ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO SUMÁRIO

PARECER n. 01026/2023/NUCJUR-SUM/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 63420.000955/2023-31

INTERESSADOS: UNIÃO - DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DA MARINHA - DASM

ASSUNTOS: LICITAÇÕES- CONTRATO DE CESSÃO DE USO

 

EMENTA:: CESSÃO DE USO GRATUITA DE IMÓVEL DA UNIÃO A ENTE PARTICULAR
Art. 18, inc. II, da Lei nº 9.636/98.   Cessão a ente privado, necessidade de  interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional - conceito juridicamente indeterminado
Minuta de contrato de Cessão de uso gratuito. Vedação. DECRETO No 99.509, DE 5 DE SETEMBRO DE 1990, LEI Nº 14.194, DE 20 DE AGOSTO DE 2021, LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 4 DE MAIO DE 2000, PARECER n. 00097/2019 / DECOR / CGU / AGU vinculante no âmbito da Advocacia-Geral da União.
Abrigo do Marinheiro. Associação Civil. Obrigatoriedade de cessão onerosa.
Análise da Minuta.prejudicada

 

 

RELATÓRIO

Em cumprimento ao disposto no art. 131 da CRFB/88, no art. 11 da Lei Complementar nº 73/1993, no art. 8º-F da Lei nº 9.028/1995, no art. 19 do Ato Regimental AGU nº 05/2007 e no art. 1º da Portaria AGU nº 14/2020, o órgão em epígrafe encaminha a esta e-CJU/Patrimônio, via SAPIENS, autos que tramitam na forma exclusivamente eletrônica.

Os autos foram distribuídos ao signatário no dia 04 de dezembro de 2023 e   cuidam de consulta cerca da legalidade de cessão de uso gratuita de imóvel da União, situado na Rua Elias Lobo, 488, bairro Campo Grande, Rio de Janeiro, RJ ao Departamento Regional do Abrigo do Marinheiro em Campo Grande

Cuidam-se de autos físicos de um único volume com 84 folhas cujas cópias digitais foram disponibilizadas no Sistema Sapines, cujos principais documentos encontram-se abaixo relacionados: 

  1. OFÍCIO/COMUNICAÇÃO 1 (Seq. 1, OFÍCIO/COMUNICAÇÃO 1)
  2. OFÍCIO n. 03596/2023/CJU-RJ/CGU/AGU (Seq. 2, OFÍCIO 1)
  3. REQUERIMENTO 1 (Seq. 3, REQUERIMENTO 1)
  4. Projeto Básico (fls 04 a 06) (Seq. 4, OUTROS 1, pag.7)
  5. Estatuto Social do Cessionário e termo de posse da diretora (fls 7 a 23) (Seq. 4, OUTROS 1, pag.14)
  6. Acordo de Cooperação Técnica e respectivos aditivos (fls 24 a 42) (Seq. 4, OUTROS 1, pag.47)
  7. Termo de Justificativa de Inexigibilidade de licitação (fls 66/67) (Seq. 5, OUTROS 1, pag.47)
  8. Minuta do contrato de cessão de uso (fls 69/73) (Seq. 5, OUTROS 1, pag.53)
  9. Nomeação do gestor e do fiscal do contrato (fls 77) (Seq. 5, OUTROS 1, pag.69)

É a síntese do necessário, passo a analisar:

 

FUNDAMENTAÇÃO

 

FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.

Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.

Nossa atribuição é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.

Disso se conclui que parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.

Já as questões que envolvam a legalidade, de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.

Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos (não jurídicos) não está inserida no conjunto de atribuições/competências afetas a esta Consultoria especializada, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se acerca de questões outras que aquelas de cunho estritamente jurídico, cabendo à SPU consulente a responsabilidade pela aferição do imóvel ocupado e sua avaliação, pelo exame dos documentos cartoriais referentes a ocupação primitiva, a cadeia sucessória e a detenção física nas hipóteses demandadas, atestando a satisfatoriedade da documentação exibida, anexando aos autos as comprovações pertinentes, de acordo com o preceituado no Enunciado nº 07 do MANUAL DE BOAS PRÁTICAS CONSULTIVAS DA CGU/AGU, no sentido de que o Órgão Consultivo deve evitar "(...) posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade".

