ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE AQUISIÇÕES
COORDENAÇÃO
PARECER REFERENCIAL n. 00006/2023/COORD/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU
NUP: 00688.000917/2020-84
INTERESSADOS: CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL EM AQUISIÇÕES (E-CJU/AQUISIÇÕES)
ASSUNTOS: CONTRATAÇÃO DIRETA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. COMPRA INSTITUCIONAL. PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS - PAA
EMENTA: MANIFESTAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL – MJR. DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. CONTRATAÇÃO DIRETA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. COMPRA INSTITUCIONAL. PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS - PAA. Compra Institucional no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA. Aquisição de gêneros alimentícios de agricultores familiares e suas organizações, empreendedores familiares rurais e demais beneficiários da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006.
I – Manifestação Jurídica Referencial elaborada com fundamento na Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014 e Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022;
II - Relativização do envio obrigatório para controle prévio de legalidade. Aplicação da prerrogativa definida pelo § 5º do artigo 53 da Lei n. 14.133/2021;
III - Órgão de destino da MJR: Todas as unidades assessoradas pela e-CJU/Aquisições;
IV - Dispensa de análise individualizada pela e-CJU/Aquisições para casos idênticos e recorrentes, desde que o órgão assessorado ateste nos autos que a manifestação referencial se amolda à situação concreta, salvo caso de dúvida jurídica suscitada pelo órgão;
V – Aplicável às contratações direta, mediante dispensa de licitação, objetivando aquisições de gêneros alimentícios produzidos por agricultores familiares e demais beneficiários fornecedores enquadrados na Lei nº 11.326/2006, no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, instituído pela Lei nº 14.628/2023, e regulamentado pelo Decreto nº 11.802/2023, na modalidade de execução Compra Institucional, precedida de Chamamento Público, na forma disciplinada na Resolução nº GGALIMENTA 3, de 14/06/2022;
VI - Processo administrativo nº 00688.000917/2020-84;
VII - Validade: 12 (dose) meses, a partir de sua aprovação.
I - RELATÓRIO
Trata-se de manifestação jurídica referencial destinada a orientar os órgãos assessorados pela e-CJU/Aquisições em contratações com dispensa de licitação, precedidas de procedimento administrativo denominado Chamada Pública, para Compra Institucional de alimentos de agricultores familiares e outros beneficiários fornecedores enquadrados na Lei nº 11.326/2006, no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA.
Este parecer referencial faz-se oportuno, tendo em vista a publicação da Lei nº 14.628, de 20 de julho de 2023 (substituta da Medida Provisória nº 1.166 de 2023) que, dentre outras coisas, instituiu o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), em substituição ao Programa Alimenta Brasil (PAB) de que tratava a Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021; bem como em razão da quantidade de processos repetitivos, os quais, no mais das vezes, resumem-se à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos.
É o sucinto relato.
II - ANÁLISE JURÍDICA
II.1 - Do cabimento de manifestação jurídica referencial
Inicialmente, cabe dizer que, por se referir a situação que envolve a análise de vários processos similares, com o mesmo propósito e que resulta em uma grande quantidade de procedimentos, a presente situação será tratada por meio de Manifestação Jurídica Referencial, conforme indica a Orientação Normativa nº 55, de 23 de maio de 2014, da Advocacia-Geral da União:
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 55, DE 23 DE MAIO DE 2014
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 56377.000011/2009-12, resolve expedir a presente orientação normativa a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:
I - Os processos que sejam objeto de manifestação jurídica referencial, isto é, aquela que analisa todas as questões jurídicas que envolvam matérias idênticas e recorrentes, estão dispensados de análise individualizada pelos órgãos consultivos, desde que a área técnica ateste, de forma expressa, que o caso concreto se amolda aos termos da citada manifestação.
II - Para a elaboração de manifestação jurídica referencial devem ser observados os seguintes requisitos:
a) o volume de processos em matérias idênticas e recorrentes impactar, justificadamente, a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e
b) a atividade jurídica exercida se restringir à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos.
Referência: Parecer nº 004/AS MG/CGU/AGU/2014.
A manifestação referencial permite que uma única análise jurídica possa ser adotada para os demais processos similares. Com isso, busca-se otimizar a atuação do parecerista, evitando-se repetição desnecessária de pareceres com o mesmo conteúdo jurídico, prestigiando, assim, a eficiência administrativa.
Como bem delineado no Parecer Referencial n. 00016/2020/CONJUR-MS/CGU/AGU, pode-se dizer que a manifestação jurídica referencial consiste em parecer jurídico genérico, vocacionado a balizar todos os casos concretos, cujos contornos se amoldem ao formato do caso abstratamente analisado, tratando-se de ato enunciativo perfeitamente afinado com o princípio da eficiência.
Em linha similar, com base no Parecer Referencial nº 00011/2020/CONJUR-MS/CGU/AGU, pode-se concluir que:
• A manifestação jurídica referencial uniformiza a atuação do órgão jurídico relativamente às consultas repetitivas;
• A adoção de manifestação jurídica referencial torna desnecessária a análise individualizada de processos que versem sobre matéria que já tenha sido objeto de análise em abstrato, sendo certo que as orientações jurídicas veiculadas através do parecer referencial aplicar-se-ão a todo e qualquer processo com idêntica matéria.
• A elaboração de manifestação jurídica referencial depende da confluência de dois requisitos objetivos, a saber: i) a ocorrência de embaraço à atividade consultiva em razão da tramitação de elevado número de processos administrativos versando sobre matéria repetitiva e ii) a singeleza da atividade desempenhada pelo órgão jurídico, que se restringe a verificar o atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos;
• A dispensa do envio de processos ao órgão jurídico para exame individualizado fica condicionada ao pronunciamento expresso, pela área técnica interessada, no sentido de que o caso concreto se amolda aos termos da manifestação jurídica referencial já elaborada sobre a questão.
Vale frisar, a iniciativa de realizar pareceres referenciais foi objeto de análise pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que acertadamente compreendeu a pertinência da medida, conforme verificado no Informativo TCU nº 218/2014:
“É possível a utilização, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, de um mesmo parecer jurídico em procedimentos licitatórios diversos, desde que envolva matéria comprovadamente idêntica e seja completo, amplo e abranja todas as questões jurídicas pertinentes” (Acórdão 2674/2014-Plenário | Relator: ANDRÉ DE CARVALHO).
Recentemente, a Portaria Normativa CGU/AGU nº 5, de 31 de março de 2022, passou a disciplinar a manifestação jurídica referencial, reproduzindo, em seu artigo 3º, §2º, os requisitos objetivos autorizadores da elaboração de ditas manifestações que já estavam prescritos na Orientação Normativa AGU nº 55, de 23 de maio de 2014, litteris:
Art. 3º A Manifestação Jurídica Referencial tem como premissa a promoção da celeridade em processos administrativos que possibilitem análise jurídica padronizada em casos repetitivos.
(...)
§ 2º A emissão de uma MJR depende do preenchimento dos seguintes requisitos:
I -comprovação de elevado volume de processos sobre a matéria; e
II -demonstração de que a análise individualizada dos processos impacta de forma negativa na celeridade das atividades desenvolvidas pelo órgão consultivo ou pelo órgão assessorado.
Com efeito, em atendimento aos requisitos supra, esta Consultoria atesta que o volume de processos em matérias idênticas e repetidas, as quais possibilitam uma análise jurídica padronizada e restrita à verificação das exigências legais, a partir de uma simples conferência de documentos, tem impactado a atuação deste órgão consultivo, em desprestígio ao princípio da razoável duração do processo, e, ocasionalmente, à segurança jurídica. Isso porque a multiplicidade do tipo de demanda ora examinada, acaba repercutindo negativamente na atuação jurídica, na medida em que os advogados poderiam se dedicar ao estudo e aprofundamento de matérias mais complexas e relevantes, as quais, de fato, exigem uma análise jurídica mais detida e aprofundada.
