ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS
PARECER n. 00023/2023/CGPP/DECOR/CGU/AGU
NUP: 00688.008892/2023-18
INTERESSADOS: ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
ASSUNTOS: ATIVIDADE FIM
EMENTA: ADMINISTRATIVO. ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO - AIR NO ÂMBITO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL. ACÓRDÃO Nº 2.325/2022-TCU-PLENÁRIO, DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, COM RECOMENDAÇÕES À ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO.
I - Interpretação do art. 1º, §1º, do Decreto nº 10.411, de 30 de julho de 2020, sobre a abrangência da obrigatoriedade da elaboração de Análise de Impacto Regulatório - AIR, bem como orientação a respeito da necessidade de observância dos requisitos legais para sua elaboração e dispensa, previstos nos arts. 4º e 6º do mesmo Decreto.
II - Expedição de orientação aos órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União - AGU, para que instruam os órgãos sob seu assessoramento a realizarem a Análise de Impacto Regulatório - AIR no âmbito dos procedimentos administrativos de elaboração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou dos usuários de serviços prestados (art. 1º, §1º, do Decreto nº 10.411, de 2020).
III - A AIR deve ser elaborada por meio de relatório que contenha todos os elementos exigidos pelo art. 6º do Decreto nº 10.411, de 2020, está dispensada apenas em situações restritas, nos termos do art. 4º do 10.411, de 2020, cuja aplicação demandará a expedição de nota técnica ou documento equivalente que fundamente a proposta de edição ou de alteração do ato normativo, nos termos do §1º desse mesmo artigo.
IV - Os órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União deverão orientar os respectivos órgãos assessorados a observarem essa interpretação, bem como, em caso de dúvida sobre a incidência da exigência legal no caso concreto, a encaminharem consulta ao órgão jurídico, que poderá se pronunciar essa questão, no âmbito de sua respectiva competência.
Cód. Ement. 28
Senhor Coordenador-Geral,
Por intermédio do OFÍCIO n. 00013/2023/GAB/DECOR/CGU/AGU, de 12 de setembro de 2023 (Seq. 1), foi determinada a elaboração de manifestação jurídica e de proposta de orientação normativa "(...) tratando sobre a aplicabilidade da AIR e, se for o caso, especificar o papel dos membros da Advocacia-Geral da União para alcançar esse mister".
A demanda originou-se de determinação do Advogado-Geral da União durante o Primeiro Encontro de Alinhamento Estratégico das Consultorias Jurídicas, realizado no dia 6 de setembro de 2023, e atende à recomendação contida no item 9.2 do Acórdão nº 2.325/2022-TCU-Plenário (Seq. 2).[1]
Por seu turno, o Tribunal de Contas da União - TCU, emitira a seguinte recomendação:
"(...).
9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos com vistas a acompanhar as iniciativas do governo federal para a melhoria do ambiente regulatório com foco na implementação do Decreto 10.411/2020;
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
(...).
9.2. recomendar, com fulcro no art. 11, § 1º, da Resolução TCU 315/2020, à Advocacia-Geral da União, como órgão responsável pelo assessoramento e consultoria jurídicos do Poder Executivo federal, conforme disposto no art. 1º, parágrafo único, da Lei Complementar 73/1993, que instrua suas unidades atuantes nos órgãos e entidades federais para alertarem seus jurisdicionados acerca da abrangência do disposto no art. 1º, § 1º, do Decreto 10.411/2020 e da observância aos dispositivos do Decreto 10.411/2020, especialmente seus arts. 4º e 6º;
(...)."
No referido OFÍCIO n. 00013/2023/GAB/DECOR/CGU/AGU (Seq. 1) ressaltou-se que este Departamento já se pronunciou sobre o tema por meio da NOTA n. 00062/2022/DECOR/CGU/AGU, mas decidiu aguardar o julgamento definitivo do TCU antes de provocar os órgãos consultivos a emitirem orientações aos órgãos assessorados sobre a adequada interpretação dos arts. 1º, §1º; 4º e 6º do Decreto nº 10.411, de 30 de julho de 2020.[2]
Registre-se, por oportuno, que o Departamento de Assuntos Extrajudiciais - DEAEX, nos autos nº 00688.000702/2022-25, deu ciência do teor da recomendação do TCU aos órgãos jurídicos.
