ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE APOIO JURÍDICO PARA PARCERIAS COM A SOCIEDADE CIVIL E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


PARECER n. 00279/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.017824/2023-73

INTERESSADOS: DIVISÃO DE PROTOCOLO/DIPRO/MINC.

ASSUNTOS: MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA. TERMO DE TRANSFERÊNCIA.

 

EMENTA:
I. Direito Administrativo. Decreto Presidencial. Poder Normativo e Hierárquico.
II. Termo de Transferência. Alteração de competência por instrumento firmado entre ente e órgão público. 
III. Incompetência. Impossibilidade.
V. Art. 84, IV e VI, CRFB. Decreto nº 4.456 de 2022. 
 
 

I. RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 778/2023/SAV/GAB/SAV/GM/MinC (SEI nº 1480661), a Chefe de Gabinete da Secretaria do Audiovisual narra sobre proposta da Agência Nacional do Cinema - ANCINE de transferência para a Secretaria do Audiovisual - SAv do Ministério da Cultura - MinC dos acervos documentais dos órgãos do setor audiovisual extintos: Empresa Brasileira de Filmes S.A. (EMBRAFILME); Conselho Nacional do Cinema (CONCINE); Instituto Nacional do Cinema (INC); Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual (SDAv); e Secretaria da Cultura da Presidência da República (SEC-Pre).

 

A competência da ANCINE na guarda e conservação do acervo que se pretende transferir decorre do art. 7º, incisos VI, X e XI do Decreto nº 4.456 de 2022.

 

Informa a autarquia, no Ofício n.º 15-E/2023-ANCINE/SGI/GAD (SEI nº 1419310), que há um total de aproximadamente 2.216 (dois mil duzentos e dezesseis) caixas-arquivo de documentos dos órgãos do setor audiovisual extintos.

 

Aduz que no decorrer do tempo, manteve diversas parcerias com a Cinemateca Brasileira para a gestão de tais acervos, e que o incêndio ocorrido na unidade, em 2021, diminuiu grande parte do acervo documental. Há o interesse da ANCINE em manter o acervo em local unificado, todavia, efetivando a guarda do acervo pela SAv, que manteria o acervo na Cinemateca Brasileira.

 

Destaca por fim que, por falta de uma norma legal, recorreu à Portaria nº 252, de 30 de dezembro de 2015, do Arquivo Nacional, publicada no Diário Oficial da União, de 05 de janeiro de 2016, para a definição de um instrumento adequado para a transferência dos documentos.

 

Diante do exposto, antes de analisar o mérito da proposição, surgiram dúvidas à área técnica, que indagou a esta Consultoria Jurídica:

 
a) É possível fazer a transferência dos acervos documentais mesmo com a competência legal de guarda, preservação e tratamento dos acervos ainda previstos no Decreto nº 4.456/2002?
 
b) O modelo de instrumento proposto - Termo de Transferência, seguindo orientações da Portaria nº 252, de 30 de dezembro de 2015, do Arquivo Nacional, publicada no Diário Oficial da União, de 05 de janeiro de 2016 - seria o adequado para tal parceria de guarda dos órgãos na Cinemateca Brasileira?
 
c) Caso não haja impedimentos jurídicos nos itens "a" e "b", há dúvida desta Diretoria sobre a legalidade da Cláusula Segunda da minuta do Termo de Transferência (SEI nº 1419311), a qual prevê as responsabilidades da SAv e ANCINE e transfere as responsabilidade legais de guarda, conservação e tratamento do acervo transferido e depositado na Cinemateca Brasileira. Destarte, a transferência de responsabilidade do órgão registrada em Decreto poderia ocorrer por formalização infralegal, apenas com "Termo" ou outro instrumento assinado entre as partes?
 

É o relatório.

 

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

A Consultoria Jurídica procede à análise com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos dos Enunciados de Boa Prática Consultiva AGU nº 7:

 

“A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento” (Manual de Boas Práticas Consultivas. 4.ed. Brasília: AGU, 2016, página 32).

 

Como mencionado, trata-se, em síntese, de consulta em que a Secretaria do Audiovisual indaga sobre a possibilidade legal de se transferir a competência prevista em Decreto, mediante instrumento a ser assinado pelas partes, fundamentado em uma Portaria do Diretor Geral do Arquivo Nacional (Portaria nº 252, de 30 de dezembro de 2015).

 

A Organização da Administração é a estruturação das pessoas, entidades e órgãos que irão desempenhar as funções administrativas; é definir o modelo do aparelho administrativo do Estado. Essa organização se dá normalmente por leis e, em complemento, por decreto e normas inferiores.

 

O Decreto-Lei nº 200/67, que, apesar de inúmeras alterações legislativas posteriores continua em vigor, foi o responsável pela divisão da Administração Pública em Direta e Indireta, estabelecendo em seu art. 4º que a Administração Direta se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios e que a Administração Indireta compreende as seguintes entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas.

 

No presente caso, temos um ente da Administração Pública Indireta, a Agência Nacional do Cinema - ANCINE, criada em 2001 pela Medida Provisória 2228-1, possuindo natureza jurídica de autarquia.

 

Por sua vez, o Ministério da Cultura, órgão da Administração Pública direta, ao qual pertence a Secretaria do Audiovisual, foi recriado pela Lei nº 14.600, de 2023.