Sem dúvida alguma, a utilização de pareceres referenciais é uma medida natural ao desenvolvimento tecnológico, à racionalização das ações administrativas e ao aperfeiçoamento da boa gestão do órgão de Advocacia Pública.
II.2 - Finalidade e abrangência do parecer jurídico
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir à autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos praticados ou já efetivados.
A função desta Consultoria é apenas apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para resguardar a autoridade assessorada, e a quem competir avaliar uma dimensão real do risco e a necessidade de adotar ou não uma precaução recomendada.
Importante ressaltar que o exame dos atos processuais se restringe aos seus aspectos legais, excluídos aqueles da natureza técnica. Em relação a estes, aplicam-se os requisitos imprescindíveis para sua adequação às exigências da administração, observando os requisitos legais impostos (conforme Enunciado nº 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas da CGU/AGU, “A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento”).
De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público. O mesmo se pressupõe em relação ao exercício da competência discricionária pelo órgão assessorado, cujas decisões devem ser motivadas nos autos.
Por outro lado, vale esclarecer que, via regra, não é um papel do órgão de análise jurídica exercer auditorias quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, neste caso, a cada um deles observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências.
Por fim, ressaltamos que as orientações jurídicas não possuem caráter vinculativo, podendo a autoridade assessorada, dentro da margem discricionária que é conferida pela lei, adotar ou não as ponderações feitas pela Consultoria Jurídica. Contudo, o seguimento do processo sem a observância dos apontamentos jurídicos será de responsabilidade exclusiva da Administração.
II.3 - Regularidade da autuação do processo e avaliação de conformidade legal
O art. 19 da Lei nº 14.133, de 2021, prevê que os órgãos competentes da Administração devem instituir mecanismos e ferramentas voltadas ao gerenciamento de atividades de administração de materiais, obras e serviços, conforme abaixo transcrito:
Art. 19. Os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão:
I - instituir instrumentos que permitam, preferencialmente, a centralização dos procedimentos de aquisição e contratação de bens e serviços;
II - criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;
III - instituir sistema informatizado de acompanhamento de obras, inclusive com recursos de imagem e vídeo;
IV - instituir, com auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos, admitida a adoção das minutas do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;
V - promover a adoção gradativa de tecnologias e processos integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de obras e serviços de engenharia.
É preciso que a fase de planejamento da contratação esteja alinhada às iniciativas mais atualizadas dos órgãos que detêm competências regulamentares.
Nesse sentido, um instrumento importante para auxiliar a checagem desse alinhamento é a lista de verificação elaborada pela Advocacia-Geral da União, disponível no endereço https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/modelos/licitacoesecontratos/14133/listas-de-verificacao (acesso em 06/12/2023).
II.4 - Limites e instâncias de governança
No âmbito do Poder Executivo Federal, o Decreto nº 10.193, de 27 de dezembro de 2019, estabeleceu limites e instâncias de governança para a contratação de bens e serviços e para a realização de gastos com diárias e passagens no âmbito do Poder Executivo federal.
Em relação aos contratos administrativos, para atividades de custeio em geral, o artigo 3º do referido decreto define algumas regras que precisam ser respeitadas, notadamente em relação à competência para a celebração de novos contratos de aquisição:
Art. 3º A celebração de novos contratos administrativos e a prorrogação de contratos administrativos em vigor relativos a atividades de custeio serão autorizadas em ato do Ministro de Estado ou do titular de órgão diretamente subordinado ao Presidente da República.
§ 1º Para os contratos de qualquer valor, a competência de que trata o caput poderá ser delegada às seguintes autoridades, permitida a subdelegação na forma do § 2º:
I - titulares de cargos de natureza especial;
II - dirigentes máximos das unidades diretamente subordinadas aos Ministros de Estado; e
III - dirigentes máximos das entidades vinculadas.
§ 2º Para os contratos com valor inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), a competência de que trata o caput poderá ser delegada ou subdelegada aos subsecretários de planejamento, orçamento e administração ou à autoridade equivalente, permitida a subdelegação nos termos do disposto no § 3º.
§ 3º Para os contratos com valor igual ou inferior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), a competência de que trata o caput poderá ser delegada ou subdelegada aos coordenadores ou aos chefes das unidades administrativas dos órgãos ou das entidades, vedada a subdelegação.
A Portaria ME nº 7.828, de 30 de agosto de 2022, estabelece normas complementares para o cumprimento do Decreto nº 10.193, de 2019, incumbindo ao órgão contratante ficar atento à eventual diploma que venha a fixar determinações complementares ao Decreto nº 10.193, de 2019, devendo-se observar os preceitos dos atos normativos regulamentares ainda vigentes.
Uma vez que foge às atribuições deste órgão de assessoramento jurídico investigar ou auditar eventual existência de delegação de competência, a autoridade assistida deve se certificar sobre a natureza da atividade a ser contratada – se constitui ou não atividade de custeio –, adotando as providências necessárias, se for o caso, para aferir se a autoridade indicada na minuta possui competência para a representar a União na celebração do contrato a ser firmado.
II.5 - Desenvolvimento nacional sustentável: critérios de sustentabilidade
As contratações governamentais devem estabelecer critérios que promovam o desenvolvimento nacional sustentável. Assim, as ações da Administração devem ser especialmente voltadas para a redução do consumo e para a aquisição preferencial de produtos inseridos no conceito de economia circular ou que representem menor impacto ambiental, a exemplo dos produtos reciclados e/ou recicláveis (arts. 5º e 11 da Lei n. 14.133, de 2021, c/c art. 7º, XI, da Lei nº 12.305, de 2010).
No planejamento da contratação devem ser observados determinados pressupostos, entre eles a especificação do objeto de acordo com critérios de sustentabilidade, a existência de obrigações a serem cumpridas durante o fornecimento e o recolhimento dos produtos, bem como a incidência de normas especiais de comercialização ou de licenciamento de atividades (ex.: registro no Cadastro Técnico Federal - CTF), que são requisitos previstos na legislação de regência ou em leis especiais (ex.: arts. 66 e 67, IV, da Lei n. 14.133, de 2021).
São aspectos indispensáveis do planejamento da contratação a abordagem econômica, social, ambiental e cultural das ações de sustentabilidade. O órgão assessorado deve: a) avaliar se há incidência de critérios de sustentabilidade no caso concreto; b) indicar as dimensões dessa incidência; e c) definir condições para sua aplicação. É de fundamental importância consultar o Guia Nacional de Contratações Sustentáveis/AGU, no qual podem ser extraídos subsídios orientadores das ações de sustentabilidade. Referido Guia está disponível no endereço https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/modelos/licitacoesecontratos/licitacoes-sustentaveis (acesso em 06/12/2023).
Na escolha de produtos, nos termos do inciso XI do art. 7º da Lei n. 12.305, de 2010, deve-se priorizar: produtos que podem gerar menos perdas; ser recicláveis; ser mais duráveis; que possuam menos substâncias tóxicas ou prejudiciais à saúde; e que consumam menos recursos naturais na sua produção.
Na especificação técnica do objeto a ser adquirido, recomendamos, como subsídio, a utilização do Catálogo de Materiais Sustentáveis do Ministério da Economia. O CATMAT Sustentável permite identificar itens de materiais sustentáveis que poderão ser adquiridos em substituição a itens similares.
