito brasileiro de considerar do domínio público os terrenos marginais. Deve interpretar-se a posição do STF, todavia, excluindo de sua abrangência as áreas marginais “que houverem sido legitimamente transferidas pelo Poder Público ao domínio privado”[7]. Entretanto, se o proprietário ribeirinho não dispuser de título legítimo que prove o domínio privado, os terrenos reservados pertencerão realmente ao domínio público. Conclui-se, por conseguinte, que os terrenos marginais podem ser do domínio público, que é a regra geral, ou do domínio privado, quando provada a transmissão legítima da área. A orientação da Súmula foi reafirmada pela Corte[8]. Ressalve-se, no entanto, que há interpretação no sentido de as referidas áreas pertencerem ao domínio privado, sendo, pois, suscetíveis de desapropriação e indenização[9].
Sobre o tema preleciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro[10] o seguinte:
(...)
"16.8 BENS PÚBLICOS EM ESPÉCIE
(...)
16.8.2 Terrenos reservados
Quanto às margens dos rios não navegáveis, eram oneradas, em uma faixa de 10 metros, com servidão de trânsito, em benefício dos agentes da administração em execução de serviços (art. 12 do Código de Águas).
Na jurisprudência, ficou assentado, pela Súmula nº 479, do STF, que “as margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”. A súmula indica, como referência, os acórdãos proferidos nos Recursos Extraordinários nºs 10.042, de 29-4-46, 59.737, de 24-9-68, e 63.206, de 1º-3-68.
Em todos esses julgados parte o STF do pressuposto de que, na tradição do nosso direito, os terrenos marginais sempre foram do domínio público, de modo que o único título hábil para a sua transferência para o domínio privado é a concessão pelo poder público. Qualquer outro título seria inábil para esse fim.
Partindo do pressuposto de que, quando da descoberta do Brasil, todos os bens eram públicos, do domínio da coroa, e que os mesmos foram passando para o domínio privado mediante concessões, vendas e doações, a conclusão lógica era a de que os únicos títulos que legitimavam a propriedade de particulares sobre os terrenos reservados seriam aqueles filiados a aquisições feitas pelo Poder Público, conforme demonstrou Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (in RDA 6/24-40), com base nas leis imperiais e na doutrina.
A Súmula nº 479 refere-se a julgados em que os pretensos proprietários dos imóveis apresentavam títulos de aquisição não emanados do Poder Público e, por isso mesmo, considerados bens públicos insuscetíveis de desapropriação. No entanto, nos casos em que os títulos são legítimos, porque representados por concessão feita pelo Poder Público, a referida súmula não tem aplicação, de modo que, se o bem for desapropriado, a indenização deverá abranger a faixa correspondente aos chamados terrenos reservados, que estavam no domínio útil do particular.
Verifica-se, portanto, que os terrenos reservados podiam ser bens públicos ou bens particulares.
Há uma presunção em favor da propriedade pública, devido à própria história das terras no Brasil: todas pertenciam à coroa. Essa presunção se desfazia nos casos concretos em que particulares demonstrassem que tinham recebido essas terras por concessão (aforamento) do Poder Público. Nesse caso, seriam bens particulares: se a concessão tivesse sido feita antes da Lei nº 1.507, de 1867, tais terrenos estariam livres de servidão; se a concessão tivesse sido feita posteriormente, estariam onerados com a servidão de trânsito instituída por essa lei, visando ao aproveitamento industrial das águas e de energia hidráulica, bem como utilização da navegação do rio (cf. Di Pietro, 1978:117-128).
Uma parte dos terrenos reservados, chamada terrenos marginais, é de propriedade da União, por força do artigo 1º, b e c, do Decreto-lei nº 9.760, de 5-9-46; de acordo com esse dispositivo, incluem-se entre os bens imóveis da União:
a) os terrenos marginais dos rios navegáveis, em Territórios Federais se, por qualquer título legítimo, não pertencerem a particular;
b) os terrenos marginais de rios e ilhas nestes situadas, na faixa da fronteira do território nacional e nas zonas onde se faça sentir a influência das marés.
E o artigo 4º define os terrenos marginais como os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 metros medidos horizontalmente para a parte da terra, contados desde a linha média das enchentes ordinárias. O conceito é idêntico ao de terreno reservado, contido no artigo 14 do Código de Águas, já transcrito, do que se deduz que as expressões são sinônimas. Combinando-se as disposições dos artigos 11 e 31 do Código de Águas e 1º e 4º do Decreto-lei nº 9.760/46, chegava-se à conclusão de que os terrenos reservados pertenciam, em regra, aos Estados, salvo os terrenos marginais que se situassem nos Territórios Federais e na faixa de fronteira (que pertencem à União) e os que se encontrassem em poder dos particulares, por título legítimo (aforamento).
