ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA
NOTA nº 264/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU
PROCESSO nº 01400.036510/2023-70
INTERESSADA: Secretaria-Executiva
ASSUNTO: Emendas parlamentares. Operacionalização.
Sra. Consultora,
Trata-se de consulta formulada pela Secretaria-Executiva deste ministério por meio do Ofício nº 7.524/2023/GSE/MinC (SEI/MinC 1549030), por meio do qual solicitam-se esclarecimentos quanto à "instrumentalização de processos administrativos alusivos a emendas parlamentares impositivas".
Em se tratando de consulta em caráter de urgência que compila alguns questionamentos que já foram objeto de manifestações jurídicas diversas, admite-se pronunciamento jurídico simplificado na forma do art. 4º da Portaria AGU nº 1.399/2009.
I - Da operacionalização e assistência.
Tendo como objetivo a racionalização de procedimentos e o atendimento do princípio da eficiência administrativa, e considerando os interesses convergentes das partes que caracterizam os instrumentos de parceria celebrados para repasses por meio de emendas parlamentares, bem como o caráter impositivo de tais emendas, questiona-se sobre a possibilidade do Ministério da Cultura, por seus agentes, "fornecer assistência ativa" aos beneficiários de emendas parlamentares na "operacionalização da plataforma TransfereGov, SEI e quaisquer outras que sejam necessárias", bem como na "redação de minutas, ajustes e proposições de documentos, planos de trabalho, termos de referência ou similares, quando necessário".
Com relação a esta questão, é coerente com o princípio da eficiência que rege a administração pública a adoção de medidas pró-ativas de orientação dos proponentes representantes de administrações públicas subnacionais ou de organizações da sociedade civil no uso dos sistemas, plataformas e artefatos de gestão disponibilizados para operacionalização de parcerias.
Entre estas medidas de colaboração, incluem-se não apenas orientações sobre o funcionamento e operação de sistemas, como também o fornecimento de modelos de documentos, o que é amplamente utilizado pela administração pública em várias esferas.
Naturalmente, esta pactuação na modelagem de parcerias não envolve apenas a forma dos instrumentos a serem firmados, mas também abrange o próprio conteúdo das parcerias, seu objeto, metas e planos de trabalho. Faz parte da pactuação de uma parceria, independentemente de tratar-se ou não de recursos de emendas parlamentares, a negociação dos termos em que será executada, observados os parâmetros e limites legais.
Neste processo de negociação, a colaboração na elaboração de instrumentos é não apenas permitida, mas também desejável, na medida em que aperfeiçoa a gestão da execução dos recursos para os fins pretendidos, desde que respeitados os requisitos legais aplicáveis, tanto de forma quanto de conteúdo. A fim de atingir os objetivos da política cultural, é lícito à administração oferecer modelagens de parcerias para viabilizar ações específicas, tanto quanto realizar ajustes de redação e novas proposições de planos de trabalho e documentos em geral, ao longo deste processo de negociação.
Em se tratando de processo seletivo, a margem de discricionariedade para tais ajustes é acentuadamente reduzida, visto que os instrumentos de parceria derivam de editais previamente estabelecidos. Porém, nos casos de dispensa de processo seletivo em virtude de emenda parlamentar, esta discricionariedade ganha contornos diferenciados, permitindo ao gestor maior flexibilidade para ajustar requisitos formais aos objetos e aos beneficiários, estes sim previamente determinados de forma impositiva.
Seja como for, é importante ter em conta que não pode haver substituição do beneficiário pelo gestor público neste processo de pactuação, tampouco na celebração da parceria propriamente dita. Independentemente de se tratar de ação decorrente de emenda parlamentar ou não, trata-se de uma parceria, com convergência de interesses mútuos das partes envolvidas, sendo necessária a livre manifestação de vontade de ambas as partes para que a parceria ocorra. Neste sentido, toda forma de colaboração é válida desde que não desvirtue a vontade da parte ou sua capacidade de execução das ações.
