ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO SUMÁRIO
PARECER n. 01017/2023/NUCJUR-SUM/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.140304/2023-15
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NA PARAÍBA - SPU/PB
ASSUNTOS: ATIVIDADE MEIO
EMENTA: Patrimônio da União. Transferência da gestão de orlas e praias ao Município de João Pessoa, mediante a celebração de Termo de Adesão à Gestão das Praias (TAGP). Realização de obras que modificam permanentemente áreas objeto do TAGP. Necessidade de PRÉVIA AUTORIZAÇÃO pela SPU/UF quando a obra não modifica a natureza de bem de uso comum do povo, nem implica posterior cessão. Convalidação de obra efetivada sem a prévia autorização. Recomendações.
I - Relatório.
Trata-se de processo encaminhado pela Superintendência do Patrimônio da União na Paraíba - SPU/PB, referente a autorização de obras relativas a projeto de implantação de academia ao ar livre na orla de Cabo Branco, no Município de João Pessoa/PB, signatário de Termo de Adesão à Gestão de Praias (TAGP).
Do inteiro teor do processo epigrafado disponível no SEI (https://sei.economia.gov.br/sei/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=3017335&infra_hash=044cfe05fefd67555a0c8ee7565f1411), dignos de referência os seguintes documentos:
- SEI 36178685 a 36182474: Ofício do Secretário Municipal de Infraestrutura, de 25/07/2023, que encaminha o pedido de autorização, instruído com respectivo projeto e documentação correlata, de cujo exame se extrai a realização de obra que implica modificação permanente em bem de uso comum do povo, não sujeita à cessão subsequente e/ou mudança na natureza do bem;
- SEI 36340234 e 36483653 a 36485948: Ofício por meio do qual solicitada a complementação da instrução, e respectiva resposta, instruída com documentação considerada pertinente;
- SEI 36546873: Despacho de caracterização da área da obra como “área de domínio da União caracterizada como acrescido de marinha e de uso comum do povo. Conforme Anexos (36483778), (36483855), trata-se de uma área de 213,44 m², situada na Orla de Cabo Branco, composta por dois retângulos, sendo um de 200 m² (10x20) e outro de 13,44 m² (6,72 x 2)”;
- SEI 37945426 e 38321847 a 38322626: OFÍCIO SEI Nº 121182/2023/MGI, por meio do qual solicitado o licenciamento ambiental da obra, e respectiva resposta, instruída com a documentação correlata, com destaque para o documento SEI 38322042, de 31/10/2023, que contém informações acerca do atendimento de “condicionantes elencadas pelo Ministério Público do Estado da Bahia”, e de que “a obra já foi executada conforme o projeto inicial e atualmente está em operação”;
- SEI 38333726: Ata de reunião do Comitê Gestor do Projeto Orla de João Pessoa realizada em 24/10/2023, em que consta a aprovação do projeto licitado por meio do Convite nº 11.004/2023;
- SEI 38402626: Checklist contendo a informação de que o pedido de autorização de obras foi formalizado pela Prefeitura após a sua execução;
- SEI 38466948: Minuta de Portaria Autorizativa de Obras pelo SPU/PB;
- SEI 38579130: Nota Técnica SEI nº 44647/2023/MGI, aprovada pelo SPU/PB, que relata o processo, informa a assinatura de TAGP pelo Município de João Pessoa e respectiva publicação no DOU (processo nº04931.001769/2017-41) e conclui que “considerando a manifestação favorável do órgão ambiental municipal e a aprovação da intervenção pelo Comitê Gestor do Projeto Orla de João Pessoa, a SPU/PB não vislumbra óbices à autorização de obras para construção da obra aqui proposta”;
- SEI 38589212: Ofício de encaminhamento dos autos à respectiva Consultoria Jurídica;
- SEI 38927276: Ofício em que justificada a prorrogação do prazo de manifestação jurídica.
É o relatório.
II - Fundamentação.
Inicialmente, convém consignar que as autorizações de obra dispensam a manifestação obrigatória da AGU (inaplicável a regra do art. 38, p. único da Lei nº 8.666/1993 ou do art. 53 da Lei nº 14.133/2021) e que órgão consultivo não se presta a “atuar como avalista das atividades típicas dos órgãos assessorados” (vide BPC nº 33), sendo recomendável que, em casos como o presente, seja expressamente formulada a dúvida jurídica a ser sanada.
Da análise dos autos, afigura-nos a possível existência de dúvida quanto a correção da minuta elaborada “e demais trâmites”, assunto sobre o qual passa-se a discorrer.
A autorização de obras decorre atualmente da seguinte regra do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398/1987:
Art. 6º Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União. (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015)
(...)
§ 1º Incorre em infração administrativa aquele que realizar aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo. (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015)
Como se lê, a autorização de obras há que ser PRÉVIA, sob pena de caracterização de infração administrativa, passível de aplicação das sanções previstas no § 4º do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398/1987.