Ocorre que a Constituição de 1988 trouxe inovação que implicou em revogação tácita de dispositivos do Código de Águas. Com efeito, no artigo 20, III, inclui os terrenos marginais no domínio da União. Com isso, deixaram de existir terrenos marginais de propriedade dos Municípios ou dos particulares, como deixaram de existir águas particulares. Todos os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de domínio da União ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais, se incluem entre os bens da União, conforme consta expressamente do referido dispositivo constitucional. (os destaques não constam do original)
Ficaram no domínio dos Estados, conforme artigo 26, inciso III, “as águas fluviais e lacustres não pertencentes à União”.
Na lição de José Afonso da Silva (2005:256), “todas as correntes de água são públicas, de sorte que a Constituição reparte o domínio das águas entre a União e os Estados, modificando profundamente o Código de Águas, eliminando as antigas águas municipais, as comuns e as particulares. Logo os terrenos reservados, que são sempre os banhados por correntes navegáveis, serão de domínio público da União se a corrente navegável a ela pertencer, ou de domínio público do Estado a que pertencer a corrente navegável”.
Trata-se de hipótese em que a aquisição de bens pelo Poder Público decorre diretamente de lei; no caso específico, decorre da própria Constituição, caracterizando o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2006:358) chama de “expropriação constitucional, de natureza confiscatória”, já que feita sem qualquer indenização aos proprietários.
No mesmo sentido é o entendimento adotado por Marcos Luiz da Silva em trabalho específico sobre os terrenos marginais[11], no qual ele afirma que “a titularidade do imóvel da União se dá em face de determinação constitucional, de modo que o ato de demarcação da área do Poder Público é meramente declaratório da propriedade, conforme já dito alhures, e independe de qualquer ato posterior para constituir-se validamente. O registro em cartório teria o condão de dar a devida publicidade ao título da União, com o fito de evitar que negócios jurídicos sejam entabulados tendo como objeto tais imóveis, e, por conseguinte, pessoas de boa-fé sejam prejudicadas em tais transações”. Em favor de seu posicionamento, cita acórdão do Superior Tribunal de Justiça, proferido a respeito dos terrenos de marinha que é inteiramente aplicável aos terrenos reservados (RE-624.746/RS).
III.2 - COMPETÊNCIA DO SUPERINTENDENTE DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO PARA FORMALIZAÇÃO DO ATO AUTORIZATIVO.
A Portaria ME nº 335, de 02 de outubro de 2020, publicada no Diário Oficial da União (DOU) nº 191, de 05 de outubro de 2020, Seção 1, página 30, que aprovou o Regimento Interno da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, órgão subordinado à Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, conferiu em seu artigo 36, incisos XIV e XX, as seguintes atribuições às SPU's:
(...)
"ANEXO
REGIMENTO INTERNO
SECRETARIA DE COORDENAÇÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO
(...)
CAPÍTULO III
DAS COMPETÊNCIAS DAS UNIDADES
Art. 36. Às Superintendências do Patrimônio da União competem:
(...)
XIV - executar as ações delegadas pelo Secretário do Patrimônio da União; (destacou-se)
(...)
XX - executar as atividades relacionadas ao desenvolvimento de ações e projetos voltados à gestão de orlas e praias, incluindo a análise dos Planos de Gestão Integrada elaborados pelos Municípios, os relatórios e demais atos administrativos relativos ao Termo de Adesão à Gestão de Praias Marítimas e Estuarinas.
Já o artigo 44, incisos I a XII, estabelecem as atividades de competência dos Superintendentes.
A Portaria SPU/ME nº 8.678, de 30 de setembro de 2022, da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, publicada no Diário Oficial da União (DOU) nº 193, Seção 1, de 10 de outubro de 2022 (Segunda-feira), subdelegou competência aos Superintendentes do Patrimônio da União para a prática de vários atos administrativos, dentre os quais se destaca a realização de obra em áreas de uso comum do povo de domínio da União, quando a intervenção a ser realizada não alterar essa característica e for dispensada posterior cessão, verbis:
(...)
"Art. 5º. Fica subdelegada competência aos Superintendentes do Patrimônio da União para a prática dos seguintes atos administrativos, após apreciação favorável do GE-DESUP, nos casos exigidos pela Portaria 7.397, de 24 de junho de 2021 e sua alterações:
(...)
XI - autorização de obra em áreas de uso comum do povo de domínio da União, quando a intervenção a ser realizada não alterar essa característica e for dispensada posterior cessão;" (grifou-se)
Neste aspecto, está cumprido o primado da legalidade no tocante à competência[12][13] do Superintendente do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina para a prática do ato administrativo consubstanciado na autorização de obra em área de uso comum do povo de domínio da União.
III.3 - LICENCIAMENTO AMBIENTAL.
No que tange à obtenção de licenças ambientais destinadas ao projeto de construção de muro de arrimo na margem do Rio Paraná, o processo administrativo está instruído com o OFÍCIO Nº 100/2022/CGTEF/DILIC, assinado eletronicamente em 02 de maio de 2022 (SEI nº 26898080), proveniente da Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Fluviais e Pontuais Terrestres da Diretoria de Licenciamento Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (CGTEF/DILIC/IBAMA), com a informação de que os empreendimentos/atividades/obras sujeitas ao licenciamento ambiental federal são aquelas discriminadas no artigo 7º, inciso XIV, alíneas "a" a "h", da Lei Complementar Federal nº 140, de 8 de dezembro de 2011.
