ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO SUMÁRIO
PARECER n. 00878/2023/NUCJUR-SUM/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10154.102578/2023-02.
INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS/SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DE SANTA CATARINA - MGI/SPU/SPU-SC); MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL/PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SANTA CATARINA/PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE JOINVILLE (MPF/PR-SC/PRM-JOINVILLE); NÚCLEO ESTRATÉGICO DA COORDENAÇÃO REGIONAL DE PATRIMÔNIO E MEIO AMBIENTE DA PROCURADORIA REGIONAL DA UNIÃO DA 4ª REGIÃO (NUEST/COREPAM/PRU4R) E MUNICÍPIO DE JOINVILLE-SC.
ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. BEM IMÓVEL DE DOMÍNIO DA UNIÃO. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. PROVISÃO HABITACIONAL DE INTERESSE SOCIAL. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. BENS PÚBLICOS. ÁREA DE DOMÍNIO DA UNIÃO. TERRENOS DE MARINHA. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. NÚCLEOS URBANOS INFORMAIS CONSOLIDADOS EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ÁREAS URBANAS OCUPADAS POR POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. PROVISÃO HABITACIONAL DE INTERESSE SOCIAL. ORDENAÇÃO TERRITORIAL. OCUPAÇÃO EFICIENTE DO SOLO URBANO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. DIREITO À MORADIA. ATUAÇÃO/ARTICULAÇÃO CONJUNTA MEDIANTE ESFORÇOS INTEGRADOS. DEBATE INTERINSTITUCIONAL. FEDERALISMO COOPERATIVO. ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA. COMPETÊNCIA DA SPU-SC. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVO. APURAÇÃO DE INFRAÇÃO(ÕES) ADMINISTRATIVA(S) CONTRA IMÓVEL DA UNIÃO. OBRA IRREGULAR. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. INDAGAÇÃO(ÕES) FORMULADA(S). ORIENTAÇÃO JURÍDICA. ESCLARECIMENTO DE DÚVIDA(S).
I. Consulta formulada. Questionamento sobre proposta de acordo referente ao loteamento denominado "Parque Residencial Palmiro Gomes Vidal".
II. Núcleos Urbanos informais consolidados em Áreas de Preservação Permanente (APP). Admissibilidade da Regularização Fundiária. Regularização Fundiária de Interesse Social (REURB-S) e Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico (REURB-E). Artigos 64 e 65 da Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal.
III. Acordo de Cooperação Técnica. Regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda. Incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano. Titulação dos seus ocupantes.
IV. Atuação/articulação conjunta mediante esforços integrados entre a SPU-SC e o Município de Joinville-SC para regularização fundiária de núcleos urbanos informais localizados em áreas de domínio da União.
V. Atividades e projetos necessários à Regularização Fundiária de Interesse Social (REURB-S) e Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico (REURB-E) em áreas de domínio (propriedade) da União
VI. Fiscalização. Atividade desenvolvida pela SPU-SE no exercício de seu poder de polícia para apuração de infrações administrativas praticadas contra o patrimônio imobiliário da União. Artigo 2º, caput, da Instrução Normativa SPU nº 23, de 18 de março de 2020.
VII. A cessação do cometimento da(s) infração(ões) administrativa(s) somente poderá ocorrer após manifestação da SPU-SC atestando a regularidade da construção/obra e interrupção ou saneamento da(s) infração(ões) contra o patrimônio da União identificadas. Artigo 6º, parágrafo 4º, inciso I, do Decreto-Lei Federal nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, c/c o artigo 11, inciso I, e artigo 12, da Instrução Normativa SPU nº 23, de 18 de março de 2020.
VIII. A Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, não lhe cabendo conceder direitos em situações diversas das previstas em lei. Princípio da legalidade. Artigo 37, caput, da Constituição Federal, c/c o artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
IX. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida (s) nesta manifestação jurídica.
I - RELATÓRIO
O Superintendente do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina disponibilizou a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao processo no Sistema Eletrônico de informações (SEI) em 26 de outubro de 2023, para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.
Trata-se de solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) envolvendo proposta de acordo referente ao loteamento denominado "Parque Residencial Palmiro Gomes Vidal" nos termos sugeridos na Nota Técnica SEI nº 35566/2023/MGI (SEI nº 37398756).
O processo está instruído com os seguintes documentos:
PROCESSO/DOCUMENTO | TIPO | |||
---|---|---|---|---|
31030074 | Ofício 24/2023/COREPAMNS/PRU4R/PGU/AGU | |||
31030131 | Matrícula | |||
31030265 | Anexo Processo | |||
31673988 | Nota Informativa 4465 | |||
31678360 | Ofício 3343 | |||
31692913 | ||||
31714897 | Aviso de Recebimento - AR | |||
34093839 | Ofício 47/2023/COREPRONE/PRU4R/PGU/AGU | |||
34093840 | Anexo Ofício | |||
34093841 | Anexo Planta | |||
34093842 | Anexo Identificação | |||
34093843 | Anexo Planta | |||
34174742 | Despacho | |||
34325868 | Planta | |||
34325873 | Planta | |||
34325876 | Despacho | |||
34439915 | Ofício 50643 | |||
34456739 | ||||
35024232 | ||||
36154279 | ||||
36551346 | Ofício | |||
36551368 | Despacho | |||
36766771 | Ofício 94037 | |||
36766808 | Ofício 94039 | |||
37046959 | ||||
37047025 | ||||
37056467 | ||||
37058068 | Protocolo | |||
37087907 | ||||
37088033 | Anexo | |||
37180260 | ||||
37177964 | Ofício | |||
37178037 | Memorando | |||
37178131 | Anexo | |||
37178207 | Memorando | |||
37178327 | Anexo | |||
37178406 | Anexo | |||
37398756 | Nota Técnica 35566 | |||
38144299 | Ofício 126377 | |||
38148074 | ||||
38166545 | Anexo AR AGU |
II– PRELIMINARMENTE – FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.
Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.
A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.
Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.
Já as questões que envolvam a legalidade,[1] de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.
Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.
III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior (ODS) da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever os seguintes fragmentos da Nota Técnica SEI nº 35566/2023/MGI (SEI nº 37398756) elaborada pelo Serviço de Destinação Patrimonial da Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina (SEDEP/SPU-SC), no qual há um relato da situação fática e da(s) proposta(s) sugerida(s), verbis:
"Nota Técnica SEI nº 35566/2023/MGI
Assunto: Ação Judicial - Loteamento Palmiro Gomes Vidal - Proposta de Acordo Judicial.
Senhor Superintendente,
SUMÁRIO EXECUTIVO
1. Conforme consta do Ofício 24/2023/COREPAMNS/PRU4R/PGU/AGU (31030074):
"O Ministério Público Federal ajuizou a Ação de Improbidade Administrativa n. 97.01.02078-2 em face de IMOBILIÁRIA ZATTAR LTDA., NAMIR ALFREDO ZATTAR, DURVAL UBALDO KRUGER e MÁRCIO LUÍS GERN, objetivando a condenação dos réus nas sanções do art. 12 da Lei 8.429/1992, em virtude de atos que geraram enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário federal. Os atos dizem respeito a desmembramento de áreas no interior do loteamento Palmiro Gomes Vidal, situado às margens do rio do Ferro, no município de Joinville. Segundo o Parquet, o desmembramento realizado em favor da IMOBILIÁRIA ZATTAR foi aprovado ilicitamente, uma vez que as áreas desmembradas interferem áreas de preservação permanente e terrenos de marinha – ou seja, com bens da União."
2. O MPF requereu a "[...] remoção de todas as famílias instaladas na área do desmembramento ilicitamente aprovado, por conta dos réus, com indenização dos prejuízos de cada um dos compradores de boa-fé; recuperação ambiental de todos os danos causados ao equilíbrio ecológico afetado, na conformidade de projeto ambiental a ser elaborado e aprovado pelo 14 IBAMA; anulação do processo de aprovação de desmembramento junto à Prefeitura Municipal e do registro do mesmo desmembramento junto ao Cartório de Registro de Imóveis da 11 Circunscrição de Joinville".
3. Após Sentença de 1º Grau, conta o relato que "...o TRF4 condenou os réus IMOBILIÁRIA ZATTAR LTDA., NAMIR ALFREDO ZATTAR e MÁRCIO LUIS GERN nas seguintes consequências:"
1. MÁRCIO LUIS GERN: ( a ) ressarcimento de 1/4 do dano ambiental e patrimonial/social atinente ao desmembramento dos 79 lotes autorizados pela Certidão n. 60/1998 e (b) pagamento de multa civil fixada 1/4 do valor do dano;
2. NAMIR ALFREDO ZATTAR: (a) ressarcimento integral do dano ambiental e patrimonial/social decorrente do desmembramentos de todos os lotes, (b) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, relativamente à vantagem econômica auferida com a comercialização de terras públicas (terrenos de marinha) a terceiros, e (c) pagamento de multa civil em montante equivalente ao valor do dano;
3. IMOBILIÁRIA ZATTAR LTDA.: (a) ressarcimento integral do dano ambiental e patrimonial/social decorrente do desmembramentos de todos os lotes, (b) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, relativamente à vantagem econômica auferida com a comercialização de terras públicas (terrenos de marinha) a terceiros, (c) pagamento de multa civil em montante equivalente ao valor do dano e (d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos."
4. Quanto ao pedido de decretação de nulidade do processo de desmembramento – relativamente aos atos praticados nos âmbitos do município de Joinville e do ofício de registro de imóveis – em exame de declaratórios opostos pelo MPF, o TRF4 extinguiu o feito, sem resolução do mérito, dentre diversos fundamentos, de que destaco o seguinte:
"Não se pode anular o processo de desmembramento sem que, simultaneamente, fixe-se um novo local à moradia das pessoas que ocupam as áreas irregulares e sem que se promova a defesa do direito indenizatório das mesmas, cuja carência econômica é fato incontroverso nos autos." (grifos nossos)
5. A Nota Informativa 4465 (31673988) já atestou que, no local, a LPM/1831 foi homologada em 28/08/1990, processo nº 10983.009305/89-29.
6. Também, que há interferência com áreas da União, não sendo possível, na ocasião, precisar o quanto, por falta de coordenadas.
7. Ora, o problema passa pela questão trazida no Ofício 00414/2023/COREPAMNS/PRU4R/PGU/AGU (36551346): diligências externas e ações de coordenação, incluindo trabalho de fiscalização.
8. Entretanto, o caso pode ser tratado de forma negocial, pelo que a presente Nota Técnica desenvolverá uma proposta de acordo para uma rápida e eficiente solução, mas com a ressalva de que o conteúdo aqui desenvolvido será de valor técnico, não jurídico, dada a vedação de dispormos juridicamente, embora necessário o manejo de Normas de Direito.
(...)
PROPOSTA DE ACORDO JUDICIAL
28. Fazem parte do processo, dentre outros elementos, preocupações quanto ao meio ambiente, à indenização pela violação dos direitos da propriedade pública e a situação jurídica e social dos terceiros de boa fé.
29. Existem instrumentos, em especial a Reurb, que visam ao saneamento de muitos dos problemas direta ou indiretamente causados pelos réus.
30. A questão passa por pesarmos os efeitos de uma desocupação com indenizações em massa, aplicando-se o poder de polícia da SPU, na dureza das normas, ou buscarmos solução jurídica para, na oportunidade, ampliarmos a presença do Estado no local e coibir novas irregularidades, melhorando a condição geral da cidade, em prol do bem comum.