Acresça-se que é obrigação do gestor público a consulta e a inserção nas minutas correspondentes das previsões legais constantes no Guia Nacional de Contratações Sustentáveis, o qual já foi citado como exemplo de boa prática administrativa pelo Tribunal de Contas da União, conforme acórdão 1056/2017-Plenário.
De toda sorte, cabe ao órgão assessorado a verificação técnica dos critérios de sustentabilidade aplicáveis aos bens a serem adquiridos e serviços a serem contratados. Se a Administração entender que a contratação não se sujeita aos critérios de sustentabilidade ou que as especificações de sustentabilidade restringem indevidamente a participação em dado mercado, deverá apresentar a devida justificativa.
Essas são as orientações imprescindíveis à compreensão do tema e às respectivas decisões administrativas que deverão ser tomadas para fins de contratação.
II.6 – Disposições acerca do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA: Da Compra Institucional mediante Chamada Pública
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi inicialmente relançado pela MP nº 1.166, de 22/03/2023, cuja vigência foi encerrada no dia 20/07/2023, tendo sido editada, na mesma data, a Lei nº 14.628, de 20/07/2023, em substituição ao Programa Alimenta Brasil (PAB), tratado pelo art. 30 da Lei nº 14.284, de 29/12/2021.
O PAA, de modo geral, tem como objetivo promover o acesso à alimentação, à segurança alimentar e à inclusão econômica e social (art. 1º da Lei nº 14.628/2023).
As finalidades do programa foram pormenorizadas no art. 2º da Lei nº 14.628/2023, conforme abaixo transcrito:
Art. 2º (...)
I - incentivar a agricultura familiar, a pesca artesanal, a aquicultura, a carcinicultura e a piscicultura, com prioridade para seus segmentos em situação de pobreza e de pobreza extrema, e promover a inclusão econômica e social, com fomento à produção sustentável, ao processamento de alimentos em geral, à industrialização e à geração de renda;
II - contribuir para o acesso à alimentação, em quantidade, qualidade e regularidade necessárias, pelas pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, sob a perspectiva do direito humano à alimentação adequada e saudável, em cumprimento ao disposto no art. 6º da Constituição Federal;
III - incentivar o consumo e a valorização dos alimentos produzidos pela agricultura familiar, pela pesca artesanal, pela aquicultura, pela carcinicultura e pela piscicultura nacionais;
IV - promover o abastecimento alimentar, que compreende as compras governamentais de alimentos, incluída a alimentação do Programa Cozinha Solidária;
V - apoiar a formação de estoque pelas cooperativas e demais organizações da agricultura familiar, da pesca artesanal, da aquicultura, da carcinicultura e da piscicultura nacionais;
VI - fortalecer circuitos locais e regionais e redes de comercialização da produção da agricultura familiar, da pesca artesanal, da aquicultura, da carcinicultura e da piscicultura;
VII - promover e valorizar a biodiversidade e a produção orgânica e agroecológica de alimentos;
VIII - incentivar hábitos alimentares saudáveis em âmbitos local e regional;
IX - incentivar o cooperativismo e o associativismo;
X - incentivar a produção por povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais, assentados da reforma agrária, pescadores artesanais, negros, mulheres, juventude rural e agricultores familiares urbanos e periurbanos nos termos do regulamento;
XI - incentivar a produção agroecológica e orgânica, bem como a adoção de quaisquer práticas associadas à conservação da água, do solo e da biodiversidade nos imóveis da agricultura familiar;
XII - reduzir as desigualdades sociais e regionais brasileiras; e
XIII - fomentar a produção familiar de agricultores que possuam pessoas com deficiência entre seus dependentes.
Nesse contexto, o Poder Executivo federal poderá adquirir, dispensada a licitação, os alimentos produzidos pelos agricultores familiares, os pescadores artesanais, os aquicultores, os carcinicultores e os piscicultores que se enquadrarem no disposto na Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, bem como os demais públicos beneficiários que produzam em áreas rurais, urbanas e periurbanas, conforme regulamento. Nesse sentido, dispõe os arts. 4º, 5º e 6º da referida Lei nº 14.628/2023:
Art. 4º O Poder Executivo federal, estadual, distrital e municipal poderá adquirir, dispensada a licitação, os alimentos produzidos pelos beneficiários fornecedores de que trata o art. 5º desta Lei, observada a disponibilidade orçamentária e financeira e desde que atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - os preços sejam compatíveis com os preços vigentes no mercado, em âmbito local ou regional, aferidos e definidos conforme metodologia instituída pelo Grupo Gestor do PAA;
II - o valor máximo anual para aquisições de alimentos em cada modalidade, por unidade familiar, por cooperativa ou por outras organizações da agricultura familiar, seja respeitado, nos termos do regulamento;
III - os alimentos adquiridos sejam de produção própria dos beneficiários e cumpram os requisitos de controle de qualidade previstos na legislação; e
IV - as demais normas estabelecidas para compra específica de cada modalidade sejam observadas, na forma estabelecida pelo Grupo Gestor do PAA.
§ 1º Na hipótese de impossibilidade de cotação de preços no mercado local ou regional, produtos agroecológicos ou orgânicos poderão ter acréscimo de até 30% (trinta por cento) em relação aos preços estabelecidos para produtos convencionais.
§ 2º São considerados de produção própria os seguintes produtos resultantes das atividades dos beneficiários de que trata o art. 5º desta Lei, na forma estabelecida pelo Grupo Gestor do PAA:
I - in natura;
II - processados;
III - artesanais;
IV - beneficiados; ou
V - industrializados.
§ 3º No processamento, no beneficiamento e na industrialização dos produtos a ser fornecidos ao PAA, os beneficiários fornecedores poderão adquirir os insumos e contratar a prestação dos serviços necessários, inclusive de pessoas físicas e jurídicas não enquadradas como beneficiárias, desde que observadas as diretrizes e as condições estabelecidas pelo Grupo Gestor do PAA.
(Sem grifos no original)
Art. 5º Poderão fornecer produtos ao PAA os agricultores familiares, os pescadores artesanais, os aquicultores, os carcinicultores e os piscicultores que se enquadrarem no disposto na Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, bem como os demais públicos beneficiários que produzam em áreas rurais, urbanas e periurbanas, conforme regulamento.
§ 1º As aquisições dos produtos para o PAA poderão ser efetuadas diretamente dos beneficiários individuais de que trata o caput deste artigo ou indiretamente, por meio de suas cooperativas, associações de produtores e demais organizações, observada a disponibilidade orçamentária e financeira.
§ 2º Na hipótese de participação de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, o Grupo Gestor do PAA poderá estabelecer critérios diferenciados de enquadramento para atender a realidades culturais e sociais específicas, nos termos do regulamento do PAA.
Art. 6º O Grupo Gestor do PAA estabelecerá critérios de acesso ao Programa dos seguintes grupos prioritários:
I - as famílias incluídas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico);
II - povos indígenas;
III - povos e comunidades tradicionais;
IV - assentados da reforma agrária;
V - pescadores;
VI - negros;
VII - mulheres;
VIII - juventude rural;
IX - pessoas idosas;
X - pessoas com deficiência; e
XI - famílias que tenham pessoas com deficiência como dependentes.
Cabe ressaltar, ainda, que os produtos adquiridos pelo Programa se destinam, conforme disposto no art. 9º da Lei nº 14.628/2023, a:
Art. 9º (...)
