ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE APOIO JURÍDICO PARA PARCERIAS COM A SOCIEDADE CIVIL E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00283/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.020062/2023-92

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO- GERAL DE ARTICULAÇÃO E PARCERIAS CGAP/MINC

ASSUNTOS: PROTOCOLO DE INTENÇÕES.

 

 

EMENTA:
I. Direito Administrativo. Colaboração sem transferência de recursos e sem Plano de Trabalho. Protocolo de Intenções.
II. Lei nº 14.133 de 2021, art. 184.
III. Minuta-modelo da Advocacia-Geral da União.
IV.  Possibilidade jurídica. 
 

 

RELATÓRIO

 

Tratam os autos de Minuta de Protocolo de Intenções, que se pretende celebrar entre o Ministério da Cultura, representado pelo Secretário Executivo, e o CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL - CAU/BR, visando a integração das ações, planos, políticas, projetos e programas desenvolvidos, bem como promover, divulgar, apoiar a cultura, fomentar a assistência técnica em territórios de aplicação do Programa Territórios da Cultura, em benefício das comunidades e da qualidade da arquitetura e o urbanismo em projetos de infraestrutura cultural desenvolvidos pelo Minc em todo o Brasil.

​Para o que interessa à presente análise, constam dos autos a minuta de Protocolo de Intenções (SEI 1498830) e a Nota Técnica nº 5/2023 (SEI 1496791), da Subsecretaria de Espaços e Equipamentos Culturais, que fornece o diagnóstico da demanda e a fundamentação técnica do ato.

É o relatório.

 

 

ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado n. 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU: 

 

“A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento” (Manual de Boas Práticas Consultivas. 4.ed. Brasília: AGU, 2016, página 32).

 

Assim, a presente análise restringe-se a apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

Com relação aos critérios de conveniência e oportunidade, observo que o mérito do instrumento deve ser atestado pela área técnica competente, não cabendo a esta Consultoria imiscuir-se em tais questões. Nesse sentido, a Subsecretaria de Espaços e Equipamentos Culturais, por intermédio da Nota Técnica nº 5/2023 (SEI nº 1496791​), apresentou o diagnóstico da demanda e manifestou-se favoravelmente à celebração do instrumento em apreço, destacando-se o seguinte trecho:

 

5.1. A minuta do presente protocolo de Intenções SEI 1487733 foi construída de forma conjunta entre o MINC e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil - CAU/BR, sendo estruturada com a finalidade de alcançar os objetivos propostos relacionados ao planejamento participativo, acompanhamento da urbanização nos territórios periféricos, assistência técnica para o enfrentamento a inadequação urbana e habitacional e construção participativa de infraestrutura cultural, mediante a implementação de ações conjuntas ou de apoio mútuo e de atividades complementares de interesse comum.
 

Como visto, o instrumento em análise é um "Protocolo de Intenções", que se pretende celebrar entre o Ministério da Cultura e o CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL - CAU/BR, cujo objeto encontra-se descrito em sua cláusula primeira nos seguintes termos (SEI 1498830):

 

CLÁUSULA PRIMEIRA — DO OBJETO
O presente Protocolo de Intenções tem por objeto a cooperação técnica para o intercâmbio de experiências, informações e tecnologias, visando a elaboração de metodologias operacionais, capacitação e espacialização técnica de atividades voltadas ao aperfeiçoamento das políticas públicas para periferias, especificamente no apoio ao planejamento participativo para definição de equipamentos públicos culturais, acompanhamento da urbanização nos territórios periféricos, assistência técnica para o enfrentamento a inadequação urbana e habitacional, mediante a implementação de ações conjuntas ou de apoio mútuo e de atividades complementares de interesse comum.
 
 

Passando à análise jurídica, observo que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 215, imbuiu o Estado (Poder Público de todas as esferas) dos deveres de garantir o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional e de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Já o  art. 23 da Constituição Federal estabelece que é competência comum dos entes federativos proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação (inciso V); promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (inciso IX);  combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (inciso X).

Em nível infraconstitucional, a Lei nº 12.343/2010, que institui Plano Nacional de Cultura (PNC), determina que “o acesso à arte e à cultura, à memória e ao conhecimento é um direito constitucional e condição fundamental para o exercício pleno da cidadania e para a formação da subjetividade e dos valores sociais."