 

Regulamentando e detalhando as competências de cada órgão ou ente da Administração Pública, o Presidente da República, enquanto chefe máximo do Poder Executivo, edita decretos regulamentadores, nos termos do art. 84 da Constituição Federal que assim prescreve:

 

 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
(...)
VI - dispor, mediante decreto, sobre:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;         (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;         (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;
(...)
 

Nesse sentido, dispondo sobre as competências da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, o Presidente da República editou o art. 33 do Anexo I do Decreto nº 11.336, de 2023.

 

Já no que concerne ao objeto desta consulta, o Presidente da República, no exercício do poder normativo concedido pela Constituição Federal, editou o Decreto nº 4.456 de 2002, que estabelece as competências da ANCINE e prevê expressamente:

 

Art. 7o  Ficam transferidos da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura para a ANCINE as seguintes competências:
(...)
VI - os acervos documentais da Coordenação de Registro da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, a partir de 19 de novembro de 2002;
(...)
X - a conservação e o tratamento dos acervos documentais da EMBRAFILME - Distribuidora de Filmes S.A. e do Conselho Nacional de Cinema - CONCINE, a serem realizados pela ANCINE nas dependências do Ministério da Cultura, onde se encontram atualmente, a partir da data da publicação deste Decreto;
XI - a guarda dos acervos documentais da EMBRAFILME e CONCINE, a partir de 7 de maio de 2004;

 

Pretende a ANCINE, através de instrumento jurídico denominado "Termo de Transferência", a ser assinado pela Secretária do Audiovisual e pelo Secretário de Gestão Interna da autarquia, "efetivar a transferência para a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, do acervo fílmico e documental recebido pela ANCINE por força do Decreto nº 4.456/2002, VI, X e XI, de órgãos extintos do setor audiovisual" (SEI nº 1419311).

 

A cláusula segunda do instrumento transfere expressamente as responsabilidades legais de guarda, conservação e tratamento do acervo previstas por Decreto à ANCINE, repassando-as à Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura.

 

Não se vislumbra possibilidade jurídica de transferir as competências estipuladas por Decreto na forma pretendida.

 

Como visto, quem definiu tanto as competências da ANCINE quanto da SAv/MinC foi o Presidente da República, no âmbito do poder normativo e regulamentador concedido pela Constituição Federal.

 

Não podem, simplesmente, Secretários do órgão e do ente público, alterar essa competência à revelia da autoridade presidencial, seja por ato normativo, seja por instrumento bilateral firmado entre as duas partes.

 

Observa-se que a Constituição Federal determinou claramente que compete privativamente ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal.

 

Não pode qualquer autoridade de hierarquia inferior alterar as competências estabelecidas sem que haja delegação expressa nesse sentido. 

 

O Termo de Transferência pretendido, s.m.j., fere o poder normativo, pois seria necessário novo Decreto para alterar a competência regulamentada (art. 84, VI, "a", CRFB), buscando alterar a norma jurídica por instrumento jurídico de efeitos concretos; bem como fere o poder hierárquico, alterando competências que cabe exclusivamente ao Presidente da República definir (art. 84, CRFB).

 

Assim, se ambas as partes (ANCINE e Ministério da Cultura) entendem que o melhor para o interesse público é a transferência da guarda dos documentos da autarquia para a Pasta Ministerial, sugere-se que os titulares da entidade e do órgão se articulem junto à Presidência da República visando à alteração do Decreto nº 4.456 de 2022.

 

Por fim, vale apenas mencionar que a Portaria nº 252, de 30 de dezembro de 2015 do Diretor Geral do Arquivo Nacional, utilizada como fundamento para elaborar o Termo de Referência, trata da passagem dos documentos produzidos e recebidos pelos órgãos ou entidades do Poder Executivo Federal, de seus arquivos correntes (ou setoriais) para o arquivo intermediário, com guarda temporária no Arquivo Nacional (órgão do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), em sistema de parceria, assegurado a estes o direito de acesso e consulta. Não é este o caso do processo em tela, em que se busca a alteração de competências estabelecidas em Decreto, por instrumento jurídico assinado entre as partes interessadas.

 

Também observa-se que não se busca uma parceria, isto é, o desenvolvimento com prazo determinado de um projeto de interesse público de ambas as partes. Busca-se a alteração de competência previamente determinada pelo Decreto nº 4.456 de 2022, o que, a princípio, não havendo delegação, sem um novo Decreto e sem autorização do Presidente da República, encontra obstáculo no art. 84 da CRFB. 

 

III. CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, ressalvados os aspectos de conveniência e de oportunidade não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, em resposta à consulta da Secretaria do Audiovisual entende-se pela impossibilidade de assinatura do Termo de Transferência aventado (SEI nº 1419311). Respondendo individualmente as indagações efetuadas, interpreta a CONJUR que: 

 

 

 

 

 

Isso posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que, após aprovação, os autos sejam encaminhados ​ao Gabinete da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Culturapara as providências cabíveis.

 

Brasília, 10 de novembro de 2023.

 

 

(assinatura eletrônica)

GUSTAVO ALMEIDA DIAS

Advogado da União

 

 


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