Segundo o IBAMA, o fato da dominialidade do Rio Paraná ser federal não atrai a sua competência para o licenciamento da obra, razão pela qual firmou entendimento de que o licenciamento ambiental para construção do muro de arrimo na margem do Rio Paraná constitui competência estadual.
Consta da instrução processual a INFORMAÇÃO TÉCNICA Nº 033/2021 (SEI nº 26898076), oriunda da Divisão de Licenciamento Estratégico da Gerência de Licenciamento da Diretoria de Licenciamento e Outorga do Instituto Água e Terra (DLE/GELI/DILIO/IAT), entidade autárquica vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e do Turismo do Estado do Paraná.
Segundo esclarecimento prestado pelo Instituto Água e Terra (IAT) na INFORMAÇÃO TÉCNICA Nº 033/2021 (SEI nº 26898076), "é fato e notório que na análise e percepção das questões socioambientais, o trecho das margens pretendido para as obras de construção de muro de arrimo não se caracteriza por atividade ou obra de grande porte e/ou que possua alto potencial poluidor/degradador. Em que pese a obra ser localizada em Área de Preservação Permanente - APP do rio Paraná, a mesma converge a luz do que expressa a Resolução CONAMA nº 369/2006, que dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em APP, em especial o disposto no seu artigo 2º".
O processo administrativo está instruído com a LICENÇA PRÉVIA Nº 43522 (SEI nº 26898062), expedida pela Diretoria de Controle de Recursos Ambientais do Instituto Água e Terra do Estado do Paraná (IAT-PR), válida até 17/05/2027, referente ao empreendimento denominado "Muro de Arrimo e Urbanização da Orla do Rio Paraná", com extensão de 1.980 metros, 2,30 m de altura e 1,95 m de base, compreendendo o trecho próximo da ponte Ayrton Senna (Rodovia Federal BR-163) e o farol localizado no Centro Náutico, Município de Guaíra, Estado do Paraná.
Com efeito, o Licenciamento Ambiental consiste em instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, cujo regramento está definido na Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.
A Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997, em seu artigo 1º, inciso I, define o Licenciamento Ambiental como o "procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso".
Já a Licença Ambiental é conceituada como o "ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental". (art. 1º, inc. II).
A Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997, no artigo 8º, preceitua que o Poder Público, no exercício de suas competência de controle, expedirá as seguintes licenças:
I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;
III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.
Segundo o parágrafo único do artigo 8º, "as licenças ambientais poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, características e fase do empreendimento ou atividade".
De acordo com o artigo 2º, inciso I, da Lei Complementar Federal nº 140, de 08 de dezembro de 20011, "o licenciamento ambiental consiste no procedimento administrativo destinado a licenciar atividade ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental".
Para melhor compreensão do conceito de licenciamento ambiental como instrumento de política ambiental entendo pertinente transcrever o ensinamento de Paulo Affonso Leme Machado em sua primorosa obra Direito Ambiental Brasileiro[14], verbis:
(...)
"CAPÍTULO V
LICENCIAMENTO AMBIENTAL
(...)
II - LICENCIAMENTO AMBIENTAL E A LEI COMPLEMENTAR 140/2011
1. CONCEITO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL
1.1. O conceito e os princípios do licenciamento ambiental
A Lei Complementar 140, de 8.12.2011, trata principalmente de dois temas: repartição das ações administrativas do entes federados e o exercício do licenciamento ambiental.
O licenciamento ambiental é conceituado como "o procedimento administrativo destinado a licenciar atividade ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental" (art. 2º, I).
"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Município obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência" (art. 37, caput, da CF). Portanto, nos atos de processo administrativo de licenciamento ambiental, em todo o Brasil, independentemente de qual seja o órgão ambiental licenciador, os princípios mencionados devem ser expressamente cumpridos.
No concernente à Administração Pública federal, além dos princípios do art. 37, já referidos, há a obrigação de serem observados os princípios da legalidade, da finalidade, da motivação, da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade, da ampla defesa, do contraditório, da segurança jurídica, do interesse público e da eficiência (Lei 9.784, de 29.1.1999, art. 2º).
O licenciamento ambiental destina-se a licenciar atividade ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, isto é, a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera (art. 3º da Lei 6.938/1981). Os conceitos de degradação ambiental e de poluição podem ser encontrados na mencionada lei[15].
1.2. Abrangência do licenciamento ambiental e o estudo de impacto ambiental
O licenciamento ambiental ou a autorização ambiental podem conter a intervenção do órgão público para o desempenho de uma determinada atividade, como a atividade florestal, quando da supressão da vegetação, ou essa ação administrativa pode passar por várias etapas.
A lei complementar em estudo poderia ter sido explícita em abordar, pelo menos, duas etapas do licenciamento ambiental industrial: a localização do empreendimento e a sua operação. Não há uma vedação de que a lei ordinária ou o regulamento o façam.