 

DO CERNE DA CONSULTA

 

De início,  é importante trazer à baila os ensinamentos do mestre Hely Lopes Meireles a respeito do instituto da cessão de uso:

 

“Cessão de Uso é a transferência gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condições estabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado. É ato de colaboração entre repartições públicas, em que aquela que tem bens desnecessários aos seus serviços cede o uso a outra que deles está precisando.
.........................................................................................
Realmente a cessão de uso é uma categoria específica e própria para o traspasse da posse de um bem público para outra entidade, ou órgão da mesma entidade, que dele tenha necessidade e se proponha a entregá-lo nas condições convencionadas com a administração cedente.
Entretanto, vem sendo desvirtuada para a transferência de bens públicos a entes não administrativos e a até para particulares”. (In Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 19ª Edição, págs. 438/439)

 

O renomado autor define que “entidade” é pessoa jurídica, pública ou privada. Ainda segundo ele, as “entidades” podem ser estatais, autárquicas, fundacionais, empresariais e paraestatais.

O instituto jurídico denominado de cessão foi adotado, originalmente, como forma de utilização dos bens imóveis, quando houvesse interesse da União em concretizar auxílio ou colaboração que entendesse prestar, gratuitamente, nos moldes do § 3º do artigo 64 do Decreto-lei nº 9.760, de 1946, que dispôs sobre os bens imóveis da União:

Art. 64. Os bens imóveis da União não utilizados em serviço público poderão, qualquer que seja a sua natureza, ser alugados, aforados ou cedidos.
§ 1º A locação se fará quando houver conveniência em tornar o imóvel produtivo, conservando porém, a União, sua plena propriedade, considerada arrendamento mediante condições especiais, quando objetivada a exploração de frutos ou prestação de serviços.
§ 2º O aforamento se dará quando coexistirem a conveniência de radicar-se o indivíduo ao solo e a de manter-se o vínculo da propriedade pública.
§ 3º A cessão se fará quando interessar à União concretizar, com a permissão da utilização gratuita de imóvel seu, auxílio ou colaboração que entenda prestar.

O seu regramento específico encontrava-se nos artigos 125 e 126 do diploma legal citado.

Art. 125. Por ato do Governo, e a seu critério, poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos neste Decreto-lei, imóveis da União aos Estados, aos Municípios, a entidades educacionais, culturais ou de finalidades sociais e, em se tratando de aproveitamento econômico de interesse nacional, que mereça tal favor, a pessoa física ou jurídica.
 
Art. 126. Nos casos previstos no artigo anterior, a cessão se fará mediante termo ou contrato, de que expressamente constarão as condições estabelecidas, e tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, for dada aplicação diversa da que lhe tenha sido destinada.

 

Em 1998, os artigos 125 e 126 foram expressamente revogados pela Lei nº 9.636, que trata da regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União (regulamentada posteriormente pelo Decreto nº 3.725, de 2001), que passou a tratar do instituto no seu artigo 18.

Houve ampliação das possibilidades de utilização da cessão, incluindo a forma onerosa destinada a empreendimento de fins lucrativos, a cessão parcial para atividades de apoio (art.20), e aquela sob o regime de concessão de direito real de uso resolúvel, entre outras modificações.

É de se notar que tanto o Decreto-Lei nº 9.760, quanto a Lei nº 9.636, cuidaram do instituto da cessão como forma de utilização de bens imóveis da União sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-lei, ou seja: aluguel, aforamento e cessão propriamente dita. Isso permite concluir que o termo (cessão) foi empregado em ambos os diplomas no sentido amplo, ou, em outras palavras, como gênero do qual fazem parte as espécies já apontadas, com o acréscimo do regime da concessão de direito real de uso resolúvel feito pelo parágrafo primeiro do art. 18 da Lei 9.636, de 1998, o que muitas vezes causa certa confusão na utilização do instituto jurídico.