I - promoção de ações de segurança alimentar e nutricional;
II - formação de estoques; ou
III - atendimento às demandas de gêneros alimentícios e de materiais propagativos por parte da administração pública, direta, autárquica e fundacional, federal, estadual, distrital ou municipal.
(Sem grifos no original)
O Programa de Aquisição de Alimentos foi inicialmente regulamentado Decreto nº 11.476, de 06/04/2023, que, recentemente, teve os dispositivos pertinentes revogados pelo Decreto nº 11.802, de 28 de novembro de 2023.
A alínea “e” do inciso II, do art. 10 do Decreto nº 11.802/2023, dispôs que os alimentos adquiridos no âmbito do PAA serão destinados, entre outros, ao abastecimento dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta e indireta.
No que interessa ao atendimento das demandas por parte da Administração Pública, o Decreto nº 11.802/2023 definiu os beneficiários e organizações fornecedoras, e a respectiva comprovação de aptidão, assim como as unidades executoras, nos termos do art. 2º, II e IV, verbis:
Art. 2º (...)
II - beneficiários e organizações fornecedoras:
a) agricultores familiares, empreendedores familiares rurais e demais beneficiários que atendam aos requisitos estabelecidos no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, incluídos os que produzam em áreas urbanas e periurbanas, ou que atendam aos requisitos específicos estabelecidos pelo Grupo Gestor do PAA; e
b) cooperativas e outras organizações que atendam aos requisitos estabelecidos pelo Grupo Gestor do PAA;
(...)
IV - unidades executoras - órgãos e entidades públicas responsáveis pela execução do PAA, no âmbito da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, que podem ser:
a) os órgãos e as entidades que tenham firmado termo de adesão com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome;
b) a Companhia Nacional de Abastecimento - Conab; e
c) os órgãos e as entidades da administração pública federal direta e indireta, ao realizarem aquisições por meio da modalidade de compra institucional; e
(...)
§ 1º Os beneficiários fornecedores serão identificados pelo seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas.
§ 2º O disposto no § 1º poderá deixar de ser observado nas aquisições em que os beneficiários sejam povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, cuja participação poderá ocorrer de maneira coletiva, conforme estabelecido pelo Grupo Gestor do PAA.
§ 3º A comprovação da aptidão dos beneficiários fornecedores e das organizações fornecedoras será feita por meio da apresentação de um dos seguintes documentos:
I - Cadastro Nacional da Agricultura Familiar - CAF, válido;
II - Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - DAP, ativa; ou
III - outros documentos definidos pelo Grupo Gestor do PAA.
(Sem grifos no original)
Em síntese, observa-se que os alimentos produzidos pelos beneficiários fornecedores (pessoas físicas ou cooperativas e outras organizações), na forma disciplinada nos regramentos do Programa, poderão ser destinados ao abastecimento dos órgãos e entidades da administração pública, cuja aquisição é autorizada mediante dispensa de licitação, desde que haja a disponibilidade orçamentária e que sejam observados os requisitos (cumulativos), estabelecidos no art. 4º da Lei nº 14.628/2023, transcrito linhas acima.
Dessa forma, nas hipóteses de aquisições de alimentos, enquadradas no Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, tem-se que os órgãos assessorados devem observar os requisitos próprios acima referidos e demais condições correlatas, previstas na legislação de regência.
Da Compra Institucional
O PAA poderá ser executado diretamente pelo órgão comprador, na modalidade Compra Institucional, conforme se extrai dos dispositivos da Lei nº 14.628/2023, que instituiu o novo programa, combinado com dispositivos do Decreto nº 11.802/2023, que regulamenta as modalidades de execução, abaixo elencados:
Lei nº 14.628/2023
Art. 10. O PAA poderá ser executado:
I - mediante termo de adesão firmado por órgãos ou por entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, dispensada a celebração de convênio;
II - mediante descentralização de créditos para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), nos termos do regulamento; ou
III - diretamente pelo órgão comprador, na modalidade a que se refere o art. 8º desta Lei.
Art. 8º Do total de recursos destinados, no exercício financeiro, à aquisição de gêneros alimentícios pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, pelas empresas públicas e pelas sociedades de economia mista, percentual mínimo de 30% (trinta por cento) será destinado, sempre que possível, à aquisição de produtos de agricultores familiares e de suas organizações, por meio de modalidade específica, nos termos do regulamento.
(Sem grifos no original)
Decreto nº 11.802/2023
Art. 3º O PAA poderá ser executado nas seguintes modalidades, conforme condições e regras estabelecidas pelo seu Grupo Gestor do PAA:
I - compra com doação simultânea - compra de gêneros alimentícios ou materiais propagativos diversos e doação simultânea às unidades recebedoras ou diretamente aos beneficiários consumidores;
II - PAA-Leite - compra de leite que, após ser beneficiado, será doado às unidades recebedoras ou diretamente aos beneficiários consumidores;
III - compra direta - compra de gêneros alimentícios com o objetivo de sustentar preços, formar estoques reguladores ou estratégicos, permitir intervenção em situações de emergência ou estado de calamidade pública ou atender demandas específicas de segurança alimentar e nutricional;
IV - apoio à formação de estoques - apoio financeiro destinado à constituição de estoques de alimentos por organizações fornecedoras, para posterior comercialização e devolução de recursos ao Poder Público ou pagamento, por meio da entrega de produtos, para desenvolvimento de ações de segurança alimentar e nutricional; e
V – compra institucional - compra de produtos da agricultura familiar para o atendimento de demandas de gêneros alimentícios ou de materiais propagativos, por parte de órgão comprador e para doação aos beneficiários consumidores atendidos pelo órgão ou pela entidade compradora, conforme disposto no art. 8º da Lei nº 14.628, de 2023.
Art. 4º Do total de recursos destinados, no exercício financeiro, à aquisição de gêneros alimentícios pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta e indireta, no mínimo, trinta por cento deverão ser destinados à aquisição de produtos de agricultores familiares e suas organizações, por meio da modalidade compra institucional.
(Sem grifos no original)
É importante anotar que o caput do art. 3º do Decreto nº 11.802/2023 supra, dispõe que as modalidades de execução serão disciplinadas conforme regras e condições estabelecidas pelo Grupo Gestor do PAA.
Por seu turno, o art. 25 do referido decreto estabelece que as decisões do Grupo Gestor se darão por meio de resoluções, e o art. 26 do mesmo diploma, elenca as respectivas competências. Vejamos:
Art. 25. Fica instituído o Grupo Gestor do PAA, órgão colegiado de caráter deliberativo, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
§ 1º O Grupo Gestor do PAA tem como objetivo elaborar as normas complementares necessárias à execução do PAA.
(...)
§ 6º As decisões do Grupo Gestor do PAA serão adotadas por meio de resoluções.
(Sem grifos no original)
Art. 26. Ao Grupo Gestor do PAA compete:
I - elaborar e aprovar o seu regimento interno; e
II - estabelecer:
a) as regras complementares de operacionalização das modalidades do PAA;
b) a metodologia para a definição dos preços de referência de aquisição de alimentos, consideradas as diferenças regionais e a realidade da agricultura familiar;
c) as condições de venda dos produtos adquiridos;
d) as condições de doação dos produtos adquiridos;
e) os critérios de priorização:
1. dos beneficiários fornecedores e consumidores; e
2. das áreas de atuação;
f) a metodologia de acompanhamento e fiscalização da execução do Programa; e
g) outras medidas necessárias à operacionalização do Programa.
