ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE APOIO JURÍDICO PARA PARCERIAS COM A SOCIEDADE CIVIL E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00282/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.022554/2023-12

INTERESSADOS: DIVISÃO DE PROTOCOLO/DIPRO/MINC.

ASSUNTOS: ANÁLISE DE MINUTA DE DECRETO SOBRE TOMBAMENTO QUILOMBOLA

 

 

EMENTA:
I - Análise e manifestação acerca de minuta de decreto sobre o tombamento constitucional de documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
II. Competências do Ministério da Cultura. Lei n. 14.600/2023 e Decreto n. 11.336/2023.
III. Art. 216, § 5º e art. 84, inciso VI, da Constituição Federal. Lei nº 12.288/2012. Decreto n. 4.887/2003. Decreto-Lei n. 25/1937.
IV. Lei Complementar nº 95, de 1998. Decreto n. 9.191, de 2017.
V. Constitucionalidade e legalidade do ato normativo.

 

 

I. RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 99/2023/APSD/GM/MinC (SEI 1495890),Chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério da Cultura encaminha os autos a esta Consultoria Jurídica para análise e parecer sobre Minuta do Decreto de Tombamento Constitucional dos Quilombos (SEI nº 1495057), que busca, conforme art. 216, § 5º, da Constituição Federal de 1988, instituir diretrizes para o tombamento constitucional de documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e criar o Livro Tombo Constitucional dos Quilombos para sua inscrição.

A minuta chegou a este Ministério por intermédio do Ofício nº 4414/2023/GAB PRESI/PRESI-IPHAN (SEI nº 1495056), do Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, que salienta a relevância de a norma ser publicada no dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra no Brasil, exatos 20 anos após a publicação do Decreto 4887/2003, o qual regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e que significou um grande avanço das comunidades quilombolas na luta pelos seus direitos.

A proposta de Decreto foi analisada pelo IPHAN, sob o ponto de vista técnico, por meio da NOTA TÉCNICA nº 12/2023/CGID/DEPAM e, sob o ponto de vista jurídico, por meio do  PARECER n. 00845/2023/PFIPHAN/PGF/AGU, da Procuradoria Federal junto à entidade, aprovados pelos respectivos despachos reunidos no doc. SEI 1495058 (e no NUP 01450.007618/2023-60, originário do IPHAN).

A proposta foi também analisada no âmbito da Fundação Cultural Palmares - FCP, entidade vinculada a este Ministério, por meio da NOTA TÉCNICA Nº 50/2023/CNIRC/PR (SEI 1498094). 

No âmbito do Ministério da Cultura, a proposta foi analisada tecnicamente pela Assessoria de Participação Social de Diversidade, no âmbito da NOTA TÉCNICA Nº 1/2023 (SEI 1495817), que atesta a conveniência e oportunidade da publicação do Decreto, sob o ponto de vista desta Pasta.

Este é o relatório do essencial.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

Preliminarmente, impende tecer breve considerações sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo in casu.

A Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a Advocacia Pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como de sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

 

Nesta esteira, o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), estabeleceu, no que concerne à atividade de assessoramento jurídico ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, que possui o seguinte teor:

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

Dito isso, observo que a apreciação ora empreendida cinge-se aos aspectos jurídico-formais da proposta de ato normativo, no que tange aos dispositivos que guardam pertinência com as atribuições legais desta Pasta Ministerial, assim fixadas no art. 21 da Lei n. 14.600/2023 e no art. 1o do Decreto nº 11.336/2023:

 

I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.

 

No que toca ao conteúdo do ato normativo proposto, imperioso destacar que a minuta de decreto deve guardar obediência às normas/leis superiores hierarquicamente, como passamos a expor.

Nos termos do art. 215 da Constituição Federal, cabe ao Estado garantir a todos o acesso às fontes da cultura nacional, apoiando e incentivando a valorização e a difusão da história do Brasil. 

Por outro lado, o art. 216, § 1º, da Constituição Federal incumbe ao Poder Público de todas as esferas a proteção do patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e de outras formas de acautelamento e preservação, e, uma vez reconhecido o valor cultural de um dado bem, adotar as providências necessárias  a sua preservação. 

