ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

NOTA nº 251/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.019194/2023-71

INTERESSADA: Secretaria-Executiva.

ASSUNTO: Execução da Lei Paulo Gustavo por contratos administrativos.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Os presentes autos retornam a esta Consultoria Jurídica em virtude de dúvida quanto à orientação contida na Nota nº 235/2023/CONJUR-MinC/CGU/AGU a respeito da possibilidade de execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022) transferidos da União para Estados, municípios e Distrito Federal em ações de restauro ou reforma de cinemas públicos executadas de forma indireta por meio de contratos administrativos.

Em se tratando de esclarecimentos acerca de manifestação anteriormente emitida nos autos por esta consultoria jurídica, admite-se pronunciamento jurídico simplificado na forma do art. 4º da Portaria nº 1399/2009/AGU.

Por meio do Parecer nº 235/2023/CONJUR-MinC/CGU/AGU, em resposta a consulta formulada pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal, a orientação dada à Secretaria-Executiva do Ministério da Cultura foi no sentido de informar que os recursos da Lei Paulo Gustavo constituem verbas de fomento à cultura e que por isso deveriam ser executados por meio dos instrumentos de fomento previstos no Decreto nº 11.453/2023. Com tal entendimento, o parecer apontou que tais recursos não poderiam ser utilizados para celebração de contatos administrativos ou para o custeio de contratos já celebrados pelas administrações dos entes subnacionais.

Especificamente quanto a esta última conclusão, a Secretaria-Executiva reiterou seu questionamento por meio do Ofício nº 6868/2023/SE/GM/MinC (SEI/MinC 1505176), tendo em vista que as orientações das áreas técnicas e da área jurídica deveriam estar previamente alinhadas para que o Comitê Gestor da Lei Paulo Gustavo pudesse emitir uma orientação pública aos entes subnacionais recebedores dos recursos que oferecesse maior segurança jurídica na aplicação da lei.

Conforme apontado no ofício, o Ministério da Cultura já produziu material de divulgação da Lei Paulo Gustavo para gestores e gestoras da cultura apontando que, especificamente para as ações do inciso II do art. 6º da lei, e quando se tratar de salas de cinema públicas, as ações precisariam ser realizadas por meio de contrato administrativo, uma vez que o ente público estaria obrigado a aplicar a lei de licitações. Segundo sustentado no ofício, a contratação neste regime jurídico seria necessária para executar ações sobre equipamentos públicos, também atendidos pela Lei Paulo Gustavo.

Em face das circunstâncias descritas, parece-me necessário e oportuno ponderar sobre as conclusões apresentadas na manifestação jurídica precedente, ora em comento.

Há de se reiterar que os recursos da Lei Paulo Gustavo constituem verbas de fomento direto à cultura, e esta natureza dos recursos resulta na possibilidade de ampla utilização dos instrumentos de fomento à cultura hoje regulamentados de modo geral pelo Decreto nº 11.453/2023, além da legislação específica aplicável conforme o tipo de instrumento utilizado.

Neste sentido, é relevante observar que a finalidade primordial da lei, estabelecida em seu art. 1º, é a viabilização de ações emergenciais para o setor cultural com o objetivo de enfrentar os efeitos econômicos da pandemia da Covid-19, e estas ações emergenciais são executadas em consonância com o Sistema Nacional de Cultura (SNC) do art. 216-A da Constituição Federal.

Conforme previsto na Constituição, o SNC é um sistema organizado em um regime descentralizado de colaboração, baseado na autonomia dos entes federados. Portanto, não é possível à União impor condições ou procedimentos aos entes subnacionais senão aqueles estritamente previstos na legislação, especialmente considerando a natureza obrigatória das transferências da Lei Paulo Gustavo.

Ao estabelecer, em seu art. 6º, caput, que os recursos das transferências obrigatórias deverão ser destinados "por meio de editais, chamamentos públicos, prêmios ou outras formas de seleção simplificadas", a legislação dá preferência a instrumentos de execução simplificada dos recursos, considerando a finalidade emergencial das ações da lei ao setor cultural. A previsão de destinação de recursos a cinemas públicos não necessariamente obriga à celebração de contratos administrativos, visto que também é possível destinar a manutenção e o funcionamento de equipamentos públicos a entidades sem fins lucrativos de atuação cultural, ou mesmo a pessoas físicas ou coletivos sem personalidade jurídica por meio dos instrumentos de fomento cultural, uma vez que, por sua própria natureza, tais instrumentos contribuem diretamente para o alcance da finalidade da Lei Paulo Gustavo.

No entanto, é preciso reconhecer também que, por mais que os instrumentos de fomento cultural sejam mais vocacionados para o alcance das finalidades da Lei Paulo Gustavo, é possível aos Estados, municípios e Distrito Federal incluir em seus planos de ação a execução de ações de restauro, reforma ou manutenção de salas de cinema que sejam equipamentos próprios, e neste caso a utilização de instrumentos de fomento torna-se uma opção alternativa ao contrato administrativo, não impedindo a opção pelo regime contratual clássico, desde que se demonstre tratar da opção que melhor atende à finalidade da lei. Isto é, desde que se demonstre que, pelo valor dos recursos destinados à ação, ou pela natureza do serviço ou bem a ser adquirido, haja inviabilidade de utilização de modelos simplificados de chamamento público baseados no regime de fomento cultural. Nesta situação, não se poderia impedir a administração pública de utilizar-se de um regime jurídico que, cercado de maiores formalidades e procedimentos mais rigorosos, também permita o alcance das finalidades e objetivo da lei.

Em tal hipótese, entende-se que a realização da ação em regime contratual estaria amparada no exercício da autonomia federativa dos entes subnacional no Sistema Nacional de Cultura, autonomia esta que lhes confere a prerrogativa de escolha da destinação a ser dada ao recursos recebidos por transferência obrigatória, desde que dentro dos limites e condicionalidades da própria lei. Portanto, esta liberdade para uso de contrato administrativo estaria restrita às hipóteses de ações voltadas para salas públicas de cinema de que trata o inciso II do art. 6º da Lei Paulo Gustavo, isto é, salas de cinema que integram o patrimônio próprio do ente federado.

Contudo, é relevante observar também que, sempre que a administração local opte pela realização de ações emergenciais por meio de contratação de bens ou serviços, fica afastada a aplicação dos arts. 23 a 28 da Lei Paulo Gustavo, uma vez que a contratada para realização do serviço ou entrega do bem não pode ser considerada propriamente como beneficiária de fomento cultural. Havendo execução de recursos por meio de contrato administrativo, aplicar-se-á integralmente o regime jurídico da lei de licitações e contratos administrativos vigente e cabível no caso concreto, inclusive no que tange à fiscalização do contratos e eventual aplicação de penalidades.

Com estas considerações, proponho o retorno dos autos à Secretaria-Executiva, para ciência e encaminhamentos pertinentes junto ao Comitê Gestor de Operação da Lei Paulo Gustavo, para eventuais comunicações circulares aos demais entes da federação.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 21 de novembro de 2023.

 

       

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


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