ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - CNLCA/DECOR/CGU
PARECER n. 00002/2023/CNLCA/CGU/AGU
NUP: 00688.000717/2019-98
INTERESSADOS: DECOR
ASSUNTOS: LICITAÇÕES
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. REGIME JURÍDICO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES. COMPARATIVO COM A LEGISLAÇÃO ANTERIOR. SEGURANÇA JURÍDICA. RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO.
I. As leis que disciplinam as contratações públicas estabelecem que a Administração, na qualidade de contraente, poderá fazer uso das cláusulas exorbitantes ao direito privado para melhor resguardar o interesse público.
II. A nova Lei de Licitações, além de disciplinar todas as sanções em um único dispositivo, instituiu a tipicidade das condutas às respectivas sanções, atrelando as condutas descritas no seu art. 155 às penas do art. 156.
III. A nova Lei de Licitações e Contratos reproduziu as sanções da Lei 8.666, de 1993, menos com relação ao impedimento de licitar e contratar (art. 156, III), que absorveu a suspensão temporária de participação em licitação (art. 87, III) e o impedimento de contratar com a administração (art. 7º da Lei do Pregão e art. 47 da Lei do RDC).
IV. Pela redação do § 4º do art. 156 da Lei 14.133, de 2021, a eficácia da pena de impedimento de licitar e contratar se dará no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção.
V. A norma constitucional que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica funda-se em peculiaridades únicas desse ramo do direito, o qual está vinculado à liberdade do criminoso (princípio do favor libertatis), fundamento inexistente no Direito Administrativo sancionador; sendo, portanto, regra de exceção que deve ser interpretada restritivamente, prestigiando-se a regra geral da irretroatividade da lei e a preservação dos atos jurídicos perfeitos; principalmente porque, no âmbito da jurisdição civil, impera o princípio tempus regit actum (STF - ARE 843989, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022).
VI. Aplicar retroativamente a Lei 14.133, de 2021 aos contratos firmados anteriormente à sua vigência e alterar as relações jurídicas deles decorrentes agride o ato jurídico perfeito e, consequentemente, a segurança jurídica, que deve imperar numa ordem democrática.
VII. A segurança jurídica da atuação estatal deve estar presente quando houver mudanças do enunciado da lei, ou mudar a sua interpretação, que são atitudes que acabam produzindo consequências semelhantes. Daí a necessidade de igual proteção no tocante à preservação das relações jurídicas constituídas antes da entrada em vigor da nova Lei de Licitações e Contratos.
VIII. O regime jurídico das sanções previstas na Nova Lei de Licitações e Contratos não é aplicável aos contratos firmados com base na legislação anterior, nem alterará as sanções já aplicadas ou a serem aplicadas, em respeito à proteção do ato jurídico perfeito.
Sr. Diretor do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria Geral da União
A Portaria CGU nº 03, de 14 de junho de 2019, constituiu a presente Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos (CNLCA) tendo, de outras, a aribuição de uniformização jurídica, nos seguintes termos:
Art. 2º Observado o seu âmbito temático de atuação, incumbe às Câmaras Nacionais:
I - propor a uniformização de questões afetas à prestação de consultoria e assessoramento mediante elaboração de pareceres jurídicos, em tese, enunciados e orientações normativas;
II - produzir manuais de orientação, estudos, pareceres parametrizados e a edição de atos normativos de interesse público;
III - desenvolver modelos de documentos inerentes à atividade consultiva, especialmente de editais de licitação, contratos administrativos, termos de referência, projeto básico e demais anexos, chamamentos públicos, termos de convênio, termo de colaboração, termo de fomento e demais instrumentos congêneres, incluindo listas de verificação;
IV - realizar, de ofício ou por provocação, a revisão e atualização das manifestações, manuais, enunciados, orientações normativas, modelos, listas de verificação e demais documentos; e
V - efetuar interlocuções com órgãos e entidades da Administração Pública para os fins de suas atribuições.
Tendo presente esses objetivos, e considerando a necessidade de antecipar discussões a respeito da Nova Lei de Licitações e contratos – NLLC, Lei 14.133, de 1º de abril de 2021, foi atribuído a este subscritor o processo em epígrafe a respeito dae uniformização de entendimento jurídico a respeito da aplicação de preceitos sancionatórios da NLLCA para contratações firmadas com base na legislação de contratações públicas anterior, nos seguintes termos:
1) ELABORAR MANIFESTAÇÃO JURÍDICA COM O TEMA: APLICAÇÃO DE PRECEITOS SANCIONATÓRIOS DA NLLCA PARA CONTRATAÇÕES FIRMADAS COM BASE NA LEI 8666 E NA LEI 10520.
Esse é o quadro.
Conforme explica Miguel Reale, toda norma ética expressa um juízo de valor, ao qual se liga uma sanção, isto é, uma forma de garantir-se a conduta que, em função daquele juízo, é declarada permitida, determinada ou proibida (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 35).
Ainda segundo o mestre, a necessidade de ser prevista uma sanção para assegurar o adimplemento do fim visado já basta para revelar-nos que a norma enuncia algo que deve ser, e não algo que inexoravelmente tenha de ser (idem).
Celso Antônio Bandeira de Mello explica que a sanção administrativa é a providência gravosa prevista caso haja incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é a da alçada da própria Administração; todavia que não impede, se necessário, em caso de não atendimento espontâneo, que se recorra ao Poder Judiciário para que seja efetivada a sanção. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2021. p. 809).
A Lei 8.666, de 1993, em seu art. 58, estabelece que a Administração, na qualidade de contraente, poderá fazer uso das cláusulas exorbitantes ao direito privado para melhor resguardar o interesse público, nos seguintes termos:
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;
III - fiscalizar-lhes a execução;
IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;
V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.
§ 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
§ 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.
Tais prerrogativas estatais estão previstas no art. 104 da Nova Lei de Licitações e Contratos - Lei n. 14.133, de 1º de abril de 2021, nos seguintes termos:
Art. 104. O regime jurídico dos contratos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, as prerrogativas de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II - extingui-los, unilateralmente, nos casos especificados nesta Lei;
III - fiscalizar sua execução;
IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;
V - ocupar provisoriamente bens móveis e imóveis e utilizar pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato nas hipóteses de:
a) risco à prestação de serviços essenciais;
b) necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, inclusive após extinção do contrato.
