ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
PROCURADORIA-GERAL FEDERAL
PROCURADORIA FEDERAL JUNTO À AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS
NÚCLEO DE CONSULTORIA E ASSESSORAMENTO
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PARECER n. 00057/2018/NCA/PFANTAQ/PGF/AGU

 

NUP: 50300.000128/2018-02

INTERESSADOS: TRANSPORTES FLUVIAIS POTENCIAL LTDA - EPP

ASSUNTOS: TRANSPORTE AQUAVIÁRIO

 

 

Senhora Procuradora Chefe,

 

INTRODUÇÃO

 

Trata-se de Nota Técnica a respeito de comunicação de reajuste nas tabelas de preços apresentado por Empresa Brasileira de Navegação (EBN) Transportes Fluviais Potencial LTDA, que opera transporte de travessia internacional, contendo alteração de sua tabela de preços (SEI nº 0414815).

 

O processo, após trâmite regular vem à manifestação desta Procuradoria Federal junto à ANTAQ para elucidação, em síntese, dos seguintes questionamentos por parte da autoridade administrativa assessorada:

 

a) O serviço de transporte coletivo de passageiros na navegação interior é considerado serviço público?
b) A Lei de Concessões se aplica ao regime de autorização de serviço público de transporte coletivo aquaviário?
c) O art. 4º da Lei nº 13.460/2017 derrogará, complementará ou não alterará o disposto no art. 28, inc. I da Lei nº 10.233/2001? Qual o dispositivo legal aplicado (ou quais) para a definição dos requisitos de serviço adequado no transporte aquaviário?
d) É lícita a análise prévia de preços para os serviços de transporte aquaviário?

 

A presente análise jurídica, desta maneira, dar-se-á tendo por norte estes questionamentos.

 

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de Nota Técnica a respeito de comunicação de reajuste nas tabelas de preços apresentado pela Empresa Brasileira de Navegação (EBN) Transportes Fluviais Potencial LTDA, que opera transporte de travessia internacional, contendo alteração de sua tabela de preços (SEI nº 0414815).

 

Conforme determina a Resolução – ANTAQ n° 1.274, de 3 de fevereiro de 2009, em seu artigo 14, inciso II, as alterações aprovadas pela ANTAQ deverão ser comunicadas aos usuários com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, mediante a afixação das modificações em locais visíveis nas embarcações e nos pontos de venda de passagens:

 

RESOLUÇÃO Nº 1.274-ANTAQ, DE 3 DE FEVEREIRO DE 2009
Aprova a norma para outorga de autorização para prestação de serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia
Art. 11. Os preços dos serviços autorizados serão livres, e exercidos em ambiente de livre e aberta concorrência, reprimindo-se toda prática prejudicial à competição, bem como o abuso do poder econômico, cumprindo à ANTAQ, nestas hipóteses, adotar as providências previstas no art. 31 da Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001.
(...)
Art. 14. A EBN fica obrigada a: (...)
II – executar a prestação do serviço conforme discriminado no Termo de Autorização, devendo submeter previamente à aprovação da ANTAQ qualquer alteração de caráter permanente no esquema operacional. As alterações aprovadas pela ANTAQ deverão ser comunicadas aos usuários com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, mediante a afixação das modificações do esquema operacional em locais visíveis nas embarcações e nos pontos de venda de passagens;

 

A comunicação da empresa foi analisada pela Gerência de Regulação da Navegação Interior - GRI/SRG na Nota Técnica nº 4/2018/GRI/SRG, documento no qual opina que "não há indícios de abusividade no reajuste proposto. Dessa maneira, não apresento óbice à nova tabela de preços" (SEI 0422503).

 

A mencionada nota técnica foi igualmente aprovada pelo Gerente de Regulação da Navegação Interior, que no ensejo da aprovação, utilizou o despacho "não apenas responder à solicitação da EBN, mas sedimentar procedimentos para análise de processos similares, a fim de ampliar a isonomia e a equidade no tratamento de pedidos dessa natureza pelas autorizatárias". Neste sentido, após anuir com a nota técnica, encaminhou os autos à Superintendência de Regulação - SRG, com proposição de envio à Superintendência de Fiscalização e Coordenação das Unidades Regionais - SFC, a fim de que esta Superintendência cientifique a EBN, alertando-a de que os novos preços deverão ser comunicados aos  usuários com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, mediante a afixação da tabelas em locais visíveis nas embarcações e nos pontos de venda de passagens (SEI 0450165).