A proteção constitucional dos quilombos, especificamente, está prevista no art. 216, § 5º, da Constituição, que estabelece:

 
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. [...]
§ 5º  Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

 

Além disso, o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT determina:

 

Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

 

Por oportuno, vale enfatizar que o tombamento a que se refere o art. 216, § 5º, da Constituição não se confunde com o procedimento mencionado no art. 68 do ADCT. Este último é regulamentado pelo Decreto nº 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, e estabelece:

 

Art. 1o Os procedimentos administrativos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, serão procedidos de acordo com o estabelecido neste Decreto.
Art. 2o  Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.  Vide ADIN nº 3.239
§ 1o  Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.
§ 2o  São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.
§ 3o  Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.
 
 Art. 3o  Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o  O INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, dentro de sessenta dias da publicação deste Decreto.
§ 2o  Para os fins deste Decreto, o INCRA poderá estabelecer convênios, contratos, acordos e instrumentos similares com órgãos da administração pública federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas, observada a legislação pertinente.
§ 3o  O procedimento administrativo será iniciado de ofício pelo INCRA ou por requerimento de qualquer interessado.
§ 4o  A autodefinição de que trata o § 1o do art. 2o deste Decreto será inscrita no Cadastro Geral junto à Fundação Cultural Palmares, que expedirá certidão respectiva na forma do regulamento.

 

Sobre a questão da proteção dos bens culturais quilombolas, o Decreto nº 4.887/2003, após estabelecer o procedimento para demarcação das terras quilombolas, a cargo do INCRA, determina a comunicação ao IPHAN, para o exercício de suas competências relativas ao tombamento, nos seguintes termos:

 

Art. 18.  Os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, encontrados por ocasião do procedimento de identificação, devem ser comunicados ao IPHAN.
Parágrafo único.  A Fundação Cultural Palmares deverá instruir o processo para fins de registro ou tombamento e zelar pelo acautelamento e preservação do patrimônio cultural brasileiro.

 

Portanto, o tombamento realizado pelo IPHAN não se confunde com a delimitação, demarcação e titulação do território quilombola, de competência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), e também não se confunde com a missão institucional da Fundação Cultural Palmares, responsável pela certificação das comunidades quilombolas, a partir do ato de autodeclaração (conforme estabelecido no art. 3o do Decreto n. 4.887/2003, acima transcrito). Assim, a proposta de Decreto ora em análise trata unicamente da parte que diz respeito ao IPHAN, ou seja, do tombamento constitucional de documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

 

No âmbito infraconstitucional, vale observar que a questão foi tratada também no Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2012), que estabelece:

 

Art. 17.  O poder público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal.
Art. 18.  É assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições e manifestos religiosos, sob a proteção do Estado.
Parágrafo único.  A preservação dos documentos e dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, tombados nos termos do § 5o do art. 216 da Constituição Federal, receberá especial atenção do poder público. [Grifou-se]

 

Este diploma legal torna evidente a ligação da matéria com as competências do Ministério da Igualdade Racial - MIR, nos termos do art. 33 da Lei 14.600/2023, o que indica a necessidade de participação deste na iniciativa, assinando conjuntamente a Exposição de Motivos, conforme mencionaremos mais adiante neste Parecer. Por esta razão, também, o art. 6o da minuta de decreto em análise estabelece que compete ao MIR "promover ações e políticas que contribuam para a preservação, reconhecimento e disseminação da política, bem como assistir e acompanhar os processos de tombamento constitucional, visando garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das comunidades quilombolas".

Voltando às competências do IPHAN, observo que este foi criado pelo art. 46 da Lei nº 378 de 17 de janeiro de 1937, sob a denominação de "Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN", com a finalidade de promover, em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional. 

Atualmente, o IPHAN é entidade vinculada ao Ministério da Cultura e suas competências estão previstas no Decreto n. 11.178/2022, art. 2º:

 

Art. 2º  O Iphan tem por finalidade:
I - preservar o patrimônio cultural do País, nos termos do disposto no art. 216 da Constituição;
(...)
III - promover a identificação, o reconhecimento, o cadastramento, o tombamento e o registro do patrimônio cultural do País;
IV - promover a salvaguarda e a conservação do patrimônio cultural acautelado pela União;
(...)
VIII - fiscalizar e monitorar o patrimônio cultural acautelado pela União e exercer o poder de polícia administrativa nos casos previstos em lei;
(...)