§ 1º As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
§ 2º Na hipótese prevista no inciso I do caput deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.
As leis que disciplinam as contratações públicas estabelecem que a Administração, na qualidade de contraente, poderá fazer uso das cláusulas exorbitantes ao direito privado para melhor resguardar o interesse público.
Por cláusulas exorbitantes entendem-se aquelas cláusulas, decorrentes do regime jurídico administrativo, que asseguram à Administração contratante prerrogativas que seriam ilícitas, ou, quando menos, extremamente incomuns nos contratos regidos pelo Direito Privado – o qual se lastreia essencialmente na isonomia entre os contratantes. Evidentemente, as noções de supremacia e isonomia são conflitantes, razão pela qual se diz que as tais cláusulas exorbitam (ultrapassam, excedem) do direito comum.
A presença de cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos instabiliza o vínculo jurídico entre as partes, que, deste modo, passam longe da ideia de sinalagma do Direito Civil.
As cláusulas exorbitantes inexistem no Direito Privado e permitem ao Poder Público alterar, extinguir e até mesmo anular o contrato, independentemente da anuência do contratado.
Sobre o tema, nada melhor que a lição de Maria Sylvia Di Pietro, que ora colaciono:
Quando a Administração celebra contratos administrativos, as cláusulas exorbitantes existem implicitamente, ainda que não expressamente previstas; elas são indispensáveis para assegurar a posição de supremacia do Poder Público sobre o contratado e a prevalência do interesse público sobre o particular. Quando a Administração celebra contratos de direito privado, normalmente ela não necessita dessa supremacia e a sua posição pode nivelar-se à do particular; excepcionalmente, algumas cláusulas exorbitantes podem constar, mas elas não resultam implicitamente do contrato; elas têm que ser expressamente previstas, com base em lei que derrogue o direito comum. Por exemplo, quando a lei permite o comodato de bem público, pode estabelecer para a Administração a faculdade de exigi-lo de volta por motivo de interesse público.
Por isso, deve ser aceita com reservas a afirmação de que no contrato administrativo a posição entre as partes é de verticalidade (o que é verdadeiro) e, no contrato privado celebrado pela Administração, a posição das partes é de horizontalidade, o que não é inteiramente verdadeiro, quer pela submissão do Poder Público a restrições inexistentes no direito comum, quer pela possibilidade de lhe serem conferidas determinadas prerrogativas, por meio de cláusulas exorbitantes expressamente previstas. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 566)
As sanções administrativas incidentes nas infrações cometidas pelos administrados em licitações e contratos administrativos são expressão das cláusulas exorbitantes, e estão previstas nos arts. 86 e 87 da Lei n° 8666, de 1993, que trata das licitações e contratos em geral, e no art. 7º da Lei n° 10.520, de 2002, que trata da modalidade de pregão, que assim rezam, respectivamente:
Lei n° 8666, de 1993:
Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato.
§ 1º A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei.
§ 2º A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado.
§ 3º Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
§ 1º Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.
§ 2º As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
§ 3º A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação.
Lei n° 10.520, de 2002:
Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.
A nova Lei de Licitações e Contratos – Lei 14.133, de 2021, reuniu as penas aplicadas aos licitantes e contratados em um único dispositivo nos seguintes termos:
Art. 155. O licitante ou o contratado será responsabilizado administrativamente pelas seguintes infrações:
I - dar causa à inexecução parcial do contrato;
II - dar causa à inexecução parcial do contrato que cause grave dano à Administração, ao funcionamento dos serviços públicos ou ao interesse coletivo;
III - dar causa à inexecução total do contrato;
IV - deixar de entregar a documentação exigida para o certame;
V - não manter a proposta, salvo em decorrência de fato superveniente devidamente justificado;
VI - não celebrar o contrato ou não entregar a documentação exigida para a contratação, quando convocado dentro do prazo de validade de sua proposta;
VII - ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado;
VIII - apresentar declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou prestar declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato;
IX - fraudar a licitação ou praticar ato fraudulento na execução do contrato;
X - comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude de qualquer natureza;
XI - praticar atos ilícitos com vistas a frustrar os objetivos da licitação;
XII - praticar ato lesivo previsto no art. 5º da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.
Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa;
III - impedimento de licitar e contratar;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.
§ 1º Na aplicação das sanções serão considerados:
I - a natureza e a gravidade da infração cometida;
II - as peculiaridades do caso concreto;
III - as circunstâncias agravantes ou atenuantes;
IV - os danos que dela provierem para a Administração Pública;
V - a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle.
§ 2º A sanção prevista no inciso I do caput deste artigo será aplicada exclusivamente pela infração administrativa prevista no inciso I do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave.
§ 3º A sanção prevista no inciso II do caput deste artigo, calculada na forma do edital ou do contrato, não poderá ser inferior a 0,5% (cinco décimos por cento) nem superior a 30% (trinta por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta e será aplicada ao responsável por qualquer das infrações administrativas previstas no art. 155 desta Lei.
§ 4º A sanção prevista no inciso III do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos.
§ 5º A sanção prevista no inciso IV do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos VIII, IX, X, XI e XII do caput do art. 155 desta Lei, bem como pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do referido artigo que justifiquem a imposição de penalidade mais grave que a sanção referida no § 4º deste artigo, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos.
§ 6º A sanção estabelecida no inciso IV do caput deste artigo será precedida de análise jurídica e observará as seguintes regras:
I - quando aplicada por órgão do Poder Executivo, será de competência exclusiva de ministro de Estado, de secretário estadual ou de secretário municipal e, quando aplicada por autarquia ou fundação, será de competência exclusiva da autoridade máxima da entidade;
II - quando aplicada por órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública no desempenho da função administrativa, será de competência exclusiva de autoridade de nível hierárquico equivalente às autoridades referidas no inciso I deste parágrafo, na forma de regulamento.