31. É certo que as custas de um processo de Reurb podem se mostrar elevadas e não seria justo, nem lícito, propor que a Administração Pública arcasse financeiramente com a solução de uma situação causada por terceiros particulares, que agiram no arrepio da lei.
32. Diante disso, poderíamos propor a seguinte solução: com as custas de todos os procedimentos e obras necessárias arcadas pelos réus, integralmente, a União poderia executar a Reurb na área, na modalidade indireta.
33. Isso passa pelo chamamento da Prefeitura Municipal de Joinville aos autos, visando a verificar se a municipalidade tem o interesse em lavrar Acordo de Cooperação Técnica com a SPU, visando à Reurb na área, com a condição de que o Município faça o orçamento para submissão aos réus em proposta de acordo judicial.
34. Diante do beneficiamento direto a famílias de 174 lotes atingidos, no todo ou em parte, também de famílias potencialmente em situação de fragilidade social na parte invadida no polígono do item 12, do beneficiamento do bem estar social e de diversos outros princípios a serem observados nos trabalhos da Reurb, deixando claro que, tecnicamente, não podemos, nem pretendemos expressar certezas jurídicas, seria de bom tom que a situação se resolvesse nesses termos.
35. Porém, é bem grave o ocorrido e meramente haver solucionado o mosaico de irregularidades formado pelos réus não parece (novamente: opinião meramente técnica) ser suficiente para que a SPU entenda justamente compensado o dano patrimonial causado.
36. Foi com esse objetivo que apresentei o polígono marcado no item 12 acima - com a pretensão de propor que a Reurb aqui esboçada abranja aquele trecho, trazendo, certamente, grandes benefícios sociais e ambientais.
37.Não se deve ignorar a possibilidade de ocorrerem desocupações de posseiros adquirentes de boa fé de lotes comercializados irregularmente pelos réus. Então, para casos assim, se eventualmente ocorrerem, deverá constar firmado compromisso dos réus, exclusivamente, de ressarcir eventuais danos consta tais terceiros, integralmente, ficando a Administração pública isenta de quaisquer implicações dessa natureza.
38. Também, não vemos amparo legal para que a SPU abra mão de valores eventualmente devidos à União por usuários enquadrados na Reurb de interesse Específico, que tenham de arcar com a aquisição de terrenos, dada a modalidade onerosa. Do acordo a se propor, deverá constar tal obrigação igualmente assumida pelos réus.
39. Como citado com grifo no item 4 acima, deverá haver beneficiários de Reurb Social, não onerosa, dada a observação de que a "carência econômica é fato incontroverso nos autos".
CONCLUSÃO
40. Em suma, ficamos com esta proposta para apreciações sob os aspectos jurídicos e para abertura de via negocial em Juízo, de modo proativo, visando a evitar que a demanda se prolongue para além do razoável:
40.1. Que os réus assumam a responsabilidade por arcar com as custas de todo o procedimento de Reurb, inclusive as obras (mesmo as de recuperação ambiental a serem definidas) e o projeto de regularização fundiária;
40.2. Que o polígono de Reurb abranja a área demonstrada (mas ainda imprecisamente) na imagem do item 12;
40.3. Que os réus se responsabilizem por quaisquer eventuais danos ocasionalmente ocorridos contra terceiros de boa fé;
40.4. Que os réus se responsabilizem por quaisquer pagamentos devidos à União, a título de aquisição de títulos de direitos reais, caso necessário;
50.5. Que o Município de Joinville seja chamado aos autos para se pronunciar se, com as condições de haver as custas assumidas pelos réus, tem o interesse em promover a Reurb da área na modalidade indireta, por Acordo de Cooperação Técnica a ser lavrado com a SPU, ficando a Municipalidade responsável, se for o caso, por orçar todas as custas envolvidas, a fim de serem apresentadas aos réus e
40.6. Em troca, pelos benefícios à cidade, aos cidadãos e ao meio ambiente, a União (SPU) abriria mão de aplicar os autos de infração e atuar em seu poder de polícia, visando às cobranças de indenização pela posse ilícita e ao lançamento de multas mensais, à reintegração de posse das áreas, ressalvadas as demonstradas inaptas à utilização, conforme projeto de Reurb a ser processado na forma da Lei, ficando os réus responsáveis por arcar com danos de terceiros e custas de aquisições de títulos, como já anotado acima.
41. Na oportunidade, à parte ré, é importante frisar que a proposta de acordo é proativa, razoável e de menor potencial danoso para eles mesmos, não apenas em benefício à Administração Pública. Ações Fiscalizatórias da SPU em massa, potencialmente, tendem a resultar em ações regressivas igualmente massivas das partes prejudicadas contra aqueles com quem negociaram os lotes na pretensão de tratar-se de alódios, ensejando indenizações vultuosas contra os réus.
42. Finalmente, ainda pendem de análise sob os aspectos de caracterização nesta Superintendência os trabalhos apresentados pelo Município, mas dada a fé pública já nos trouxeram os parâmetros para a construção desta via negocial.
43. Igualmente, a soma do polígono indicado no item 12 pende de um trabalho de identificação e caracterização.
RECOMENDAÇÃO
44. Diante dos fatos, proponho:
44.1. Cientificação ao SC-SECAP para conferência dos dados de caracterização da área apresentados pelo Município de Joinville, podendo ser feita em separado a caracterização do polígono apresentado no item 12 supra, por constar apenas indicado em etapa negocial;
44.2. Envio à Consultoria Jurídica da União para análise, sob os aspectos jurídicos, quanto à legalidade dos termos aqui definidos a serem propostos em Juízo e
44.3. Retorno ao SC-SEGEM para resposta à AGU, com apresentação das informações aqui disponibilizadas, bem como de nossa proposta de acordo aos réus, visando à solução, com a maior brevidade possível, de conflito fundiário que poderia se estender por anos. Entretanto, deixando a ressalva de que a solução aqui esboçada passa pelo crivo jurídico da CJU, não sendo ainda, uma proposta formalizada, até que sobrevenha resposta do Consultivo da AGU. Talvez caiba solicitar prazo junto ao Juízo para terminarmos a construção do documento."
No que tange a proposta aventada nos itens "13." a "16." e "40.6." da Nota Técnica SEI nº 35566/2023/MGI (SEI nº 37398756) atinente a eventual renúncia pela União, representada pela SPU-SC, do dever de imposição de penalidade administrativa em razão do cometimento de infração(ões) administrativa(s) contra o patrimônio imobiliário da União, entendo não ser juridicamente possível a adoção da(s) sugestão(ões), data vênia de posicionamento divergente, conforme razões expostas adiante.
Quanto à competência da SPU-SC para exercer no âmbito da gestão patrimonial atividade fiscalizatória dos imóveis de domínio da União, reputo relevante citar a lição de Nilma de Castro Abe em sua primorosa obra Gestão do Patrimônio Imobiliário - Aspectos Jurídicos da destinação, delimitação, fiscalização e responsabilidade[2]:
(...)
"Capítulo 5
Dever de fiscalizar imóveis públicos
Cabe à Administração Pública o dever de zelar para que o uso dos bens seja conforme a sua afetação, impedindo desvirtuamentos e prejuízos ao uso normal, evitando também a destruição ou deterioração dos bens, atendendo ao disposto na Constituição Federal, que atribui o dever de conservação do patrimônio público a todos os entes da federação (art. 23)[3].
O dever de fiscalização é inerente à atividade de gestão de imóveis públicos, pois o órgão competente deve verificar, em primeiro lugar, se os imóveis estão afetados aos usos públicos previstos em lei. Caso não exista tal previsão, quanto ao uso, deve a Administração Pública analisar se a destinação atende às finalidades constitucionais e, principalmente, se está gerando benefícios — diretos ou indiretos — ou prejuízos à coletividade e verificar a sua adequação às características do bem, de modo a não causar a sua destruição, hipótese em que tem o dever de retirar a destinação ilegal, irregular e abusiva dos bens. (os destaques não constam do original)
(...)
No âmbito federal, a Lei nº 9.636/1998 prescreve: “Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual” (art. 11).
A mesma Lei prevê ainda: “Constitui obrigação do Poder Público federal, estadual e municipal, observada a legislação específica vigente, zelar pela manutenção das áreas de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, independentemente de celebração de convênio para este fim” (art. 11, §4º).
Esse dispositivo atribuiu à SPU o dever de fiscalizar a destinação adequada e a integridade física dos bens públicos, inclusive zelando pela manutenção das áreas de preservação ambiental e das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais e de uso comum do povo, utilizando até mesmo força policial, se necessário.
(...)
Conforme mencionado, a Lei Federal nº 9.636/1998 prevê que a Secretaria do Patrimônio da União tem o dever de fiscalizar e zelar pelo uso adequado, bem como pela integridade física dos imóveis, podendo, para tanto, embargar obras e serviços, aplicar multas e demais sanções previstas em lei, e requisitar força policial federal, auxílio de força policial estadual e cooperação de força militar federal (art. 11).
Não resta dúvida de que essas leis atribuíram à Secretaria do Patrimônio da União poderes de polícia para fiscalizar e conservar os imóveis públicos, inclusive autorizando a repressão aos comportamentos nocivos aos interesses coletivos por meio do uso de força policial para evitar os danos ao patrimônio imobiliário, caracterizando a autorização legal para o exercício da atividade de polícia administrativa, que se traduz em diversos atos administrativos dotados de executoriedade, ou seja, medidas diretas da Administração Pública concretizadas sem necessidade de prévia autorização do Poder Judiciário.
Carlos Ari Sundfeld observa que o exercício da administração ordenadora envolve o manejo das seguintes seguintes competências: impor condicionamentos, fiscalizar, reprimir por meio de sanções administrativas, executar as sanções[4]. No caso em tela, a Secretaria do Patrimônio tem poder para fiscalizar o exercício dos direitos dos administrados quanto ao uso dos imóveis públicos, especialmente os de uso comum e uso especial, que se encontram afetados à destinação pública, podendo reprimir a conduta danosa por meio de ordens para que o particular corrija a irregularidade, podendo consistir numa notificação ao particular para que remova o aterro, a construção, a obra ou os equipamentos instalados, inclusive promovendo a demolição das benfeitorias ou edificações.
Não atendendo o particular à notificação, diante da conduta conduta danosa, a Secretaria do Patrimônio da União deve instaurar um processo administrativo, assegurando ao administrado o exercício da ampla defesa, impondo a sanção administrativa e notificando o administrado de que a sanção será executada, salvo se a urgência da situação exigir a imediata execução administrativa.
Celso Antônio Bandeira de Mello explica que as medidas de polícia administrativa são autoexecutórias, podendo ocorrer em três diferentes hipóteses: (i) quando a lei expressamente autoriza; (ii) quando a adoção da medida for urgente para a defesa do interesse público e não comportar as delongas naturais do pronunciamento judicial sem sacrifício ou risco para a coletividade; (iii) quando inexistir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação do interesse público que a Administração está obrigada a defender em cumprimento à medida de polícia[5]. No caso da polícia administrativa em relação ao patrimônio imobiliário público, pode-se afirmar que a lei autorizou expressamente o seu exercício, inclusive apontando as medidas ou as providências que a Secretaria do Patrimônio pode adotar, não excluindo a possibilidade de este órgão adotar outras providências não enumeradas em lei, desde que compatíveis e proporcionais à necessidade e urgência de repressão ou prevenção da conduta danosa do particular ao patrimônio imobiliário público."