Assim, nos termos da referida norma ficou estabelecido  pelo art. 18 da Lei n. º 9.636, de 1998:

 

Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:
I - Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde;
II - pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional.
§ 1º  A cessão de que trata este artigo poderá ser realizada, ainda, sob o regime de concessão de direito real de uso resolúvel, previsto no art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967, aplicando-se, inclusive, em terrenos de marinha e acrescidos, dispensando-se o procedimento licitatório para associações e cooperativas que se enquadrem no inciso II do caput deste artigo.
§ 2º O espaço aéreo sobre bens públicos, o espaço físico em águas públicas, as áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer correntes d’água, de vazantes, da plataforma continental e de outros bens de domínio da União, insusceptíveis de transferência de direitos reais a terceiros, poderão ser objeto de cessão de uso, nos termos deste artigo, observadas as prescrições legais vigentes.
§ 3º A cessão será autorizada em ato do Presidente da República e se formalizará mediante termo ou contrato, do qual constarão expressamente as condições estabelecidas, entre as quais a finalidade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista no ato autorizativo e conseqüente termo ou contrato.
§ 4o A competência para autorizar a cessão de que trata este artigo poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação.
§ 5º  Na hipótese de destinação à execução de empreendimento de fim lucrativo, a cessão será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, serão observados os procedimentos licitatórios previstos em lei e o disposto no art. 18-B desta Lei.
§ 6º  Fica dispensada de licitação a cessão prevista no caput deste artigo relativa a:
I - bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse  social  desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública;
II - bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública e cuja ocupação se tenha consolidado até 27 de abril de 2006.
§ 7º  Além das hipóteses previstas nos incisos I e II do caput e no § 2o deste artigo, o espaço aéreo sobre bens públicos, o espaço físico em águas públicas, as áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer correntes d’água, de vazantes e de outros bens do domínio da União, contíguos a imóveis da União afetados ao regime de aforamento ou ocupação, poderão ser objeto de cessão de uso.
§ 8º  A destinação que tenha como beneficiários entes públicos ou privados concessionários ou delegatários da prestação de serviços de coleta, tratamento e distribuição de água potável, esgoto sanitário e destinação final de resíduos sólidos poderá ser realizada com dispensa de licitação e sob regime gratuito.
§ 9º  Na hipótese prevista no § 8o deste artigo, caso haja a instalação de tubulação subterrânea e subaquática que permita outro uso concomitante, a destinação dar-se-á por meio de autorização de passagem, nos termos de ato da Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
§ 10.  A cessão poderá estabelecer como contrapartida a obrigação de construir, reformar ou prestar serviços de engenharia em imóveis da União ou em bens móveis de interesse da segurança nacional, admitida a contrapartida em imóveis da União que não sejam objeto da cessão.    (Incluído pela Medida Provisória nº 915, de 2019)
§ 11.  A cessão com contrapartida será celebrada sob condição resolutiva até que a obrigação seja integralmente cumprida pelo cessionário.   (Incluído pela Medida Provisória nº 915, de 2019)
§ 12.  Na hipótese de descumprimento pelo cessionário da contrapartida, nas condições e nos prazos estabelecidos, o instrumento jurídico de cessão se resolverá sem direito à indenização pelas acessões e benfeitorias nem qualquer outra indenização ao cessionário e a posse do imóvel será imediatamente revertida para a União. (Incluído pela Medida Provisória nº 915, de 2019)

Percebe-se que a lei presumiu a existência de interesse público quando a proposta de cessão tiver por destinatário as pessoas mencionadas no inciso I do artigo 18, ao passo que condiciona a cessão para as demais pessoas jurídicas à existência de "interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional".

Como se sabe, as expressões "interesse público ou social" ou  "de aproveitamento econômico de interesse nacional" são conceitos jurídicos indeterminados, vale dizer, termos ou expressões utilizados no direito que não possuem um significado preciso e definitivo, o que requer interpretação por parte dos operadores do direito para sua aplicação

Portanto, a compreensão e a correta aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados são fundamentais para a efetividade do direito, e requerem uma análise cuidadosa.