 

Por sua vez, a Superintendência de Regulação, em avaliação do Despacho da GRI acima mencionado, discorreu a respeito da aplicação ao caso da liberdade tarifária, destacando inexistir a necessidade de autorização pela ANTAQ para reajuste dos preços (SEI 0450165). Ao final, determinou a restituição dos autos à GRI para elaboração de proposta de regulamentação do procedimento de comunicação de reajuste de preços. Foram as considerações da SRG:

 

7. Como não poderia deixar de ser, as Resoluções desta Agência Reguladora referente a navegação interior também seguem o mesmo princípio. Conforme disposto no art. 11 da Resolução nº 1.274/2009-ANTAQ, os preços dos serviços prestados nas travessias são exercidos em ambiente de livre e aberta concorrência. Dispensada, portanto, a necessidade de autorização pela ANTAQ. Observa-se porém que é vedado abuso do poder econômico e que a empresa deve sempre observar a modicidade de preços (art. 12).
(...)
Contudo, entendo que a emissão de qualquer juízo desta Agência Reguladora no sentido de autorizar ou não autorizar reajustes dos preços de serviço de transporte aquaviário, s.m.j., extrapolaria suas competências e iria contra o Princípio da Legalidade na Administração Pública.
9. Desse modo, restituo os autos e solicito que seja apresentada proposta de procedimento a ser adotado nos casos de reajuste dos preços de serviço de transporte de passageiros e de serviço de transporte misto na navegação interior de percurso longitudinal interestadual e internacional que atendam as competências desta Agência Reguladora e observem o Princípio da Legalidade na Administração Pública.

 

Em atenção a esta determinação superior, foi elaborada a Nota Técnica nº 17/2018/GRI/SRG, ao final concluindo, em síntese, por recomendar "a revisão dos normativos da Agência para que se ajuste semanticamente os dispositivos que tratam da aprovação do esquema operacional das linhas de travessia e longitudinal, com a observação que as alterações nos preços dos serviços deverão ser comunicados à ANTAQ, e não aprovados" (SEI 0464806).

 

A Nota Técnica nº 17/2018/GRI/SRG, todavia, solicita antes de sua manifestação conclusiva auxílio interpretativo da legislação à Procuraria-Federal junto a ANTAQ, tendo em vista a competência deste órgão para a interpretação legislativa e constitucional de temas controversos no âmbito da Agência. São os quesitos encaminhados à PF-Antaq:

 

 X - QUESTIONAMENTOS À PFA
Ressaltamos que cabe a esta área técnica apresentar as informações pertinentes para fomentar o diálogo sobre a regulamentação de transportes aquaviários. Todavia, manifestações quanto a interpretação legislativa e constitucional válida, de temas controversos sobre toda a sistemática jurídica apresentada, fogem às prerrogativas desta Nota Técnica, sendo oportuno solicitar à Procuraria-Geral junto a ANTAQ manifestação jurídica sobre os seguintes quesitos:
 
a) Considerando os argumentos esboçados no item III desta Nota, em especial as normas constitucionais e a legislação vigente, o serviço de transporte coletivo de passageiros na navegação interior é considerado serviço público?
 
b) A Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995), que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, se aplica ao regime de autorização de serviço público de transporte coletivo aquaviário?
 
c) A recente edição da Lei dos Serviços Públicos (Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017) definiu os requisitos de adequação dos serviços públicos (art. 4º), sendo considerados os princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia. Esse dispositivo não trouxe a modicidade tarifária como princípio de adequação dos serviços públicos.  A lei, utilizada à administração pública, permite aplicar-se subsidiariamente aos serviços públicos prestados por particular (art. 1º §3º) O art. 28, inc. I, da Lei nº 10.233/2001, por sua vez preceitua que a prestação de serviços de transporte deverá satisfazer as condições de regularidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação do serviço, e modicidade nas tarifas. Esse dispositivo não trouxe a continuidade como atributo de adequação dos serviços de transportes.Pergunta-se: O art. 4º da Lei nº 13.460/2017 (Lei geral sobre o serviço público), ao tratar sobre os princípios de serviço adequado, derrogará, complementará ou não alterará o disposto no art. 28, inc. I da Lei nº 10.233/2001 (Lei especial sobre os transportes aquaviário e terrestre) que trata sobre as condições de serviço adequado para a prestação de serviços de transporte? Qual o dispositivo legal aplicado (ou quais) para a definição dos requisitos de serviço adequado no transporte aquaviário?
 
d) Considerando a modicidade tarifária (art. 28, I, Lei nº 10.233/2001), a repressão de ações que configurem ou possam configurar infrações da ordem econômica (art. 12, inc. VII, Lei nº 10.233/2001), a liberdade de preços para as autorizações (art. 43, inc. II e art. 45 da Lei nº 10.233/2001) e o princípio da legalidade administrativa, é lícita a análise prévia de preços para os serviços de transporte aquaviário?
 