Assim, está claro que o Ministério da Cultura é competente para tratar da matéria, nos termos do art. 21 da Lei n. 14.600, de 19 de junho de 2023, e do art. 1o Decreto n. 11.336, de 1ode janeiro de 2023, que dispõem em igual sentido:

 

Decreto nº 11.336/2023
Art. 17. À Subsecretaria de Espaços e Equipamentos Culturais compete:
I - coordenar a implementação de espaços públicos destinados a integrar ações de acesso à cultura e de promoção da cidadania;
II - formular, planejar, coordenar, desenvolver, monitorar e integrar as ações no campo da infraestrutura cultural com parceiros públicos e privados, com vistas à articulação intersetorial, com os demais níveis de governo e com parceiros nacionais e internacionais;
III - desenvolver diretrizes, políticas, objetivos e metas para os planos, os programas, os projetos e as ações do Ministério destinados à implementação de espaços e equipamentos culturais no País;
IV - articular e integrar ações de cooperação técnica com Estados, Distrito Federal e Municípios, para fortalecer a gestão descentralizada de programas, projetos e ações da infraestrutura cultural; e
V - monitorar e avaliar a efetividade da execução dos projetos e ações da Subsecretaria, relativos à infraestrutura cultural.

 

No uso de suas competências legais, o Ministério da Cultura editou a Portaria MINC nº 68, de 29 de setembro de 2023, que institui o Programa Territórios da Cultura, o qual tem como finalidade implementar uma rede de espaços e equipamentos integrados de cultura em territórios periféricos, com vistas à efetivação de direitos culturais, à promoção da cidadania e ao reconhecimento e à valorização da diversidade cultural. De acordo com o art. 2o da Portaria são objetivos do programa, entre outros, diminuir a desigualdade de acesso à infraestrutura cultural por meio da implementação de espaços e equipamentos culturais em territórios periféricos. Já o art. 3o estabelece como do Programa, entre outras, a produção de edificações de alta qualidade arquitetônica, caracterizada pelo destaque estético e pela observância das normas técnicas no que tange aos requisitos de acessibilidade, sustentabilidade, conforto ambiental e eficiência energética

Neste sentido, a Subsecretaria demandante, em sua Nota Técnica n. 5/2023 argumenta que o Protocolo de Intenções em tela "tem como foco a realização de atividades conjuntas para integrar ações, planos, projetos e programas do MINC em parceria com Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil - CAU/BR, com vistas a viabilizar ações do Programa territórios da cultura e fortalecimento da arquitetura e urbanismo". 

 

Verifica-se que o instrumento pretendido não prevê a transferência de recursos entre as partes (CLÁUSULA QUINTA). Nesses termos, fica afastada a aplicação do Decreto nº 11.531 de 2023 e da Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33 de 2023, que dispõem sobre os instrumentos de repasse (convênios e contratos de repasse) a serem celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal com órgãos ou entidades públicas para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco, que envolvam a transferência de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União.

Observo, ainda, que o instrumento em análise não menciona um plano de trabalho e não estabelece obrigações imediatas. Assim, não se trata de Acordo de Cooperação Técnica.

Sobre a diferença entre o Acordo de Cooperação Técnica e o Protocolo de Intenções, trago à baila o esclarecimento constante da Nota Explicativa 1, da Minuta de Protocolo de Intenções recentemente aprovada pela  Advocacia-Geral da União[1]:

 

O Protocolo de Intenções se diferencia de convênios, contratos de repasse e termos de execução descentralizada pelo simples fato de não existir a possibilidade de transferência de recursos entre os partícipes.
O Protocolo de Intenções se diferencia de Acordos de Cooperação Técnica pelo fato de ser um ajuste genérico, sem obrigações imediatas. Dessa forma, trata-se de um documento sucinto, que não necessariamente exige um plano de trabalho ou um projeto específico para lhe dar causa, sendo visto como um mero consenso entre seus partícipes, a fim de, no futuro, estabelecerem instrumentos específicos acerca de projetos que pretendem firmar, se for o caso.
Deste modo, não se deve confundir o Protocolo de Intenções com o Acordo de Cooperação Técnica, visto que neste último há obrigações e atribuições assumidas pelas partes, caracterizando-se como um instrumento jurídico obrigacional, e não um mero ajuste, consenso entre os partícipes em relação à determinadas matérias.
 

Nesse sentido, as cláusulas segunda, terceira e quarta da minuta (SEI nº 1498830) trazem expressões como "na medida de suas possibilidades", "no limite de suas possibilidades", "envidar esforços", demonstrando não haver obrigações imediatas a serem exigidas.

Quanto ao fundamento jurídico do Protocolo de Intenções, observo que o art. 184 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 permite a celebração de convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública:

 

Art. 184. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber e na ausência de norma específica, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública, na forma estabelecida em regulamento do Poder Executivo federal.

 

Deste modo, os acordos, ajustes e instrumentos congêneres são espécies do gênero convênio, embora mais simplificados, em que os partícipes colaboram para alcançar os objetivos propugnados, sem transferência de recursos.