A esse respeito é ônus do órgão técnico avaliar e, de forma motivada (art. 50, IV, da Lei nº 9.784, de 1999), decidir quanto à existência de "interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional", para fins de proceder à contratação quando se tratar das pesssoas de que trata o inciso II do artigo 18 da Lei nº 9.636, de 1998

Este atributo, contudo, não significa que o Administrador poderá, sem freio e sem medida, preencher o grau de indeterminação da norma, descurando da razoabilidade, que é sempre analisada no caso concreto, tampouco desrespeitar certas molduras que a interpretação já construída pelos órgãos de controle.

Ademais, é importante registrar que, diante da natureza contratual da cessão de uso, a existência de autorização legal para a contratação não dispensa a necessidade de observância dos procedimentos licitatórios quer por certame, quer por contratação direta, bem como a existência ou não de onerosidade na relação contratual,  o que significa, respectivamente:  a realização da licitação ou que seja demonstrada a existência de causa jurídica de dispensa ou inexigibilidade e que o contrato seja celebrado de maneira onerosa ou gratuita, ou seja, sem a criação de contraprestação equivalente ao valor do objeto da cessão.

Da impossibilidade de cessão gratuita. Vedação legal. Parecer DECOR 00097/2019 / DECOR / CGU / AGU.

 

Como relatado acima, o Termo de entrega  prevê em sua cláusula segunda que o imóvel será destinado ao funcionamento por cessão gratuita.

 

No entanto, o DECRETO No 99.509, DE 5 DE SETEMBRO DE 1990 determina:

 

 Art. Fica vedado aos órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem assim às empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pela União, efetuar, em favor de clubes ou outras sociedades civis, de caráter social ou esportivo, inclusive os que congreguem os respectivos servidores ou empregados e seus familiares:
I - contribuições pecuniárias, a qualquer título;
II - despesas de construção, reforma ou manutenção de suas dependências e instalações; e
III - cessão, a título gratuito, de bens móveis e imóveis.
§ 1º Excetuam-se da proibição de que trata este artigo:
a) as despesas, na forma da lei, com a manutenção de creches e escolas para atendimento pré-escolar; e
b) as contribuições para entidades fechadas de previdência privada, desde que regularmente constituídas e em funcionamento até 10 de julho de 1989, observados os limites estabelecidos na legislação pertinente e, especialmente, o disposto na Lei nº 8.020, de 12 de abril de 1990.
c) a cessão gratuita, ou em condições especiais, de imóveis de União destinados a projetos de aproveitamento econômico de interesse nacional que mereçam tal favor. (Alínea incluída pelo Dec. nº 1.315, de 23.11.1994)
§ 2º No caso de bens móveis e imóveis cedidos anteriormente à data de publicação deste decreto, caberá à entidade cessionária, à sua conta, mantê-los e conservá-los, bem assim realizar ou concluir as obras ou reparos que se façam necessários.

 

A LEI Nº 14.194, DE 20 DE AGOSTO DE 2021, atual LDO, determina:

 

Art. 18. Não poderão ser destinados recursos para atender a despesas com:
(...)
VI - clubes e associações de agentes públicos ou quaisquer outras entidades congêneres;
(...)
§ 1º Desde que o gasto seja discriminado em categoria de programação específica ou comprovada a necessidade de execução da despesa, excluem-se das vedações previstas:
(...)
V - no inciso VI do caput:
a) às creches; e
b) às escolas para o atendimento pré-escolar;

 

A LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 4 DE MAIO DE 2000, LRF, dispõe:

 

Art. 26. A destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.
§ 1o O disposto no caput aplica-se a toda a administração indireta, inclusive fundações públicas e empresas estatais, exceto, no exercício de suas atribuições precípuas, as instituições financeiras e o Banco Central do Brasil.
§ 2o Compreende-se incluída a concessão de empréstimos, financiamentos e refinanciamentos, inclusive as respectivas prorrogações e a composição de dívidas, a concessão de subvenções e a participação em constituição ou aumento de capital.