Os mencionados questionamentos foram referendos pela Gerência de Regulação da Navegação Interior - GRI/SRG (SEI 0484440) e pela Superintendência de Regulação - SRG (SEI  0505146) que ao final encaminhou a citada consulta a esta PF-Antaq.

 

É o relatório

 

 

MANIFESTAÇÃO JURÍDICA

 

A Resolução nº 1.274-antaq, de 3 de fevereiro de 2009, que regulamenta a autorização para prestação de serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia, prevê em seu artigo 11 que os preços dos serviços autorizados serão livres e exercidos em ambiente de livre e aberta concorrência.

 

Esta liberdade concorrencial, todavia, será realizada em atenção aos princípios da livre concorrência, reprimindo-se o abuso do poder econômico. Assim, a Antaq, ao tomar conhecimento de fato que configure ou possa configurar infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE (art. 31 da Lei nº 10.233/2001).

 

 

Transporte Coletivo de Passageiros e Serviço Público

 

A conceituação de serviço público é um dos temas mais tormentosos do Direito Administrativo brasileiro. Com efeito, ainda que tenham sido propostas diversas teorias classificatórias, não há uma definição doutrinária prevalecente ou mesmo uma classificação normativa sobre o tema.

 

A Constituição Federal introduz as diretrizes gerais do que se entende por serviço público sem, contudo, compreender uma conceituação definitiva, atentando-se mais ao regime de execução dessas atividades do que o conteúdo jurídica destas. É importante destacar a conotação de dever do Poder Público atribuída pela redação constitucional:

 

Art. 175 – Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único – A lei disporá sobre:
     I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
     II – os direitos dos usuários;
     III – política tarifária;
     IV – a obrigação de manter serviço adequado.

 

Em alguns casos, por sua vez, a Constituição Federal elenca as atividades que entende por serviço público. É o caso, por exemplo, dos serviços de transporte aquaviário entre portos brasileiros, atribuído à União entre outros serviços:

 

Art. 21. Compete à União:
 X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações;
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;
c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;
d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;

 

O transporte coletivo de passageiros, por sua vez, quando circunscrito ao território de um município estará sob competência deste, diante do seu interesse local, nos termos no artigo 30, V, da Constituição:

 

Art. 30. Compete aos Municípios:
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
 

Aos Estados federados foram atribuídos os serviços residuais não enquadrados dentre as competências da União ou do Município nos termos do artigo 25, §1º:

 

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
 § 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
§ 2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.
 

Os mencionados dispositivos constitucionais tratam da competência executiva do serviço público. Sua regulação, por sua vez, é de competência privativa da União, nos termos do artigo 22, XI, da Constituição, excepcionando-se os casos de interesse local, privativos dos municípios (art. 30, I):

 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)
XI - trânsito e transporte;
 
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
 

Diante da inexistência de uma unidade teórica conceituando-se serviço público, na prática jurídica, considera-se serviço público a atividade econômica que a lei vier a definir com o serviço público, mostrando-se imperativa a análise caso a caso para identificação da natureza de serviço público ou não. Neste sentido, ensina Carmen Lúcia Antunes Rocha:

 

O que é serviço público cada povo o diz em seu sistema jurídico, que é onde se definem as atividades como tal consideradas. Constitui ele uma atividade que não é incompatível nem contrária à atividade eoncômica, como se chegou a supor e a encarecer anteriormente na doutrina. A atividade pode ser considerada econômica e nem por isso deixar de arrolar-se entre aquelas tidas como serviço público.
(ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios COnstitucionais dos Serviços Públicos. São Paulo. Saraiva, 1999. p. 507)
 

Esta interpretação pode ser corroborada da leitura do artigo 9º, §1º, da Constituição, que ao dispor sobre o direito de greve determina à lei a definição dos serviços ou atividades essenciais.

 

 Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
 § 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

 

Outro dispositivo esclarecedor a respeito da qualificação dos serviços público é o artigo da Lei 9.074/1995 que estabelece normas para outorga e prorrogação das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências. Este diploma legal, de grande impacto à época de sua edição em meio à reforma gerencial do Estado ocorrida em 1995, expressamente estabeleceu que independem de concessão, permissão ou autorização o transporte de cargas pelos meios rodoviário e aquaviário:

 

Art. 2o É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e serviços públicos por meio de concessão e permissão de serviço público, sem lei que lhes autorize e fixe os termos, dispensada a lei autorizativa nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e Municípios, observado, em qualquer caso, os termos da Lei no 8.987, de 1995.
§ 2º Independe de concessão, permissão ou autorização o transporte de cargas pelos meios rodoviário e aquaviário.       
§ 3o Independe de concessão ou permissão o transporte:
I - aquaviário, de passageiros, que não seja realizado entre portos organizados;
II - rodoviário e aquaviário de pessoas, realizado por operadoras de turismo no exercício dessa atividade;
III - de pessoas, em caráter privativo de organizações públicas ou privadas, ainda que em forma regular.
 