O licenciamento ambiental, como está definido e tratado na Lei Complementar 140/2011, não abrange o estudo de impacto ambiental. Os dois instrumentos administrativos ambientais são autônimos, ainda que entrelaçados, como mostra a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), que os coloca, no mesmo art. 9º, mas em incisos diferentes: (...) III - a avaliação de impactos ambientais; e IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras: (...)". Além da lei mencionada, a Constituição consagrou o procedimento do inciso III da Lei 6.938, com o nome de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (art. 225, § 1º IV, como exigência para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, a que se dará publicidade.
(...)
2. O LICENCIAMENTO AMBIENTAL - A LEI COMPLEMENTAR 140/2011, COMO NORMA GERAL, E A COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS ESTADOS
A Lei Complementar 140 é uma "norma geral" no sentido do art. 24, § 1º, da CF, prevendo que "a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados". A matéria tratada na referida lei complementar não é de competência privativa da União, assinalando-se que faz parte da competência concorrente, as "florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recurso naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição" (art. 24, VI, da CF).
Há de ser levada em conta no exame da Lei Complementar 140, em confronto com o art. 24, § 1º da Constituição, a dimensão que constitucionalmente se pode dar a uma "norma geral". A "norma geral", antes de mais nada, deve respeita as autonomias dos entes federativos, como manda o art. 18, caput, da Constituição e, dessa forma, não pode ser uma norma que inviabilize os Estado de exercerem sua "competência suplementar". Conforme esse entendimento, não se pode conceber que a instituição do licenciamento "único" seja uma norma totalizadora, sem possibilidade de suplementação pelos Estados.
Édis Milarés em sua lapidar obra Direito do Ambiente[16] leciona o seguinte sobre licenciamento ambiental:
(...)
"TÍTULO XI - POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE
(...)
CAPÍTULO II - INSTRUMENTOS
(...)
"2. Conceito de licenciamento ambiental
O licenciamento, como instrumento de política ambiental, obedece a preceitos legais, normas administrativas e rituais claramente estabelecidos, sendo destinado a disciplinar a implementação de atividades ou empreendimentos que causem ou possam causar alterações do meio, com repercussões sobre a qualidade ambiental.
Deveras, a implementação de um determinado empreendimento ou atividade pode desencadear um impacto ambiental significativo (p. ex.: um terminal portuário, uma usina hidrelétrica, uma rodovia) ou mesmo um alto risco ambiental (p. ex.: uma usina eletronuclear), mas sua concretização não é aprioristicamente vedada pela legislação; caberá ao órgão estatal licenciador exigir do empreendedor a realização de estudos capazes de antever os possíveis impactos decorrentes da mencionada atividade ou empreendimento, bem como de subsidiar a eleição de medidas para evitar, mitigar ou compensar esses impactos, a fim de contribuir para uma decisão clara, técnica e pública acerca da viabilidade, ou não, do projeto proposto.[17]
(...)
Como veremos adiante, melhor seria dizer que se trata de processo administrativo por meio do qual se busca aferir a viabilidade ambiental de atividades ou empreendimentos supostamente causadores de degradação ambiental, como, aliás, assimilado pelo PL 3.729/2004, sobre o licenciamento ambiental e a avaliação ambiental estratégica".
Neste aspecto preleciona Celso Antonio Pacheco Fiorillo em sua primorosa obra Curso de Direito Ambiental Brasileiro[18] o que se segue:
(...)
"CAPÍTULO VII
LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL
1. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E LICENÇA ADMINISTRATIVA
Inicialmente, faz-se necessário distinguir o licenciamento ambiental da licença administrativa. Sob a ótica do direito administrativo, a licença é espécie de ato administrativo "unilateral e vinculado, pelo qual a Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade[19]. Com isso, a licença é vista como ato declaratório e vinculado.
O licenciamento ambiental, por sua vez, vinculado que está ao princípio constitucional ambiental da prevenção[20], tendo por via de consequência gênese e natureza jurídica estruturadas diretamente na Constituição Federal, é um complexo de etapas que compõe procedimento administrativo próprio e peculiar, o qual objetiva a concessão de licença ambiental, sendo certo que "a Constituição não autoriza que um ato legislativo ingresse no domínio normativo atribuído pela Constituição aos órgãos administrativos para a execução de atividades relacionadas ao Poder de Polícia Ambiental"[21]. Dessa forma, não é possível identificar isoladamente a licença ambiental, porquanto esta é uma das fases do procedimento.
(...)
Como veremos mais adiante, o licenciamento ambiental é dividido em três fase: a) licença prévia (LP); b) licença de instalação (LI); e c) licença de funcionamento (LF). Observaremos também que durante essas fase podem encontrar a elaboração do estudo prévio de impacto ambiental e o seu respectivo relatório (EIA/RIMA), bem como a realização de audiência pública, em que permite a efetiva participação da sociedade civil.