 

No que diz respeito ao tombamento administrativo de bens móveis e imóveis cuja conservação seja de interesse público, este é regulado pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, cujo art. 4o menciona quatro Livros do Tombo específicos, sob gestão do IPHAN (antigo SPHAN):

 

Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º.
2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interêsse histórico e as obras de arte histórica;
3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira;
4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
§ 1º Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes.
§ 2º Os bens, que se inclúem nas categorias enumeradas nas alíneas 1, 2, 3 e 4 do presente artigo, serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para execução da presente lei.


 

Quanto ao tombamento do patrimônio quilombola, no entanto, o IPHAN tem o entendimento institucional, consolidado no PARECER n. 10020/2021/PFIPHAN/PGF (NUP: 01450.003579/2021-60) de que "não há previsão de inscrição do patrimônio quilombola em Livros do Tombo, especialmente porque não se aplicam os requisitos do Decreto-Lei nº 25/37 quanto aos valores (histórico, paisagístico, artístico, etnográfico, paisagístico ou arqueológico) e nem quanto à excepcionalidade disposta no caput do seu artigo 1º".

Assim, considerando que os Livros do Tombo mencionados no Decreto-Lei nº 25/37 não comportam os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, o IPHAN propõe, por meio da proposta de Decreto em tela,  a criação de um novo Livro do Tombo, com fundamento no art. 216, § 5º, da Constituição Federal. 

Poder-se-ia argumentar que a melhor maneira de criar um quinto Livro do Tombo talvez fosse alterar o Decreto-Lei nº 25/37. No entanto, é preciso enfatizar que o tombamento dos documentos e dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos encontra fundamento constitucional (art. 216, § 5º, CF/88), sendo esta a verdadeira origem do tombamento, e não um ato administrativo do IPHAN, como é o caso do tombamento administrativo ordinário, operado com fundamento no Decreto-Lei nº 25/37.

A Coordenação Geral de Identificação e Reconhecimento - CGID/DEPAM/IPHAN explica esse ponto na NOTA TÉCNICA nº 12/2023/CGID/DEPAM (SEI 145058), nos seguintes termos:

 

(...) o Iphan trabalha, há mais de 80 anos com processos de tombamento instituído pelo Decreto-lei nº 25/1937, mas que tal instrumento jurídico deveria ser, mais apropriadamente, tratado como tombamento administrativo, uma vez que o tombamento constitucional, ou seja, aquele estabelecido pelo Poder Constituinte Originário no art. 216, § 5º, da Constituição é distinto do tombamento administrativo.  
 
No caso do tombamento constitucional, o ato a ser praticado teria natureza meramente declaratória de uma situação jurídica já constituída desde 05/10/1988, e não constitutiva como ocorre com o tombamento administrativo. Ainda sobre o processo de tombamento, os procuradores alertam que tal atribuição compete ao Iphan, como ente titular do procedimento, sendo a instituição responsável pela instauração, condução e decisão, ainda que com auxílio técnico da Fundação Cultural Palmares - FCP na fase instrutória. 
(...)
A previsão da criação de um Livro Tombo Constitucional dos Quilombos é fundamental para que os tombamentos sejam registrados conforme a praxe da instituição. Optou-se por não utilizar os Livros Tombo criados pelo Decreto Lei 25/1937, pois tal legislação embasa os procedimentos de "tombamento administrativo" no qual a decisão pelo tombamento ou não é do Iphan e do Conselho Consultivo do Patrimônio. No caso do Tombamento Constitucional dos Quilombos, esse fica estabelecido no texto constitucional, cabendo ao Iphan apenas declará-lo. Essa distinção entre tombamento administrativo e do constitucional e a separação de todos os seus trâmites processuais é fundamental para que as comunidades, os técnicos do Iphan e de instituições parceiras entendam que o Tombamento Constitucional dos Quilombos é uma ferramenta nova, que independe do Decreto Lei 25/1937, que conta com procedimento declaratório e Livro Tombo próprios.
 

Em outras palavras, o tombamento dos documentos e sítios quilombolas é um tombamento constitucional, ato com natureza meramente declaratória de uma situação jurídica estabelecida pela Constituição Federal. Não se trata, portanto, de um ato constitutivo, como ocorre com o tombamento administrativo (fundamentado no Decreto Lei 25/1937), no qual a decisão quanto ao tombamento  incumbe ao IPHAN. Mais uma vez: o Tombamento dos Quilombos foi determinado pela Constituição, cabendo ao IPHAN tão-somente declará-lo com relação aos casos específicos.