§ 7º As sanções previstas nos incisos I, III e IV do caput deste artigo poderão ser aplicadas cumulativamente com a prevista no inciso II do caput deste artigo.
§ 8º Se a multa aplicada e as indenizações cabíveis forem superiores ao valor de pagamento eventualmente devido pela Administração ao contratado, além da perda desse valor, a diferença será descontada da garantia prestada ou será cobrada judicialmente.
§ 9º A aplicação das sanções previstas no caput deste artigo não exclui, em hipótese alguma, a obrigação de reparação integral do dano causado à Administração Pública.
A nova Lei de Licitações, além de disciplinar todas as sanções em um único dispositivo, instituiu a tipicidade das condutas às respectivas sanções, atrelando as condutas descritas no seu art. 155 às penas do art. 156.
Percebe-se que a tipificação das condutas a serem punidas foi em certa medida inspirada no art. 47 da Lei do Regime Diferenciado de Contratações – Lei n. 12.462, de 4 de agosto de 2011:
Art. 47. Ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas no instrumento convocatório e no contrato, bem como das demais cominações legais, o licitante que:(Vide Lei nº 14.133, de 2021)Vigência
I - convocado dentro do prazo de validade da sua proposta não celebrar o contrato, inclusive nas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 40 e no art. 41 desta Lei;
II - deixar de entregar a documentação exigida para o certame ou apresentar documento falso;
III - ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado;
IV - não mantiver a proposta, salvo se em decorrência de fato superveniente, devidamente justificado;
V - fraudar a licitação ou praticar atos fraudulentos na execução do contrato;
VI - comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal; ou
VII - der causa à inexecução total ou parcial do contrato.
§ 1º A aplicação da sanção de que trata o caput deste artigo implicará ainda o descredenciamento do licitante, pelo prazo estabelecido no caput deste artigo, dos sistemas de cadastramento dos entes federativos que compõem a Autoridade Pública Olímpica.
§ 2º As sanções administrativas, criminais e demais regras previstas no Capítulo IV da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, aplicam-se às licitações e aos contratos regidos por esta Lei.
A Nova Lei de Licitações e Contratos inovou ao disciplinar o procedimento administrativo a ser seguido para a sanções de impedimento de licitar e contratar (art. 156, III) e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar (art. 156, IV), conforme consta do art. 158:
Art. 158. A aplicação das sanções previstas nos incisos III e IV do caput do art. 156 desta Lei requererá a instauração de processo de responsabilização, a ser conduzido por comissão composta de 2 (dois) ou mais servidores estáveis, que avaliará fatos e circunstâncias conhecidos e intimará o licitante ou o contratado para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data de intimação, apresentar defesa escrita e especificar as provas que pretenda produzir.
§ 1º Em órgão ou entidade da Administração Pública cujo quadro funcional não seja formado de servidores estatutários, a comissão a que se refere o caput deste artigo será composta de 2 (dois) ou mais empregados públicos pertencentes aos seus quadros permanentes, preferencialmente com, no mínimo, 3 (três) anos de tempo de serviço no órgão ou entidade.
§ 2º Na hipótese de deferimento de pedido de produção de novas provas ou de juntada de provas julgadas indispensáveis pela comissão, o licitante ou o contratado poderá apresentar alegações finais no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data da intimação.
§ 3º Serão indeferidas pela comissão, mediante decisão fundamentada, provas ilícitas, impertinentes, desnecessárias, protelatórias ou intempestivas.
§ 4º A prescrição ocorrerá em 5 (cinco) anos, contados da ciência da infração pela Administração, e será:
I - interrompida pela instauração do processo de responsabilização a que se refere o caput deste artigo;
II - suspensa pela celebração de acordo de leniência previsto na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013;
III - suspensa por decisão judicial que inviabilize a conclusão da apuração administrativa.
Destaco a diferença entre a Lei 8.666, de 1993, a Lei do Pregão – Lei n. 10520, de 2002, e a Lei 14.133, de 2021, quanto à previsão das sanções a serem aplicadas.
Na Lei n. 8666, de 1993, há a gradação de penalidades, iniciando com a pena mais leve, que é a simples advertência, chegando à pena mais grave, que é a declaração de inidoneidade.
Já na Lei do Pregão, para qualquer infração, todas as sanções foram tipificadas e previstas no mesmo dispositivo, sem qualquer gradação, aplicando cumulativamente o impedimento de contratar, o descredenciamento do SICAF por até 5 anos, além da multa.
A sanção de impedimento de contratar (art. 7º, Lei do Pregão), não se confunde com as sanções da suspensão de contratar (art. 87, III, Lei n. 8.666, de 1993), nem com a declaração de inidoneidade (art. 87, IV, Lei n. 8.666, de 1993).
A suspensão de contratar (art. 87, III, Lei n. 8.666, de 1993) é uma pena mais branda, que impossibilita o apenado de participar de licitações apenas junto ao ente que aplicou a sanção, ao passo que o impedimento de contratar do art. 7º da Lei do Pregão abrange toda a pessoa federativa a qual pertence o órgão ou entidade que aplicou a pena.
Tal distinção foi assentada pela Câmara Permanente de Licitações e Contratos da PGF, quando exarou o parecer n° 08/2013 que tratou com profundidade sobre os efeitos da penalidade de suspensão temporária (art. 87, III, LLC), e do impedimento de licitar e contratar (art. 7º, Lei do Pregão).
Do referido parecer foi exarada a conclusão DEPCONSU/PGF/AGU n° 50/2013, no seguinte sentido:
LICITAÇÕES. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. SANÇÕES
I. O ART. 87, III, DA LEI N° 8.666/93 PROÍBE A PARTICIPAÇÃO DE EMPRESAS EM LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES DO ENTE RESPONSÁVEL PELA APLICAÇÃO DA SANÇÃO.
II. O ART. 7º DA LEI N° 10.520/02 SOMENTE VEDA A PARTICIPAÇÃO DE EMPRESAS EM LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES EM TODA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL SE A PENALIDADE HOUVER SIDO APLICADA POR ENTE FEDERAL.