2. NATUREZA JURÍDICA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL E SUA GÊNESE CONSTITUCIONAL
Como determina o art. 9º , IV, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), o licenciamento ambiental é um instrumento de caráter preventivo de tutela do meio ambiente, tendo gênese e natureza jurídica estruturadas diretamente na Constituição Federal, vinculado que está ao princípio ambiental constitucional da prevenção, conforma aduzido anteriormente.
O licenciamento ambiental não é ato administrativo simples, mas sim um encadeamento de atos administrativos, o que lhe atribui a condição de procedimento administrativo. Além disso, importante frisar que a licença administrativa constitui ato vinculado, o que denuncia uma grande distinção em relação à licença ambiental, porquanto esta é está, como regra, ato discricionário[22].
(...)
4. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Primeiramente, ressaltamos que todo o procedimento de licenciamento ambiental deverá ser elaborado de acordo com os princípios do devido processo legal, o que implica dizer que "dez aspectos principais estão ligados ao respeito pleno do "due process na área do EIA/RIMA: a) um órgão neutro; b) notificação adequada da ação proposta e de sua classe; c) oportunidade para a apresentação de objeções ao licenciamento; d) o direito de produzir e apresentar provas, aí incluindo-se o direito de apresentar testemunhas; e) o direito de conhecer a prova contrária; f) o direito de contradita testemunhas; g) uma decisão baseada somente nos elementos constantes da prova produzida; h) o direito de se fazer representar; i) o direito à elaboração de autos escritos para o procedimento; j) o direito de receber do Estado auxílio técnico e financeiro; l) o direito a uma decisão escrita motivada".
Com isso, podemos afirmar que o licenciamento ambiental será regido pelo princípio da moralidade ambiental, legalidade ambiental, publicidade, finalidade ambiental, princípio da supremacia do interesse difuso sobre o privado, princípio da indisponibilidade do interesse público, entre outros.
4.1. ETAPAS DO LICENCIAMENTO
O licenciamento ambiental é feito em três etapas distintas e insuprimíveis: a) outorga da licença prévia; b) outorga da licença de instalação; e c) outorga da licença de operação. Ressalta-se que entre uma etapa e outra podem-se fazer necessário o EIA/RIMA e a audiência pública.
4.1.1. Licença prévia
A licença prévia vem enunciada no art. 8º, I, da Resolução Conama n. 237/97 como aquela concedida na fase preliminar do planejamento da atividade ou empreendimento, aprovando a sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de implementação.
Importante verificar que a licença prévia tem prazo de validade de até cinco anos, conforme dispõe o art. 18, I, da mesma resolução.
4.1.2. Licença de instalação
A licença de instalação, obrigatoriamente precedida pela licença prévia, é aquela que "autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante", conforme preceitua o art. 8º, II, da Resolução Conama n. 237/97[23].
Assim como a prévia, a licença de instalação também possui prazo de validade, que não poderá superar seis anos, conforme dispõe o art. 18, II, da resolução.
4.1.3. Licença de operação
A licença de operação, também chamada de licença de funcionamento, sucede a de instalação e tem por finalidade autorizar a "operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação", conforme dispõe o art. 8º, III, da Resolução Conama n. 237/97". (os destaques não constam do original)
É oportuno salientar que o artigo 6º, parágrafo 1º, da Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, confere ao Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição, a competência para elaboração de normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
Com o advento da Lei Complementar Federal nº 140, de 08 de dezembro de 2011, foram estabelecidas as normas de cooperação entre a União, os Estados e Municípios, relativamente ao exercício da competência prevista nos incisos III, VI e VII do artigo 23 da Constituição Federal, dentre elas a de Licenciamento Ambiental, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade.
Sobre o Federalismo cooperativo nas ações de gestão ambiental consagrado na Lei Complementar Federal nº 140/2011, reputo conveniente citar novamente a lição de Édis Milaré[24]:
(...)
"QUINTA PARTE - A ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL
TÍTULO X - GESTÃO E POLÍTICA DO AMBIENTE
CAPÍTULO I - GESTÃO PÚBLICA DO MEIO AMBIENTE
(...)
"4. Federalismo cooperativo nas ações de gestão ambiental
A Constituição de 1988, ao tempo em que desenhou um modelo de Estado Democrático de Direito (caput do art. 1º) e proclamou a autonomia dos diversos entes da Federação (arts. 1º e 18, caput), recepcionou a Lei 6.938/1981 e deixou claro que as Entidades Federativas, em consonância com a estrutura de federalismo cooperativo então adotado, deveriam compartilhar responsabilidades sobre a condução das questões ambientais, tanto no que tange à competência legislativa concorrente/suplementar (arts. 24 e 30, II) quanto no que se refere à competência administrativa comum, também dita material ou implementadora (art. 23), inscrevendo, no que é de interesse, que:
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:[...]III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;[...]VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;[...]Par. único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional” (Redação dada pela EC 53/2006 ).