 

Assim, embora o art. 20 da LEI Nº 9.636, DE 15 DE MAIO DE 1998 permita a cessão "a título gratuito ou oneroso" em casos de atividade de apoio definidos em regulamento, existe vedação para a cessão gratuita quando o destinatário é sociedade civil "de caráter social ou esportivo, inclusive os que congreguem os respectivos servidores ou empregados e seus familiares".

 

Anote-se que, tratando de cessão para funcionamento de clube/associação de servidores, há o PARECER n. 00097/2019 / DECOR / CGU / AGU vinculante no âmbito da Advocacia-Geral da União, assim ementado:

 

EMENTA: UNIFORMIZAÇÃO DE ENTENDIMENTO
I - Cessão de uso de imóvel pela União a sindicato/associação de servidores. Possibilidade em tese, desde que a atividade seja considerada de apoio às necessidades do órgão e seus servidores.
II - Necessidade de ato do Ministro de Estado. Inteligência do art. 20 da Lei nº 9.636/1998 c/c inciso VI do art. 12 do Decreto nº 3.725/2001. Necessidade de análise do caso concreto para substanciar a decisão da autoridade detalhando a atividade que será desenvolvida pela entidade sindical e correlacionando-a com os interesses do órgão cedente e de seus servidores, de modo a justificar o seu enquadramento como atividade de apoio, de interesse público ou social.
III - Impossibilidade, na hipótese, de cessão de uso gratuita. Inteligência do art. 1º do Decreto nº 99.509/1990 c/c art. 17 VI da LDO (Lei nº 13.707/2018).
IV - Sendo viável a competição, a cessão de uso onerosa deve ser precedida do competente procedimento licitatório.

 

O referido parecer assim fundamenta a conclusão adotada: :

 

42. Em relação ao segundo ponto objeto de divergência, isto é, à gratuidade ou onerosidade da cessão para entidade de classe, verifica-se que o Decreto n° 99.509/1990 - e no mesmo sentido a atual LDO - vedam expressamente que os órgãos e entidades da Administração Pública Federal realizem cessão gratuita de seus bens móveis e imóveis à associação civil de seus servidores.
43. Apenas cessões de uso gratuitas realizadas antes da edição do Decreto nº 99.509/1990 parecem encontrar respaldo junto à Corte de Contas:
 
c.4)Vale registrar que este Tribunal, mediante Decisão Administrativa 8/92 - Plenário - Ata 17/92 (TC 012.567/90-6), firmou entendimento de que ‘partir do exercício de 1990, por força das disposições da Lei n.° 7.800/89 (LDO p/1990), posteriormente reforçadas pelas determinações da Lei n.° 8.074/90 (LDO p/1991) e da Lei n.° 8.211/91 (LDO p/1992) e, ainda, em decorrência das vedações expressas no Decreto n.° 99.509/90, não mais se admite, aos órgãos e entidades da Administração Federal, inclusive fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, a concessão, em favor de clubes e associações de servidores ou quaisquer outras entidades congêneres, excetuadas creches e escolas para atendimento pré-escolar (art. 12, II, da Lei n.° 8.211/91), de contribuições pecuniárias, a qualquer título, ou a assunção, em favor dessas mesmas entidades, de despesas de construção, reforma ou manutenção de suas dependências e instalações; (Acórdão TCU 61/2003 - Plenário - Rel. Min. Guilherme Palmeira)
 
44. E ainda:
(...)
3. Quanto ao mérito deste recurso, acolho a análise empreendida pela Serur e endossada pelo Ministério Público junto a esta Corte, conforme transcrito no item 3 do Relatório precedente, no sentido de que não constam dos autos elementos capazes de comprovar que a cessão de área da EAFST à Associação de seus servidores tenha tido início anteriormente à data de publicação do Decreto n. 99.509/1990, de modo tal que a permanência dessa situação encontra óbice no disposto pelo art. 1º da referida norma.
4. Vale mencionar que a deliberação impugnada, ao declarar a impossibilidade de cessão, pelas entidades integrantes da Administração Pública Federal, a titulo gratuito, de bens móveis ou imóveis em favor de associações de servidores, encontra-se em consonância com a pacífica jurisprudência desta Corte, da qual menciono os seguinte precedentes: Acórdãos ns. 41/2001 - Plenário e 142/1996, 803/1996 e 368/1997 - Segunda Câmara; Decisões 426/2000, 180/2000, 595/1995, 293/1995 e 8/1992, todas do Plenário.
(...) (Acórdão TCU 897/2005 - 1ª Câmara - Rel. Min. Marcos Bemquerer) (grifou-se)
 