No entanto, o processo de declaração de tombamento de quilombos ainda é atribuição do IPHAN, por suas competências institucionais, sendo esta a entidade responsável pela instauração, condução e decisão, ainda que com auxílio técnico da Fundação Cultural Palmares - FCP na fase instrutória, conforme consta do Decreto n. 4.887/2003 (art. 18, parágrafo único)

Segundo argumenta o órgão técnico do IPHAN, a distinção entre tombamento administrativo e constitucional é fundamental para que as comunidades, os técnicos do IPHAN e as instituições parceiras entendam que o Tombamento Constitucional dos Quilombos é uma ferramenta nova, que não depende do Decreto Lei 25/1937, e que conta com procedimento declaratório e Livro do Tombo próprios.

Nesse sentido, a previsão da criação de um Livro Tombo Constitucional dos Quilombos é fundamental, e tal desígnio pode ser atingido por meio de um Decreto Presidencial, já que o Tombo foi efetuado pela própria Constituição Federal e está suficientemente claro na legislação vigente que o IPHAN é o órgão competente para formalizar o tombamento.

Sobre esse ponto, vale mencionar que, nos termos do art. 84, VI, "a" da Constituição Federal, compete privativamente ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos:

 

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
(...)
VI - dispor, mediante decreto, sobre:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;         (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;    

 

No caso em tela, a proposta visa simplesmente dispor sobre o procedimento a ser adotado no âmbito do IPHAN (entidade da administração federal indireta responsável pelo tombamento de bens de valor cultural na esfera da União) para o registro de tombamento de documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos que foi determinado pela própria Constituição Federal.

Trata-se de um exemplar típico da espécie "decreto autônomo", criada pela Emenda Constitucional n. 32/2001, posto que não visa regular dispositivo legal, como é o caso dos decretos de que trata o inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, acima transcrito.

Vale notar que as competências referentes ao dito decreto autônomo são matérias reservadas ao Poder Executivo, não podendo ser disciplinadas pelo Legislativo. Ou seja, não se trata de usurpação de competência do legislativo, mas de exercício regulamentar de competências atribuídas pela própria Constituição Federal ao chefe do Poder Executivo.

Assim, conclui-se que a minuta de Decreto encontra o devido amparo jurídico, sob o aspecto material.

Quanto ao mérito da proposta, reitero a impossibilidade de o presente Parecer jurídico adentrar nessa seara, cabendo tal competência aos órgãos técnicos das Pastas cujas competências relacionam-se com a matéria da proposta.

Importante garantir, nesse sentido, a observância do Decreto n. 9.191, de 2017, em especial, em seu art. 30:

 

Art. 30. Serão enviados juntamente à exposição de motivos, além de outros documentos necessários à sua análise:
I - a proposta do ato normativo;
II - o parecer jurídico;
III - o parecer de mérito; e
IV - os pareceres e as manifestações aos quais os documentos de que tratam os incisos II e III façam remissão. (grisos nossos)

 

A Exposição de Motivos foi juntada aos autos (seq. 3, no Sapiens, e SEI 1497884), a proposta de ato normativo é aquela juntada ao SEI 1495057 e ao Sapiens (seq. 2), e os pareceres de mérito são aqueles mencionados no relatório deste Parecer, oriundos do IPHAN, da Fundação Cultural Palmares e da Assessoria de Participação Social de Diversidade/MinC, devendo somar-se a estes a futura manifestação do Ministério da Igualdade Racial.

Considerando tratar-se de Decreto a ser assinado pelo Senhor Presidente da República, também incide na hipótese o disposto nos arts. 26 e subsequentes do Decreto nº 9.191, de 2017 (que estabelece as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado), que assim disciplinam:

 