(Sem grifos no original)
Embora a Lei nº 14.628/2023 e o Decreto nº 11.802/2023 não tenham apontado expressamente que a Compra Institucional ocorrerá por meio de Chamada Pública, como fazia a legislação antecedente, a Resolução nº GGALIMENTA 3/2022, do Grupo Gestor assim disciplinou:
RESOLUÇÃO Nº GGALIMENTA 3, DE 14 DE JUNHO DE 2022
Dispõe sobre a execução da modalidade "Compra Institucional", no âmbito do Programa Alimenta Brasil
Art. 1º Dispor sobre a execução da modalidade Compra Institucional do Programa Alimenta Brasil, que consiste na compra de alimentos de agricultores familiares realizada por meio do procedimento administrativo denominado Chamada Pública para atendimento de demandas da Administração Direta e Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
(Sem grifos no original)
Art. 2º Para fins desta Resolução considera-se:
I- beneficiários fornecedores: agricultores familiares, empreendedores familiares rurais e demais beneficiários que atendam aos requisitos estabelecidos no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006;
II- organizações fornecedoras: cooperativas e outras organizações formalmente constituídas como pessoa jurídica de direito privado que detenham a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Agricultura Familiar - PRONAF - DAP Especial Pessoa Jurídica ou Cadastro Nacional da Agricultura Familiar - CAF
III - demais grupos fornecedores: agricultores familiares, detentores de Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Agricultura Familiar - PRONAF ou Cadastro Nacional da Agricultura Familiar – CAF organizados em grupos para apresentação de projetos de venda;
IV- órgão comprador: órgão ou entidade da administração pública, direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
V- chamada pública: procedimento administrativo voltado à seleção da melhor proposta para aquisição de produtos de beneficiários fornecedores e organizações fornecedoras.
(Sem grifos no original)
É importante perceber que o regramento dispõe de forma assertiva que a Compra Institucional, que, como já visto, é levada à efeito por dispensa de licitação, será realizada no formato de Chamada Pública. Houve, portanto, uma definição preconizada pelo normativo que, a priori, restringe opção discricionária por parte do gestor público competente para o planejamento da contratação, recomendando-se, assim, fiel observância.
Por fim, é oportuno destacar que, não obstante a citada Resolução se refira ao conjunto normativo relacionado ao Programa Alimenta Brasil (PAB) - programa antecedente -, continua aplicável aos casos entelados que com eles não se contradigam, até que sobrevenha nova regulamentação, conforme estabelece o art. 22 da Lei nº 14.628/2023 (que substituiu a MP nº 1.166/2023):
Art. 22. Os atos normativos infralegais que dispõem sobre o Programa Alimenta Brasil, no que forem compatíveis com o disposto nesta Lei, permanecerão em vigor até a edição do regulamento do PAA.
(Sem grifos no original)
Da Chamada Pública
Conforme visto acima, as aquisições de produtos de beneficiários fornecedores, e organizações, para atendimento das demandas da Administração Direta da União, no bojo do PAA, devem ser feitas na modalidade Compra Institucional, através do procedimento de Chamada Pública, que se trata de “procedimento administrativo destinado à seleção de proposta para aquisição de produtos de beneficiários fornecedores e organizações fornecedoras” (art. 2º, inciso V, da Resolução nº GGALIMENTA 3/2022).
Cumpre salientar que a Chamada Pública é uma modalidade licitatória anômala, exigida pela normatização, mesmo diante da hipótese de dispensa admitida pela Lei nº 14.628/2023. Assim, embora o legislador tenha previsto a dispensa de submissão ao regime licitatório tradicional, pela referida hipótese de contratação direta, o regulamento do programa (Resolução GGALIMENTA 3/2022) define que deve ser realizado uma espécie de processo seletivo para que se dê azo à contratação dos fornecedores participantes da modalidade Compra Institucional.
A similitude dos procedimentos reforça a aplicabilidade do preceito definido pelo artigo art. 22 da Lei nº 14.628/2023, segundo o qual, repita-se, os normativos infralegais que dispõem sobre o Programa Alimenta Brasil, no que forem compatíveis com o disposto nesta Lei, permanecerão em vigor até a edição do regulamento do PAA.
É oportuno registrar que na modalidade Compra Institucional, a participação dos beneficiários fornecedores e das organizações fornecedoras deve respeitar alguns limites, expressos no artigo 6º do Decreto nº 11.802/2023:
Art. 6º A participação dos beneficiários fornecedores e das organizações fornecedoras observará os seguintes limites:
I - por unidade familiar, de até:
a) R$ 15.000,00 (quinze mil reais) por ano, nas modalidades:
1. compra com doação simultânea;
2. compra direta; e
3. apoio à formação de estoques;
b) R$ 30.000,00 (trinta mil reais), por ano, por órgão ou entidade compradora, na modalidade compra institucional; e
c) R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por ano, na modalidade PAA-Leite; e
II - por organização fornecedora, por ano, observados os limites por unidade familiar, de até:
a) R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), nas modalidades:
1. compra com doação simultânea;
2. compra direta; e
3. apoio à formação de estoques; e
b) R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), por órgão ou entidade compradora, na modalidade compra institucional.
§ 1º A primeira operação na modalidade apoio à formação de estoques estará limitada a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
§ 2º A organização fornecedora não poderá acumular mais de uma participação simultânea na modalidade apoio à formação de estoques.
§ 3º O beneficiário fornecedor poderá participar de mais de uma modalidade, e os limites serão independentes entre si.
§ 4º Na modalidade compra com doação simultânea, o beneficiário fornecedor poderá participar individualmente e por meio de organização fornecedora, e os limites serão independentes entre si.
§ 5º No caso dos projetos de organizações de povos indígenas, estruturados nos termos do disposto no § 2º do art. 2º e no § 2º do art. 7º, será aplicado apenas o limite de participação por organização fornecedora, proporcionalmente ao número de indígenas participantes, sem necessidade de controle individual de participação.
(Sem grifos no original)
Com efeito, considerando que compete ao Grupo Gestor do PAA definir as regras complementares de operacionalização das modalidades do Programa, o que inclui, presumidamente, o detalhamento do procedimento de Chamada Pública, de acordo com o disposto na Resolução nº GGALIMENTA 3/2022 (art. 6º), tem-se que tal procedimento deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:
◦ objeto a ser contratado;
◦ quantidade e especificação dos produtos;
◦ local e periodicidade da entrega;
◦ critérios de seleção dos beneficiários ou organizações fornecedoras;
◦ condições contratuais;
◦ relação de documentos necessários para habilitação;
◦ preço de aquisição, as condições de pagamento e os critérios para reajustamento de preços; e
◦ vigência.
Ademais, conforme artigo 7º, da referida Resolução, para a habilitação das propostas, exigir-se-á dos Beneficiários Fornecedores:
◦ prova de inscrição no Cadastro de Pessoa Física - CPF;
◦ extrato da DAP Física ou CAF do agricultor familiar participante, emitido nos últimos 60 dias;
◦ a proposta de venda de gêneros alimentícios da agricultura familiar e/ou empreendedor familiar rural com assinatura do agricultor participante;
◦ declaração de que os gêneros alimentícios a serem entregues são oriundos de produção própria, relacionada na proposta de venda (anexo IV); e
◦ prova de atendimento de requisitos higiênico-sanitários previstos em normativas específicas, quando for o caso.
Já das organizações fornecedoras, exigir-se-á:
◦ prova de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ;
◦ extrato da DAP Jurídica ou CAF para associações e cooperativas, emitido nos últimos 60 dias;
◦ prova de regularidade com a Fazenda Federal, relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS;
◦ cópias do estatuto e ata de posse da atual diretoria da entidade registrada no órgão competente;
◦ a proposta de venda de gêneros alimentícios da agricultura familiar assinada pelo seu representante legal;
◦ declaração de que os gêneros alimentícios a serem entregues são produzidos pelos associados/cooperados;
◦ declaração do seu representante legal de responsabilidade pelo controle do atendimento do limite individual de venda de seus cooperados/associados (anexo V); e
◦ prova de atendimento de requisitos higiênico-sanitários previstos em normativas específicas, quando for o caso.