III. RESSALVADA A NECESSÁRIA EXTINÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO POR FORÇA DE RESCISÃO POR INADIMPLEMENTO OU DECLARAÇÃO DE NULIDADE, A APLICAÇÃO DAS PENALIDADES DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO ART. 87, III, DA LEI N° 8.666/93 E DE IMPEDIMENTO DE LICITAR E CONTRATAR DO ART. 72 DA LEI N° 10.520/02 NÃO PROVOCA A RESCISÃO UNILATERAL AUTOMÁTICA DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS EM CURSO.
IV. A APLICAÇÃO DA SANÇÃO DO ART. 87, III, DA LEI N° 8.666/93 OU DO ART. 7º DA LEI N° 10.520/02 NÃO VEDA A PRORROGAÇÃO DOS PRAZOS DE CONTRATAÇÃO AMPARADA EXCLUSIVAMENTE NAS HIPÓTESES DO §1º DO ART. 57 E DO §5º DO ART. 79 DA LEI N° 8.666/93.
A pena de declaração de inidoneidade é a mais grave de todas, já que seus efeitos se irradiam por todas as esferas federativas, proibindo o apenado de contratar com todos os entes públicos, forte na premissa de que a Lei de Licitações estendeu a declaração de inidoneidade para a Administração Pública, e não apenas para a Administração, conforme definições constantes do art. 6º da referida Lei:
Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se:
(…)
XI - Administração Pública - a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas;
XII - Administração - órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente;
Ainda no que tange à distinção entre as penas aplicáveis no âmbito das contratações públicas, a Lei nº 8.666, de 1993, estabelece a competência sancionatória apenas em relação à inidoneidade ao Ministro de Estado, Secretário Estadual ou Municipal, ou seja, a autoridade máxima da pasta governamental, ao passo que para as demais sanções do art. 87 não há qualquer previsão específica.
O art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002, por sua vez, não indica expressamente qual seria a autoridade competente para a aplicação da sanção de impedimento de licitar.
Sobre o tema, Ronny Charles Lopes de Torres afirma que a competência para a aplicação das penalidades previstas no art. 7º da Lei nº 10.520/02 não é do Ministro de Estado, pois
o “espírito” da Lei nº 10.520/02 parece permitir regulamentação no sentido de que a competência para a aplicação das sanções previstas em seu artigo 7º seja fixada nas figuras de autoridades hierarquicamente inferiores àquelas descritas pelo § 3º do artigo 87 da Lei nº 8.666/93. (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 410.
Em divergência, sustenta Vera Scarpinella que o regime sancionatório previsto no § 3º do artigo 87 da Lei nº 8.666, de 1993, deve ser aplicado à Lei do Pregão, na medida em que os efeitos das sanções são muito próximos, já que ultrapassam a circunscrição administrativa do órgão promotor da licitação (SCARPINELLA, Vera. Licitação na modalidade pregão. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 165).
Pondo fim à controvérsia no âmbito da Administração Federal, a Orientação Normativa n° 48 da Advocacia Geral da União fixou o entendimento de que ao Ministro de Estado compete apenas aplicar a pena de inidoneidade, restando à autoridade responsável pela celebração do contrato aplicar as demais penalidades, conforme enunciado assim lançado:
É COMPETENTE PARA A APLICAÇÃO DAS PENALIDADES PREVISTAS NAS LEIS N°S 10.520, DE 2002, E 8.666, DE 1993, EXCEPCIONADA A SANÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE, A AUTORIDADE RESPONSÁVEL PELA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO OU OUTRA PREVISTA EM REGIMENTO.
Há nítida diferença de gradação entre as sanções listadas, sendo a pena do art. 7º da Lei do Pregão mais grave que a pena de suspensão de contratar (art. 87, III, Lei n. 8.666, de 1993), porém é mais branda que a pena de declaração de inidoneidade (art. 87, IV, Lei n. 8.666, de 1993).
Seguindo essa linha teórica, o Tribunal de Contas da União entende que, à luz das definições constantes nos incs. XI e XII do art. 6º da Lei 8.666, deve haver uma distinção entre os efeitos da suspensão para contratar com a Administração e da declaração de inidoneidade. Senão, veja-se:
A jurisprudência da Corte de Contas tem se firmado no sentido de que a suspensão temporária, com fundamento no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/93, só tem validade no âmbito do órgão que a aplicou. (Acórdão n.º 2617/2010-2ª Câmara, TC-014.411/2009-1, rel. Min. Aroldo Cedraz, 25.05.2010).
De fato, houve uma opção do legislador em distinguir os termos “Administração” e “Administração Pública” para fins de distinção entre os efeitos da pena de suspensão de contratar e da pena de declaração de inidoneidade, e não cabe ao intérprete ignorar essa distinção constante do texto legal, agindo de modo a tornar as disposições da Lei n. 8.666, de 1993, sem força operativa, conforme restou assentado pela CPLC da PGF no PARECER n. 00007/2020/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU (NUP: 08015.000312/2020-18):
CONTRATO ADMINISTRATIVO. PENA DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO E IMPEDIMENTO DE CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO. DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ENTENDIMENTO DO TCU. ART. 87, INCISO III, DA LEI 8.666/1993. EFEITOS.
I. À luz das definições constantes nos incisos XI e XII do art. 6º da Lei 8.666, de 1993, houve uma opção do legislador em distinguir os termos “Administração” e “Administração Pública” para fins de diferenciação entre os efeitos da pena de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar do art. 87, III, da Lei 8.666, de 1993, da pena de declaração de inidoneidade do art. 87, IV, da Lei 8.666, de 1993, razão pela qual não cabe ao intérprete ignorar essa distinção constante do texto legal, agindo de modo a tornar as disposições da Lei n. 8.666, de 1993, sem força operativa.
II. É um princípio geral do direito, e regra fundamental de hermenêutica, que as leis que estabelecem pena, limitem o livre exercício dos direitos ou contenham exceção à lei devem ser interpretadas estritamente.
III. Não cabe ampliar os efeitos do art. 87, III, da Lei 8.666, de 1993, devendo ser aplicada a pena de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar nos seus estritos termos, limitando os seus efeitos ao órgão, entidade ou unidade administrativa que aplicou a sanção.