A atribuição de delimitação de áreas de domínio ou posse da União, discriminação de áreas da União, incluindo as atividades de regularização patrimonial, caracterização, incorporação, cadastramento, controle, fiscalização - aí incluídos os atos concretos, tais como lavratura de Autos de Infração, Notificações e imposição de multas por descumprimento de obrigações previstas em normas legais e infra-legais (atos normativos) - destinação de imóveis de domínio e posse da União, assim como registro e atualização das respectivas informações nas bases de dados incumbe aos órgãos patrimoniais no âmbito do sistema de gestão do patrimônio imobiliário da União, consiste em atribuição/competência titularizada pela SPU-SC[6], unidade descentralizada da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão específico singular integrante da estrutura administrativa do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), nos termos do artigo 2º, inciso II, alínea g), do Decreto Federal nº 11.437, de 17 de março de 2023, que aprovou a Estrutura Regimental daquele Ministério, com a redação dada pelo Decreto Federal nº 11.601, de 17 de julho de 2023.
Com efeito, a fiscalização consiste na atividade desenvolvida pela SPU-SC no exercício de seu PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA[7][8] para apuração de infrações administrativas praticadas contra o patrimônio imobiliário da União conforme arcabouço legal e normativo vigente, constituindo a lavratura de Auto de Infração consectário/desdobramento lógico do processo administrativo sancionador instaurado cuja tramitação deverá observar as diretrizes e procedimentos das atividades de fiscalização dos imóveis da União previstos na INSTRUÇÃO NORMATIVA SPU Nº 23, DE 18 DE MARÇO DE 2020, que estabelece as diretrizes e procedimentos das atividades de fiscalização dos imóveis da União.
Para melhor compreensão do conteúdo e alcance da expressão "poder de polícia" reputo conveniente citar o conceito existente no Manual de Fiscalização do Patrimônio da União 2018, páginas 4, 7 e 8, verbis:
(...)
"A APLICAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA
“Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.”(Hely Lopes Meirelles)
A teor do art. 11, da Lei nº 9.636/98, a SPU tem a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis da União, podendo embargar, aplicar multas e demais sanções previstas em lei.
Nesse sentido, o art. 2º da Instrução Normativa SPU nº 01/2017, estabelece o entendimento de que a fiscalização é a atividade desenvolvida pela SPU no exercício de seu poder de polícia voltada à apuração de infrações administrativas contra o patrimônio imobiliário da União.
Sendo assim, o poder de polícia da SPU deve ser entendido como a sua capacidade de promover vistoria, requisitar força policial federal, solicitar o auxílio de força pública estadual ou ainda cooperação de força militar federal para os casos que envolvam segurança nacional ou relevante ofensa a valores, instituições ou patrimônio públicos.
(...)
PARTE IV - O AGENTE DE FISCALIZAÇÃO
DESEMPENHO DAS ATIVIDADES
No desempenho de suas atividades, o Agente de Fiscalização tem a função de exercer o poder de polícia (discricionário) aplicando as sanções administrativas àqueles que cometem infrações contra o patrimônio da União de acordo com a legislação patrimonial vigente. (os destaques não constam do original)
O Agente, no seu papel de educador e disseminador de informações, deve orientar os usuários e a comunidade em geral sobre a legislação patrimonial, seus direitos e deveres. O objetivo dessa orientação específica para a comunidade é o rigoroso cumprimento das normas pertinentes à questão patrimonial.
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14. OS DEVERES E OBRIGAÇÕES DOS AGENTES DE FISCALIZAÇÃO
(...)
10) Exercer plenamente o poder de polícia administrativa em sua área de atuação, efetuando o levantamento de ocupação, invasão e utilização irregular de áreas da União, inclusive através da verificação de denúncias e reclamações referentes à invasão de imóveis da União;"
Matheus Carvalho em sua lapidar obra Manual de Direito Administrativo[9] preleciona as seguintes lições sobre o poder de polícia administrativo:
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"CAPÍTULO 3
PODERES ADMINISTRATIVOS
4. PODERES ADMINISTRATIVOS
A doutrina moderna costuma apontar 4 (quatro) espécies de poderes a serem exercido pela Administração Pública, quais sejam, o Poder Normativo (ou regulamentar) , o Poder Disciplinar, o Poder Hierárquico e o poder de Polícia. Analisemos cada um desses poderes ou instrumentos separadamente.
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4.4 Poder de Polícia
É evidente que o Estado deve atuar à sombra do Princípio da Supremacia do Interesse Público e, na busca incessante pelo atendimento do interesse coletivo, pode estipular restrições e limitações ao exercício de liberdades individuais e, até mesmo, ao direito de propriedade do particular. Neste contexto, nasce o Poder de Polícia. decorrente da supremacia geral da Administração Pública, ou seja, aplicando-se a todos os particulares, sem a necessidade de demonstração de qualquer vínculo especial.
Isso porque, não obstante a Carta Magna e a legislação infraconstitucional definam direitos e garantias aos particulares, o exercício desse direitos deve ser feito em adequação ao interesse público. Dessa forma, na busca do bem-estar da sociedade, o Estado pode definir os contornos do exercício do direito de propriedade e, até mesmo, de liberdades e garantias fundamentais, criando-lhes restrições e adequações.
A definição do Poder de Polícia tem base legal e doutrinária ricas. Para conceituar Poder de Polícia ficaremos com as palavras de Fernanda Marinela[10] "uma atividade da Administração Pública que se expressa por meio de seus atos normativos ou concreto, com fundamento na supremacia geral e, na forma da lei, de condicionar a liberdade e a propriedade dos indivíduos mediante ações fiscalizadoras, preventivas e repressivas".
Ainda sobre o conceito do Instituto, não podemos deixar de mencionar o art. 78 do CTN (Código Tributário Nacional) que define o Poder de Polícia como função da Administração Pública de limitar ou disciplinar direitos, regulando a prática de ato ou abstenção de fatos, em razão do interesse da coletividade, concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, ao exercício de atividades econômicas que dependem de autorização e concessão, bem como aos direitos individuais e coletivos.
Ressalte-se que a conceituação do Poder de Polícia está situada nas disposições do Código Tributário Nacional, pelo fato de que o exercício deste poder, assim como a prestação de serviços públicos uti singuli podem ensejar a cobrança de taxa, que tem previsão no próprio texto da Constituição Federal, em seu art. 145, II.
Podemos fazer a distinção entre Poder de Polícia no sentido amplo e em sentido estrito. O primeiro corresponde a toda e qualquer atuação restritiva do Estado, abrangendo tanto os atos do Poder Executivo, como também do Legislativo onde se condiciona a liberdade e propriedade em prol dos cidadãos; e o segundo seria o que denominamos Polícia Administrativa. Em sentido estrito, somente se admite a atuação concreta da Administração Pública que condiciona direitos.
Para fins de provas de concursos públicos, o Poder de Polícia será analisado em seu conceito amplo, abarcando normas gerais e atos concreto, de natureza preventiva ou repressiva na limitação do exercício de direitos.
Conceito de Polícia Administrativa: Para Celso Antônio[11] é "o poder expressável através da atividade de Polícia Administrativa é o que resulta de sua qualidade de executora das leis administrativas, é a contraface de seu dever de dar execução a estas leis". (os destaques não constam do original)
Dessa forma, o poder público pode, por exemplo, dissolver uma passeata tumultuosa limitando a liberdade de associação para garantia da paz pública, assim como pode determinar a imposição de limitações ao direito de construir, restringindo o uso da propriedade privada.
Trata-se de poder de polícia, por exemplo, a possibilidade de retirar quiosques e trailer que estejam nas calçadas sem o consentimento estatal, com o intuito de garantir a livre circulação de pessoas.[12]
Em suma, trata-se da restrição do exercício de garantias privadas em razão da busca de interesse coletivo. A Polícia Administrativa pode ser preventiva, repressiva e fiscalizadora. Vejamos:
a) Preventiva, quando trata de disposições genéricas e abstratas como, por exemplo, as portarias e regulamentos que se materializam nos atos que disciplinam horários para funcionamento de determinado estabelecimento, proíbem desmatar área de proteção ambiental, soltar balões, entre outros.
b) Repressiva, ao praticar atos específicos observando sempre a obediência à lei e aos regramentos, como por exemplo, dissolver passeata tumultuosa, apreender revistas pornográficas, entre outros.
c) Fiscalizadora, quando previne eventuais lesões, como, por exemplo, vistoria de veículos, fiscalização de pesos e medidas entre outros."
O ato fiscalizatório oriundo da atividade de polícia administrativa para ser considerado legítimo, necessita, como ocorre com qualquer ato administrativo, estar revestido de todos os requisitos de validade, ou seja, ser praticado por agente público no exercício regular de sua competência, ser produzido segundo a forma imposta em lei, além se revestir dos requisitos da finalidade, motivo e objeto (conteúdo). Em síntese, o ato de polícia, espécie do gênero ato administrativo, é considerado legal caso esteja em consonância com os requisitos exigidos para sua validade.
A competência[13] consiste no requisito de validade segundo o qual o ato administrativo praticado se insere no feixe de atribuições legais e regulamentares do agente público que o praticou. A forma significa a observância das formalidades indispensáveis à existência ou regularidade do ato. A finalidade representa a pratica o ato por agente investido de competência em consonância com o fim previsto, expressamente ou implicitamente, na regra de competência. O motivo[14] abrange a matéria de fato (fática) e de direito (jurídica) que fundamenta a prática do ato, sendo materialmente e juridicamente adequado ao resultado obtido. Já o objeto[15] equivale a alteração no mundo jurídico que o ato administrativo almeja implementar, correspondendo ao objetivo imediato da vontade exteriorizada pelo ato do agente público preordenado a determinado fim.
Quanto à definição de infração administrativa e respectivas sanções o Decreto-Lei Federal nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, que dispõe sobre foros, laudêmios e taxas de ocupação relativas a imóveis de propriedade da União preceitua o seguinte:
(...)
"Art. 6º Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União. (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015)
(...)
§ 4º Sem prejuízo da responsabilidade civil, as infrações previstas neste artigo serão punidas com as seguintes sanções: (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação; (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015) (grifou-se)
II - aplicação de multa; (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
III - desocupação do imóvel; e (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização." (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
A INSTRUÇÃO NORMATIVA SPU Nº 23, DE 18 DE MARÇO DE 2020, conceitua infração administrativa contra o patrimônio da União em seu artigo 10, incisos I a IV, elencando em seu artigo 11, incisos I a V, as sanções a serem aplicadas às infrações praticadas, dentre as quais se destaca o embargo, verbis:
(...)
"CAPÍTULO II
DAS INFRAÇÕES E SANÇÕES
Seção I
DAS INFRAÇÕES
Art. 10. Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que consista em:
I -violação do adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União;
II - realização de aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo;
III -descaracterização dos bens imóveis da União sem prévia autorização; e
IV - descumprimento de cláusulas previstas nos contratos de destinação patrimonial e no termo de adesão da gestão de praias.
Seção II
DAS SANÇÕES
Art. 11. Sem prejuízo da responsabilidade civil e penal e da indenização prevista no art. 10, da Lei nº 9.636, de 1.998, as infrações contra o patrimônio da União são punidas com as seguintes sanções:
I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação; (grifou-se)
II - aplicação de multa nos termos da legislação patrimonial em vigor;
III - desocupação do imóvel;
IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização; e
V - cancelamento contratual e revogação do termo de gestão de praias."