45. A par da expressa vedação de cessão gratuita nesses casos, o que não exige maiores digressões, tal dispositivo parece, a contrario sensu, permitir a cessão onerosa, visto que essa modalidade não foi objeto de vedação pelo Decreto. 
46. Sobre o tema, o Tribunal de Contas da União - TCU tem vários julgados no sentido de que a cessão onerosa de imóvel público a associação de servidores, entidade sem fins lucrativos, seria possível e que, consoante prescreve o Decreto nº 99.509/90, a cessão gratuita de bens imóveis a clubes ou outras sociedades civis, de caráter social ou esportivo, inclusive os que congreguem os respectivos servidores é que seria vedada. 
47. Nesse sentido, Destaca-se pedido de reexame interposto pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - Decisão nº 16/2000 - Segunda Câmara - Ata nº 5/2000, Relator, Ministro Adhemar Paladini Ghisi:
 
Pedido de reexame contra a alínea "d" do item 8.3 do Acórdão nº 142/96-TCU-2ª Câmara – Ata nº 09/96, que determinou que a ECT se abstenha de dispensar o procedimento licitatório na locação ou na concessão de direito real de uso de bem imóvel, sem a existência dos requisitos legais (art. 17, § 2º, da Lei nº 8.666/93). Ausência de vedação de concessão de uso, de forma remunerada, a associações de empregados. Inexigibilidade de licitação, ante a inviabilidade de competição, quando comprovadamente a cessão de uso tenha como finalidade o desenvolvimento de atividades fins dessas associações. Pedido de Reexame conhecido e provido. Insubsistência do Acórdão, no que pertine ao item recorrido.
 
48. Ainda nesse decisum, destaca-se trecho do voto do Relator:
 
7.Note-se que a restrição acima transcrita, diz respeito à cessão de móveis e imóveis a título gratuito e é omissa com relação às cessões remuneradas.
8.Cumpre verificar dessa forma, já que não existe permissivo legal expresso se é ou não possível a cessão de bens móveis ou imóveis de forma onerosa às entidades enumeradas no dispositivo regulamentar acima transcrito.
9.No caso sob exame é evidente, na minha compreensão, que não existe qualquer vedação para as concessões onerosas, pois que o Decreto nº 99.509/90, de forma clara e objetiva, explicita a restrição que quis fazer. Quisesse mencionada norma restringir também as concessões remuneradas teria expressamente explicitado, como fez com aquelas sem ônus para as entidades.
10.Cumpre observar, no entanto, que a cessão de bens móveis ou imóveis, remunerada ou não, exige o devido procedimento licitatório, como aliás determina expressamente o art. 2º da Lei nº 8.666/93, que abaixo transcrevo, e de forma unânime defende a doutrina, a exemplo do administrativista Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro, pág. 436 a 439) :
"As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei."
11.Atente-se para o fato de que a cessão deve ter destinação específica, que não pode ser modificada ao alvedrio do concessionário. Assim, o procedimento licitatório deverá levar em consideração, não apenas a cessão em si mesmo, mas também a finalidade que deve ser dada ao bem. Dessa forma, verificando o administrador que o referido bem destina-se à exploração de atividade, cuja competição é inviável, forçoso é reconhecer que a licitação é inexigível, haja vista o que dispõe o art. 25 da Lei nº 8.666/93 .
 