Encaminhamento de propostas de ato normativo
Art. 26. As propostas de ato normativo serão encaminhadas à Casa Civil da Presidência da República por meio eletrônico, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP/Brasil, por meio de exposição de motivos do titular do órgão proponente.
Exposição de motivos
Art. 27. A exposição de motivos deverá:
I - justificar e fundamentar, de forma clara e objetiva a edição do ato normativo, com:
a) a síntese do problema cuja proposição do ato normativo visa a solucionar;
b) a justificativa para a edição do ato normativo na forma proposta; e
c) a identificação dos atingidos pela norma;
II - na hipótese de a proposta de ato normativo gerar despesas, diretas ou indiretas, ou gerar diminuição de receita para o ente público, demonstrar o atendimento ao disposto nos art. 14 , art. 16 e art. 17 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e no art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
III - no caso de proposta de medida provisória, demonstrar, objetivamente, a relevância e a urgência; e
IV - ser assinada pelo Ministro de Estado proponente.
Art. 28. Compete aos Ministros de Estado, na sua área de sua competência, referendar os atos assinados pelo Presidente da República.
Art. 29. A proposta de ato normativo que tratar de matéria relacionada a dois ou mais órgãos será elaborada conjuntamente. Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput, os Ministros de Estado titulares dos órgãos envolvidos assinarão conjuntamente a exposição de motivos, à qual serão anexados os pareceres de mérito e jurídicos do Ministério autor e dos Ministérios coautores. 
Art. 30. Serão enviados juntamente à exposição de motivos, além de outros documentos necessários à sua análise:
I - a proposta do ato normativo;
II - o parecer jurídico;
III - o parecer de mérito; e
IV - os pareceres e as manifestações para os quais os documentos dos incisos II e III façam remissão.
Parecer jurídico
Art. 31. A análise contida no parecer jurídico abrangerá:
I - os dispositivos constitucionais ou legais nos quais está fundada a validade do ato normativo proposto;
II - as consequências jurídicas dos principais pontos da proposta de ato normativo;
III - as controvérsias jurídicas que envolvam a matéria; e
IV - a conclusão a respeito da constitucionalidade, da legalidade e do atendimento à técnica legislativa. 
Art. 32. O parecer de mérito conterá:
I - a análise do problema que o ato normativo visa a solucionar;
II - os objetivos que se pretende alcançar;
III - a identificação dos atingidos pelo ato normativo;
IV - quando couber, a estratégia e o prazo para implementação;
V - na hipótese de a proposta implicar renúncia de receita, criação, aperfeiçoamento ou expansão da ação governamental, ou aumento de despesas: (...)".

 

Vale destacar que, por tratar-se de proposta de ato normativo sobre matéria relacionada a órgãos distintos (Ministério da Cultura e Ministério da Igualdade Racial), a exposição de motivos deve ser interministerial, submetida às duas Ministras de Estado titulares dos órgãos envolvidos, que assinarão conjuntamente o documento, ao qual serão anexados os pareceres de mérito e jurídicos dos Ministérios autor e coautor, segundo consta do art. 29 do Decreto nº 9.191, de 2017, acima transcrito. Nesse sentido, foi juntada aos autos a necessária Exposição de Motivos Interministerial (SEI 1497884).

Dito isso, observo que o controle de legalidade do ato proposto deve se dirigir à averiguação de todos os elementos necessários para a sua existência válida e eficaz. Nesse diapasão, em consonância com a doutrina dominante, propõe-se a análise segundo os parâmetros da competência, objeto, finalidade, forma e motivo.

A competência diz respeito ao poder legal conferido ao agente público para o desempenho específico das atribuições de seu cargo. A competência decorre de lei e pode ser distribuída dentro da própria Administração seguindo os parâmetros disciplinados na Lei nº 9.784/99.

No caso, trata-se de minuta de ato normativo a ser expedido pelo Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, da Constituição.  O art. 22 do Decreto n. 9.191/2017 estabelece que "incumbe aos Ministros de Estado a proposição de atos normativos, conforme as áreas de competências dos órgãos".

De outro lado, impende ressaltar também que a competência da Ministra de Estado da Cultura para o encaminhamento legal da proposta do normativo sob análise tem por fundamento as atribuições dispostas na legislação pertinente ao Ministério da Cultura, conforme mencionado anteriormente neste Parecer.

A competência da Ministra de Estado da Igualdade Racial é também evidente, considerando o disposto no art. 33 da Lei n. 14.600/2023.

O objeto do ato corresponde ao seu conteúdo. Trata-se, assim, do efeito jurídico imediato que se espera obter com a sua publicação. Para que seja válido, ele deve ser lícito, certo, possível e moral. Este aspecto também foi tratado anteriormente, neste Parecer.