A aplicação das sanções administrativas reflete competência inerente ao exercício do poder de polícia. Tratando-se de ilícito administrativo que configura infração administrativa, a penalidade/sanção do particular em razão dos descumprimento de regras materiais aplicáveis à atividade fiscalizada constitui manifestação do poder de polícia. Dito de outra forma, a atividade do poder de polícia traduz-se na apuração da ocorrência de infração(ões) e na imposição da punição/sanção correspondente.
O ACÓRDÃO proferido pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) na APELAÇÃO CÍVEL Nº 1997.72.01.002078-5/SC (SEI nº 31030265 - fls. 1031/1053 do processo nº 97.0102076-2) reconheceu expressamente que os atos ilícitos praticados pelos requeridos/apelados viabilizaram a implantação do loteamento denominado "Parque Residencial Palmiro Gomes Vidal" em terrenos de marinha, área de domínio da União, conforme artigo 2º, letra "a", do Decreto-Lei Federal nº 9.760/46, aspecto que denota/configura/caracteriza de modo irrefutável/indubitável/incontrastável/inquestionável o cometimento de infração administrativa contra o patrimônio da União, justificando, com fundamento/respaldo no ordenamento jurídico patrimonial, a aplicação da(s) sanção(ões) correspondente(s).
Para ilustrar adequadamente o liame existente entre a prática de infração administrativa contra o patrimônio da União e a imposição da punição correlata, reputo conveniente transcrever manifestação/entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) na EMENTA do ACÓRDÃO proferido por ocasião do julgamento da AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.679, verbis:
EMENTA: "DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOVO MARCO REGULATÓRIO DA TELEVISÃO POR ASSINATURA (LEI N. 12.485/2011). SERVIÇO DE ACESSO CONDICIONADO (SeAC). INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL PARA PROPOR ATOS NORMATIVOS DISPONDO SOBRE TELECOMUNICAÇÕES (CRFB, ART. 22, IV) RÁDIO E TELEVISÃO, INDEPENDENTEMENTE DA TECNOLOGIA UTILIZADA (CRFB, ART. 221 E ART. 222, §5º). LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DE RESTRIÇÕES À PROPRIEDADE CRUZADA (ART. 5º, CAPUT E §1º) E À VERTICALIZAÇÃO DA CADEIA DE VALOR DO AUDIOVISUAL (ART. 6º, I E II). VEDAÇÃO DO ABUSO DO PODER ECONÔMICO E DA CONCENTRAÇÃO EXCESSIVA DO MERCADO (CRFB, ART. 173, §4º E ART. 220, §5º). HIGIDEZ CONSTITUCIONAL DOS PODERES NORMATIVOS CONFERIDOS À ANCINE (ART. 9º, PARÁGRAFO ÚNICO; ART. 21 E ART. 22). NOVA FEIÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (CRFB, ART. 37, CAPUT). ACEPÇÃO PRINCIPIOLÓGICA OU FORMAL AXIOLÓGICA. EXISTÊNCIA DE PRINCÍPIOS INTELIGÍVEIS (ART. 3º) APTOS A LIMITAR A ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA. CONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO À PARTICIPAÇÃO DE ESTRANGEIROS NAS ATIVIDADES DE PROGRAMAÇÃO E EMPACOTAMENTO DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL DE ACESSO CONDICIONADO (ART. 10, CAPUT E §1º). INEXISTÊNCIA DE RESERVA CONSTITUCIONAL PARA A IMPOSIÇÃO DE TRATAMENTO DIFERENCIADO AO ESTRANGEIRO. VIABILIDADE DE DISTINÇÃO PREVISTA EM LEI FORMAL E PERTINENTE À CAUSA JURÍDICA DISCRIMINADORA. VALIDADE DA EXIGÊNCIA DE PRÉVIO CREDENCIAMENTO JUNTO À ANCINE PARA EXPLORAÇÃO DAS ATIVIDADES DE PROGRAMAÇÃO E EMPACOTAMENTO (ART. 12), BEM COMO DA PROIBIÇÃO À DISTRIBUIÇÃO DE CONTEÚDO EMPACOTADO POR EMPRESA NÃO CREDENCIADA PELA AGÊNCIA (ART. 31, CAPUT, §§ 1º E 2º). REGULARIDADE JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES SOLICITADAS PELA ANCINE PARA FINS DE FISCALIZAÇÃO QUANTO AO CUMPRIMENTO DAS REGRAS LEGAIS (ART. 13). TÍPICOS DEVERES INSTRUMENTAIS INDISPENSÁVEIS AO EXERCÍCIO DA ORDENAÇÃO ADMINISTRATIVA. PROPORCIONALIDADE DA POLÍTICA DE COTAS DE CONTEÚDO NACIONAL (ARTS. 16, 17, 18, 19, 20, 23). EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTOS JURÍDICO-POSITIVOS (CRFB, ARTS. 221 E 222, §3º) E OBJETIVOS MATERIAIS CONSISTENTES. MEDIDA ADEQUADA, NECESSÁRIA E PROPORCIONAL EM SENTIDO ESTRITO. CONSTITUCIONALIDADE DA FIXAÇÃO DE TEMPO MÁXIMO DE PUBLICIDADE COMERCIAL (ART. 24). DEVER DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR (CRFB, ART. 170, V). INCONSTITUCIONALIDADE DA PROIBIÇÃO DA OFERTA DE CANAIS QUE VEICULEM PUBLICIDADE COMERCIAL DIRECIONADA O PÚBLICO BRASILEIRO CONTRATADA NO EXTERIOR POR AGÊNCIA DE PUBLICIDADE ESTRANGEIRA (ART. 25). AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO MÍNIMA PARA A CRIAÇÃO DO REGIME DIFERENCIADO. ULTRAJE AO PRINCÍPIO GERAL DA ISONOMIA (CRFB, ART. 5º, CAPUT) ENQUANTO REGRA DE ÔNUS ARGUMENTATIVO. CONSTITUCIONALIDADE DA OUTORGA DO SeAC POR AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA SEM NECESSIDADE DE PRÉVIA LICITAÇÃO (ART. 29) NA FORMA DO ART. 21, XI, DA LEI MAIOR. OPÇÃO REGULATÓRIA SITUADA NOS LIMITES DA CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA. VALIDADE DA IMPOSIÇÃO ÀS CONCESSIONÁRIAS DE RADIODIFUSÃO DE SONS E IMAGENS DO DEVER DE DISPONIBILIZAÇÃO GRATUITA DOS CANAIS DE SINAL ABERTO ÀS DISTRIBUIDORAS DO SeAC (ART. 32). COMPATIBILIDADE COM A SISTEMÁTICA CONSTITUCIONAL DO ICMS (CRFB, ART. 155, §2º, X, d). HIGIDEZ DO CANCELAMENTO DO REGISTRO DE AGENTE ECONÔMICO PERANTE A ANCINE EM RAZÃO DE DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES CRIADAS PELA LEI (ART. 36). GARANTIA DE EFICÁCIA DAS NORMAS JURÍDICAS. CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DE TRANSIÇÃO (ART. 37, §§ 1º, 5º, 6º, 7º e 11). INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. ACOMODAÇÃO OTIMIZADA ENTRE SEGURANÇA E MODERNIZAÇÃO. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE DA GARANTIA DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO. SETOR ECONÔMICO DOTADO DE LIBERDADE DE PREÇOS.
1. A revisão judicial de marcos regulatórios editados pelo legislador requer uma postura de autocontenção em respeito tanto à investidura popular que caracteriza o Poder Legislativo quanto à complexidade técnica inerente aos temas a que o Poder Judiciário é chamado a analisar pela ótica estrita da validade jurídica.
2. A competência legislativa do Congresso Nacional para dispor sobre telecomunicações (CRFB, art. 22, IV) e para disciplinar os princípios constitucionais incidentes sobre a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão (CRFB, art. 221 e art. 222, §5º) confere autoridade ao Poder Legislativo para, sponte propria, criar ou modificar marcos regulatórios setoriais, no que estão abarcados poderes para adaptar as instituições vigentes de modo a garantir a efetividade das novas regras jurídicas.
3. In casu, os artigos 10, 12, 13, 19, § 3°, 21, 22, 25, §1°, 31, caput, 36 e 42 da Lei nº 12.485/11 se limitaram a indicar a autoridade do Estado encarregada de zelar pelo cumprimento da novel disciplina normativa aplicável ao serviço de acesso condicionado, em tudo harmônica com as regras de competência definidas na legislação até então vigente (MP nº 2.228-1/01), emanada do próprio Poder Executivo. Inexistência de vício formal de constitucionalidade a ponto de justificar a glosa judicial da Lei nº 12.485/11 com fulcro no art. 61, §1º, e, da CRFB.
4. As diretrizes constitucionais antitruste (CRFB, arts. 173, §4º e 220, §5º), voltadas a coibir o abuso do poder econômico e a evitar a concentração excessiva dos mercados, permitem combater a ineficiência econômica e a injustiça comutativa que tendem a florescer em regimes de monopólio e oligopólio. No setor audiovisual, prestam-se também a promover a diversificação do conteúdo produzido, impedindo que o mercado se feche e asfixie a manifestação de novos entrantes.
5. In casu, as restrições à propriedade cruzada (art. 5º, caput e §1º), bem como a vedação à verticalização da cadeia de valor do audiovisual (art. 6º, I e II), todas introduzidas pela Lei nº 12.485/11, pretendem, de forma imediata, concretizar os comandos constitucionais inscritos no art. 170, §4º e 220, §5º, da Lei Maior; bem como realizam, de forma mediata, a dimensão objetiva do direito fundamental à liberdade de expressão e de informação, no que tem destaque o papel promocional do Estado no combate à concentração do poder comunicativo. Inexistência de ofensa material à Carta da República.
6. A moderna concepção do princípio da legalidade, em sua acepção principiológica ou formal axiológica, chancela a atribuição de poderes normativos ao Poder Executivo, desde que pautada por princípios inteligíveis (intelligible principles) capazes de permitir o controle legislativo e judicial sobre os atos da Administração.
7. In casu, os arts. 9º, parágrafo único, 21 e 22 da Lei nº 12.485/11, apesar de conferirem autoridade normativa à Agência Nacional do Cinema (ANCINE), estão acompanhados por parâmetros aptos a conformar a conduta de todas as autoridades do Estado envolvidas na disciplina do setor audiovisual brasileiro (ex vi do art. 3º da Lei do SeAC), impedindo que qualquer delas se transforme em órgão titular de um pretenso poder regulatório absoluto. Não ocorrência de violação material à Carta da República.
8. A Constituição de 1988 não estabeleceu qualquer regra jurídica que interdite a distinção entre brasileiro e estrangeiro, ao contrário do que acontece com a situação do brasileiro nato e do naturalizado, para a qual há explícita reserva constitucional acerca das hipóteses de tratamento diferenciado (CRFB, art. 12, §2º). Destarte, é juridicamente possível ao legislador ordinário fixar regimes distintos, desde que, em respeito ao princípio geral da igualdade (CRFB, art. 5º, caput), revele fundamento constitucional suficiente para a discriminação, bem como demonstre a pertinência entre o tratamento diferenciado e a causa jurídica distintiva.
9. In casu, o art. 10, caput e §1º, da Lei nº 12.485/11, ao restringir a gestão, a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção inerentes à programação e ao empacotamento a brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, representou típica interpretação legislativa evolutiva do comando constitucional encartado no art. 222, §2º, da Lei Maior, de todo condizente com os vetores axiológicos que informam, no plano constitucional, a atividade de comunicação de massa, dentre os quais a preservação da soberania e identidade nacionais, o pluralismo informativo e a igualdade entre os prestadores de serviço a despeito da tecnologia utilizada na atividade.