Anote-se que a Instrução Normativa SEGES/MP nº 3, de 26 de abril de 2018, que estabelece regras de funcionamento do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF, disciplina o registro das sanções e o seu âmbito de incidência nos seguintes termos:
Art. 34. São sanções passíveis de registro no Sicaf, além de outras que a lei possa prever:
I - advertência por escrito, conforme o inciso I do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, e o inciso I, do art. 83 da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016;
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato, conforme o art. 86 e o inciso II do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, e o inciso II do art. 83 da Lei nº 13.303, de 2016;
III - suspensão temporária, conforme o inciso III do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, e o inciso III do art. 83 da Lei nº 13.303, de 2016;
IV - declaração de inidoneidade, conforme o inciso IV do artigo 87 da Lei nº 8.666, de 1993; e
V - impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme o art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002.
§ 1º A aplicação da sanção prevista no inciso III do caput impossibilitará o fornecedor ou interessado de participar de licitações e formalizar contratos, no âmbito do órgão ou entidade responsável pela aplicação da sanção.
§ 2º A aplicação da sanção prevista no inciso IV do caput impossibilitará o fornecedor ou interessado de participar de licitações e formalizar contratos com todos os órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 3º A aplicação da sanção prevista no inciso V do caput impossibilitará o fornecedor ou interessado de participar de licitações e formalizar contratos no âmbito interno do ente federativo que aplicar a sanção:
I - da União, caso a sanção seja aplicada por órgão ou entidade da União;
II - do Estado ou do Distrito Federal, caso a sanção seja aplicada por órgão ou entidade do Estado ou do Distrito Federal; ou
III - do Município, caso a sanção seja aplicada por órgão ou entidade do Município.
§ 4º O disposto nos §§ 1º, 2º e 3º não impedirá a atualização cadastral do sancionado.
§ 5º Para registro das sanções não previstas nos incisos do caput deste artigo, a Seges disponibilizará senha para que os órgãos não integrantes do Poder Executivo Federal avaliem a pertinência de efetivarem o registro das sanções que impeçam o fornecedor de licitar ou contratar com o Poder Público.
É com base nessa disciplina da IN SEGES/MP nº 3, de 2018, que os pregoeiros e comissões de licitação analisam se os licitantes apresentam algum tipo de impedimento para participar do certame público.
A nova Lei de Licitações e Contratos reproduziu as sanções da Lei 8.666, de 1993, menos com relação ao impedimento de licitar e contratar (art. 156, III), que absorveu a pena de suspensão temporária de participação em licitação (art. 87, III) e a de impedimento de contratar com a administração (art. 7º da Lei do Pregão e art. 47 da Lei do RDC).
Houve, assim, uma unificação, no art. 156 inc. III da nova Lei de Licitações e Contratos, da sanção de suspensão prevista na lei 8.666 de 1993, e de impedimento prevista no artigo 7º da Lei do Pregão e no art. 47 da Lei do RDC.
Pela redação do § 4º do art. 156 da Lei 14.133, de 2021, a eficácia da pena de impedimento de licitar e contratar se dará no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, nos seguintes termos:
§ 4º A sanção prevista no inciso III do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos.
Fica evidente a diferença entre a sanção do art. 156, III da Lei n. 14.133, de 2021, e a sanção do art. 87, III, da Lei 8.666, de 1993, a respeito do âmbito de aplicação de cada uma.
Conforme registrado linhas acima, apesar das semelhanças entre as sanções da legislação anterior e da nova lei de Licitações e contratos, há peculiaridades e diferenças entre cada um dos regimes, e durante muitos anos haverá uma convivência entre contratos regidos pela normatização nova e pela normatização velha, considerando o disposto no art. 191 da Lei 14.133, de 2021, em especial por força dos §§ 1º e 2º do referido dispositivo, que ora colaciono:
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, desde que: (Redação dada pela Medida Provisória nº 1.167, de 2023)
I - a publicação do edital ou do ato autorizativo da contratação direta ocorra até 29 de dezembro de 2023; e (Incluído pela Medida Provisória nº 1.167, de 2023)
II - a opção escolhida seja expressamente indicada no edital ou no ato autorizativo da contratação direta. (Incluído pela Medida Provisória nº 1.167, de 2023)
§ 1º Na hipótese do caput, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193, o respectivo contrato será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência. (Incluído pela Medida Provisória nº 1.167, de 2023)
§ 2º É vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no inciso II do caput do art. 193. (Incluído pela Medida Provisória nº 1.167, de 2023)
É preciso fazer uma análise a respeito da sucessão de leis administrativas sancionadoras e de seus efeitos nas contratações públicas.
O art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, adota o princípio geral da irretroatividade da lei quando declara que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
A vigência temporal de uma lei é a qualidade atinente ao tempo de sua atuação, podendo ser invocada para produzir, concretamente, efeitos (eficácia). A eficácia em sentido estrito designa a existência específica da norma em determinada época, caracterizando o preceito normativo que rege relações sociais aqui e agora (hic et nunc). A vigência equivale ao período da vida da norma, desde o início de sua obrigatoriedade até sua revogação. É, portanto, o interregno entre o início e o fim da obrigatoriedade da norma (DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 69-70.).
Há que se atentar que as normas jurídicas se aplicam a fatos ocorridos durante a sua vigência, e conforme ocorram em um determinado momento.
A Constituição do Brasil também prevê em seu art. 5º, XL a possibilidade de retroatividade da lei penal, nos seguintes termos: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
A respeito da aplicação retroativa das normas sancionadoras mais benéficas, ponderou a ministra Regina Helena Costa, que
[...] a retroação da lei mais benéfica é um princípio geral do Direito Sancionatório, e não apenas do Direito Penal. Quando uma lei é alterada, significa que o Direito está aperfeiçoando-se, evoluindo, em busca de soluções mais próximas do pensamento e anseios da sociedade (STJ - REsp n. 1.153.083/MT, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 6/11/2014, DJe de 19/11/2014).