A finalidade, ao seu turno, consiste no resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato, diferentemente do objeto, que consiste no efeito imediato do ato, trata-se a finalidade do efeito mediato a ser atingido. Para que seja válido, o ato deve corresponder a uma finalidade pública. Nos termos expostos na instrução processual, a finalidade da presente proposta de Decreto foi amplamente demonstrada nas manifestações técnicas e jurídicas juntadas aos autos

No que se refere à forma, trata-se do modo de exteriorização do ato.  No caso, trata-se de Decreto a ser expedido pelo Presidente da República, dentro da competência que lhe é conferida pela Constituição Federal, conforme já mencionado anteriormente. Cuida-se, portanto, de forma adequada a preencher o objetivo que visa atingir.

O motivo é o elemento antecedente ao ato, trata-se dos pressupostos de fato e de direito que autorizam que o ato seja praticado. Nesse contexto, a motivação para a publicação do Decreto consta dos documentos técnicos produzidos pelas áreas competentes, em especial a Nota Técnica n. 12/2023/CGID/DEPAM, do IPHAN (SEI 1495058), a NOTA TÉCNICA Nº 50/2023/CNIRC/PR, da Fundação Cultural Palmares (SEI 1498094) e a NOTA TÉCNICA Nº 1/2023, da Assessoria de Participação Social e Diversidade/MinC (SEI 1495817).

Quanto à minuta de Decreto propriamente dita (SEI 1495057), ressalte-se o que se segue quanto a cada um dos dispositivos:

a) O art. 1o  delimita o objeto do Decreto e o seu âmbito de aplicação, conforme determina o art. 7º do Decreto n. 9.191/2017.

b) O art. 2o, de índole eminentemente técnica, estabelece as definições dos termos empregados pela norma. A justificativa para cada uma das definições encontra-se detalhada na NOTA TÉCNICA nº 12/2023/CGID/DEPAM (SEI 145058), do IPHAN, nos seguintes termos:

 

 
A organização em três incisos se deve ao fato da divisão da categoria "sítios" estar organizada em duas situações completamente distintas, para as quais a condução do procedimento é totalmente diversa e por serem aplicados diferentes instrumentos legais para cada uma das hipóteses construídas. No caso previsto no inciso I, por haver comunidade tradicional atrelada, a condução deve garantir a realização de consulta prévia, livre e informada, nos termos da Convenção 169 da OIT, bem como respeitar o previsto na Portaria 375/2018, na qual é estabelecida a Política de Patrimônio Cultural Material do Iphan. Já na segunda hipótese prevista, os sítios não ocupados por remanescentes das comunidades de quilombos são caracterizados, em grande medida, como sítio arqueológicos, e nesses casos deve ser observada a Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961, que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos. Dessa forma, por serem situações totalmente distintas e que demandarão procedimentos diversos, entende-se que fica mais evidente, tanto para a instituição quanto para os solicitantes, entenderem se tratar de duas hipóteses independentes. Os incisos foram organizados por ordem de relevância tipológica, conforme a demanda mapeada pelo Iphan em reuniões realizadas como comunidades e especialistas e nos seus arquivos, ou seja, os casos previstos no inciso I, tendem a ser muito mais numerosos que os demais. Os documentos foram colocados como inciso III, pois a equipe técnica entende que será a hipótese menos acessada.
 

c) O art. 3º da minuta estabelece diretrizes que nortearão o procedimento de declaração do tombamento constitucional de que trata a norma, no âmbito do IPHAN, tema também de natureza técnica que a entidade reputa necessário para a orientação de suas atividades. Este dispositivo também foi detalhadamente justificado na NOTA TÉCNICA nº 12/2023/CGID/DEPAM (SEI 145058), nos seguintes termos:

 