10. O poder de polícia administrativa manifesta-se tanto preventiva quanto repressivamente, traduzindo-se ora no consentimento prévio pela Administração Pública para o exercício regular de certas liberdades, ora no sancionamento do particular em razão do descumprimento de regras materiais aplicáveis à atividade regulada. Em qualquer caso, a ingerência estatal (fiscalizatória e punitiva) exsurge como garantia da efetividade da disciplina jurídica aplicável. (destacou-se)
11. In casu, os arts. 12 e 13 da Lei nº 12.485/11 simplesmente fixam deveres instrumentais de colaboração das empresas para fins de permitir a atividade fiscalizatória da ANCINE quanto ao cumprimento das novas obrigações materiais a que estão sujeitos todos os agentes do mercado audiovisual. Já o art. 31, caput, §§1º e 2º, da Lei nº 12.485/11 consubstancia engenhosa estratégia do legislador para conduzir as empacotadoras ao credenciamento exigido pela nova disciplina normativa, bem como induzir o cumprimento das respectivas cotas de conteúdo nacional. Ausência de quaisquer vícios que justifiquem declaração de inconstitucionalidade do modelo regulatório.
12. A legitimidade constitucional de toda intervenção do Estado sobre a esfera jurídica do particular está condicionada à existência de uma finalidade lícita que a motive, bem como ao respeito ao postulado da proporcionalidade, cujo fundamento deita raízes na própria noção de princípios jurídicos como mandamentos de otimização (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 116).
13. In casu, os arts. 16, 17, 18, 19, 20, 23 da Lei nº 12.485/11, ao fixarem cotas de conteúdo nacional para canais e pacotes de TV por assinatura, promovem a cultura brasileira e estimulam a produção independente, dando concretude ao art. 221 da Constituição e ao art. 6º da Convenção Internacional sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (Decreto nº 6.177/2007). A intervenção estatal revela-se, ademais, (i) adequada, quando relacionada ao fim a que se destina, (ii) necessária, quando cotejada com possíveis meios alternativos e (iii) proporcional em sentido estrito, quando sopesados os ônus e bônus inerentes à medida restritiva.
14. O art. 24 da Lei nº 12.485/11, que fixou limites máximos para a publicidade comercial na TV por assinatura, encontra-se em harmonia com o dever constitucional de proteção do consumidor (CRFB, art. 170, V), máxime diante do histórico quadro registrado pela ANATEL de reclamações de assinantes quanto ao volume de publicidade na grade de programação dos canais pagos.
15. O princípio constitucional da igualdade (CRFB, art. 5º, caput), enquanto regra de ônus argumentativo, exige que o tratamento diferenciado entre indivíduos seja acompanhado de causa jurídica suficiente para amparar a discriminação, cujo exame de consistência, embora preserve um espaço de discricionariedade legislativa, é sempre passível de aferição judicial (CRFB, art. 5º , XXXV).
16. In casu, o art. 25 da Lei nº 12.485/11 proíbe a oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira, estabelecendo (i) uma completa exclusividade em proveito das empresas brasileiras (e não apenas preferência percentual), (ii) sem prazo para ter fim (ex vi do art. 41 da Lei do SeAC) e (iii) despida de qualquer justificação que indique a vulnerabilidade das empresas brasileiras de publicidade. Inconstitucionalidade do art. 25 da Lei nº 12.485/11 por violação ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput).
17. O dever constitucional de licitar (CRFB, art. 37, XXI) somente incide nas hipóteses em que o acesso de particulares a alguma situação jurídica de vantagem relacionada ao Poder Público não possa ser universalizada. Destarte, descabe cogitar de certame licitatório quando a contratação pública não caracterizar escolha da Administração e todo cidadão possa ter acesso ao bem pretendido. Ademais, no campo das telecomunicações, é certo que a Constituição admite a outorga do serviço mediante simples autorização (CRFB, art. 21, XI).
18. In casu, o art. 29 da Lei nº 12.485/11 viabiliza que a atividade de distribuição do serviço de acesso condicionado seja outorgada mediante autorização administrativa, sem necessidade de prévio procedimento licitatório, o que se justifica diante da nova e abrangente definição do SeAC (art. 2º, XXIII, da Lei nº 12.485/11), apta a abarcar todas as possíveis plataformas tecnológicas existentes (e não apenas cabos físicos e ondas de radiofrequência), bem como diante da qualificação privada recebida pela atividade no novo marco regulatório da comunicação audiovisual. Inexistência de ofensa material à Constituição de 1988.
19. O art. 32, §§ 2º, 13 e 14, da Lei nº 12.485/11, ao impor a disponibilidade gratuita dos canais de TV aberta às distribuidoras e às geradoras de programação da TV por assinatura, não ofende a liberdade de iniciativa nem os direitos de propriedade intelectual, porquanto o serviço de radiodifusão é hoje inteiramente disponibilizado aos usuários de forma gratuita. A Lei do SeAC apenas replicou, no âmbito do serviço de acesso condicionado, a lógica vigente na televisão aberta.
20. O art. 36 da Lei nº 12.485/11, ao permitir o cancelamento do registro de agente econômico perante a ANCINE por descumprimento de obrigações legais, representa garantia de eficácia das normas jurídicas aplicáveis ao setor, sendo certo que haveria evidente contradição ao se impedir o início da atividade sem o registro (por não preenchimento originário das exigências legais) e, ao mesmo tempo, permitir a continuidade de sua exploração quando configurada a perda superveniente da regularidade. Destarte, a possibilidade de cancelamento do registro é análoga à do seu indeferimento inicial, já chancelada nos itens 10 e 11 supra.
21. A existência de um regime jurídico de transição justo, ainda que que consubstancie garantia individual diretamente emanada do princípio constitucional da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima (CRFB, art. 5º, XXXVI), não impede a redefinição e a atualização dos marcos regulatórios setoriais, tão caras à boa ordenação da vida em sociedade.
22. In casu, o art. 37, §§ 6º, 7º e 11, da Lei nº 12.485/11, ao fixar regras sobre a renovação das outorgas após o fim do respectivo prazo original de vigência e regras pertinentes às alterações subjetivas sobre a figura do prestador do serviço, é constitucionalmente válido ante a inexistência, ab initio, de direito definitivo à renovação automática da outorga, bem como da existência de margem de conformação do legislador para induzir os antigos prestadores a migrem para o novo regime.
23. O art. 37, §§ 1º e 5º, da Lei nº 12.485/11, ao vedar o pagamento de indenização aos antigos prestadores do serviço em virtude das novas obrigações não previstas no ato de outorga original, não viola qualquer previsão constitucional, porquanto, em um cenário contratual e regulatório marcado pela liberdade de preços, descabe cogitar de qualquer indenização pela criação de novas obrigações legais (desde que constitucionalmente válidas). Eventuais aumentos de custos que possam surgir deverão ser administrados exclusivamente pelas próprias empresas, que tanto podem repassá-los aos consumidores quanto retê-los em definitivo. Impertinência da invocação do equilíbrio econômico e financeiro dos contratos administrativos (CRFB, art. 37, XXI).
24. Conclusão. Relativamente à ADI 4679, julgo o pedido procedente em parte, apenas para declarar a inconstitucionalidade material do art. 25 da Lei nº 12.485/2011; relativamente às ADI 4747, 4756 e 4923, julgo os pedidos improcedentes."
É preceito basilar do regime jurídico-administrativo a observância ao princípio da legalidade ao qual está sujeita inexoravelmente a Administração Pública, conforme se depreende do artigo 37, caput, da Carta Magna de 1988.
O princípio da legalidade administrativa significa a sujeição do Estado ao império da lei, entendida esta como a “expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição”.[16] A dimensão que se dá a esse princípio também é distinta da aplicável no âmbito das relações privadas. Se no campo do direito privado é lícito aquilo que não é vedado por lei, na área do direito administrativo, somente é lícito aquilo que a lei expressamente determina como tal.
O princípio da legalidade implica a subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que ocupa o cargo de mais elevado escalão até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel realização das finalidades normativas.
Na clássica comparação de Hely Lopes Meirelles, enquanto para indivíduos na esfera privada tudo o que não está juridicamente proibido está juridicamente facultado, nos termos do clássico brocardo cuique facere licet quid jure prohibitur, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, estando adstrita ao cumprimento do preciso fim por ela assinalado, conforme a parêmia prohibita intelliguntur quod non permissum, não lhe cabendo, portanto, conceder direitos em situações diversas das previstas em lei, ex vi o que preceitua o princípio da legalidade insculpido no artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, verbis:
(...)
"CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência." (destacou-se)
É de extrema importância apreciar o efeito do princípio da legalidade no que tange aos direitos dos indivíduos. Na verdade, o princípio se reflete na consequência de que a própria garantia desses direitos depende de sua existência, autorizando-se então, os indivíduos à verificação do confronto entre a atividade administrativa e a lei. A conclusão é inabalável no sentido de que havendo dissonância entre a conduta e a lei, deverá aquela ser corrigida para eliminar-se a ilicitude.
Sendo certo que na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal e as leis e as normas são de ordem pública, não podendo ser descumpridos os seus preceitos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários.
Nesta linha de entendimento, o escólio do eminente Hely Lopes Meirelles,[17] abaixo reproduzido:
(...)
“A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.” (grifou-se)
No mesmo sentido a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:[18]
(...)
"3 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO
(...)
3.4 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
3.4.1 Legalidade
Este princípio, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade.
É aqui que melhor se enquadra aquela ideia de que, na relação administrativa, a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei.
Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa é a ideia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles (2003:86) e corresponde ao que já vinha explícito no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei”.
No direito positivo brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, está contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei". (os destaques não constam do original).
Marçal Justen Filho em sua primorosa obra Curso de Direito Administrativo[19] preleciona o seguinte sobre o princípio da legalidade e a sua aplicação na atividade administrativa:
(...)
"Capítulo 5
A LEGALIDADE E A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA
(...)
9 A LEGALIDADE E A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA
No relacionamento entre os particulares, prevalece a regra de que tudo aquilo que não for obrigatório nem proibido por lei é juridicamente autorizado. No tocante à atividade administrativa, reconhece-se que tudo aquilo que não for autorizado por lei é juridicamente proibido.
(...)
9.2 As posições jurídicas de direito público
Já o exercício de competências estatais e de poderes excepcionais não se funda em alguma qualidade inerente ao Estado ou a algum atributo do governante. Toda a organização estatal, a atividade administrativa em sua integralidade e a instituição de funções administrativas são produzidas pelo direito.
Logo, a ausência de disciplina jurídica tem de ser interpretada como inexistência de poder jurídico. Daí se afirmar que, nas relações de direito público, tudo o que não for autorizado por meio de lei será reputado como proibido." (os destaques não constam do original)
Considerando as questões aduzidas anteriormente, eventual cessação do cometimento da(s) infração(ões) administrativa(s) poderá ocorrer somente após manifestação da SPU-SC atestando a regularidade da construção/obra e interrupção ou saneamento da(s) infração(ões) contra o patrimônio da União identificadas, conforme preceitua o artigo 6º, parágrafo 4º, inciso I, do Decreto-Lei Federal nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, c/c o artigo 11, inciso I, e artigo 12, da Instrução Normativa SPU nº 23, de 18 de março de 2020.