A Corte Superior do Superior Tribunal de Justiça, na Ação Rescisória 1.304/RJ, entendeu que:
Considerando os princípios do Direito Sancionador, a novatio legis in mellius deve retroagir para favorecer o apenado (AR 1.304/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. P/ Acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 14/05/2008, DJe 26/08/2008).
Não obstante, o E. Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que a norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes.
Transcrevo parte da ementa desse importante precedente naquilo que interessa ao presente parecer que, mutatis mutandis, bem se aplica à espécie:
[...]
11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador.
12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado.
13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.
[...]
(ARE 843989, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022)
O Relator do mencionado acórdão destacou que os princípios de Direito Penal não são integralmente aplicáveis ao Direito Administrativo Sancionador, uma vez que
A norma constitucional que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica funda-se em peculiaridades únicas desse ramo do direito, o qual está vinculado à liberdade do criminoso (princípio do favor libertatis), fundamento inexistente no Direito administrativo sancionador; sendo, portanto, regra de exceção, que deve ser interpretada restritivamente, prestigiando-se a regra geral da irretroatividade da lei e a preservação dos atos jurídicos perfeitos; principalmente porque no âmbito da jurisdição civil, impera o princípio tempus regit actum.
Nesse sentido, RAFAEL MUNHOZ DE MELLO afirma que:
“não se pode transportar para o Direito Administrativo Sancionador a norma penal da retroatividade da lei que extingue a infração ou torna mais amena a sanção punitiva", pois "não há no Direito Administrativo sancionador o princípio da retroatividade da lei benéfica ao infrator”. É que o dispositivo constitucional que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica "funda-se em peculiaridades únicas do Direito Penal, inexistentes no Direito Administrativo Sancionador" (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador: as sanções administrativas à luz da Constituição federal de 1988. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 154- 155). [...]
(STF - ARE 843989, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022)
Com efeito, não é possível dar o mesmo tratamento das sanções de natureza penal às sanções de natureza administrativa, devendo-se, neste último caso, respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
A definição de ato jurídico perfeito consta do art. 6º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, sendo o ato “já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”.
Ora, o contrato administrativo é um ato jurídico perfeito, que é o resultado de um processo licitatório ou de contratação direta, lastreado em determinada legislação, e que irá reger todas as obrigações dele decorrentes.
A legitimidade de qualquer ato jurídico deve ser aferida segundo a interpretação da legislação vigente no momento de sua prática. É essencial e indispensável que cada cidadão ou agente público, ao agir ou decidir, sempre saiba, antecipadamente, quais serão as consequências de sua opção. Para isso servem as normas jurídicas: para permitir essa antevisão; e para assegurar que aquelas determinadas consequências irão perdurar ao longo do tempo.
As normas jurídicas se aplicam no tempo, às situações de fato, conforme ocorram em um determinado momento, sendo da natureza da lei reger casos futuros (natura legis est decidire casus futuros).
De fato, os atos praticados sob vigência da lei revogada mantêm plena eficácia depois de promulgada a lei nova, embora ditando preceitos de conteúdo diferente. Tempus regit actum: a lei processual prevê apenas para o futuro, ou seja, para os atos processuais ainda não realizados ao tempo em que se iniciou a sua vigência (MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. I, n. 42, p. 100-101).
Considerando a regra da irretroatividade das leis e o princípio do tempus regit actum, a legislação nova não tem força para invalidar ou reduzir efeitos do ato ou contrato consumado com observância dos requisitos da lei anterior.
Podemos tomar de empréstimo o disposto no art. 14 do Código de Processo Civil de 2015, que traz regra sobre a aplicação imediata da lei processual aos processos em curso, ressalvando que devem ser respeitados os atos processuais já praticados e seus respectivos efeitos:
Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Esta regra é aplicável aos processos administrativos por força do art. 15 do CPC/2015:
Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
Percebe-se que foi adotado o sistema do isolamento dos atos processuais, segundo o qual a lei nova, encontrando um processo em desenvolvimento, respeita a eficácia dos atos processuais já realizados e disciplina o processo a partir da sua vigência. Por outras palavras, a lei nova respeita os atos processuais realizados, bem como os seus efeitos, e se aplica aos que houverem de realizar-se (SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeiras linhas de direito processual civil. V. 1 . 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. I, p. 32).
Com base nessa lição, os atos já praticados são isolados, e sua validade e seus efeitos não poderão ser alterados pela nova legislação.
Assim, não só o contrato, mas as sanções em razão do descumprimento de seus dispositivos também são acobertadas pela proteção do ato jurídico perfeito.
Entendimento diverso causará o efeito retroativo da nova legislação, o que é vedado pelo ordenamento jurídico (CF, art. 5º, XXXVI).
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 493, o Supremo Tribunal Federal seguiu o voto memorável do ministro MOREIRA ALVES, que, com base na lição de MATTOS PEIXOTO, definiu sobre os três graus de retroatividade de uma norma (máxima, média e mínima), nos seguintes termos:
Dá-se retroatividade máxima, também chamada restitutória, quando a lei nova abrange a coisa julgada (sentença irrecorrível) ou os fatos jurídicos consumados. Está nesse caso, por exemplo, a lei canônica que aboliu a usura e obrigava o credor solvável a restituir ao devedor, aos seus herdeiros ou, na falta destes, aos pobres, os juros já recebidos. Também o era a lei francesa de 12 de brumário, do ano II (3 de novembro de 1793), que admitiu esses naturais à sucessão paterna e materna em igualdade de condições com os filhos legítimos, desde 14 de julho de 1789, data em que, segundo as leis revolucionárias da época, les droits de la nature ont repris leur empire. A retroatividade operava radicalmente no passado, até a data referida, refazendo mesmo as partilhas definitivamente julgadas. A retroatividade é média, quando a lei nova atinge os direitos exigíveis, mas não realizados antes da sua vigência. Exemplo: uma lei que diminuísse a taxa de juros e se aplicasse aos já vencidos, mas não pagos.