 
49. No mesmo sentido, cabe destacar o Acórdão 1195/2003 - Primeira Câmara, Relator Ministro Lincoln Magalhães da Rocha e o Acórdão 2289/2005 - Plenário, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues. Neste último, registre-se:  
 
Em princípio, a utilização de espaços do Senado Federal para fins privados das entidades partidárias e institutos a elas vinculados não caracteriza, propriamente, desvirtuamento das finalidades preordenadas para aqueles bens públicos de uso especial. Não se cogita, na espécie, do emprego de imóveis em finalidades completamente estranhas às atribuições daquela casa legislativa.
Ao contrário, ainda que tais entidades associativas utilizem os imóveis para o desenvolvimento de ações privadas, os seus trabalhos, em última instância, têm nítido contorno público, na medida em que se destinam a fortalecer as legendas partidárias a que se acham jungidas e a promover a memória de importantes referências democráticas e republicanas. Portanto, também nesse aspecto, a representação deve ser considerada improcedente.
(...)
Finalmente, verifico na cessão de uso o título mais apropriado à ocupação dos espaços físicos do Senado Federal, tendo em vista as finalidades mencionadas na representação.
A utilização desses bens imóveis não desnatura os fins para os quais aqueles prédios públicos foram concebidos, a qual também foi caracterizada pela autoridade administrativa competente como típica atividade de apoio do Senado Federal, conforme autorizam o art. 20 da Lei 9.636/98 e o art. 12, inciso VI, do Decreto 3.725/2001.
Outro aspecto relevante que confere legitimidade aos atos administrativos praticados pelo Senado Federal refere-se ao fato de as cessões de uso ora questionadas terem sido deferidas a título oneroso, o que afasta qualquer possibilidade de prejuízo ao Erário advindo dessas ocupações. Embora tais entidades desenvolvam atividades sem fins lucrativos, não estão sendo beneficiadas com nenhuma utilização gratuita de prédio público.
A esse respeito, o art. 18, § 3º, da Lei 9.363/98 exige da autoridade administrativa que as cessões para a execução de empreendimentos de fins lucrativos sejam realizados a título oneroso e, sempre que houver condições de competitividade, precedidos de procedimentos licitatórios previstos em lei. Nos casos em análise, além de não haver cessão de uso gratuita a entidades associativas, mesmo consideradas sem fins lucrativos, não restaram caracterizadas as condições que frustrassem a realização de uma licitação pública. Refiro-me ao fato de não estar caracterizado, nos autos, uma demanda de todos os partidos e entidades a eles vinculadas para a utilização de bens imóveis do Senado Federal com vistas ao desenvolvimento de suas atividades privadas.
Se ocorrer essa hipótese, isto é, diante da impossibilidade de o Senado Federal acolher a eventuais requisições de cessão de uso por todas as entidades da espécie e dada a escassez de espaços físicos não-utilizados pela Administração Pública para o atendimento daquelas solicitações, deverá a autoridade administrativa competente deflagrar o certame público, conforme determina o art. 18, § 3º, in fine, da Lei 9.363/98.
Em arremate, não há, nos autos, indícios veementes de que a administração do Senado Federal não tenha adotado os procedimentos necessários e preliminares às cessões de uso ora impugnadas, previstas no art. 13, do Decreto 3.725/2001, o qual regulamentou a Lei 9.636/2001.
Dentre essas condições, destaco a disponibilidade de espaço físico, de forma que não venha a prejudicar a atividade-fim da repartição; inexistência de qualquer ônus para a União, sobretudo no que diz respeito aos empregados da cessionária; compatibilidade de horário de funcionamento da cessionária com o horário de funcionamento do órgão cedente; obediência às normas relacionadas com o funcionamento da atividade e às normas de utilização do imóvel; precariedade da cessão, que poderá ser revogada a qualquer tempo, havendo interesse do serviço público, independentemente de indenização; participação proporcional da cessionária no rateio das despesas com manutenção, conservação e vigilância do prédio.
 