Em decorrência do regramento normatizado na INSTRUÇÃO NORMATIVA SPU Nº 23, DE 18 DE MARÇO DE 2020, a qual confere concretude ao dever-poder de fiscalização que integra a esfera do denominado poder de polícia administrativa (dever-poder de atuação), em cotejo com o princípio da legalidade que rege/norteia a atividade administrativa e em razão do aduzido nos itens "29." e "30.", reputo não ser juridicamente viável/possível a cessação do cometimento da(s) infração(ões) administrativa(s) contra o patrimônio da União enquanto não houver manifestação conclusiva da SPU-SC atestando a interrupção ou saneamento da(s) infração(ões) contra o patrimônio da União identificada(s).
No que tange as propostas aventadas nos itens "17." a "27." e "40.5." da Nota Técnica SEI nº 35566/2023/MGI (SEI nº 37398756) destinadas à execução de esforços conjuntos e integrados entre a União representada pela SPU-SC e o Município de Joinville-SC, é juridicamente possível a celebração de ACORDO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA entre os entes públicos para viabilizar a implementação de atividades e projetos necessários à Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social (REURB-S) e Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico (REURB-E), por meio da execução de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.
A Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2021 (Código Florestal), que estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal, preceitua o seguinte sobre a intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente (APP):
(...)
"CAPÍTULO II
DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
Seção II
Do Regime de Proteção das Áreas de Preservação Permanente
(...)
Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
§ 1º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
§ 2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda. (Vide ADC Nº 42) (Vide ADIN Nº 4.903) (grifou-se)
O diploma legal também prevê a Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social (REURB-S) e a Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico (REURB-E) em núcleos urbanos informais consolidados em Áreas de Preservação Permanente (APP), conforme se depreende dos artigos 64 e 65, verbis:
(...)
"CAPÍTULO XIII
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
Seção II
Das Áreas Consolidadas em Áreas de Preservação Permanente
Art. 64. Na Reurb-S dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017) (grifou-se)
§ 1º O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas.
§ 2º O estudo técnico mencionado no § 1º deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos:
I - caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;
II - especificação dos sistemas de saneamento básico;
III - proposição de intervenções para a prevenção e o controle de riscos geotécnicos e de inundações;
IV - recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;
V - comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso;
VI - comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e
VII - garantia de acesso público às praias e aos corpos d'água.
Art. 65. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017) (destacou-se)
§ 1º O processo de regularização fundiária de interesse específico deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior e ser instruído com os seguintes elementos: (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
I - a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da área;
II - a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das restrições e potencialidades da área;
III - a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos;
IV - a identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas;
V - a especificação da ocupação consolidada existente na área;
VI - a identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico;
VII - a indicação das faixas ou áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;
VIII - a avaliação dos riscos ambientais;
IX - a comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e
X - a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos d’água, quando couber.
§ 2º Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado.
§ 3º Em áreas urbanas tombadas como patrimônio histórico e cultural, a faixa não edificável de que trata o § 2º poderá ser redefinida de maneira a atender aos parâmetros do ato do tombamento."
A Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016, convertida posteriormente na Lei Federal nº 13.465, de 11 de julho 2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, definiu a regularização fundiária como um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes, denominando-a de "Reurb", conforme artigo 9º:
a) Lei Federal nº 13.465, de 11 de julho de 2017
(Dispõe sobre a regularização fundiária e urbana e dá outras providências)
(...)
"TÍTULO II
DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Seção I
Da Regularização Fundiária Urbana
Art. 9º Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.
§ 1º Os poderes públicos formularão e desenvolverão no espaço urbano as políticas de suas competências de acordo com os princípios de sustentabilidade econômica, social e ambiental e ordenação territorial, buscando a ocupação do solo de maneira eficiente, combinando seu uso de forma funcional."
Nesse diploma foram delimitados os objetivos a serem perseguidos por todos os entes federativos, na forma do artigo 10 da Lei Federal nº 13.465, de 11 de julho de 2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana:
b) Lei Federal nº 13.465, de 11 de julho de 2017
(Dispõe sobre a regularização fundiária e urbana e dá outras providências)
(...)
"TÍTULO II
DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Seção I
Da Regularização Fundiária Urbana
Art. 10. Constituem objetivos da Reurb, a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios:
I - identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior;
II - criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes;
III - ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados;
IV - promover a integração social e a geração de emprego e renda;
V - estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade;
VI - garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas;
VII - garantir a efetivação da função social da propriedade;
VIII - ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes;
IX - concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo;
X - prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais;
XI - conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;
XII - franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária."
A regularização fundiária ficou circunscrita a duas modalidades distintas, como previsto no artigo 13:
“Art. 13. A Reurb compreende duas modalidades:
I - Reurb de Interesse Social (Reurb-S) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e (grifou-se)
II - Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.
A diferença entre as modalidades, como se infere, reside na condição econômica dos beneficiários, vale dizer: pessoas declaradas de baixa renda, ou não, lembrando que o artigo 95, da Lei Federal nº 13.456, de 2017, alterou o Decreto-Lei Federal nº 1.876, de 15 de julho de 1981, que dispôs sobre o conceito de carência ou baixa renda, alertando-se para a exceção incluída no parágrafo 5º, do artigo 1º :
c) Lei Federal nº 13.465, de 11 de julho de 2017
(Dispõe sobre a regularização fundiária e urbana e dá outras providências)
(...)
"TÍTULO III
DOS PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO E ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS DA UNIÃO
(...)
Art. 95. O Decreto-lei 1.876, de 15 de julho de 1981 , passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1º (...)
§ 2º Considera-se carente ou de baixa renda, para fins da isenção disposta neste artigo, o responsável por imóvel da União que esteja devidamente inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), ou aquele responsável, cumulativamente:
I - cuja renda familiar mensal seja igual ou inferior ao valor correspondente a cinco salários mínimos; e
II - que não detenha posse ou propriedade de bens ou direitos em montante superior ao limite estabelecido pela Receita Federal do Brasil, para obrigatoriedade de apresentação da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física. (grifou-se)
(...)
§ 5º A exigência de que trata o inciso II do § 2º deste artigo, não se aplica aos beneficiários da Reurb-S.” (NR)
“Art. 2º. são isentas do pagamento de laudêmio as transferências de bens imóveis dominiais pertencentes à União."
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corte responsável pela uniformização da legislação federal em todo o país, está sedimentada sobre a possibilidade da regularização de construções em áreas urbanas consolidadas e consideradas de preservação permanente apenas em casos de regularização fundiária de interesse social de população de baixa renda. A título de ilustração, reputo conveniente transcrever a EMENTA do seguinte ACÓRDÃO:
Origem: Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Tipo: Acórdão.
Classe: RECURSO ESPECIAL (RESP) nº 1782692/PB.
Relator: Ministro Herman Benjamim.
Órgão Julgador: 2ª (Segunda) Turma.
Data do Julgamento: 13/08/2019.
Data de Publicação/Fonte: Diário de Justiça Eletrônico (DJe) de 05/11/2019.
EMENTA: "PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÕES EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - APP. MARGEM DE RIO. MANGUEZAL. PRINCÍPIO DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO SISTEMA CLIMÁTICO. CÓDIGO FLORESTAL. ARTS. 1°-A, PARÁGRAFO ÚNICO, I, 3°, II, 8°, CAPUT E §§ 2°, 4°, 64 e 65 DA LEI 12.651/2012. CRISE HÍDRICA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS. ART. 5°, III, E 11 DA LEI 12.187/2009. DIREITO A CIDADE SUSTENTÁVEL. ARTS. 2°, I, DA LEI 10.257/2001. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA. ART. 11, I e II, e § 2°, DA LEI 13.465/2017. FUNDAMENTO ÉTICO-POLÍTICO DE JUSTIÇA SOCIAL DO DIREITO A MORADIA EXCLUSIVO DE PESSOAS POBRES, MAS APLICADO INDEVIDAMENTE PELO ACÓRDÃO RECORRIDO A CASAS DE VERANEIO E ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS. AFASTAMENTO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. SÚMULA 613 DO STJ. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA DE INTERESSE SOCIAL. DEVER DO PODER PÚBLICO DE FISCALIZAR. PRINCÍPIO DE VEDAÇÃO DO NON LIQUET. ART. 140, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ibama contra particulares e a Municipalidade de Pitimbu, Estado da Paraíba, pugnando por provimento judicial que proíba a ampliação e determine a demolição de construções ilegais em onze imóveis localizados na faixa marginal do rio Acaú. Entre as edificações contestadas, incluem-se bar, farmácia, casas de veraneio e residências familiares.
2. Os fatos e a ocupação irregular da Área de Preservação Permanente são incontroversos. Conforme apontou a Corte de origem, os prédios embargados "foram erigidos às margens do Rio Acaú, estando inseridos em Área de Preservação Permanente, por ofensa à distância mínima exigida para edificar-se nas bordas de rios". Em idênticos termos, a sentença, apoiada em perícia, confirma que as construções acham-se "'coladas' à margem do rio, invadindo, portanto, a Área de Preservação Permanente marginal aos cursos d'água'" estabelecida pelo Código Florestal, em consequência causando 'dano ambiental também pelo lançamento de esgotos no Rio Acaú, sendo que a reversão dessa situação dependeria da demolição dos imóveis e da recuperação da vegetação no local'".
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP), PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE INTOCABILIDADE, ROL TAXATIVO DE INTERVENÇÃO EXCEPCIONAL, NATUREZA PROPTER REM E DANO IN RE IPSA
3. As Áreas de Preservação Permanente formam o coração do regime jurídico ambiental-urbanístico brasileiro no quadro maior do desevolvimento ecologicamente sustentável. Ao contrário do que se imagina, o atributo de zona non aedificandi também revela avultado desígnio de proteger a saúde, a segurança, o patrimônio e o bem-estar das pessoas contra riscos de toda a ordem, sobretudo no espaço urbano. Daí o equívoco (e, em seguida, o desdém) de ver as APPs como mecanismo voltado a escudar unicamente serviços ecológicos tão indispensáveis quanto etéreos para o leigo e distantes da consciência popular, como diversidade biológica, robustez do solo contra a erosão, qualidade e quantidade dos recursos hídricos, integridade da zona costeira em face da força destruidora das marés, e corredores de fauna e flora.
4. Consoante o Código Florestal (Lei 12.6512012), "A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei" (art. 8°, caput, grifo acrescentado). O legislador, iure et de iure, presume valor e imprescindibilidade ambientais das APPs, presunção absoluta essa que se espalha para o prejuízo resultante de desrespeito à sua proteção (dano in re ipsa), daí a dispensabilidade de prova pericial. Logo, como regra geral, "Descabida a supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente - APP que não se enquadra nas hipóteses previstas no art. 8º do Código Florestal (utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental)" (REsp 1.394.025/MS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18/10/2013).
5. Encontrar-se a área destituída de vegetação nativa ou inteiramente ocupada com construções ou atividades proibidas não retira dela o elemento legal congênito de preservação permanente (= non aedificandi), qualidade distintiva insulada do estado atual de plenitude ou penúria das funções ecológicas, pois, consoante a letra categórica da lei, indiferente esteja "coberta ou não por vegetação nativa" (art. 3°, II, do Código Florestal, grifo acrescentado).Exatamente por isso e também para não premiar o vilipendiador serelepe (que tudo arrasa de um só golpe), a condição de completa desolação ecológica em vez de criar direito de ficar, usar, explorar e ser imitado por terceiros, impõe dever propter rem de sair, demolir e recuperar, além do de pagar indenização por danos ambientais causados e restituir eventuais benefícios econômicos diretos e indiretos auferidos (= mais-valia-ambiental) com a degradação e a usurpação dos serviços ecossistêmicos associados ao bem privado ou público - de uso comum do povo, de uso especial ou dominical.