Destarte, a LC 140, de 02.12.2011 , que acabou por regulamentar os sobreditos incisos do art. 23 da CF, representa, a bem ver, pagamento de promessa solenemente materializada no referido par. único do art. 23 da Lei Máxima, em ordem a fixar normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no exercício da competência comum em matéria ambiental e a evitar a excessiva cultura centralizadora, em detrimento do que se vem chamando de federalismo cooperativo ecológico, materializado pela integração dos arts. 18, 23, VI e VII, 24, VI e 225 da CF e pela LC 140/2001 , que incorporou o princípio da cooperação ao ordenamento jurídico nacional."
4.1 Objetivos fundamentais
O art. 3º da LC 140/2011 enumera como objetivos fundamentais dos entes federativos no exercício da competência comum:
“I – proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e eficiente;
II – garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais;
III – harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente;
IV – garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as peculiaridades regionais e locais”.
Nada obstante a clareza do conteúdo subjacente em cada um desses objetivos, não custa enfatizar a importância do enunciado inserto no inc. III, que visa a evitar as recorrentes disputas de poder entre os órgãos ambientais, muitas vezes se digladiando no afã de atrair para si competências que não têm, em verdadeira afronta ao texto constitucional que as orienta".
Sobre o tema Paulo Affonso Leme Machado[25] aduz o seguinte:
(...)
"CAPÍTULO VII
LICENCIAMENTO AMBIENTAL E ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL
(...)
3.1. A unicidade do licenciamento não pode ser um dogma
Diferente é o sistema de licenciamento ambiental num pais de regime unitário - com os órgãos ambientais centralizados e onde a autorização ou a licença ambiental é concedida em um território de proporção menor - do que nos países de regime federativo, geralmente de maior proporção territorial.
Na instituição do licenciamento ambiental somente por um ente federativo, foi apontado o interesse em evitar-se a "sobreposição de atuação entre os entes federativos". No federalismo podem existir interesses públicos de vários aspectos em que a simultaneidade do exame administrativo não leva, necessariamente, a uma estado de conflito entre os entes federativos. O exame conjunto, não apenas opinativo, mas vinculante por diversos entes federativos pode propiciar o aporte de uma maior e melhor conhecimento sobre o empreendimento a ser licenciado ou autorizado e a utilização de tecnologias não degradadoras do meio ambiente."
III.4 - MINUTA DA PORTARIA AUTORIZATIVA DE EXECUÇÃO DE OBRAS.
À e-CJU/PATRIMÔNIO incumbe analisar, sob o aspecto jurídico-formal, a regularidade e legalidade da minuta de Portaria Autorizativa (SEI nº 34733822).
Segundo o Manual da Presidência da República[26] a PORTARIA consiste no instrumento pelo qual Ministros ou outras autoridades expedem instruções sobre a organização e o funcionamento de serviços, sobre questões de pessoal e outros ato de sua competência.
Assim como os atos legislativos, a portaria contém parte preliminar, parte normativa e parte final. Por esta razão, de acordo com orientação contida no Manual da Presidência da República, as considerações do subitem "19.1 Forma e estrutura" também são aplicáveis ao referido instrumento normativo. Entretanto, a portaria não possui fecho e, além disso, as portarias relativas às questões de pessoal não contém ementa.
O projeto de ato normativo é estruturado nas 3 (três) partes básicas a seguir discriminadas:
a) parte preliminar, que compreende:
1. a epígrafe
2. a ementa; (quando cabível) e
3. o preâmbulo, que abrange:
3.1. a autoria;
3.2. o fundamento de validade;
e 3.3. quando couber, a ordem de execução, o enunciado do objeto e a indicação do âmbito de aplicação da norma.
b) parte normativa, com as normas que regulam o objeto; e
c) parte final, contendo:
1. disposições sobre medidas necessárias à implementação das normas constantes da parte normativa;
2. as disposições transitórias;
3. a cláusula de revogação, quando couber; e
4. a cláusula de vigência.
Segundo Manual da Presidência da República a EPÍGRAFE constitui a "parte do ato que o qualifica na ordem jurídica e o situado no tempo, por meio da denominação, da numeração e da data, devendo ser grafadas em maiúsculas e sem ponto final. Exemplos de epígrafe:
LEI COMPLEMENTAR Nº 95, DE 26 DE FEVEREIRO DE 1998
DECRETO Nº 9.191, DE 1º DE NOVEMBRO DE 2017
O PREÂMBULO contém a i) indicação do cargo em que se encontra investida a autoridade competente, redigida em letras maiúsculas; ii) o dispositivo legal ou infralegal utilizado como fundamento de validade da norma, devendo ser evitada a utilização da expressão "no uso de suas atribuições regimentais e regulamentares" e iii) a indicação do número do processo administrativo que motivou a edição da norma, quando existente.
A parte normativa do ato conterá o seu texto e será divida em artigos, parágrafos, incisos, alíneas e itens. A Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, contempla as regras para a numeração dos artigos, de modo que, até o artigo nono (art. 9º), deve-se adotar a numeração ordinal. A partir do artigo dez, utiliza-se a numeração cardinal correspondente, seguida de ponto final (art. 10.). Os artigos serão designados pela abreviatura "Art.", com inicial maiúscula, sem traço antes do início do texto e, ao longo do texto, designados pela abreviatura - art. - com inicial minúscula.