 

Da leitura do dispositivo extrai-se um regime jurídico diferenciado entre os transportes aquaviários de cargas e de pessoas. Enquanto o transporte de passageiros pode ser considerado um serviço público, exigindo-se autorização para a realização desta atividade, o transporte de cargas não é objeto de qualquer dessas condições, podendo ser realizado independentemente de oncessão, permissão ou autorização.

 

A classificação de uma atividade como serviço público é juridicamente relevante pois assim qualificada competirá ao Poder Público sua execução direta ou indireta, mediante os instrumentos de concessão, permissão ou autorização, esta última forma de grande controvérsia na doutrina.

 

Entre as atividades, o transporte coletivo de passageiros sempre foi uma atividade qualificada como um serviço público atribuído aos particulares. Neste sentido, explica Emerson Gabardo : 

 

     Apesar das opções jurídicas pela prestação direta ou indireta dos serviços públicos, historicamente, o transporte coletivo em geral sempre foi entregue à execução da iniciativa privada no Brasil. Aliás, esta é uma tendência também verificada nos ordenamentos comparados. Jean François Janin relata que a tradição de delegação dos transportes coletivos deriva de uma iniciativa do próprio setor privado. Blaise Pascal, no século XVII teria sido o primeiro que teve a idéia de colocar juntas para viajar pessoas que não se conheciam. Eram as chamadas "carrosses a cin sols". Mas é importante ressaltar que desde o início (ao menos na França) o Poder Público interveio mediante a concessão de cartas de patentes e de uma regulamentação de acesso ao serviço. Desse modo, ainda que atribuída a execução para os particulares, por outro lado, o tema sempre foi, e continua a ser, fortemente regulado, desde o próprio nível constitucional. Veja-e que a Constituição trata dos transportes em várias oportunidades, tais como no artigo 178, quando prevê a ordenação econômica do transporte terrestre ou no artigo 230, parágrafo 2°, quando confere gratuidade aos maiores de sessenta e cinco anos quando usuários de transporte coletivo urbano.
     Dentro desta característica de elevada densidade regulatória, um dos pontos de relevância em relação aos transportes coletivos urbanos refere-se à adjetivação normativa deste serviço público como "essencial" contida no artigo 30, inciso V, da Constituição. Para Horácio A. Mendes de Souza "a noção de essencialidade é tão variante quanto a de serviço público". Ademais, esclarece o autor que o fato de somente o transporte coletivo ter sido elencado como essencial não significa que o interestadual, o intermunicipal e o internacional também não o sejam. E Adilson Dallari vai além, propondo que "todo serviço público é essencial, no sentido de corresponder a uma necessidade da coletividade, como algo indispensável ao convívio, ao desenvolvimento normal das atividades dos integrantes de uma coletividade, nos dias atuais". E cita como exemplo justamente o serviço de transportecoletivo, asseverando que "pode não ser utilizado por uma parcela da população, mas ele é indispensável para o funcionamento da cidade e o Poder Público tem o dever de proporcioná-lo". São procedentes as colocações dos autores, principalmente quando em foco o "princípio da continuidade dos serviços públicos", haja vista que ao principal atributo da essencialidade são as garantias e restrições em face da possibilidade de paralisação. Ou seja, para alguns intérpretes, todos os serviços públicos são essenciais, pela sua própria natureza de satisfação de uma necessidade de atendimento perene. Nesse sentido ponderam, por exemplo, Ana Maria Golffi e Flaquer Scartezzini, quando afirmam: "como o serviço público antes de um conceito jurídico é um fato, uma de suas características essenciais é a continuidade, que está ligada é eficiência da prestação, pois só assim será oportuna. A sua prestação não deve ser interrompida, sob pena de prejudicar justamente o beneficiário, o destinatário para o qual o serviço foi criado."
     (GABARDO, Emerson. Competência para a prestação de serviços públicos e o transporte coletivo rodoviário no meio ambiente urbano. A&C - Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 9, n. 37, jul./set. 2009)

 

Portanto, ainda que historicamente seja uma atividade econômica tradicionalmente executada pela iniciativa privada, o transporte coletivo de passageiros é indiscutivelmente uma atividade elencada entre os serviços públicos. Portanto, recaem sobre estas atividades as especificidades desta qualificação jurídica, estando seus exercentes submetidos a um regime jurídico diferenciado das demais atividades econômicas.