6. Nomeadamente quanto à "faixa ciliar", a jurisprudência do STJ há tempos prescreve a intocabilidade e o cunho propter rem dessa modalidade de APP: "em qualquer propriedade", não podem as margens "ser objeto de exploração econômica" e "aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito", pois "se a manutenção da área destinada à preservação permanente é obrigação propter rem, ou seja, decorre da relação existente entre o devedor e a coisa, a obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental" (REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciuli Neto, Segunda Turma, DJ de 7/10/2002).
7. Na Área de Preservação Permanente estão proibidos usos econômicos diretos, ressalvadas hipóteses previstas em lista fechada, ou seja, estabelecidas por lei federal em sentido formal, como utilidade pública, interesse social, e ainda assim respeitados rígidos critérios objetivos de incidência e técnica hermenêutica (= interpretação restritiva). Para o STJ, "estando a construção edificada em área prevista como de preservação permanente, limitação administrativa que, só excepcionalmente, pode ser afastada (numerus clausus), cabível sua demolição com a recuperação da área degradada", haja vista contrariedade direta a dispositivos expressos do Código Florestal, que devem ser "interpretados restritivamente" (REsp 1.298.094/SC, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 2.2.2016). Em sentido similar: "Induvidosa a prescrição do legislador, no que se refere à posição intangível e ao caráter non aedificandi da Área de Preservação Permanente - APP, nela interditando ocupação ou construção, com pouquíssimas exceções (casos de utilidade pública e interesse social), submetidas a licenciamento" (AgInt no REsp 1.572.257/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 17.5.2019). Ou ainda: "De acordo com o Código Florestal brasileiro (tanto o de 1965, como o atual, a Lei 12.651, de 25.5.2012) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão, encontra-se uniformemente protegida pela exigência de prévia e válida autorização do órgão ambiental competente, qualquer que seja o seu bioma, localização, tipologia ou estado de conservação (primária ou secundária). Além disso, em se tratando de área de preservação permanente, a sua supressão deve respeitar as hipóteses autorizativas taxativamente previstas em Lei, tendo em vista a magnitude dos interesses envolvidos de proteção do meio ambiente" (REsp 1.362.456/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 28.6.20130, grifo acrescentado).
8. No caso da vegetação ciliar, em acréscimo ao amparo das águas e à constituição de rede de corredores ecológicos, na sua ratio sobressai a intenção de prevenir deterioração do leito físico (calha) de córregos e rios e de inibir riscos gerados pelo acúmulo de sedimentos causadores de inundações e de graves ameaças à vida e à poupança da população, sobretudo da mais carente de recursos. "A proteção marginal dos cursos de água, em toda sua extensão, possui importante papel de proteção contra o assoreamento" (REsp 1.518.490/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 15.10.2018).
DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO E DIREITO A MORADIA
9. Entre os onze imóveis objeto da presente Ação Civil Pública, há casas de veraneio, bar e farmácia. É o conhecido artifício de que se servem grileiros ambientais, pelo qual o ilegal em grau máximo - nas APPs urbanas, verdadeira infantaria precursora de destruição, mas em rigor embrião de gentrificação imediata ou futura do terreno não edificável - lança mão da população de baixíssima renda como anteparo ético e de justiça social, pretexto esperto, mas vazio tanto de equidade como de legitimidade, destinado a sustentar e a reter, em proveito individual, comercial e de lazer, ocupações, construções e usos irregulares sobre espaços naturais legalmente protegidos em favor da coletividade. Tudo agravado, na espécie dos autos, pela comprovação inequívoca de que várias das construções foram erigidas em violação não só à letra clara da lei, mas também em aberta desobediência a autos de infração e interdição emitidos pelo Ibama.
10. No Estado Social de Direito, moradia é direito humano fundamental, o que não implica dizer direito absoluto, já que encontra limites em outros direitos igualmente prestigiados pelo ordenamento jurídico e com os quais convive em diálogo harmônico, entre os quais o direito à saúde, o direito à segurança, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Sábios e civilizados seremos verdadeiramente reputados no dia em que o desrespeito à blindagem legal das Áreas de Preservação Permanente adquirir patamar de repulsa no povo, similar à provocada pela edificação, residencial ou não, em terrrenos ocupados por bens públicos icônicos nacionais - como a Praça dos Três Poderes, em Brasília; o Parque do Ibirapuera, em São Paulo e o Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.
11. A modalidade de conflito, em que se chocam direitos humanos fundamentais - p. ex., o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito à água, de um lado, e o direito a moradia, do outro - não é desconhecida do Superior Tribunal de Justiça. Em precedente relativo à Represa Billings, que abastece milhões de paulistanos, o STJ já decidiu que, "no caso, não se trata de querer preservar algumas árvores em detrimento de famílias carentes de recursos financeiros"; ao contrário, cuida-se "de preservação de reservatório de abastecimento urbano, que beneficia um número muito maior de pessoas do que as instaladas na área de preservação. Assim, deve prevalecer o interesse público em detrimento do particular, uma vez que, in casu, não há possibilidade de conciliar ambos a contento. Evidentemente, o cumprimento da prestação jurisdicional causará sofrimento a pessoas por ela atingidas, todavia, evitar-se-á sofrimento maior em um grande número de pessoas no futuro; e disso não se pode descuidar" (REsp 403.190/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ de 14.8.2006, p. 259).
12. Inexiste incompatibilidade mortal entre direito a moradia e direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a ponto de a realização de um pressupor o sacrifício do outro, falso dilema que nega a própria essência ética e jurídica do direito à cidade sustentável (Lei 10.257/2001, art. 2°, I). No direito a moradia convergem a função social e a função ecológica da propriedade. Por conseguinte, não se combate nem se supera miserabilidade social com hasteamento de miserabiliadde ecológica, mais ainda porque água, nascentes, margens de rios, restingas, falésias, dunas e manguezais, entre outros bens públicos ambientais supraindividuais escassos, finitos e infungíveis, existem somente onde existem. Já terreno para habitação não falta, inclusive nas grandes metrópoles: o que carece é vontade política para enfrentar o vergonhoso deficit habitacional brasileiro, atribuindo-lhe posição de verdadeira prioridade nacional.
13. Construções e atividades irregulares em Áreas de Preservação Permanente, em especial nas margens de rios, encostas, restingas e manguezais, são convite para tragédias recorrentes, até mesmo fatais, e prejuízos patrimoniais, devastadores, de bilhões de reais, que oneram o orçamento público, arrasam haveres privados e servem de canteiro fértil para corrupção e desvio de fundos emergenciais. Por exemplo, desastres urbanos (inundações, desmoronamentos de edificações, escorregamento de terra, etc.) estão em curva ascendente, no contexto de agravamento da frequência, intensidade e danosidade de eventos climáticos extremos e da vulnerabilidade de assentamentos humanos.
14. Na hipótese dos autos, quanto aos carentes de tudo, que construíram suas casas estritamente residenciais antes da autuação e interdição pelo Ibama, caberá ao Município omisso assegurar-lhes apoio material, inclusive "aluguel social", e prioridade em programas habitacionais, dever esse não condicionante nem impeditivo da execução imediata da ordem judicial de remoção das construções ilegítimas.
15. Por último, casas de veraneio e estabelecimentos comerciais não se encaixam, sob nenhum ângulo, no molde estrito de moradia para população de baixa renda. Daí, em Área de Preservação Permanente, ser "totalmente descabida a pretensão de grupos de pessoas que degradam referidas áreas para finalidades recreativas, acarretando ônus desmesurado ao meio ambiente e aos demais indivíduos" (AgInt no REsp 1.760.512/MS, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 27.2.2019, grifo acrescentado).
POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA DE INTERESSE SOCIAL
16. O próprio Código Florestal prevê procedimento administrativo peculiar, sob rigorosos requisitos, para a regularização fundiária urbana (Reurb) de interesse social e de interesse específico (Lei 12.651/2012, arts. 64 e 65), "na forma da lei". Tal fato indica ser descabido ao Poder Judiciário, sem lei e, pior, contra lei existente, regularizar ocupações individualmente - edificação por edificação -, mais ainda na posição de órfão de cautelas e estudos técnicos exigíveis da Administração, quando se propõe a ordenar o caos urbanístico das cidades.
17. Segundo o Código Florestal (grifos acrescentados), "poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda" (Lei 12.651/2012, art. 8°, § 2°). Impende recordar que o legislador veda, "em qualquer hipótese", a "regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa" bem como daquelas situações ilícitas que estejam "além das previstas nesta Lei" (art. 8°, par. 4°). Trata-se de regularização administrativa coletiva, ou seja, a um só tempo conduzida pelo Poder Executivo (portanto, não judicial) e incidente sobre "núcleo urbano informal" (portanto, desarrazoado aplicá-la ad hoc, para regularizar ocupações individuais isoladas), tudo sob o pálio da política urbana pública e mediante "a elaboração de estudos técnicos" e "compensações ambientais" (Lei 13.465/2017, art. 11, I e II, e § 2°). Tanto o Ministério Público como a Defensoria Pública possuem legitimação para requerer a Regularização Fundiária Urbana ? Reurb (Lei 13.465/2017, art. 14, IV e V). (destacou-se)
ADENSAMENTO POPULACIONAL, ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E NON LIQUET AMBIENTAL
18. O argumento de que a área ilicitamente ocupada integra região de adensamento populacional não basta, de maneira isolada, para judicialmente afastar a incidência da legislação ambiental. Aceitá-lo implica referendar tese de que, quanto maior a poluição ou a degradação, menor sua reprovabilidade social e legal, acarretando anistia tácita e contra legem, entendimento, por óbvio, antagônico ao Estado de Direito Ambiental. Além disso, significa acolher territórios-livres para a prática escancarada de ilegalidade contra o meio ambiente, verdadeiros desertos ecológicos onde impera não o valor constitucional da qualidade ambiental, mas o desvalor da desigualdade ambiental.
19. Afastar judicialmente o regime das Áreas de Preservação Permanente equivale a abrigar, pela via oblíqua, a teoria do fato consumado, na acepção tão criativa quanto inaceitável de que o adensamento populacional e o caráter antropizado do local dariam salvo-conduto para toda a sorte de degradação ambiental. Vale dizer: quanto mais ecologicamente arrasada a área, mais distante se posicionaria o guarda-chuva ambiental da Constituição e da legislação. Em realidade, o reverso do que normalmente se espera, na medida em que o já elevado número de pessoas em situação de miserabilidade ambiental há de disparar, na mesma proporção, esforço estatal para oferecer-lhes, por meio de ordenação sustentável do espaço urbano, o mínimo ecológico-urbanístico, inclusive com eventual realocação de famílias. O STJ não admite, em tema de Direito Ambiental, a incidência da teoria do fato consumado (Súmula 613). Na mesma linha, a posição do Supremo Tribunal Federal: "A teoria do fato consumado não pode ser invocada para conceder direito inexistente sob a alegação de consolidação da situação fática pelo decurso do tempo. Esse é o entendimento consolidado por ambas as turmas desta Suprema Corte. Precedentes: RE 275.159, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 11/10/2001; RMS 23.593-DF, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ de 2/2/01; e RMS 23.544-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ de 21.6.2002" (RE 609.748/RJ AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 23/8/2011).