Por fim, em relação aos demais grupos fornecedores, exigir-se-á:
◦ número do Cadastro de Pessoa Física - CPF
◦ extrato da DAP Física de cada agricultor familiar participante, emitido nos últimos 60 dias;
◦ proposta de venda de produtos da agricultura familiar com assinatura de todos os agricultores participantes (Anexo III);
◦ prova de atendimento de requisitos previstos em lei específica, quando for o caso; e
◦ declaração de que os gêneros alimentícios a serem entregues são oriundos de produção própria dos agricultores participantes da proposta (Anexo VI).
Convém ressaltar o disposto no § 2º do art. 2º do Decreto nº 11.802/2023, sobre a identificação de povos indígenas e comunidades tradicionais:
Art. 2º (...)
§ 1º Os beneficiários fornecedores serão identificados pelo seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas.
§ 2º O disposto no § 1º poderá deixar de ser observado nas aquisições em que os beneficiários sejam povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, cuja participação poderá ocorrer de maneira coletiva, conforme estabelecido pelo Grupo Gestor do PAA.
De outra banda, o art. 10 da Resolução indica que para a seleção, as propostas de venda habilitadas devem ser divididas de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
◦ grupos de projetos de fornecedores locais,
◦ grupo de projetos estaduais,
◦ grupo de projetos regionais e
◦ grupos de projetos do país.
Realizada a ordenação indicada acima, para cada grupo de propostas de venda deve-se observar a seguinte ordem de prioridade para seleção:
Art. 11 (...)
I - os assentados de reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas, não havendo prioridade entre estes;
a) para efeitos do disposto neste inciso, devem ser consideradas organizações fornecedoras de assentamentos da reforma agrária, comunidades quilombolas e/ou indígenas aqueles em que a composição seja de, no mínimo 50%+1 (cinquenta por cento mais um) dos cooperados/associados das organizações produtivas pertencente a algum dos grupos citados, conforme identificação na(s) DAP(s) ou CAF(s);
b) no caso de empate entre organizações fornecedoras de assentamentos da reforma agrária, comunidades quilombolas e/ou indígenas, têm prioridade organizações produtivas com maior porcentagem de assentados da reforma agrária, quilombolas ou indígenas no seu quadro de associados/cooperados.
c) para fins do disposto neste parágrafo, é possível realizar a soma da porcentagem de cada grupo específico (assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas) em uma DAP Jurídica ou no CAF, para fins de alcance do percentual de 50%+1 e consequente aquisição da prioridade legal em seleção de projetos de venda em processos de chamada pública.
II - os fornecedores de gêneros alimentícios certificados como orgânicos ou agroecológicos, segundo a Lei nº 10.831/2003, o Decreto nº 6.323/2007 e devido cadastros no MAPA;
III - As organizações/grupos fornecedores sobre os fornecedores individuais, e estes sobre Cooperativas Centrais da Agricultura Familiar (detentoras de DAP jurídica ou CAF conforme Portarias do MAPA que regulamentam a DAP);
a) no caso de empate entre organizações fornecedoras têm prioridade organizações produtivas com maior porcentagem de agricultores familiares e/ou empreendedores familiares rurais no seu quadro de associados/cooperados, conforme DAP jurídica ou CAF;
b) em caso de persistência de empate, deve ser realizado sorteio ou, em havendo consenso entre as partes, pode-se optar pela divisão no fornecimento dos produtos a serem adquiridos entre as organizações finalistas.
Conforme indicado no parágrafo único do art. 11 da referida Resolução, caso o órgão comprador não obtenha as quantidades necessárias de produtos oriundos do grupo de propostas de venda de fornecedores locais, estas devem ser complementadas com as propostas de venda dos demais grupos indicados no art. 10, de acordo com os critérios de seleção e priorização estabelecidos acima.
Em relação à publicidade, de acordo com o art. 12 da Resolução, o edital de Chamada Pública deve ser publicado em jornal de circulação local, na forma de mural em local público de ampla circulação e, caso haja, em seu endereço na internet. Além disso, deve ser divulgado para organizações locais da agricultura familiar e para entidades de assistência técnica e extensão rural do município ou do estado. Esses editais devem permanecer abertos para recebimento das propostas de venda por um período mínimo de 20 (vinte) dias.
Ademais, os órgãos compradores devem enviar os editais das chamadas públicas aos endereços eletrônicos compras.saf@agro.gov.br e compras.af@conab.gov.br, pelo menos 20 (vinte) dias antes do prazo de abertura das propostas, para sua divulgação no sítio eletrônico oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Além disso, após a seleção dos fornecedores e assinatura do contrato de fornecimento de gêneros alimentícios os órgãos e entidades deverão enviar para o MAPA os respectivos resultados detalhados, contendo os valores, volumes e fornecedores contratados.
Nesse diapasão, o órgão assessorado deve atentar para cumprir todos os regramentos acima referidos.
Do percentual mínimo destinado à aquisição de gêneros alimentícios de agricultores familiares
Uma vez definida a possibilidade de fornecer ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) com dispensa de licitação, atendidos os requisitos e limites de valores trazidos acima, convém reiterar que a legislação estipulou um percentual mínimo destinado à aquisição de produtos de agricultores familiares enquadrados na da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, na seguinte forma:
Lei nº 14.628/2023
Art. 8º Do total de recursos destinados, no exercício financeiro, à aquisição de gêneros alimentícios pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, pelas empresas públicas e pelas sociedades de economia mista, percentual mínimo de 30% (trinta por cento) será destinado, sempre que possível, à aquisição de produtos de agricultores familiares e de suas organizações, por meio de modalidade específica, nos termos do regulamento.
(Sem grifos no original)
Decreto nº 11.802/2023
Art. 4º Do total de recursos destinados, no exercício financeiro, à aquisição de gêneros alimentícios pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta e indireta, no mínimo trinta por cento serão destinados à aquisição de produtos de agricultores familiares e suas organizações, por meio da modalidade compra institucional
(...)
(Sem grifos no original)
A Resolução nº GGALIMENTA 3/2022 também dispôs, no parágrafo único do art. 1º, que:
Art. 1º [...]
Parágrafo Único. Do total de recursos destinados no exercício financeiro à aquisição de gêneros alimentícios pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal Direta e Indireta, pelo menos 30% (trinta por cento) deverão ser destinados à aquisição de produtos de agricultores familiares e suas organizações, empreendedores familiares rurais e demais beneficiários que se enquadrem na Lei nº 11.326, de 2006, e que tenham a Declaração de Aptidão ao Pronaf - DAP ou Cadastro Nacional da Agricultura Familiar - CAF, conforme disposto no Decreto 8.473, de 22 de junho de 2015.
Importante registrar que essa obrigatoriedade de observar o percentual de pelo menos 30% (trinta por cento) dos recursos destinados no exercício financeiro à aquisição de gêneros alimentícios, pode deixar de ser observada em algumas situações definidas pelo § 2º, do art. 4º do Decreto nº 11.802/2023:
Art. 4º (...)