Na hipótese de transferência da gestão de orlas ao Município, por meio da assinatura de TAGP e respectiva publicação no DOU (cfr. art. 14 da Lei nº 13.240/2015 c/c Portaria SPU Nº 113/2017, atualizada pela Portaria SPU/SEDD/ME nº 44/2019), prevalece o disposto na seguinte cláusula:
CLÁUSULA (…) - DAS OBRAS
Este Termo autoriza o Município a realizar ou contratar obras necessárias à implementação de infraestrutura urbana, turística ou de interesse social, devendo solicitar aprovação prévia da SPU para execução de obras, construções ou qualquer intervenção apenas nos casos em que houver alteração que possa modificar permanentemente as áreas objeto deste Termo.
Parágrafo único. A autorização contida nesta cláusula não exime o Município de providenciar antecipadamente todas as demais licenças, autorizações e alvarás cabíveis.
Quanto a competência, em vigor a Portaria SPU nº 8.678, de 30 de setembro de 2022, que prevê:
Art. 5º Fica subdelegada a competência aos Superintendentes do Patrimônio da União para a prática dos seguintes atos administrativos, após apreciação favorável do GE-DESUP, nos casos exigidos pela Portaria 7.397, de 24 de junho de 2021 e suas alterações:
(…)
XI - realização de obra em áreas de uso comum do povo de domínio da União, quando a intervenção a ser realizada não alterar essa característica e for dispensada posterior cessão.
Pois bem. Da análise dos autos, observa-se que não providenciada pelo Município de João Pessoa a prévia autorização para a realização das obras em enfoque, circunstância que, sem embargo não impede a convalidação das obras efetivadas, observada a recomendação de verificação do status da obra em relação ao Plano de Gestão Integrada (vide observação final do item 3.3 do Oficio Circular nº 1093/2019 ME[1]) e de cientificação do Município quanto a necessidade de diligenciar no sentido de que as obras por ele realizadas, que importarem modificação permanente de áreas objeto do TAGP, sejam previamente autorizadas pela SPU.
A convalidação no caso se presta à preservação da ordem jurídica, já foi admitida pela SPU-UC em caso semelhante (vide NUP 10154.135955/2021-10), se funda no consagrado entendimento de que “para que determinado imóvel da União possa ser objeto de uma autorização de obra, faz-se necessário que se trate de bem de uso comum do povo e que, após a realização da obra autorizada, ele mantenha essa característica”[2], na informação de que o “equipamento que irá servir, de maneira gratuita, aos praticantes de atividades físicas”[3], bem como na regra do art. 55 da Lei n º 9.784/1999, segundo o qual “em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração”.
Conforme lição de Fernando Marinela de Souza Santos[4]:
Esse instituto recebe denominações diferentes a depender da autoridade que o praticou. Se a convalidação procede da mesma autoridade que emitiu o ato inválido, é denominada ratificação; se proceder de outra autoridade é confirmação, e quando resulta de um ato de particular, denomina-se saneamento.
(…) Em razão do princípio da legalidade, indispensável para o Direito Administrativo, a Administração não pode conviver com relações jurídicas formadas ilicitamente. Portanto, é dever recompor a legalidade ofendida. (…).
Considerado o exposto e o fato de a obra já ter se concretizado, parece-nos recomendável a revisão da minuta apresentada (SEI 38466948) para prever simplesmente:
O SUPERINTENDENTE DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NA PARAÍBA, DO MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS, nomeado nos termos da Portaria SPU/MGI nº 9.356, da Secretaria de do Patrimônio da União, de 24/08/23, no uso da competência que lhe foi subdelegada pelo artigo 5º, inciso XI, da Portaria nº SPU/ME 8.678, de 30 de setembro de 2022, c/c o art. 44, Anexo da Portaria ME nº 335, de 02 de outubro de 2020 tendo em vista o disposto no art. 6º, do Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, com a nova redação que lhe foi conferida pela Lei nº 13.139, de 26 de junho de 2015, bem como os elementos que integram o Processo nº 19739.119642/2023-80:
RESOLVE:
Art. 1º Confirmar a legalidade das obras efetivadas quando da construção de academia ao ar livre na orla de Cabo Branco, perfazendo uma área de 213,44m², de bem de uso comum do povo, localizada no Município de João Pessoa/PB, conforme laudo técnico de caracterização geoespacial levantado pelas coordenadas da poligonal.
Art. 2º. A confirmação da autorização de obra a que se refere esta Portaria não implica a constituição de direitos sobre a área ou constituição de domínio, não gerando obrigação à União de indenizações de quaisquer espécies de benfeitorias realizadas, caracterizando-se como um ato precário, revogável a qualquer tempo.
Art. 3º. O Município de João Pessoa responderá, judicial ou extrajudicialmente, por quaisquer demandas decorrentes da realização das obras, construção de benfeitorias e instalação de equipamentos de que trata esta Portaria.