Os ajustes desta natureza são, em regra, formalizados por meio de instrumentos que conterão o objeto e as condições em que se pretende uma cooperação entre as partes. Observarão, no mais, e no que couber, o disposto na Lei de Licitações.

Como o Protocolo de Intenções não foi regulamentado, pode-se recorrer, por analogia ao Decreto nº 11.531 de 2023, art. 11, §3º, que estabelece as cláusulas necessárias aos convênios e contratos de repasse, descartando-se, desde já, as cláusulas que dispõem sobre transferência de recursos financeiros e questões referentes ao plano de trabalho:

 

Art. 11. (...)
§ 3º  São cláusulas necessárias no convênio ou no contrato de repasse, no mínimo: 
I - o objeto e os seus elementos característicos, em conformidade com o plano de trabalho, que integrará o termo celebrado independentemente de transcrição;
II - a vigência, fixada de acordo com o prazo previsto para a consecução do objeto e em função das metas estabelecidas;
III - a forma e a metodologia de comprovação da consecução do objeto;
IV - a descrição dos parâmetros objetivos que servirão de referência para a avaliação do cumprimento do objeto;
V - as obrigações dos partícipes; e
VI - a titularidade dos bens remanescentes.

 

Conforme mencionado, a Advocacia Geral da União – AGU aprovou minuta padrão de Protocolo de Intenções a ser utilizada por entes públicos para estabelecer um vínculo cooperativo ou de parceria entre si, e disponibilizou-a aos órgãos assessorados no sítio eletrônico da instituição[1].

Vale lembrar que, em decorrência da necessidade de parametrização e uniformização da Administração Pública e visando a agilização dos procedimentos, é que as minutas padronizadas publicadas pela AGU devem ser utilizadas por toda Administração Pública, nos termos do Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU nº 6: 

 

A atuação consultiva na análise de processos de contratação pública deve fomentar a utilização das listas de verificação documental (check lists), do Guia Nacional de Licitações Sustentáveis e das minutas de editais, contratos, convênios e congêneres, disponibilizadas nos sítios eletrônicos da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
No intuito de padronização nacional, incumbe aos Órgãos Consultivos recomendar a utilização das minutas disponibilizadas pelos Órgãos de Direção Superior da AGU, cujas atualizações devem ser informadas aos assessorados.
Convém ainda que os Órgãos Consultivos articulem-se com os assessorados, de modo a que edições de texto por estes produzidas em concreto a partir das minutas-padrão sejam destacadas, visando a agilizar o exame jurídico posterior pela instância consultiva da AGU.

 

Dito isso, observo que a minuta em análise segue, em linhas gerais, a minuta-modelo de Protocolo de Intenções da AGU, com as adaptações necessárias. A principal diferença entre as duas minutas é que a Cláusula Quinta fornece maior detalhamento sobre a questão da não-transferência de recursos, aspecto sobre o qual não incide qualquer impedimento jurídico. Com efeito, o documento reúne todos os requisitos legais aplicáveis, dispensando análise detalhada de suas cláusulas.

Quanto à autoridade signatária por parte deste Ministério, deve ser observado o disposto no art. 5º da Portaria/MinC n. 18, de 10 de abril de 2023:

 

​Art. 5º Fica delegado aos titulares da Secretaria-Executiva e das Secretarias do Ministério da Cultura e seus respectivos ordenadores de despesa o exercício da competência para celebração de convênios, contratos administrativos, termos de colaboração, termos de fomento, acordos de cooperação, termos de execução descentralizada, e instrumentos congêneres, no âmbito da competência de sua unidade.

 

A minuta indica como signatário o Secretário Executivo do Ministério da Cultura, o que está de acordo com a referida norma.

Por fim, frise-se que, na presente hipótese, não há que se exigir a regularidade fiscal, já que tal exigência da Lei Complementar nº 101/2000 é destinada para os instrumentos em que há transferência de recursos. 

 

CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, e ressalvados os aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade na efetivação do ajuste, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, cumpre opinar pela possibilidade de prosseguimento dos trâmites.

Vale lembrar que, de acordo com o Enunciado nº 05 do Manual de boas Práticas Consultivas da AGU,  não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.

Isso posto, submeto os autos à consideração superior, sugerindo que sejam, na sequência, encaminhados à Subsecretaria de Espaços e Equipamentos Culturais, para as providências cabíveis.

 

Brasília, 13 de novembro de 2023.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 

Notas

1. Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/modelos/conveniosecongeneres/minuta-de-protocolo-de-intencoes-atualizada-a-vista-do-decreto-n-11-531-de-2023.pdf  

 


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