Portanto, no que tange à utilização da plataforma Transfere.gov.br e do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Ministério da Cultura, é perfeitamente aceitável o oferecimento de assistência aos beneficiários pelos gestores e servidores do ministério, desde que isto não implique utilização indevida de seus próprios perfis de usuários para preencher os campos que cabem exclusivamente aos proponentes. Tal conduta, descontextualizada, pode indicar advocacia administrativa em favor de particulares. Por isso, é importante que as ações no sistema sejam executadas pelos usuários responsáveis, por meio de seus próprios perfis, para garantir a autenticidade e integridade dos documentos produzidos, bem como a ausência de vício de vontade na sua produção.
Por fim, convém mencionar que a capacidade técnica do proponente, seja ele ente público ou entidade privada, é requisito para a celebração dos instrumentos objeto das emendas parlamentares (art. 5o da Portaria Conjunta n. 33/2023 e art. 26, inciso III do Decreto n. 8.726/2016). Assim, ao avaliar a necessidade de ajuda aos proponentes, cabe ao órgão técnico deste Ministério distinguir entre aqueles que necessitam de ajuda pontual e momentânea e aqueles que efetivamente não têm capacidade técnica para a execução do instrumento. Com estes últimos, deve-se avaliar se a dificuldade não configuraria impedimento técnico para a celebração do instrumento nos termos da Portaria Interministerial MPO/MGI/SRI-PR nº 1, de 3 de março de 2023.
Vale notar, por fim, que as dificuldades apresentadas pelos proponentes no início do processo podem ser indícios de problemas futuros, na execução do objeto e na prestação de contas, o que torna crucial a avaliação quanto à capacidade técnica dos proponentes. Assim, oferecer ajuda indistintamente e além do razoável, pode dificultar a avaliação da capacidade técnica, sendo recomendável que o órgão consulente atenha-se ao seu papel de orientação, e não realize as ações necessárias no lugar do proponente.
II - Da busca ativa documental.
Outra questão suscitada no Ofício nº 7.524/2023/GSE/MinC (SEI/MinC 1549030) diz respeito à possibilidade do Ministério da Cultura, por seus agentes, "realizar a coleta proativa de documentos rastreados em plataformas ou bases de dados da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, podendo dispensar, integral ou parcialmente, a apresentação de documentos coletados ou mapeados". A questão se justifica em razão do art. 9º do Decreto nº 11.271/2022, que assim dispõe:
Art. 9º Nas parcerias operacionalizadas no Transferegov.br, os órgãos e as entidades da administração pública federal não poderão solicitar:
I - documento disponível em base de dados federal oficial que possa ser obtido diretamente no sítio eletrônico do órgão ou da entidade responsável; e
II - documentos, físicos ou digitais, já disponibilizados em meio digital no Transferegov.br.
A exigência de que a apresentação de certidões se dê por iniciativa dos beneficiários dos repasses decorre de uma possível interpretação do art. 34 da Lei nº 13.019/2014, quando diz que "as organizações da sociedade civil deverão apresentar (...) certidões de regularidade fiscal, previdenciária, tributária, de contribuições e de dívida ativa", que pode equivocadamente levar a crer que se trata de uma obrigação exclusiva do beneficiário, que não pode ser suprida pelo poder concedente.
Tal interpretação, todavia, não se sustenta diante do princípio constitucional da eficiência administrativa, desde que o documento pendente esteja ao alcance do próprio poder concedente e possa ser plenamente suprido sem vício de vontade da contraparte, conforme mencionado no item anterior. Neste sentido, o governo federal já vem implementando medidas de desburocratização na exigência de certidões desde o Decreto nº 5.378/2005, que instituiu programa nacional de desburocratização, e do Decreto nº 6.932/2009, que em seu art. 2º já previa a obrigatoriedade dos órgãos e entidades do poder executivo federal obter diretamente as certidões e documentos emanados da própria administração federal, no que tange a pessoas físicas.
Com o advento do Decreto nº 9.094/2017, esta garantia foi estendida a quaisquer usuários de serviços públicos, pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, atendidas por serviços públicos (Dec. 9.094/2017, art. 1º, parágrafo único, e art. 2º). E com o art. 9º do Decreto nº 11.271/2022, esta obrigação da administração pública federal se reforça para as parcerias com organizações da sociedade civil, alcançando não apenas as certidões públicas, mas também quaisquer documentos físicos ou digitais já disponibilizados previamente na plataforma Transferegov.br.