Enfim, a retroatividade é mínima (também chamada temperada ou mitigada), quando a lei nova atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em vigor. Tal é a Constituição de Justiniano que limitou a seis por cento, em geral, após sua vigência, a taxa de juros dos contratos anteriores. No mesmo caso está o Decreto nº 22.626, de 07 de abril de 1933, Lei de Usura, que reduziu a doze por cento, em geral, as taxas dos juros vencidos após a data da sua obrigatoriedade. (STF - ADIn 493, Rel. Min. MOREIRA ALVES, RTJ 143, p. 724)
Dessa forma, em se tratando de aplicação de pena no âmbito administrativo, o princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição do Brasil (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) deve ser interpretado em conjunto com o inciso XXXVI do mesmo artigo.
Em regra, a lei não deve retroagir, pois “não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, inclusive no campo penal, salvo, excepcionalmente, quando se tratar de lei penal mais benéfica, quando então “retroagirá para beneficiar o réu”. Trata-se, portanto, de expressa e excepcional previsão constitucional de retroatividade (STF - ARE 843989, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022).
Com base nessa premissa, aplicar retroativamente a Lei 14.133, de 2021, aos contratos firmados anteriormente à sua vigência, e alterar as relações jurídicas deles decorrentes, agride o ato jurídico perfeito e, consequentemente, a segurança jurídica, que deve imperar numa ordem democrática.
Em essência, segundo Odete Medauar, segurança jurídica diz respeito à estabilidade das situações jurídicas. Expressa a condição do indivíduo com o sujeito ativo e passivo das relações sociais, quando, podendo saber quais são as normas jurídicas vigentes, tem fundadas expectativas de que elas se cumpram. A sociedade necessita de uma dose de estabilidade, decorrente sobretudo do sistema jurídico. A segurança jurídica permite tornar previsível a atuação estatal e esta deve estar sujeita a regras fixas. Diz respeito, assim, à estabilidade da ordem jurídica e à previsibilidade da ação estatal. (MEDAUAR, Odete. Segurança Jurídica e Confiança Legítima. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais da UniBrasil. Jan/Jul 2008, p. 228).
Nesse ponto, interessante é a lição de Humberto Ávila, que defende que, se o Estado de Direito é a proteção do indivíduo contra a arbitrariedade, somente um ordenamento acessível e compreensível pode desempenhar essa função. Estado de Direito ou é seguro, ou não é Estado de Direito (ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica. Entre Permanência, Mudança e Realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 207).
Para Humberto Ávila, a segurança jurídica é norma principiológica composta por três elementos: a cognoscibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade. Para que a cognoscibilidade seja afirmada, é preciso que os cidadãos tenham possibilidade de acesso e entendimento da norma. Já a confiabilidade assegura a estabilidade e a segurança quanto à permanência de seu conteúdo, permitindo a racionalidade do processo de mudança, reconhecendo que as transformações são indispensáveis sem permitir que ocorram de forma abrupta. Por fim, a calculabilidade exige que haja previsibilidade do ordenamento jurídico, impedindo que o cidadão seja surpreendido, permitindo que antecipe as consequências alternativas atribuíveis pelo Direito a fatos ou a atos próprios ou alheios (ÁVILA, Humberto. Op. cit. p. 291-2).
A segurança jurídica, segundo Ávila, possui duas dimensões, a saber: estática e dinâmica.
A dimensão estática refere-se às questões de conhecimento e comunicação, ou seja, requisitos que o Direito deve apresentar para que o cidadão possa conhecer e se orientar pelas normas, sendo uma espécie de segurança para o indivíduo frente ao Direito, e obtida através do próprio direito (ÁVILA, Humberto. Op. cit. p. 290).
Ainda na dimensão estática, temos a cognoscibilidade material, que abrange a acessibilidade, abrangência e possibilidade de identificação da norma; e a cognoscibilidade intelectual, que se refere ao entendimento da norma, que deve ser linguisticamente clara (com conteúdo determinado) e coerente, em face do ordenamento como um todo (MARQUES, Paula Cristina Mariano. Segurança Jurídica e a Extrafiscalidade Tributária. Revista Quaestio Iuris, vol.05, nº01. ISSN 1516-0351, p. 351; ÁVILA, Humberto. Op. cit. p. 290).
Já a dimensão dinâmica refere-se às mudanças, tanto das leis como da jurisprudência, no decorrer do tempo, com garantias a fatos passados e previsibilidade aos acontecimentos futuros (MARQUES, Paula Cristina Mariano. Op. cit, loc. cit.). Neste sentido, o Direito deve ser confiável e calculável (ÁVILA, Humberto. Op. cit. p. 291).
A confiabilidade abrange a questão da estabilidade, que será possível através da permanência das normas (conteúdo: cláusulas pétreas e normas: durabilidade do ordenamento), intangibilidade de situações por razões objetivas (tempo: Decadência e Prescrição; consolidação de situações: ato jurídico perfeito, direito adquirido, coisa julgada, fato gerador ocorrido) e intangibilidade de situações por razões subjetivas (confiança) (MARQUES, Paula Cristina Mariano. Op. cit, p. 352; ÁVILA, Humberto. Op. cit. p. 291).
A calculabilidade, por sua vez, envolve a anterioridade, continuidade normativa (suavidade e regras de transição), vinculatividade normativa pela limitação, tempestividade (duração razoável do processo) e proibição de arbitrariedade (MARQUES, Paula Cristina Mariano. op. cit., p. 352; ÁVILA, Humberto. Op. cit. p. 292)
Pois bem, a segurança jurídica da atuação estatal deve estar presente quando houver mudanças do enunciado da lei, ou mudar a sua interpretação, que são atitudes que acabam produzindo consequências semelhantes. Daí a necessidade de igual proteção no tocante à preservação das relações jurídicas constituídas antes da entrada em vigo da nova Lei de Licitações e Contratos.
Com base nessas premissas, foi incluído na LINDB o art. 24, que trata da vedação não só à aplicação retroativa de norma jurídica, mas também à interpretação administrativa retroativa, conforme dispositivo assim lançado:
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
O referido dispositivo está em perfeito diálogo com o inc. XIII do parágrafo único do art. 2º da Lei 9784, de 1999, que já previa a vedação à interpretação retroativa da norma administrativa, conforme dispositivo assim lançado:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Tal premissa é reforçada pela própria Lei 14.133, de 2021, que em seu art. 190 expressamente ressalva que a nova lei não irá atingir os contratos firmados com base na legislação anterior, o que inclui a cláusulas prevendo as penalidades respectivas, conforme dispositivo assim lançado:
Art. 190. O contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada.
