ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE

 

PARECER n. 00301/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.023254/2023-51

INTERESSADOS: SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS DA CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

EMENTA:
I Análise e manifestação sobre projeto de lei em fase de sanção presidencial.
II - Projeto de Lei nº 25/2020, que “Inscreve o nome de Dulcina de Moraes no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, de autoria da Deputada Benedita da Silva.
III. Pela ausência de óbices jurídicos, no que concerne às competências deste Ministério da Cultura ("pela sanção").

 

 

I. RELATÓRIO

 

Trata-se de expediente inaugurado a partir de missiva da Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República - SAJ-CC (OFÍCIO CIRCULAR Nº 279/2023/CAP/SALEG/SAJ/CC/PR), dirigida a este Ministério da Cultura e outras Pastas Ministeriais, por conduto da qual solicita a manifestação sobre o Projeto de Lei nº 25, de 2020, de autoria da Senhora Deputada Benedita da Silva, que “Inscreve o nome de Dulcina de Moraes no Livro dosHeróis e Heroínas da Pátria”.

 

2. Arremata a SAJ-CC o seguinte no Ofício supra:

 

Tendo em vista que a matéria já se encontra em fase de sanção, encareço sejaencaminhado a esta Secretaria parecer do órgão técnico competente, com visto ministerial,até o dia 24/11/23, conforme disposto no parágrafo único do art. 25 do Decreto nº 9.191, de1º de novembro 2017, sem prejuízo de antecipação tão logo seja realizada, no intuito decolaborar com os trâmites e a urgência que a matéria requer.

 

3. Encaminhada a missiva supra à Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos deste Ministério, referido órgão redireciona o pleito a esta Consultoria Jurídica, por meio do Despacho nº 1520822/2023, em 28/11/2023, para emissão de parecer, solicitando a remessa de manifestação até o dia 29/11/2023.

 

4. O inteiro teor do PL encontra-se acostado aos autos do processo SEI  (1505739).

 

5. É o relatório. Passo à análise.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

6. Preliminarmente, impende tecer breve consideração sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo in casu.

 

7. Sabe-se que a Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a advocacia pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

 

8. O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
 

9. Nesta esteira, o art. 11, inciso I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 - Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União -, estabeleceu, no que concerne à atividade de consultoria ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
 

10. Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, que possui o seguinte teor:

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 

11. Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta. Primeiramente, impende realçar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre cultura, nos termos do art. 24, IX, da Constituição Federal. Outrossim, a proposta não está inserida no âmbito de iniciativa privativa de algum outro órgão, de modo que qualquer parlamentar detém a competência para a iniciativa, encontrando-se o projeto regular também nesse ponto. Adicione-se, ainda, que o PL ​já percorreu o trâmite legislativo no âmbito do Congresso Nacional, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República, nos termos do art. 66 da Constituição Federal.

 

12. Adentrando-se ao teor do PL propriamente, verifica-se que a proposta visa inscrever o nome de Dulcina de Moraes, atriz e diretora de teatro, no Livro dos Heróis e Heroínas, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. A respeito do tema, mister trazer a lume os requisitos legais para a inscrição de brasileiro, brasileira ou grupo de brasileiros no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, conforme Lei nº 11.597, de 29 de novembro de 2007:

 

Art. 1º O Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, destina-se ao registro perpétuo do nome dos brasileiros e brasileiras ou de grupos de brasileiros que tenham oferecido a vida à Pátria, para sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo. (Artigo com redação dada pela Lei nº 13.433, de 12/4/2017)
 
Art. 2º A distinção será prestada mediante a edição de lei, decorridos 10 (dez) anos da morte ou da presunção de morte do homenageado. (“Caput” do artigo com redação dada pela Lei n º 13.229, de 28/12/2015)
Parágrafo único. Excetua-se da necessidade de observância de prazo a homenagem aos brasileiros mortos ou presumidamente mortos em campo de batalha.
 
Art. 3º O registro levará em consideração o transcurso de data representativa de feito memorável da vida do laureado.

 

13. Em consulta à justificativa das autoras do PL[1], extrai-se o seguinte  in verbis

 

Nascida em Valença, no Estado do Rio de Janeiro, em 3 defevereiro de 1908, durante uma turnê de seus pais, e falecida em Brasília,Distrito Federal, em 27 de agosto de 1996, a atriz, diretora, produtora eprofessora Dulcina de Moraes iniciou sua trajetória no meio teatral aos trêsmeses de idade, quando estreou nos palcos no lugar de uma boneca queocupava um berço utilizado na peça.
 (...).
Em 1955, criou a Fundação Brasileira de Teatro (FTB), no Riode Janeiro, projeto ao qual dedicou-se de corpo e alma, deixando um pouco delado sua gloriosa trajetória de atriz para voltar sua atenção e seu patrimônio àeducação e organização da categoria teatral. Mantidas pela FTB, formainauguradas a Academia Brasileira de Teatro (que mais tarde se transformarána Faculdade de Artes Dulcina de Moraes em Brasília) e a Associação Brasileira de Teatro (projeto que, infelizmente, não vigorou), unindo todos osartistas do país na articulação de suas lutas e produções artísticas. Grandes nomes das artes no país assinam como sócios fundadores da FTB, comoAdolfo Celi, Antonio Callado, Bibi Ferreira, Cacilda Becker, Henriette Morineau,Maria Clara Machado, Paulo Autran, Pedro Bloch, Tônia Carreiro e tantosoutros. A FTB funcionou por treze anos seguidos no Rio de Janeiro (...)
A FBT, que abriga a Faculdade, o Teatro Dulcina, o TeatroConchita de Moraes, uma galeria de artes e o acervo tombado pelo patrimôniodo governo do Distrito Federal de figurinos, fotos, manuscritos e objetos daatriz Dulcina com mais de mil itens, permanece ativa após a morte de Dulcina.Apesar das muitas dificuldades administrativas e financeiras, a Faculdadecontinua sendo referência na formação de professores de artes para a redepública do Distrito Federal e o palco do Teatro Dulcina é considerado uma dasmelhores estruturas edificadas para grandes espetáculos em Brasília.
Dulcina de Moraes dedicou a vida à profissionalização dacategoria artística do teatro, lutando pelos direitos e pela dignidade dosprofissionais que nela atuam. Em reconhecimento a essa mulher admirável, aseu legado de respeito, profissionalismo, perseverança, cultura, delicadeza eamor pelo teatro e aos serviços prestados por essa grande atriz à Naçãobrasileira, sugerimos a inscrição de seu nome no Livro dos Heróis e Heroínasda Pátria, no que contamos com o valoroso apoio dos nobres Pares àrealização desta justa homenagem.
 