 

Neste sentido, responde-se o primeiro questionamento efetuado pela área técnica da Antaq:

 

QUESITO 
a) Considerando os argumentos esboçados no item III desta Nota, em especial as normas constitucionais e a legislação vigente, o serviço de transporte coletivo de passageiros na navegação interior é considerado serviço público?
 
RESPOSTA
Sim. Da leitura do artigo 21, XII, alínea "d" da Constituição infere-se que o transporte coletivo aquaviário de passageiros é considerado serviço público, competindo sua regulação pela União e sua execução, a depender do território de execução, a um dos entes federados.

 

 

Do regime jurídico do serviço público e o transporte aquaviário de passageiros

 

Da mesma forma que não existe uma unidade teórica a respeito da qualificação de uma atividade na categoria de serviço público, as características do regime jurídico dessas atividades é tão diversificado e casuístico quanto sua qualificação. Desta forma, é necessário interpretar sistematicamente todas as normas intercedentes na atividade objeto de análise, examinando caso a caso quais serão os princípios e regras a ela aplicáveis.

 

Neste sentido, o artigo 21, XII, da Constituição estabeleceu como formas de execução do serviço público a exploração direta do serviço pelo Poder Público ou a execução indireta por particular:

 

Art. 21. Compete à União:
 X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

 

A respeito da inexistência de um regime jurídico único aos serviços públicos, bem como da possibilidade de sua delegação aos particulares, novamente recorremos às lições de Emerson Gabardo:

 

De fato, não há um regime jurídico extenso e bem estabelecido dos serviços públicos previsto expressamente na Constituição Federal. O artigo 175 assevera somente que serão prestados pelo Estado direta ou indiretamente (neste último caso, mediante o respeito ao regime licitatório). Decorrência inafastável desta disposição é a exclusão do serviço público da garantia inerente à livre iniciativa. Os particulares, a contrário senso, estão proibidos de prestar atividade que teve seu regime publicizado pela Constituição ou pela lei. Todavia, caso o Estado tome a decisão política de novamente repassá-lo aos particulares, poderá fazê-lo mediante a utilização do instituto da delegação. As concessões e as permissões de serviço público implicam o repasse da gestão ou execução do serviço (precedido ou não de obra pública). A primeira ocorre mediante contrato, cujo caráter é bilateral e o regime é especial, ainda que o contrato seja uma categoria que não pertença nem ao Direito público nem ao Direito privado, como propõe Romeu F. Bacellar Filho. A segunda consiste em um ato administrativo, embora seja cada vez mais discutível a sua natureza (que irá depender do caso concreto e das cláusulas regentes da relação).
Se não entender necessária a delegação, deve o Estado prestar o serviço diretamente, criando para tanto as propaladas empresas públicas e sociedades de economia mista, que atuarão em um regime misto público, porém parcialmente derrogado pelo Direito privado (pois suas personalidades serão de Direito privado). Obviamente, a opção por uma ou outra forma de descentralização produz conseqüências no plano normativo.
     (GABARDO, Emerson. Competência para a prestação de serviços públicos e o transporte coletivo rodoviário no meio ambiente urbano. A&C - Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 9, n. 37, jul./set. 2009)

 

 

Portanto, qualificada uma atividade como serviço público, ela poderá ter sua execução delegada a um particular tanto em um regime de concorrência ou de monopólio a depender das características da atividade. A delegação poderá ocorrer por instrumentos jurídicos diversos, mencionando a lei entre as formas de outorga a concessão, a permissão e a autorização. 

 

Bem exemplifica esta opção legislativa de descentralização da execução de serviços públicos os artigos 12 e 13 da Lei nº 10.233/2001, ao dispor sobre as diretrizes da operação dos transportes aquaviários:

 

Lei nº 10.233/2001
Art. 12. Constituem diretrizes gerais do gerenciamento da infra-estrutura e da operação dos transportes aquaviário e terrestre:
I – descentralizar as ações, sempre que possível, promovendo sua transferência a outras entidades públicas, mediante convênios de delegação, ou a empresas públicas ou privadas, mediante outorgas de autorização, concessão ou permissão, conforme dispõe o inciso XII do art. 21 da Constituição Federal;
(...)
Art. 13.  Ressalvado o disposto em legislação específica, as outorgas a que se refere o inciso I do caput do art. 12 serão realizadas sob a forma de: 
V - autorização, quando se tratar de:     
b) prestação de serviço de transporte aquaviário;

 

No caso, o artigo 13 fala expressamente na outorga da prestação de serviço de transporte aquaviário  por intermédio do instrumento da autorização.