O inciso I traz a questão da autodefinição dos remanescentes das comunidades dos quilombos conforme estabelecido nos termos da Convenção 169 da OIT e do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, para os casos previstos para o inciso I do Art. 2º do texto proposto. Nesse caso, o reforço da autodefinição como diretriz de trabalho do órgão se impõe com a relevância do papel da Certidão de Autodefinição de Comunidade Remanescente de Quilombo emitida pela Fundação Cultural Palmares para dar início ao processo de tombamento nos casos sítios previstos no Art. 2º, inc. I, do Decreto proposto, conforme previsto no §3º do Art. 5º da minuta proposta.
Os incisos II e IV remetem a conceitos ressemantizados que buscam trazer para o debate sobre a preservação do patrimônio cultural de natureza material conceitos mais contemporâneos ligados à cultura quilombola e afrobrasileira tanto no tratamento da territorialidade a partir de critérios indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e por peças técnicas na instrução procedimental, quanto por incorporar a necessidade da instituição reconhecer os testemunhos orais como fonte legítima de documentação das referências culturais e da construção da narrativa das trajetórias históricas dos remanescentes das comunidades de quilombos e dos usos e sentidos atribuídos aos territórios a eles associados.
Já os incisos III, V e VI buscam trazer diretrizes que tratam de direitos já garantidos por instrumentos normativos diversos como é o caso da garantia à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado, por meio de procedimentos adequados que permitam aos remanescentes das comunidades dos quilombos expressarem seus pontos de vista sobre o tombamento, nos termos da Convenção 169 da OIT; a garantia da participação dos remanescentes das comunidades dos quilombos durante todo o procedimento administrativo, diretamente ou por meio de representantes por eles indicados conforme previsto na Portaria Interna do Iphan 375/2018; e por fim, reforçar a necessidade de fomentar o conhecimento da história do país e a construção da memória e da identidade nacional, o que já está previsto em vários instrumentos legais, inclusive ligados à educação.

 

d) O art. 4º cria o Livro Tombo Constitucional dos Quilombos para a inscrição dos documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos declarados tombados, cuja relevância e necessidade foram expostas anteriormente neste Parecer.

e) O art. 5º atribui ao IPHAN a competência para declarar o tombamento constitucional de documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos e promover a correspondente inscrição no Livro do Tombo Constitucional dos Quilombos.

Adicionalmente, atribui à entidade a competência para regulamentar o procedimento administrativo de que trata a norma (§1º); indica a iniciativa para o início do procedimento o (§2º); aponta os casos em que deve ser apresentada a Certidão de Autodefinição de Comunidade Remanescente de Quilombo emitida pela Fundação Cultural Palmares - FCP (§3º); e determina que o IPHAN informe a FCP sobre a abertura do procedimento administrativo para a declaração do tombamento para fins de acompanhamento e contribuições (§4º). 

As competências da FCP estão em conformidade com as atribuições da entidade, conforme atestado pela NOTA TÉCNICA Nº 50/2023/CNIRC/PR (SEI 1498094).

f) O art. 6º, como dito acima, envolve o Ministério da Igualdade Racial no processo, atribuindo-lhe competência para promover ações e políticas que contribuam para a preservação, reconhecimento e disseminação da política, bem como assistir e acompanhar os processos de tombamento constitucional, visando garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das comunidades quilombolas. Tal competência está de acordo com o disposto no art. 33 da Lei n. 14.600/2023 (que estabelece a organização da Presidência da República) e com o Decreto n. 11.346 (que aprova a Estrutura Regimental do Ministério da Igualdade Racial).

g) Por fim, o art. 7º estabelece que o Decreto entra em vigor na data de sua publicação. A este respeito, recomendo que seja considerada, na Presidência da República, a aplicação do período de vacatio legis conforme determina o art. 4º, Decreto nº 10.139, de 2010.

 

Por fim, quanto aos aspectos meramente formais. referentes à técnica legislativa, contidos na minuta de Decreto,  insta ponderar que a eles se aplicam, no que couber, as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõem sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, bem como pelo Decreto nº 9.191, de 1º de novembro de 2017, que estabelece normas e diretrizes para a elaboração, a redação, a alteração, a consolidação e o encaminhamento ao Presidente da República de projetos de atos normativos de competência dos órgãos do Poder Executivo Federal. Tais aspectos serão conferidos pelo órgão de assessoramento da Presidência da República previamente à submissão do ato ao Chefe do Poder Executivo Federal.

 

 

III. CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, conclui-se que a minuta de Decreto em tela está apta a publicação e implementação, haja vista que atende aos critérios de constitucionalidade e legalidade, sem prejuízo de outras recomendações que possam vir da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Igualdade Racial, que assinará a exposição de motivos juntamente com a Ministra de Estado da Cultura.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 09 de novembro de 2023.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400022554202312 e da chave de acesso ee843b80

 




Documento assinado eletronicamente por DANIELA GUIMARÃES GOULART, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1334318713 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): DANIELA GUIMARÃES GOULART, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 10-11-2023 17:02. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.