20. Em região antropizada e de adensamento populacional, se a Ação Civil Pública não abarcar a totalidade dos infratores ou das infrações ambientais, nada de processualmente relevante expressa, porque inexiste obrigação legal de juntar comportamentos, independentes, de degradação do mesmo bem ambiental tutelado, mormente por ser incontestável que o autor, respeitadas as exigências legais, é gestor exclusivo da extensão subjetiva e objetiva que pretenda imprimir à demanda ajuizada. Sem falar que é inexigível litisconsórcio necessário em tais violações massificadas: "o loteamento irregular ou a ocupação clandestina de bens dominicais do Poder Público, seja por se tratar de área de preservação permanente ou comum do povo ... enseja a possibilidade de o autor da ação civil pública demandar contra qualquer transgressor, isoladamente ou em conjunto, não se fazendo obrigatória a formação de litisconsórcio" (REsp 1.699.488/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 13/12/2018).
21. Por isso, descabe a afirmação de que, por se tratar de "ponta de iceberg" em região "antropizada", seria imprópria a intervenção do Judiciário. Primeiro, porque a jurisprudência do STJ "não ratifica a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para manter dano ambiental consolidado pelo decurso do tempo" (AgInt no REsp 1.542.756/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 2.4.2019). Segundo, porque a transgressão de muitos não apaga o ilícito, nem libera todo o resto para a prática de novas infrações. Terceiro, porque contrassenso imoral pregar a existência de direito adquirido à ilegalidade em favor de um, ou de uns, e em prejuízo da coletividade presente e futura. Essa exatamente a posição do STJ enunciada reiteradamente: "em tema de direito ambiental, não se cogita em direito adquirido à devastação, nem se admite a incidência da teoria do fato consumado" (REsp 1.394.025/MS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 18.10.2013); "A natureza do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - fundamental e difusa - não confere ao empreendedor direito adquirido de, por meio do desenvolvimento de sua atividade, agredir a natureza, ocasionando prejuízos de diversas ordens à presente e futura gerações" (REsp 1.172.553/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe de 4/6/2014); "Reafirmo a impossibilidade de sustentar a proteção do direito adquirido para vilipendiar o dever de salvaguarda ambiental. Essa proteção jurídica não serve para justificar o desmatamento da flora nativa e a ocupação de espaços especialmente protegidos pela legislação, tampouco para autorizar a manutenção de conduta nitidamente lesiva ao ecossistema" (AgInt no REsp 1.545.177/PR, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 22/11/20180).
22. No ordenamento jurídico brasileiro, o legislador atribui ao juiz enormes poderes, menos o de deixar de julgar a lide e de garantir a cada um - inclusive à coletividade e às gerações futuras - o que lhe concerne, segundo o Direito vigente. Portanto, reconhecer abertamente a infração para, logo em seguida, negar o remédio legal pleiteado pelo autor, devolvendo o conflito ao Administrador, ele próprio corréu por desleixo, equivale a renunciar à jurisdição e a afrontar, por conseguinte, o princípio de vedação do non liquet. Ao optar por não aplicar norma inequívoca de previsão de direito ou dever, o juiz, em rigor, pela porta dos fundos, evita decidir, mesmo que, ao fazê-lo, não alegue expressamente lacuna ou obscuridade normativa, já que as hipóteses previstas no art. 140, caput, do Código de Processo Civil de 2015 estão listadas de forma exemplificativa e não em numerus clausus.
23. Recurso Especial provido."
A atuação isolada da SPU-SC talvez não seja suficiente para dirimir as questões suscitadas Nota Técnica SEI nº 35566/2023/MGI (SEI nº 37398756) atinentes à regularização fundiária, razão pela qual a interlocução/cooperação institucional com o ente municipal sob a égide do federalismo cooperativo ou de cooperação[20] objetivando atuação/articulação conjunta para harmonizar os interesses conflitantes, a partir de debate interinstitucional, mediante discussão de propostas, possibilitando dirimir/solucionar entraves/óbices para a regularização de núcleos urbanos informais ocupados por população de baixa renda em áreas de domínio da União.
Para melhor compreensão do conceito e extensão do modelo constitucional fundado no federalismo cooperativo, reputo conveniente transcrever fragmento da EMENTA do ACÓRDÃO proferido pela 1ª (Primeira) Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 1.247.930/São Paulo, verbis:
"EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI MUNICIPAL. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS EM MATÉRIA DE LICITAÇÕES E CONTRATOS.
(...)
4. A Federação nasceu adotando a necessidade de um poder central,com competências suficientes para manter a união e a coesão do próprio País, garantindo-lhe, como afirmado por HAMILTON, a oportunidade máxima para a consecução da paz e da liberdade contra o facciosismo e a insurreição (The Federalist papers, nº IX ), e permitindo à União realizar seu papel aglutinador dos diversos Estados-Membros e de equilíbrio no exercício das diversas funções constitucionais delegadas aos três poderes de Estado.
5. Durante a evolução do federalismo, passou-se da ideia de três campos de poder mutuamente exclusivos e limitadores, segundo a qual a União, os Estados e os Municípios teriam suas áreas exclusivas de autoridade, para um novo modelo federal baseado, principalmente, na cooperação, como salientado por KARL LOEWESTEIN (Teoria de la constitución. Barcelona: Ariel, 1962. p. 362).
6. O legislador constituinte de 1988, atento a essa evolução, bem como sabedor da tradição centralizadora brasileira, tanto, obviamente, nas diversas ditaduras que sofremos, quanto nos momentos de normalidade democrática, instituiu novas regras descentralizadoras na distribuição formal de competências legislativas, com base no princípio da predominância do interesse, e ampliou as hipóteses de competências concorrentes, além de fortalecer o Município como polo gerador de normas de interesse local.
7. O princípio geral que norteia a repartição de competência entre os entes componentes do Estado Federal brasileiro é o princípio da predominância do interesse, tanto para as matérias cuja definição foi preestabelecida pelo texto constitucional, quanto em termos de interpretação em hipóteses que envolvem várias e diversas matérias, como na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.
8. A própria Constituição Federal, portanto, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos, União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-membros e Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I)." (os destaques não constam do original)
Para adequado entendimento do conteúdo e alcance do modelo constitucional fundado no federalismo cooperativo, reputo relevante transcrever a lição de Fernanda Dias Menezes de Almeida em sua primorosa obra Competências na Constituição de 1988[21], verbis:
(...)
"Parte II
A Repartição de Competências no Estado Federal
(...)
3 A Repartição de Competências e as Transformações do Estado Federal
(...)
Mesmo se tendo evoluído para o federalismo cooperativo, em que avulta o papel da União, a colaboração intergovernamental em grande escala, necessária para se atingirem objetivos comuns, é buscada em base consensual, importando numa autocontenção consciente do poder central. E assim se preserva a higidez dos princípios e práticas da Federação. (os destaques não constam do origi9nal)
Importantes considerações nessa linha de raciocínio são feitas também por outro constitucionalista norte-americano contemporâneo, DANIEL ELAZAR. Ao discorrer sobre os esforços federais para influenciar o procedimento dos governos municipais, assinala o citado autor que o êxito desses esforços esteve sempre condicionado à aceitação dos objetivos federais na esfera municipal como condizentes com os interesses locais.
Exemplificando com as subvenções federais, demonstra DANIEL ELAZAR que representam eficiente mecanismo de influência onde há universalidade de interesses federais e municipais. Podem desempenhar um papel útil quando os governos municipais são neutros em relação aos objetivos federais. Têm-se mostrado ineficazes quando há relutância municipal quanto às finalidades da dotação. E chegam a causar impacto mínimo quando a oposição municipal é disseminada em escala nacional e o governo federal não procura um consenso, na mesma escala, em apoio a seus esforços, procurando apenas influenciar unilateralmente a conduta dos governos municipais.
Nesse último caso, como afirma ELAZAR (1985:6), “os governos municipais, ao perceberem que devem, pelo menos superficialmente, acatar as exigências federais, simulam que o fazem enquanto acertam as questões entre si, de forma a garantir que os processos de exame sejam apenas formalidades, com pouca ou nenhuma substância”.
Isto quer dizer – arremata o ilustre constitucionalista – que, “embora o go- verno federal possa, até certo ponto, impor sua vontade quando decide fazê-lo, a simples existência de exigências ou mecanismos de execução não conduz necessariamente aos resultados almejados. De qualquer forma, a imposição federal é geralmente alcançada por meio de negociações prolongadas em vez de por decretos, mesmo quando incluem dotações federais que, tecnicamente, podem ser revogadas”."
No mesmo sentido a lição de Irene Patrícia Diom Nohara em sua lapidar obra Fundamentos de Direito Público, 2ª Ed., revista, atualizada e ampliada. Barueri [SP]: Atlas, 2022, pp. 167/168, verbis:
(...)
"CAPÍTULO 4
INSTITUIÇÕES DE DIREITO PÚBLICO
(...)
4.6 ENTES FEDERATIVOS: UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS
(...)
Cada ente federativo recebe da Constituição atribuições denominadas de competências. Segundo expõe Fernanda Dias Menezes de Almeida, na obra Competências na Constituição de 1988[22], (ou enumeradas), repartidas horizontalmente, com competências comuns e concorrentes, repartidas verticalmente, abrindo-se espaço também para a participação dos Estados na esfera de competências próprias da União, mediante delegação de competência privativa (art. 22, parágrafo único).
Assim, como resquício da adoção inicial[23] (1891) do modelo de federalismo dual ou clássico no Brasil, há competências enumeradas para cada ente federativo. Esse sistema se estrutura bom base na prevalência de interesses, sendo atribuídas em regra, à União as competências que tenham repercussões de interesse geral, aos Estados assuntos de interesse regional, somados à competência residual ou remanescente (art. 25, § 1º), e aos Municípios assuntos de interesse local."
Quanto as propostas cogitadas nos itens "40.1.", "40.3." e "40.4." da Nota Técnica SEI nº 35566/2023/MGI (SEI nº 37398756), deverão ser submetidas aos requeridos/apelados para ciência e eventual aquiescência/anuência das condições e obrigações sugeridas.
Destaco que a análise aqui empreendida circunscreve-se aos aspectos legais envolvidos, não incumbido a esta unidade jurídica imiscuir-se no exame dos aspectos de economicidade, oportunidade, conveniência, assim como os aspectos técnicos envolvidos, conforme diretriz inserta na Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7.[24]
Tal entendimento está lastreado no fato de que a prevalência do aspecto técnico ou a presença de juízo discricionário determinam a competência e a responsabilidade da autoridade administrativa pela prática do ato.
Neste sentido, a Boa Prática Consultiva (BPC) nº 7, cujo enunciado é o que se segue:
"Enunciado
A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento." (grifou-se)
IV - CONCLUSÃO
Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "11.", "21.", "22.", "33.", "34.", "35.", "43.", "47." e "48." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.
Em razão do advento da PORTARIA NORMATIVA CGU/AGU Nº 10, de 14 de dezembro de 2022, publicada no Suplemento "A" do Boletim de Serviço Eletrônico (BSE) nº 50, de 14 de dezembro de 2022, que dispõe sobre a organização e funcionamento das Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs), convém ressaltar que as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o artigo 22, caput, do aludido ato normativo.
Feito tais registros, ao Núcleo de Apoio Administrativo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina (SPU-SC) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS 2.0., bem como para adoção da(s) providência(s) que entender pertinente(s).
Vitória-ES., 13 de novembro de 2023.
(Documento assinado digitalmente)
Alessandro Lira de Almeida
Advogado da União
Matrícula SIAPE nº 1332670
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154102578202302 e da chave de acesso 34ffd8b3
Notas