Segundo Manual da Presidência da República, na elaboração dos artigos, devem ser observadas algumas regras básicas conforme preleciona Hesio Fernandes Pinheiros em sua obra Técnica Legislativa. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962:
(...)
"Capítulo V
TÉCNICA LEGISLATIVA E ATOS NORMATIVOS
16. Técnica legislativa
(...)
16.2 Sistemática externa da lei
16.2.1 Artigo
"- Cada artigo deve tratar de um único assunto;
- O artigo conterá, exclusivamente, a norma geral, o princípio. As medidas complementares e as exceções deverão ser expressas por meio de parágrafos;
- Quando o assunto requerer discriminações, o enunciado comporá o caput do artigo, e os elementos de discriminação serão apresentados sob a forma de incisos;
- As expressões devem ser usadas em seu sentido corrente, exceto quando se tratar de assunto técnico, hipótese na qual será preferida a nomenclatura técnica, peculiar ao setor de atividades sobre o qual se pretende legislar;
- As frases devem ser concisas;
- Nos atos extensos, os primeiros artigos devem ser reservados à definição dos objetivos perseguidos pelo legislador, à limitação de seu campo de aplicação e à definição de conceitos fundamentais que auxiliem a compreensão do ato normativo".
Os artigos podem desdobrar-se, por sua vez, em parágrafos e incisos; os parágrafos em incisos; estes, em alíneas; e estas, em itens.
O parágrafo constitui, na técnica legislativa, a imediata divisão de um artigo, ou, como anotado por Arthur Marinho citado no Manual da Presidência da República, “(...) parágrafo sempre foi, numa lei, disposição secundária de um artigo em que se explica ou modifica a disposição principal” (MARINHO, Arthur de Sousa. Revista de Direito Administrativo. v. I, pp 227-229; PINHEIRO, Hesio Fernandes. Técnica Legislativa. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962). O parágrafo é representado pelo sinal gráfico § (signum sectionis, em língua portuguesa, sinal de seção ou sinal de corte).
Para melhor compreensão da utilização do parágrafo, reputo relevante transcrever fragmento do Manual da Presidência da República versando sobre a sua aplicação:
(...)
"Capítulo V
TÉCNICA LEGISLATIVA E ATOS NORMATIVOS
16. Técnica legislativa
(...)
16.2 Sistemática externa da lei
(...)
16.2.2 Parágrafo (§)
O parágrafos constitui, na técnica legislativa, a imediata divisão de um artigo, ou, como anotado por Arthur Marinho, “(...) parágrafo sempre foi, numa lei, disposição secundária de um artigo em que se explica ou modifica a disposição principal” (MARINHO, 1944, p. 227-229; PINHEIRO, 1962, p. 100).
O parágrafo é representado pelo sinal gráfico § (signum sectionis, em português, sinal de seção ou sinal de corte).
Também em relação ao parágrafo, existe a prática da numeração ordinal até o nono (§ 9º ) e cardinal a partir do parágrafo dez (§ 10.). Na hipótese de haver apenas um parágrafo, adota-se a grafia “Parágrafo único.” (e não “§ único”), com a primeira letra em maiúsculo quando inicia o texto e minúscula quando citada ao longo do texto. Os textos dos parágrafos serão iniciados com letra maiúscula e encerrados com ponto-final.
(...)
Assim, cumpre ressaltar que a regra geral é o artigo limitar-se a frase curta compondo o caput e as ideias subsequentes serem expressas em outros artigos. A subdivisão dos artigos na forma aqui expressa pode ser conveniente e, dependendo da natureza da norma, exigência de boa técnica legislativa, mas não deve ser vista como regra geral ou como exigência aplicável, de modo invariável, a todos os casos.
Exemplo de parágrafo:
Art. 14 (...)
§ 1ºNão serão objeto de consolidação as medidas provisórias ainda não convertidas em lei. (Lei complementar n° 95, de 26 de fevereiro de 1998)
Exemplo de parágrafo único:
Art. 8º Na hipótese de dissolução da sociedade conjugal por morte de um dos cônjuges, serão tributadas, em nome do sobrevivente, as importâncias que este perceber de seu trabalho próprio, das pensões de que tiver gozo privativo, de quaisquer bens que não se incluam no monte a partilhar e cinquenta por cento dos rendimentos produzidos pelos bens comuns enquanto não ultimada a partilha.
Parágrafo único. Na hipótese de separação judicial, divórcio ou anulação de casamento, cada um dos contribuintes terá o tratamento tributário previsto no art. 2º. (Constituição de 1988)
Quanto à utilização de incisos, alíneas e itens, considerando o aspecto didático, entendo conveniente reproduzir fragmento do Manual da Presidência da República que trata sobre o assunto:
(...)
"Capítulo V
TÉCNICA LEGISLATIVA E ATOS NORMATIVOS
16. Técnica legislativa
(...)
16.2 Sistemática externa da lei
(...)