§ 2º Os órgãos e as entidades compradores poderão deixar de observar o percentual previsto no caput nos seguintes casos:
I – não recebimento do objeto, em decorrência de desconformidade do produto ou de sua qualidade com as especificações demandadas;
II - insuficiência de oferta na região, por parte dos agricultores familiares e das suas organizações, empreendedores familiares rurais e demais beneficiários que se enquadrem no disposto na Lei nº 11.326, de 2006, para fornecimento dos gêneros alimentícios demandados; ou
III - aquisições especiais, esporádicas ou emergenciais, devidamente justificadas.
Diante do exposto, recomendamos que o órgão assessorado observe o percentual mínimo dos recursos, por exercício, destinados à aquisição de alimentos, na forma prevista na legislação de regência.
Do preço de aquisição
De acordo com o art. 4º, da Lei nº 14.628/2023, repita-se, as aquisições de alimentos no âmbito do PAA poderão ser realizadas com dispensa de licitação, desde que atenda a certas exigências, dentre elas que os preços sejam compatíveis com os vigentes no mercado, conforme disciplinado no inciso I abaixo destacado:
Art. 4º O Poder Executivo federal, estadual, distrital e municipal poderá adquirir, dispensada a licitação, os alimentos produzidos pelos beneficiários fornecedores de que trata o art. 5º desta Lei, observada a disponibilidade orçamentária e financeira e desde que atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - os preços sejam compatíveis com os preços vigentes no mercado, em âmbito local ou regional, aferidos e definidos conforme metodologia instituída pelo Grupo Gestor do PAA;
(...)
§ 1º Na hipótese de impossibilidade de cotação de preços no mercado local ou regional, produtos agroecológicos ou orgânicos poderão ter acréscimo de até 30% (trinta por cento) em relação aos preços estabelecidos para produtos convencionais.
(Sem grifos no original)
Nesse sentido, compete ao Grupo Gestor do PAA a instituição da metodologia para a definição dos preços de referência de aquisição de alimentos, consideradas as diferenças regionais e a realidade da agricultura familiar, bem como as condições de venda dos produtos adquiridos (art. 26, inciso II, “b” e “c” do Decreto Federal nº 11.802/2023).
Por conseguinte, o art. 4º da Resolução nº GGALIMENTA 3/2022, indica que as aquisições de produtos da agricultura familiar, no âmbito da modalidade Compra Institucional, serão realizadas com dispensa do procedimento licitatório, desde que atendidas, cumulativamente, as seguintes exigências:
Art. 4º [...]
I - os preços sejam compatíveis com os vigentes no mercado, em âmbito local ou regional, aferidos e definidos segundo metodologia instituída nesta Resolução;
II - os beneficiários fornecedores e as organizações e grupos fornecedores comprovem sua qualificação, na forma indicada nos incisos I, II e III do art. 2º, conforme o caso;
III - sejam respeitados os seguintes valores máximos anuais para aquisições de alimentos, por órgão comprador de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por unidade familiar e R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) por organização fornecedora, respeitados os limites por unidade familiar;
IV - no caso de agricultores organizados em grupos para apresentação de proposta única, o valor máximo da proposta será de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), respeitado os limites individuais indicados no inciso anterior.; e
V - os produtos adquiridos sejam de produção própria dos beneficiários fornecedores e cumpram os requisitos de controle de qualidade dispostos nas normas vigentes.
§ 1º São considerados produção própria os produtos in natura, os processados, os beneficiados ou os industrializados, resultantes das atividades dos beneficiários referidos nos incisos I e II do art. 2º desta Resolução.
§ 2º É permitida a utilização de insumos industriais, matérias primas adicionais e de embalagens necessários para a fabricação, conservação, armazenamento e distribuição dos produtos, inclusive de terceiros não beneficiários do Programa Alimenta Brasil, sendo que pelo menos um dos produtos caracterizados como matéria-prima deve ser da produção própria do beneficiário fornecedor.
§ 3º Quando da entrega dos produtos por meio de organizações fornecedoras, caso haja desconto no valor a ser pago ao beneficiário fornecedor referente à aquisição de insumos e/ou contratação de serviços de terceiros estas informações deverão constar em ata de reunião assinada, da qual participem todos os beneficiários, devendo ser mantida a ata em arquivo pelo período de no mínimo cinco anos.
§ 4º A organização fornecedora deverá apresentar contrato firmado com a organização beneficiadora terceirizada ou instrumento congênere.
Neste ponto, convém destacar que, segundo o artigo 5º da Resolução:
O preço de aquisição a ser pago ao agricultor familiar ou a suas organizações pelos alimentos deve constar na Chamada Pública (Anexo I) e terá como referência o preço médio pesquisado em, no mínimo, três mercados varejistas em âmbito local incluídos todos os custos operacionais, taxas e tributos para entrega em local definido na Chamada Pública.
Ademais, a Resolução indica que na impossibilidade de a pesquisa ser realizada em âmbito local, esta deve ser realizada ou complementada em âmbito territorial, estadual ou nacional, nesta ordem (§1º do art. 5º).
Além disso, o §2º do art. 5º da Resolução dispõe que na impossibilidade de pesquisa de preço para a compra de produtos orgânicos ou agroecológicos, os preços poderão ser acrescidos em até 30% (trinta por cento) em relação aos preços estabelecidos para produtos convencionais, conforme Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021. O capítulo II da Lei nº 14.284/2021 foi revogado pela Lei nº 14.628/2023, cujo art. 4º, §1º trata do tema, nos termos já reproduzidos linhas acima.
Vale reiterar que o art. 6º do Decreto Federal nº 11.802/2023 definiu limites para a participação dos beneficiários fornecedores e das organizações fornecedoras, conforme também já reproduzido neste opinativo. Esses limites devem ser respeitados, para evitar beneficiamento desmesurado, pelo uso da política pública, a unidade familiar ou organização específica.
Nesse sentido, o órgão também deve estar atento para que as condições de preços e os limites de participação no programa sejam observados.
Das minutas
Em relação às minutas dos instrumentos necessários à realização da Compra Institucional, a Resolução nº GGALIMENTA 3/2022, do Grupo Gestor do programa, prevê anexos a serem adotados, especialmente, com modelos de edital de Chamada Pública e de contrato. Nessa esteira, o órgão pode adotar as minutas com as devidas adaptações, inclusive, de acordo com a nova lei e regulamentos aplicáveis ao PAA, como parâmetro para a confecção dos editais e contratos a serem levados a efeito.
A propósito, a Resolução nº GGALIMENTA 3/2022 foi publicada no Diário Oficial da União em 20/06/2022 | Edição: 114 | Seção: 1 | Página: 27 (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-ggalimenta-3-de-14-de-junho-de-2022-408552211), podendo ser localizada também no sítio eletrônico da Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB (https://www.conab.gov.br/agricultura-familiar/legislacao-e-regulamentos-do-paa), entidade que compõe o Grupo Gestor do PAA, conforme disposto no inciso IV, do §2º do art. 25 do Decreto nº 11.476/2023.
Ademais, em contato com representante do programa junto ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, pasta coordenadora do Grupo Gestor do PAA (art. 25 supracitado), foi informado que, apesar de não estar publicada no sítio eletrônico do Ministério (que se encontra em fase de reestruturação), a citada Resolução está em vigor, motivo pelo qual continua aplicável, até que sobrevenha uma nova regulamentação sobre a matéria.
Evidentemente, nada obstante a aprovação do presente parecer referencial, que relativiza a obrigatoriedade de envio para aprovação do processo, qualquer dúvida jurídica, inclusive em relação à adaptabilidade das minutas, poderá ser provocada através de consulta específica a este órgão de consultoria.