 

O debate a respeito da possibilidade de outorga de um serviço público mediante autorização é um tema recorrente na doutrina jurídico-administrativista brasileira. Deveras, doutrinariamente é muito criticada a utilização da expressão "autorização" contida no artigo 21 da Constituição. A origem da controvérsia tem fundamento na usual definição doutrinária do ato administrativo "autorização" como um ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta ao particular o uso privativo de bem público ou o desempenho de atividade.

 

Justamente a discricionariedade e a precariedade da decisão, elemento diferenciais deste ato se comparado ao assemelhado ato de licença, seriam incompatíveis com a atividade do serviço público, especialmente aquelas atividades materiais que demandem investimentos iniciais significativos e com prazo de retorno e amortização mais alongado. Por todos, reproduzimos as críticas de Romeu Felipe Bacelar Filho:

 

Como já foi asseverado em nota de rodapé, muito embora a autorização não seja referida no art. 175 da CF, há expressa alusão ao instituto no art. 21, XI e XII ("explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, ...")
Inobstante reconheça-se o extremado cuidado que a doutrina vem conferindo ao tema, é imperioso aduzir que o conceito, generaicamente enunciado, pode levar a algumas preplexidades. Com efeito, se partirmos do pressuposto de que a autorização retrata o ato administrativo unilateral, discricionário e precário editado pela Administração, a pedido e no interesse preponderante do particular interessado, para atender a necessidade individuais ou coletivas que se impõem pela instabilidade ou emergência transitória, frente à discricionaridade que caracteriza o ato, haveremos de concluir pela fragilidade do instituto, reconhecendo ao Poder Público a reogação da outorga uma vez caracterizados critérios de conveniência e oportunidade que a tranto aconselhem (exemplo: autorização para porte de arma de fogo). Todavia, é comum confundir a autorização com a licená, ocasião em que, cumprida a liturgia estipulada par ao alcance de determinado provimento, à Administração cumpre expedir o ato, não podendo desconstituí-lo sem o devido processo legal. Neste caso, trata-se de ato vinculado, não discricionário, cujo desfazimento submete-se às solenidade próprias dos chamados atos negociais.
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. As concessões, permissões e autorizações de serviço público. In: CARDOSO, José Eduardo Martins et al. (Org.). Curso de direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p.426)

 

A crítica doutrinária acima transcrita amolda-se com justeza às semelhantes observações da a bem fundamentada Nota Técnica nº 17/2018/GRI/SRG (SEI 0464806):

 

32. Como a concessão parece ser uma forma de delegação menos ágil do que a autorização, o poder público, ao defrontar-se com as complexidades de um contrato de concessão, e premido pela urgência na provisão de serviços, optou inúmeras vezes pela autorização como forma de funcionamento de atividades do setor aquaviário, especialmente para a execução do transporte de passageiros na navegação interior, historicamente pouco lembrado ou quase sempre renegado das políticas públicas de mobilidade urbana.
33. O fato é que tais atividades aquaviárias, pelo fato de demandarem investimentos expressivos em infraestrutura de transporte e na segurança das embarcações, deveriam ter sido delegados sob a égide da permissão, já que não está presente o elemento de precariedade. Ademais, o regime de autorização, por não estar sujeito a obrigatoriedade de licitação, também não contribui para o fortalecimento de um sistema de preços competitivos, o que pode apenar o usuário.

 

Sem embargo, não obstante a doutrina exerça forte influência na elaboração normativa, nem sempre o legislador a seguirá rigorosamente suas propostas. Neste sentido, como visto, a Constituição introduziu a autorização entre as modalidades de outorga do serviço público. Igualmente, no caso dos transportes aquaviários, o legislador ainda disciplinou as linhas gerais de utilização deste instituto definindo seu regime jurídico básico no artigo 43 da Lei nº 10.233/2001:

 

Art. 43.  A autorização, ressalvado o disposto em legislação específica, será outorgada segundo as diretrizes estabelecidas nos arts. 13 e 14 e apresenta as seguintes características:
I – independe de licitação;
II – é exercida em liberdade de preços dos serviços, tarifas e fretes, e em ambiente de livre e aberta competição;
III – não prevê prazo de vigência ou termo final, extinguindo-se pela sua plena eficácia, por renúncia, anulação ou cassação.

 

 

Portanto, no tocante aos transportes aquaviários, é possível a delegação do serviço público do transporte de passageiros por intermédio da autorização.