50. Por fim, cabe destacar as observações do TCU no sentido da necessidade de elaboração de estudo para que se estabeleçam valores compatíveis a serem cobrados das entidades que venham a ocupar espaços públicos, a serem feitos com base na avaliação da área, e, quando do termo de cessão de uso, sejam explicitados os valores devidos a título de cessão onerosa, diferenciando-os daqueles pagos em razão do rateio de despesas (art. 13 inciso VII do Decreto nº 3.725/2001). Veja-se:
 
9.2.1. substitua os ‘Termos de Ocupação de Área por Terceiros’ nº s 2/003, 8/2003, 9/2003 e 15/2003 e o Termo de Autorização de Uso nº 2/1997, por termos de cessão de uso, modalidade legal adequada à ocupação das áreas no Senado Federal por parte das respectivas entidades, nos termos do art. 18 da Lei nº 9.636/98;
9.2.2. elabore estudo, se ainda não o fez, para estabelecer valores compatíveis a serem cobrados das entidades que ocupam áreas no Senado Federal;
9.2.3. quando da elaboração dos ‘termos de cessão de uso’, explicite os valores a serem pagos a título de cessão, discriminando-os daqueles devidos a título de ressarcimento pela utilização de linhas telefônicas, água, etc. (Acórdão TCU 187/2008 - Plenário - Rel. MIn. Ubiratan Aguiar)
 
51. Em relação ao segundo aspecto da divergência, portanto, parece correto afirmar que a cessão de uso de imóvel público a associação/sindicato que represente categoria de servidores tem de ter natureza onerosa, sendo vedada a cessão de uso, nesses casos, de maneira graciosa.

 

Tal entendimento é o mesmo adotado no PARECER n. 00064/2022/NUCJUR/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (NUP: 62045.005076/2021-03)

 

Significa dizer que não pode haver transferência de recursos a associação privada, a hipótese em comento não se enquadra como exceção, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021. Somente é permitido a cessão gratuita de bens destinados a projetos de aproveitamento econômico de interesse nacional que mereçam tal favor,segundo alínea c, do §1º, do art. 1º, do Decreto nº 99.509/1990.

 

No mesmo sentido, o PARECER N. 206/2020/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (NUP 64000.106105/2020-14), entendeu como adequada a cessão onerosa de imóvel para o Clube dos Subtenentes e Sargentos das Agulhas Negras.

 

Cabe ainda anotar, a título de registro, que o Exército Brasileiro editou a PORTARIA Nº 982, DE 28 DE JUNHO DE 2018, que "aprova as Instruções Gerais para a criação e o funcionamento das Áreas de Lazer e das Associações de Militares no âmbito do Comando do Exército (EB10-IG-02.017) e dá outras providências", onde prevê expressamente que a cessão será feita em caráter oneroso:

 

Art. 37. Compete aos Gpt E: I - autorizar o Cmt da OM ao qual cabe a responsabilidade administrativa pelo imóvel a firmar contrato de cessão de uso, em caráter oneroso, de patrimônio da União a ser utilizado como área de lazer por associações de militares de categoria “A”; e

 

Ainda que inaplicável este último regulamento à Marinha, revela o entendimento daquela Força expresso em instruções internas. 

Portanto, sendo caso de cessão de imóvel para Associação Civil de caráter social, conforme estatuto parece-nos inviável a modalidade gratuita, sendo obrigatória a cessão na modalidade onerosa

É o parecer, de caráter opinativo, que prescinde de aprovação por força do art. 22 da PORTARIA NORMATIVA CGU/AGU Nº 10, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2022 – Dispõe sobre a organização e funcionamento das Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais.

Ao protocolo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (E-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo ao Órgão Consulente,  para ciência deste, bem como para adoção da(s) providência(s) pertinente(s), com as considerações de estilo.

Manifestação Jurídica concluída na data de sua assinatura eletrônica:

 

 

 

 

NELSON ORLANDO DE ALARCÃO DUCCINI

ADVOGADO DA UNIÃO

MATRÍCULA SIAPE 1311909 OAB/RJ 77.103

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 63420000955202331 e da chave de acesso 512ad79c

 




Documento assinado eletronicamente por NELSON ORLANDO DE ALARCÃO DUCCINI, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1365315260 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): NELSON ORLANDO DE ALARCÃO DUCCINI, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 20-12-2023 10:30. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.