Constatado que o caso se enquadrava na hipótese do inciso II do art. 2º da Portaria Normativa CGU nº 14, de 23 de maio de 2023 (publicada no Suplemento A do BSE nº 21, de 24 de maio de 2023, Seção 1, Extra, pg. 5), foi realizada reunião de apresentação do caso (cópia da memória em anexo), e definida a necessidade de delimitar o escopo da presente manifestação ao objeto da recomendação do TCU.
Eis a síntese do necessário. Passa-se ao exame propriamente dito.
O objeto da presente uniformização, portanto, refere-se à emissão de orientação acerca do disposto no art. 1º, § 1º, do Decreto 10.411, de 30 de junho de 2020, e da necessidade de observância dos arts. 4º e 6º, especificando, “se for o caso, [...] o papel dos membros da Advocacia-Geral da União para alcançar esse mister" (OFÍCIO n. 00013/2023/GAB/DECOR/CGU/AGU, de 12 de setembro de 2023 -Seq. 1).
Pretende-se elaborar uma orientação sobre a interpretação da abrangência da Análise de Impacto Regulatório - AIR, bem como a necessidade de observância dos requisitos legais para sua elaboração e dispensa.
Com efeito, a auditoria do TCU constatou a existência de dúvida acerca da aplicação do referido Decreto.
A dúvida jurídica demanda medidas destinadas a orientar os órgãos jurídicos e, consequentemente, os órgãos assessorados, acerca da necessidade de promover a correta aplicação do art. 1º, §1º, bem como sobre a necessidade de observância dos arts. 4º e 6º, todos do Decreto nº 10.411, de 2020.[3]
Por seu turno, essas disposições regulamentam dispositivos da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, e da Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019[4], e estabelecem a exigência da AIR previamente a quaisquer "(...) atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados (...)" (§1º do art. 1º do Decreto nº 10.411, de 2020).
O TCU constatou que alguns dos órgãos auditados teriam se declarado não abrangidos pela exigência legal, sob a consideração de que não editariam normas com impacto para agentes econômicos ou para usuários de serviços prestados.
É importante salientar que não foram explicitados os motivos individualmente apontados pelos órgãos e entidades para se julgarem desobrigados do cumprimento da Lei.
Não obstante, isso não prejudica a presente análise.
Como visto das disposições legais acima transcritas, a exigência da elaboração de AIR não se refere apenas às agências reguladoras, estando prevista também no art. 5º da Lei nº 13.874, de 2019, que instituiu a "Declaração de Direitos de Liberdade Econômica" e visa a proteger a livre iniciativa, que é o objeto jurídico tutelado pelo Capítulo III dessa mesma Lei.
Além disso, a regra prevista no §1º do art. 1º do Decreto nº 10.411, de 2020, incide sobre qualquer projeto de ato normativo de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários de serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal.
Portanto, em termos gerais e abstratos, pode-se presumir que o exercício de atividade normativa de interesse geral de agentes econômicos ou dos usuários de serviços prestados sujeita-se, em regra, à prévia elaboração de AIR.
Não cabe, diante desse cenário, de forma apriorística, a alegação de desobrigação de cumprimento das normas relacionadas à AIR, pois, essa conclusão depende da análise do caso concreto.
É importante ressaltar, ainda, que a AIR deve ser elaborada previamente à edição do ato normativo, bem como que devem ser observados os requisitos exigidos pelo art. 6º do Decreto nº 10.411, de 2020.
Nesse ponto, é importante registrar que a Lei refere-se a atos normativos de interesse geral dos "usuários de serviços prestados", aparentemente se desvinculando de um conceito restrito de serviço público.
Com efeito, tecnicamente, serviço público tem uma conotação específica e menos abrangente, conforme se pode observar na doutrina (in Direito administrativo moderno/Odete Medauar. -- 20. ed. rev., atual. e ampl. -- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016; p. 377/378):
"A expressão serviço público às vezes vem empregada em sentido muito amplo, para abranger toda e qualquer atividade realizada pela Administração Pública, (...). Se esta fosse a acepção adequada, todo o direito administrativo conteria um único capítulo, denominado "serviço público", pois todas as atividades da Administração aí se incluiriam.