 

A opção legislativa, por sua vez, pode gerar distorções sistêmicas a depender da conformação de um determinado setor econômico. Um exemplo dessas eventuais externalidades pode ser visualizado na seguinte passagem da Nota Técnica nº 17/2018/GRI/SRG (SEI 0464806) ao tratar do mercado de transporte na navegação interior do Brasil:

 

34. Criou-se assim uma situação em que os direitos do investimento privado ficaram mal definidos, ao mesmo tempo em que os consumidores ficam sujeitos à liberdade de preços, em um ambiente de livre e aberta competição, onde na realidade não se vislumbra uma concorrência perfeita (ou próxima dela) que justifique tamanha liberalidade.
35. Nos mercados de transporte na navegação interior, em menor grau na navegação longitudinal, e com bastante relevância na navegação de travessia, o que encontramos são poucas ou apenas uma empresa atuando nas linhas autorizadas pela ANTAQ. Isso se deve, principalmente, pela característica técnica e operacional do serviço, que não permite um número expressivo de operadores nas margens dos rios.  Na maioria dos casos inexiste competição pela demanda de transporte, formando verdadeiros monopólios ou oligopólios naturais.
36. O monopólio se estabelece porque, em muitas situações, não há viabilidade operacional, segura e econômica para a participação de mais de uma empresa para operação na navegação. Situação comparável ao que ocorre no setor de transmissão de energia elétrica, em que não há viabilidade para o estabelecimento de duas redes paralelas de transmissão para concorrer desde o ponto de geração até os de distribuição.

 

A área técnica da Antaq, na mesma Nota Técnica, também indaga a possibilidade de aplicação da Lei de Concessões (Lei nº 8.987/1995), que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos ao regime de autorização de serviço público de transporte coletivo aquaviário.

 

Sem embargo, a Lei de Concessões é inegavelmente considerada uma lei geral. Devido a este status, suas normas são de cumprimento obrigatório pelos demais entes federados. A respeito do caráter geral da Lei, afirma Romeu Felipe Bacellar Filho:

 

Plagiando em alguns trechos a Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) e em outros o Regulamento do Departamento de Transportes Rodoviários (Decreto 952, de 7.10.1993), a Lei de Concessões Brasileira (n. 8.987/1995) disciplina os direitos e obrigações dos usuários, a política tarifária, o procedimento licitatório e a contratação, os encargos do Poder concedente e da concessionária. emitidas pela União e de cumprimento obrigatório pelas demais entidades federativas, as normas gerais constituem emanações cogentes da entidade federal que oferecem, a título de balizamento, para Estados e Municípios, tratando-se de competência concorrente, referenciais ou "standarts jurídicos a serem observados em suas respectivas legislações.
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. As concessões, permissões e autorizações de serviço público. In: CARDOSO, José Eduardo Martins et al. (Org.). Curso de direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 416-417)

 

O autor tece, igualmente, críticas a respeito do demasiado uso de conceitos legais indeterminados pelo legislador o que implicaria em maior discricionariedade à autoridade administrativa:

 

Preocupa, sem exagero, que Lei de Concessões, em seu texto, contenha inúmeros conceitos jurídicos indeterminados. Como bem acentua Antônio Francisco de Souza - pesquisador no Instituto de Direito Público da Universidade de Freiburg/RDA -, os conceitos legais indeterminados "serviço adequado", "modicidade das tarifas", "interesse público", "bem comum", aptidão", "idoneidade", surgem com maior frequência no direito administrativo, dada a natureza das funções de administração, sobretudo em razão do fato de a Administração se orientar à satisfação de necessidades sociais. De qualquer modo, é inegável que os chamados conceitos legais indeterminados, notadamente quando genericamente lançados na norma, atribuem à autoridade administrativa "discricionariedade", uma "certa discricionariedade" ou, nos limites da lei, "um espaço de apreciação".
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. As concessões, permissões e autorizações de serviço público. In: CARDOSO, José Eduardo Martins et al. (Org.). Curso de direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p.416-417)

 

Não obstante as críticas efetuadas pelo autor, entendemos que os conceitos jurídicos indeterminados propiciam à autoridade administrativa reguladora um maior leque de opções na correção das falhas de mercado e ao mesmo tempo fixam diretrizes inafastáveis no processo de tomada de decisão administrativa. O fundado receio de um possível arbítrio na interpretação destes conceitos jurídicos pode, por sua vez, ser afastado por um "processo decisório orientado pelas evidências, pela conformidade legal, pela qualidade regulatória, pela desburocratização e pelo apoio à participação da sociedade", tal qual determina o recente decreto de governança pública (Decreto nº 9.203/2017). Assim, as vulnerabilidades da discricionariedade podem ser protegidas mediante a motivação imposta a todas as autoridades administrativas na execução de seus atos.

 

Tratando-se de uma lei geral com alta carga principiológica, em uma primeira análise pode-se levar à ilação de que seus dispositivos, aplicam-se a todos os serviços públicos explorados indiretamente pelos instrumentos jurídicos de concessão, permissão ou autorização.