Uma vez firmado o contrato administrativo, todas as obrigações e responsabilidades das partes serão regidas por ele, e à luz da legislação que lhe deu base.
Logo, conforme explicam Fábio Mauro de Medeiros e Mônica Antinarelli, no período em que terão vigência as a nova Lei de Licitações e a legislação anterior, aplicar-se-á a sanção da legislação em que foram impostas. Só se aplicarão as novas penalidades se abertas licitações já com o novo regramento, o que é facultativo para o administrador (art. 191) (Medeiros, Fábio Mauro de, e Antinarelli, Mônica. Comentários ao art. 156. In: SARAI, Leandro. Tratado da nova lei de licitações e contratos administrativos: Lei nº 14.133/2021 comentada por advogados públicos. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 1375).
Tal entendimento vai ao encontro das INFORMAÇÕES n. 00002/2023/CGGP/DECOR/CGU/AGU (NUP: 00405.058796/2022-51), de autoria da COORDENAÇÃO-GERAL DE GESTÃO PÚBLICA da CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO, que merece ser transcrito o seguinte excerto:
12. Sobre a vigência da Lei n. 8.666, de 1993, da Lei n. 10.520, de 2002, e da Lei n. 14.133, de 2021, cumpre destacar os termos do art. 191 cumulado com art. 194 da Lei n. 14.133, de 2021, dos quais se extrai que no curso do prazo de dois anos da sua publicação (que se deu no DOU de 01.04.2021), há vigência concomitante da nova lei de licitações e da legislação que será revogada, qual seja: Lei n. 8.666, de 1993; Lei n. 10.520, de 2002, e arts. 1º a 47-A da Lei n. 12.462, de 2011, sendo, ainda, expressamente vedada a aplicação combinada das leis.
[...]
17. Ora, na forma do art. 190 da Lei n. 14.133, de 2021, os contratos celebrados sob o império da Lei n. 8.666, de 1993, e da Lei n. 10.520, de 2002, e antes da vigência da Lei n. 14.133, de 2021, continuarão regidos pelos referidos diplomas legais mesmo após sua revogação. No curso do prazo de dois anos, contados a partir de abril de 2021, em que há concomitante vigência da Lei n. 14.133, de 2021, da Lei n. 8.666, de 1993, e da Lei n. 10.520, de 2002, a Administração pode optar por licitar e contratar com fundamento em quaisquer destes diplomas legais, e caso adotada a legislação que será revogada não haverá incidência da Lei n. 14.133, de 2021, no decorrer de toda a vigência do contrato correspondente.
18. Registre-se, ainda e por pertinente, que uma vez que há expressa vedação legal para adoção de um regime jurídico híbrido consubstanciado na combinação de disposições da Lei nº 14.133, de 2021, com a Lei nº 8.666, de 1993, a Lei nº 10.520, de 2002, e com os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 2011, recomenda-se que os órgãos jurídicos sejam ciosos quanto ao disposto no art. 191 da Lei n. 14.133, de 2021, de maneira a não restar dúvidas a respeito da legislação de regência dos editais e contratos administrativos em cada caso concreto e acerca dos fundamentos e artigos legais que são efetivamente aplicáveis e que incidem sobre o instrumento objeto da consulta ou demanda judicial, não havendo, evidentemente, empecilho para que nas razões da manifestação sejam realizadas referências a disposições homólogas que cuidam do tema no âmbito da legislação que não incide sobre o edital ou contrato examinado, desde que para fins estritamente hermenêuticos.
Desse modo, o regime jurídico das sanções previstas na Nova Lei de Licitações e Contratos não é aplicável aos contratos firmados com base na legislação anterior, nem alterará as sanções já aplicadas ou a serem aplicadas, em respeito à proteção do ato jurídico perfeito.
Face ao exposto, na forma da fundamentação acima, proponho a seguinte orientação normativas considerando a Nova Lei de Licitações e Contratos e os contratos firmados à luz da legislação anterior:
ORIENTAÇÃO NORMATIVA N ºXX, DEXXXXXDEXXXXDEXXXX
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X,XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 e considerando o que consta do Processo nº 00688.000717/2019-98, resolve expedir, nesta data, a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:
Enunciado: O regime jurídico das sanções previstas na Nova Lei de Licitações e Contratos não é aplicável aos contratos firmados com base na legislação de contratações públicas anterior, nem alterará as sanções já aplicadas ou a serem aplicadas com fundamento na legislação anterior, em respeito à proteção do ato jurídico perfeito.
Referência: Constituição Federal: art. 5º, XXXVI e XL; Lei n. 14.133, de 1º de abril de 2021: arts. 155 e 156; Lei n. 8666, de 1993: art. 87; Lei 10520, de 17 de julho de 2002, art. 7º; Lei 12.462, de 4 de agosto de 2021: art. 47; e
Fonte: Parecer n. 00003/2022/CNLCA/CGU/AGU
À consideração superior.
Brasília, 02 de maio de 2023.
Diego da Fonseca Hermes Ornellas de Gusmão
Procurador Federal
Relator
Camila Lorena Lordelo Santana Medrado
Advogada da União
Diego Franco de Araújo Jurubeba
Procurador Federal
Fabrício Lopes Oliveira
Procurador federal
Fernando Ferreira Baltar Neto
Advogado da União
Liana Antero de Melo
Advogada da União
Luciano Medeiros de Andrade Bicalho
Advogado da União
Leslei Lester dos Anjos Magalhães
Advogado da União
Marcela Ali Tarif Roque
Procuradora Federal
Michelle Marry Marques da Silva
Advogada da União - Coordenadora
Rafael Schaefer Comparin;
Advogado da União
Rafael Sérgio Lima de Oliveira;
Procurador Federal
Ronny Charles Lopes de Torres;
Advogado da União
Tais Teodoro Rodrigues; e
Advogada da União
Valmirio Alexandre Gadelha Junior.
Advogado da União
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