16.2.3 Incisos, alíneas e itens
Os incisos são utilizados como elementos discriminativos de artigo ou parágrafo se o assunto nele tratado não puder ser condensado no próprio artigo ou não se mostrar adequado a constituir parágrafo. Os incisos são indicados por algarismos romanos seguidos de travessão 127 ou meia-risca, que é separado do algarismo e do texto por um espaço em branco: I – ; II – ; III – etc.
Exemplo de incisos: Art. 26. A margem de dumping será apurada com base na comparação entre: I - o valor normal médio ponderado e a média ponderada dos preços de todas as transações comparáveis de exportação; ou II - os valores normais e os preços de exportação, comparados transação a transação. (BRASIL, 2013d)
As alíneas são representadas por letras e constituem desdobramentos dos incisos e dos parágrafos. A alínea ou a letra será grafada em minúsculo, seguida de parêntese e separada do texto por um espaço em branco: a) ; b) ; c) etc. Quando iniciar o texto e, quando citada ao longo do texto, será grafada em minúsculo, entre aspas e sem o parêntese.
Exemplo de alíneas:
Art. 15 (...)
XII ─ o texto da alínea inicia-se com letra minúscula, salvo quando se tratar de nome próprio, e termina com:
a) ponto e vírgula;
b) dois-pontos, quando se desdobrar em itens; ou c) ponto-final, caso seja a última e anteceda artigo ou parágrafo.
(BRASIL, 2017a)
Os itens são desdobramentos de alíneas e são representados por números cardinais, seguidos de ponto-final e separados do texto por um espaço em branco: 1. ; 2. ; 3 etc.
Exemplo de itens:
Art. 14. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, e observarão o seguinte:
(...)
II - para a obtenção da precisão:
(...)
j) empregar nas datas as seguintes formas:
1. “4 de março de 1998”;
2. “1 o de maio de 1998”;
(...)
(BRASIL, 2002b)"
A parte final abrangerá as i) disposições sobre as medidas necessárias à implementação das normas constantes da parte normativa; ii) as disposições transitórias; iii) a cláusula de revogação no penúltimo artigo, quando for o caso, que deverá relacionar todas as disposições que serão revogadas, sendo vedada a utilização da expressão "revogam-se as disposições em contrário"; e iv) a cláusula de vigência, no último artigo.
Segundo o Decreto Federal nº 10.139, de 28 de novembro de 2019, que dispõe sobre a revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto, a portaria consiste no ato normativo editado por uma ou mais autoridades singulares (art. 2º, inc. I). Segundo o Decreto, as portarias terão numeração sequencial em continuidade às séries em curso quando da entrada em vigor daquele Decreto
Em relação à minuta da Portaria Autorizativa (SEI nº 34733822) seu conteúdo apresenta-se adequado quanto a juridicidade formal e material. Entretanto, objetivando atingir maior segurança jurídica e aprimorar a redação, proponho a Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Paraná (SPU-PR) observar, caso repute adequado e oportuno, os ajustes necessários realizados diretamente na versão em arquivo formato PDF anexada a este PARECER.
Sugiro a SPU-PR promover conferência em todos os atos e termos, a fim de sanar eventuais erros materiais, gramaticais ou de técnica de redação, mas sem alteração do teor dos aspectos jurídicos já abordados, sob pena de se criar necessidade de retorno a e-CJU/PATRIMÔNIO para análise em caráter complementar, o que não se cogita por ora, posto que a conferência de dados é atribuição própria do órgão assessorado.
Destaco que a análise aqui empreendida circunscreve-se aos aspectos legais envolvidos, não incumbido a esta unidade jurídica imiscuir-se no exame dos aspectos de economicidade, oportunidade, conveniência, assim como os aspectos técnicos envolvidos, especialmente a execução de obras de estabilização mediante estruturas de contenção (muro de arrimo) em área de domínio da União, conforme diretriz inserta na Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7.[27]
Tal entendimento está lastreado no fato de que a prevalência do aspecto técnico ou a presença de juízo discricionário determinam a competência e a responsabilidade da autoridade administrativa pela prática do ato.
Neste sentido, a Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7, cujo enunciado é o que se segue:
"Enunciado
A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento." (grifou-se)
IV - CONCLUSÃO
Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "51.", "52." e "53.", desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.
Em razão do advento da PORTARIA NORMATIVA CGU/AGU Nº 10, de 14 de dezembro de 2022, publicada no Suplemento "A" do Boletim de Serviço Eletrônico (BSE) nº 50, de 14 de dezembro de 2022, que dispõe sobre a organização e funcionamento das Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs), convém ressaltar que as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o artigo 22, caput, do aludido ato normativo.
Feito tais registros, ao protocolo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Paraná (SPU-PR) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS 2.0, bem como para adoção da(s) providência(s) pertinente(s) para viabilizar a assinatura da Portaria autorizativa (SEI nº 34733822).
Vitória-ES., 20 de outubro de 2023.
(Documento assinado digitalmente)
Alessandro Lira de Almeida
Advogado da União
Matrícula SIAPE nº 1332670
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154145131202239 e da chave de acesso 1e8e4e85
Notas