Portanto, não pode a administração federal furtar-se a obter diretamente, por meios próprios, as certidões federais exigidas para celebração das parcerias que eventualmente não tenham sido apresentadas pelo ente ou entidade parceira. E, por óbvio, caso tais documentos venham a ser apresentados espontaneamente, fica a administração federal dispensada de obtê-los se ainda estiverem dentro do prazo de validade.
III - Da verificação de certidões.
Quanto às certidões estaduais e municipais, não é razoável compreender que para celebração de uma parceria no âmbito federal, a OSC tenha que comprovar regularidade perante o Estado e o Município, sem que haja determinação legal nesse sentido.
A preocupação para transferência de recursos federais é em relação a eventuais dívidas e irregularidades também no âmbito federal. Eventual irregularidade ou dívida estadual ou municipal não impede a celebração de termo de colaboração ou fomento com a União.
Com efeito, a apresentação de certidão negativa de débitos estadual e municipal não foi expressamente prevista no Decreto nº 8.726 de 2016, que regulamentou a Lei nº 13.019, de 2014 e, portanto, não pode ser exigida como uma condição intransponível para realização ou não de uma parceria entre Administração Pública Federal e Organização da Sociedade Civil, no âmbito do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC.
IV - Da análise estatutária.
A SE/MinC questiona se a exigência prevista no art. 33, inciso III, da Lei 13.019 de 31 de julho de 2014, caso não esteja literalmente prevista no Estatuto, pode ser suprida por declaração simples do representante legal da OSC, desde que não haja afronta direta ao texto no regimento ou estatuto da organização.
A este respeito, entende-se que, quando a legislação atinente ao MROSC exija que determinado requisito esteja previsto na norma de organização interna da entidade, não há obrigatoriedade de que o texto legal seja reproduzido ipsis litteris no Estatuto, mas seu conteúdo deve estar presente, seja pela análise de um artigo individual ou de um conjunto de artigos. Assim, o órgão competente para avaliar as propostas deve interpretar os Estatutos e concluir se suas disposições são compatíveis ou não com o disposto na legislação aplicável.
Caso conclua que determinado requisito essencial não consta do Estatuto, ainda que na forma do parágrafo anterior, recomenda-se que o Estatuto seja alterado, ou a emenda rejeitada por impedimento técnico, a não ser que o próprio Estatuto preveja a competência do representante da OSC para suprir eventuais lacunas.
O última questão diz respeito ao inciso IV do art. 33, da Lei 13.019/2014. A SE/MinC pergunta se a escrituração de acordo com os princípios fundamentais de contabilidade e com as Normas Brasileiras de Contabilidade pode ser atestada por declaração de contador, técnico em contabilidade, ou advogado, devidamente registrado em conselho de classe ou equivalente.
A pergunta já traz em si a resposta. A avaliação dos estatutos é de responsabilidade da área técnica e, em especial, a adequação do estatuto às normas de contabilidade deve ser avaliada por quem tem expertise para tanto, especialmente porque responde por sua atuação perante seu órgão de classe. Logo, a transcrição literal do texto normativo em estatuto não é condição para cumprimento do requisito legal.
Por fim, quanto ao pedido de urgência, é dever desta Consultoria Jurídica[1] alertar o órgão assessorado quanto à necessidade de planejamento adequado da tramitação de seus processos, para que reste atendido o prazo do art. 42 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Situações especiais ou de efetiva urgência devem ser tratadas como excepcionalidades, a serem devidamente justificadas nos autos. Nesse sentido, recomenda-se a adoção de rotinas e cronogramas de encaminhamento de processos à análise consultiva, de maneira que as situações de urgência não decorram de imprevisões ou recorrências.
À consideração superior.
Brasília, 18 de dezembro de 2023.
(assinado eletronicamente)
OSIRIS VARGAS PELLANDA
Advogado da União
Coordenador-Geral de Políticas Culturais
(assinado eletronicamente)
DANIELA GUIMARÃES GOULART
Advogada da União
Coordenadora-Geral de Parcerias e Cooperação Federativa
Processo eletrônico disponível em https://supersapiens.agu.gov.br por meio do NUP 01400036510202370 e da chave de acesso af92f5f7
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