Art. 4º. O Município de João Pessoa será responsável pela manutenção preventiva e corretiva das estruturas construídas e equipamentos instalados com base na autorização ora confirmada.
Art. 5º. A responsabilidade pela demolição da obra será do Município de João Pessoa em qualquer hipótese, bem como eventuais necessidades de adequação. Entre as hipóteses previstas estão os riscos à segurança das pessoas e do meio ambiente, e a perda da finalidade social da obra.
Art. 6°. A presente confirmação de autorização de obras somente será válida se o imóvel continue a ser de uso comum do povo, e se observada a legislação ambiental, especialmente o disposto nos arts. 7º, 8º e 9º da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação e áreas de Preservação Permanente, e o disposto no Guia de Diretrizes de Prevenção e Proteção à Erosão Costeira.
III - Conclusão.
Isto posto, retornem os autos à SPU/PB, para emissão de portaria autorizativa, observado o modelo proposto no parágrafo 13 e as condicionantes constantes da parte final do parágrafo 10.
É o parecer.
Belo Horizonte, 07 de dezembro de 2023.
ANA LUIZA MENDONÇA SOARES
ADVOGADA DA UNIÃO
OAB/MG 96.194 - SIAPE 1507513
[1] 3. OBRAS QUE DEPENDEM DE AUTORIZAÇÃO DA SPU
3.1. São obras que dependem de autorização da SPU (Secretário ou Superintendente), ainda que o município tenha aderido à transferência da gestão das praias por meio do TAGP:
- Obra que implique implantação de qualquer novo equipamento em bem de uso comum do povo que altere faixa de areia, duna, restinga ou mangue/salgado.
Ex: construção de deck e arquibancada. Obs: nestes casos, necessário garantia de não haver impactos da implantação em relação à dinâmica praial, além de fauna e flora. Para eventual autorização, será indispensável prévio licenciamento ambiental.
(…)
3.3. O processo de autorização de obras deve ser instruído com Nota Técnica que indique:
a) Descrição da intervenção;
b) Planta e memorial com área de intervenção (e poligonal do canteiro de obras, se for distinto), com ART ou RRT;
c) Declaração de dominialidade da área objeto de intervenção;
d) Licença ambiental ou condicionamento da validade da autorização de obras à posterior expedição de licença ambiental pelo órgão competente;
Obs: Qualquer obra em praia demanda licenciamento ambiental pelo órgão competente (a autorização de obras pode ter sua validade condicionada à posterior expedição licença ambiental pelo órgão competente - previamente ao início das obras, naturalmente). Nesse sentido, em caso de obras de proteção costeira, atentar para o Guia de Diretrizes de Prevenção e Proteção à Erosão Costeira, que em seu Capítulo 3 (em especial item 3.5, p. 70, e Anexo II, p. 103) traz fluxo pactuado entre órgãos federais com as etapas para obtenção de licenças e autorizações (inclusive da SPU) para execução de obra de proteção costeira, como engordas de praia.
e) Cronograma/data de início e fim da execução da obra;
f) Observação do Guia de Diretrizes de Prevenção e Proteção à Erosão Costeira, se for o caso (SEI nº 4166069);
g) Plano de Gestão Integrada - PGI com previsão da obra/compatível com a intervenção ou, caso não haja tal previsão, anuência do Comitê Gestor da Orla, na hipótese de o município já haver elaborado o PGI.
Obs: A Superintendência deve indicar na instrução do processo o status da obra pretendida em relação ao Plano de Gestão Integrada: i) o município não aderiu ao Projeto Orla ainda; ii) a obra está prevista no PGI; iii) a obra não está prevista no PGI, porém o Comitê Gestor da Orla (constituído na forma do Manual do Projeto Orla - Guia de Implementação, p. 17, 4187666), consultado pela Superintendência, manifestou-se favoravelmente à autorização. Nos casos ii) e iii) inserir no processo documentos (PGI, manifestação formal do Comitê, ata de reunião etc). A negativa do Comitê é impeditiva para realização da obra. Para mais informações sobre composição e competência do Comitê, vide p. 17 do Manual do Projeto Orla - Guia de
Implementação (4187666). h) Outros documentos que a SPU/UF entender necessários, caso a caso;
(…)
[2] Trecho extraído do parágrafo 13 do PARECER n. 00988/2015/MAA/CONJURMP/CGU/AGU (NUP 04988.006735/2013-64), repetido no PARECER n. 01766/2016/ACS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP: 04988.200558/2015-72), citado no PARECER 345/2023/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (NUP 10154.125941/2022-79).
[3] Vide notícia veiculada em https://www.joaopessoa.pb.gov.br/noticias/cicero-lucena-inaugura-primeira-academia-ao-ar-livre-de-joao-pessoa-e-projeta-novas-unidades-para-outros-bairros/. Acesso em 07/12/2023.
[4]Direito Administrativo. Salvador: JusPODIVM, 2006, p. 238.
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739140304202315 e da chave de acesso 00ecf884