II.7 – Do processo de contratação direta
Como já visto nesta manifestação, a aquisição de alimentos produzidos pelos beneficiários fornecedores do PAA, para atendimento das demandas de gêneros alimentícios por parte da Administração Pública, por meio da modalidade Compra Institucional, poderá ser levada a efeito por dispensa de licitação.
Os normativos apresentados anteriormente, contudo, não fazem referência esmiuçada acerca do planejamento da Administração e dos atos instrutórios inerentes à contratação direta em comento.
Não obstante, entendemos aplicável, de forma subsidiária, o regime jurídico pertinente à contratação direta prevista na Lei nº 14.133/2021.
Nesse diapasão, transcrevemos o disposto no art. 72 da Lei nº 14.133/2021:
Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:
I - documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;
II - estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei;
III - parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;
IV - demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido;
V - comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;
VI - razão da escolha do contratado;
VII - justificativa de preço;
VIII - autorização da autoridade competente.
Parágrafo único. O ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial.
(Sem grifos no original)
Portanto, de logo, é possível observar que a lei exige a oficialização da respectiva demanda, a qual definirá o objeto da contratação, e, se for o caso, a confecção de outros instrumentos também inerentes ao planejamento, tais como, o Estudo Técnico Preliminar e Projeto Básico (inciso I).
O Estudo Técnico Preliminar – ETP é um documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação, que caracteriza o interesse público envolvido e a melhor solução ao problema a ser resolvido e que, na hipótese de conclusão pela viabilidade da contratação, fundamenta o termo de referência ou o projeto básico.
A função do ETP é agregar elementos de planejamento antes da confecção do documento responsável pela definição do objeto pretendido para a contratação, avaliando, entre outras coisas: as soluções disponíveis no mercado para o atendimento da pretensão contratual; eventuais requisitos necessários à contratação; ponderações sobre a modelagem contratual; entre outros.
Na opinião desta Consultoria, a definição sobre a necessidade ou não de utilização do Estudo Técnico Preliminar envolve matéria eminentemente técnica e de competência do pertinente setor do órgão assessorado. Contudo, foi aprovada a Instrução Normativa SEGES nº 58, de 8 de agosto de 2022, que dispôs sobre a elaboração de Estudos Técnico Preliminares e a utilização do Sistema ETP Digital, ferramenta informatizada, disponibilizada pela Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, no Portal de Compras do Governo Federal, para elaboração dos ETP. Vejamos os seguintes regramentos da IN nº 58/2022:
Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares - ETP, para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o Sistema ETP digital.
Art. 2º Os órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, deverão observar as regras e os procedimentos de que dispõe esta Instrução Normativa.
Art. 3º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:
I - Estudo Técnico Preliminar - ETP: documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação;
Ao analisar o normativo, concordemos ou não, é evidente que ele estabeleceu um comando de obrigatoriedade no uso do ETP, ao menos para os órgãos e entidades da Administração Pública integrantes do Sistema de Serviços Gerais - SISG.
Há precedentes desta e-CJU/Aquisições, quando da análise do anterior procedimento de Chamada Pública, pugnando pela necessidade de formalização do ETP nas contratações relacionadas à Compra Institucional. Nessa linha, o PARECER n. 00697/2021/NUCJUR/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU:
30. Enfatize-se que a dispensa de licitação para a realização da Chamada Pública ora em exame é respaldada no art. 17, da Lei nº 12.512/2012, e, portanto, não são aplicáveis à espécie as exceções previstas nos incisos I e II do art. 8º da Instrução Normativa SEGES/ME nº 40/2020, razão pela qual, a elaboração do Estudo Técnico Preliminar faz-se obrigatória para a hipótese vertente.
31. Conclui-se que o estudo preliminar da contratação aborda os aspectos essenciais para a licitação, razoavelmente apresentando os requisitos necessários ao atendimento da demanda, versando, ainda, sobre a natureza do contrato e sua duração, além de apresentar as possíveis práticas de sustentabilidade. O Estudo também identifica qual a solução mais apropriada para suprir a necessidade administrativa e discorre sobre as providências preliminares à contratação.
Realmente, o artigo 14 da Instrução Normativa SEGES nº 58, de 8 de agosto de 2022, ao definir as exceções à elaboração do ETP, assim prescreve:
Exceções à elaboração dos ETP
Art. 14. A elaboração do ETP:
I - é facultada nas hipóteses dos incisos I, II, VII e VIII do art. 75 e do § 7º do art. 90 da Lei nº 14.133, de 2021; e
II - é dispensada na hipótese do inciso III do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021, e nos casos de prorrogações dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos.
Desse modo, ao menos para os órgãos e entidades da Administração Pública integrantes do Sistema de Serviços Gerais - SISG, fora das exceções admitidas pelo dispositivo acima, será necessária a confecção do referido artefato, que deverá atender às regras da Instrução Normativa 58/2022, acima indicada.
É necessário ressaltar que a utilização do ETP Digital é facultativa para os órgãos não integrantes do SISG.
Dito isso, cabe ao órgão assessorado instruir os autos com o documento de oficialização da demanda e, conforme o caso (como visto acima) com o ETP, bem assim, dependendo da complexidade, com o projeto básico. Além disso, o órgão deve observar a correta estimativa da despesa (calculada na forma da regulamentação do PAA); a existência de dotação orçamentária compatível; o preenchimento dos requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária (também na forma da disciplina do PAA); a necessidade de justificativa da escolha do contratado e do preço; e, por fim, a autorização da autoridade competente, tudo conforme exigência do art. 72 da Lei nº 14.133/2021, acima reproduzido.
O órgão deve atentar, ainda, sobre a necessidade de divulgação do ato de autorização da contratação ou do extrato do contrato em sítio eletrônico oficial (parágrafo único do art. 72 já transcrito), compreendido este como o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), nos termos do art. 174 da Lei nº 14.133/2021.
Ademais, cabe ressaltar que, de acordo com o inciso II art. 94 da Lei nº 14.133/2021, o contrato deverá ser divulgado no PNCP no prazo de 10 (dez) dias úteis, no caso de contratação direta, contados a partir de sua assinatura, verbis:
Art. 94. A divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos e deverá ocorrer nos seguintes prazos, contados da data de sua assinatura:
I - 20 (vinte) dias úteis, no caso de licitação;
II - 10 (dez) dias úteis, no caso de contratação direta.
(Sem grifos no original)
III - CONCLUSÃO
Ante o exposto, ressalvando-se os aspectos de conveniência e oportunidade, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, uma vez observadas todas as recomendações deste parecer referencial, inexistindo qualquer dúvida jurídica que justifique o envio de consulta específica e desde que o órgão assessorado ateste que o assunto do processo é o tratado na presente manifestação jurídica referencial, é juridicamente possível dar prosseguimento ao processo, sem submeter os autos à e-CJU/Aquisições, consoante Orientação Normativa nº 55, do Advogado-Geral da União.
Reiteramos que a utilização deste parecer referencial será possível sempre que a contratação se enquadrar em suas orientações. Novas hipóteses concretas, que apresentem questões não abrangidas por este parecer deverão ser objeto de consulta específica.
Em atenção ao art. 9º, inciso III, alínea "a", da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, confere-se o prazo de 12 (doze) meses a presente Manifestação Jurídica Referencial - MJ, a contar de sua aprovação.
À consideração superior do Ilmo Coordenador da e-CJU/Aquisições, Dr. Fernando Ferreira Baltar Neto, para análise, sugestão de aprimoramento ou eventual aprovação desta manifestação.
João Pessoa, 07 de dezembro de 2023.
(Assinatura eletrônica)
CATARINA SAMPAIO LOPES
ADVOGADA DA UNIÃO
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