14. Sobre a indicação em comento, manifestou-se a Fundação Nacional de Artes. - FUNARTE, entidade vinculada a este Ministério da Cultura, por meio do formulário SEI 1520730:

 

(...) Conforme já apresentamos no parecer SEI 2058828, o fenômeno histórico que representa a passagem da atriz Dulcina de Moraes e sua contribuição para produção artística brasileira no século XX é inquestionável, não apenas do ponto de vista artístico, mas também da organização e desenvolvimento do setor. Dulcina de Moraes foi uma mulher à frente de seu tempo. Nascida no início do século XX, de uma família de artistas de teatro, estreou como protagonista aos 15 anos, já sendo considerada revelação por grandes nomes. Atuou em companhias renomadas e, logo fundou a sua própria companhia, junto ao companheiro, e também ator, Odilon Azevedo. A Cia. Dulcina-Odilon foi responsável por grande contribuição à difusão do teatro brasileiro, tendo como marco a peça "Amor", do dramaturgo Oduvaldo Viana, que percorreu diversas cidades do Brasil e, pela apresentação ao público brasileiro de diversos autores nacionais como Viriato Correia (A Marquesa de Santos Raimundo Magalhães Jr (O Imperador Galante) e Maria Jacintha (Convite à Vida, Conflito, Já é Manhã no Mar), dentre outros, além do espetáculo Chuva, dirigido e protagonizado por ela e encenado em diversos países. Nesse sentido, Dulcina levou o teatro brasileiro para o mundo. Por seu trabalho como atriz recebeu diversos prêmios, dentre eles a medalha do mérito da Associação Brasileira de Críticos Teatrais (ABCT).
A partir da década de 1950 passa a se dedicar à organização e profissionalização do setor, investindo suas economias na criação da Fundação Brasileira de Teatro (FBT), voltada à formação de atores, dentre outras atividades. Muda-se para Brasilia e, em 1980, inaugura a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes e o Teatro Dulcina, referências na formação teatral no Brasil e para a expansão das artes cênicas na região central do país. A luta de Dulcina de Moraes pelos direitos e dignidade dos artistas e seu reconhecimento como trabalhadores são conquistas inquestionáveis para o nosso país e causa pela qual se dedicou até os últimos dias da sua vida.
Diante do exposto, por sua contribuição histórica, estética, simbólica e material na construção da subjetividade brasileira através da arte, bem como sua contribuição no compartilhamento e transmissão de saberes, na formação de centenas de profissionais e para a conquista de direitos para os profissionais das artes no Brasil, consideramos o Projeto de Lei n° 25/2020, que inscreve seu nome no Livro dos Heróis e Heroínas no Panteão da Pátria do Brasil, extremamente relevante, pertinente e nos posicionamos como favoráveis à sua Sanção Total.
 

15. Depreende-se da leitura supra que o PL objetiva promover a inscrição de brasileira com histórico de dedicação às artes, em especial ao teatro, com repercussão social,  já tendo decorrido o prazo de dez anos desde sua morte, conforme requisito disposto na Lei nº 11.597, de 2007; ressalte-se, mais uma vez, que a análise ora emitida se restringe ao aspecto eminentemente jurídico - isto é, se o PL preenche os requisitos normativos, sem adentrar no mérito da proposta; assim que, sob o ponto de vista estritamente jurídiconão se visualizam óbices ao PL, pelo menos no que concerne às competências deste Ministério da Cultura.

 

16. Quanto aos aspectos estritamente formais, insta ponderar que ao Projeto de Lei se aplicam as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição.

 

III. CONCLUSÃO

 

17. Diante do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade na criação de mecanismos institucionais, não sujeitos ao crivo desta CONJUR, não se visualizam óbices jurídicos ao Projeto de Lei nº 25, de 2020, de autoria da Senhora Deputada Benedita da Silva, que “Inscreve o nome de Dulcina de Moraes no Livro dosHeróis e Heroínas da Pátria de modo que, no que concerne às competências legais deste Ministério da Cultura, o projeto encontra-se apto a ser submetido à sanção presidencial.

 

18. Encaminhem-se os autos, via SEI, ao Gabinete da Ministra, conforme recomendado pela ASPAR no Despacho nº 1520822/2023.

 

 

Brasília, 29 de novembro de 2023.

 

 

(assinado eletronicamente)

SOCORRO JANAINA M. LEONARDO

Advogada da União

Consultora Jurídica

 

 


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Notas

  1. ^ Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1854053&filename=PL%2025/2020 . Acesso em 29 de nov. 2023.



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