No sentido amplo da expressão "serviço público" são englobadas também as atividades do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, quando se menciona o seguinte: o Judiciário presta serviço público relevante; o Legislativo realiza serviço público. Evidente que aí a expressão não se reveste de sentido técnico, nem tais atividades sujeitam-se ao preceitos norteadores da atividade tecnicamente caracterizada como serviço público.
Serviço público, como um capítulo do direito administrativo, diz respeito à atividade realizada no âmbito das atribuições da Administração, inserida no Executivo. E refere-se à atividade prestacional, em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como, por exemplo, água, energia elétrica, transporte urbano. As atividades-meio (por exemplo: arrecadação de tributos, serviços de arquivo, limpeza de repartições, vigilância de repartições), não se incluem na acepção técnica de serviço público.
Assim, o serviço público apresenta-se como um adentre as múltiplas atividades desempenhadas pela Administração, que deve utilizar seus poderes, bens e agentes, seus atos e contratos para realizá-lo de modo eficiente."
A expressão serviço público, portanto, não é unívoca e poderia gerar dúvidas sobre a aplicação do dispositivo.
No entanto, a redação do art. 5º da Lei nº 13.874, de 2019, afasta dúvidas acerca dessa discussão jurídica ao referir-se a atos geradores de impacto para os usuários de serviços prestados.
Com isso, a norma não atribuiu uma acepção técnica e estrita de serviço público, mas aberta, com a finalidade aparente de abranger todos os serviços prestados pela administração pública federal direta e indireta que tenham potencial para causar impacto para os usuários.
Por seu turno, a AIR deve ser elaborada por meio de relatório que contenha todos os elementos exigidos pelo art. 6º do Decreto nº 10.411, de 2020.
Ademais, a AIR poderá ser dispensada apenas em situações restritas, nos termos do art. 4º do Decreto nº 10.411, de 2020, cuja aplicação demandará a expedição de nota técnica ou documento equivalente que fundamente a proposta de edição ou de alteração do ato normativo, nos termos do §1º desse mesmo artigo.
Em caso de urgência, deverá ser procedida também a identificação do problema regulatório que se pretende solucionar e os objetivos que se pretende alcançar, de modo a subsidiar a elaboração da Avaliação de Resultado Regulatório - ARR, para acompanhamento durante o prazo de três anos (art. 12 do Decreto nº 10.411, de 2020).
Além disso, convém registrar a necessidade de disponibilização dessa nota técnica ou do documento equivalente, nos termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação - LAI), no sítio eletrônico do órgão ou da entidade competente, em conformidade com as normas próprias em vigor.
Diante do exposto, reiterados os termos da NOTA n. 00062/2022/DECOR/CGU/AGU (00688.000702/2022-25 - Seq. 5), sugere-se a adoção das seguintes providências:
a) expedição de orientação aos órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União - AGU, para que instruam os órgãos sob seu assessoramento a realizarem a Análise de Impacto Regulatório - AIR no âmbito dos procedimentos administrativos de elaboração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou dos usuários de serviços prestados (art. 1º, §1º, do Decreto nº 10.411, de 2020);
b) a AIR deve ser elaborada por meio de relatório que contenha todos os elementos exigidos pelo art. 6º do Decreto nº 10.411, de 2020;
c) a AIR poderá ser dispensada apenas em situações restritas, nos termos do art. 4º do Decreto nº 10.411, de 2020, cuja aplicação demandará a expedição de nota técnica ou documento equivalente que fundamente a proposta de edição ou de alteração do ato normativo, nos termos do §1º desse mesmo artigo; e
d) os órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União deverão orientar os respectivos órgãos assessorados a observarem essa interpretação, bem como, em caso de dúvida sobre a incidência da exigência legal no caso concreto, a encaminharem consulta ao órgão jurídico, que poderá se pronunciar para atender a esse questionamento.
À consideração superior.
Brasília, 02 de fevereiro de 2024.
MARCO AURÉLIO CAIXETA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688008892202318 e da chave de acesso 1d9fc4c3
Notas