 

A Lei de Concessões, entretanto, deve ser interpretada em conjunto com sua contemporânea e análoga legislação sobre serviço público, a Lei nº 9.074/1995, que em meio a disposições de reestruturação do setor elétrico brasileiro trouxe em seu bojo a qualificação de algumas atividades como serviço público e sua delegação por intermédio de concessões, permissões e autorizações.  Este último diploma, atento ao debate doutrinário que ocorria à época de sua edição, é cuidadoso na diferenciação das atividades que serão concedidas, permitidas ou autorizadas. E no caso das atividades de transporte aquaviário de passageiros, após alteração introduzida em 1997 pela Lei nº 9.432, excluiu-se do regime de concessões e permissões esta atividade, ainda que qualificada como serviço público. Neste sentido, dispõe o artigo 2º, §2º e §3º, da Lei nº 9.074/1995:

 

Art. 2o 
§ 2º Independe de concessão, permissão ou autorização o transporte de cargas pelos meios rodoviário e aquaviário.
§ 3o Independe de concessão ou permissão o transporte:
I - aquaviário, de passageiros, que não seja realizado entre portos organizados;
II - rodoviário e aquaviário de pessoas, realizado por operadoras de turismo no exercício dessa atividade;
III - de pessoas, em caráter privativo de organizações públicas ou privadas, ainda que em forma regular.

 

Diante do detalhamento da legislação, entendemos que no caso não há um silêncio normativo, pelo contrário, há um claro intuito de exclusão da mencionada atividade da outorga mediante permissão e concessão, excluindo-a da aplicação da Lei nº 8.987/1995, que se restringe ao serviços públicos concedidos ou permitidos, consoante definido no artigo 1º desta Lei:

 

       Art. 1º As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.

 

Ainda que sob fundadas críticas doutrinárias, diante do princípio da legalidade, no âmbito da Administração Pública a fonte normativa primária a ser considerada é o ordenamento escrito; secundariamente em caso de lacunas ou de conceitos jurídicos poderá o aplicador do direito na administração socorrer-se da doutrina entre outras fontes normativas.

 

Portanto, ainda que pela afinidade da regulação de serviços públicos as normas principiológicas da Lei de Concessões  (Lei nº 8.987/1995) possam aparentemente aplicar-se às delegações de serviços públicos, em vista da enfática diferenciação de regimes efetuada pelo legislador nas mencionadas Leis 8.987/1995 e Lei nº 9.074/1995, entendem-se excluídos dos ditames da Lei de Concessões os serviços públicos executados indiretamente por meio do instrumento da autorização.

 

Neste sentido, responde-se ao segundo questionamento efetuado pela área técnica da Antaq:

 

QUESITO 
b) A Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995), que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, se aplica ao regime de autorização de serviço público de transporte coletivo aquaviário?
 
RESPOSTA
Não. Entende-se a autorização do serviço público de transporte coletivo aquaviário foi expressamente excluída das normas gerais da Lei de Concessões pelo artigo 2º da Lei nº 9.074/1995.

 

Do Código de Defesa do Usuário

 

Questiona a área técnica da Antaq a respeito da interpretação jurídica mais adequada a ser conferida às recentes disposições do denominado Código de Defesa do Usuário dos Serviços Públicos (Lei nº 13.460/2017) em correlação a outras normas específicas do serviço público do transporte de passageiros na navegação interior. Em especial solicita orientação relativa à aplicação do princípio da continuidade do serviço público e o princío da modicidade tarifária a este serviço público.

 

Os dispositivos legais envolvidos na dúvida interpretativa levantada pela autoridade administrativa assim dispõem:

 

Lei 13.460/2017
Art. 4o  Os serviços públicos e o atendimento do usuário serão realizados de forma adequada, observados os princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia. 
 
Lei 10.233/2001
Art. 28. A ANTT e a ANTAQ, em suas respectivas esferas de atuação, adotarão as normas e os procedimentos estabelecidos nesta Lei para as diferentes formas de outorga previstos nos arts. 13 e 14, visando a que:
I – a exploração da infra-estrutura e a prestação de serviços de transporte se exerçam de forma adequada, satisfazendo as condições de regularidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação do serviço, e modicidade nas tarifas;
II – os instrumentos de concessão ou permissão sejam precedidos de licitação pública e celebrados em cumprimento ao princípio da livre concorrência entre os capacitados para o exercício das outorgas, na forma prevista no inciso I, definindo claramente:
a) (VETADO)
b) limites máximos tarifários e as condições de reajustamento e revisão;
c) pagamento pelo valor das outorgas e participações governamentais, quando for o caso.
d) prazos contratuais.      

 

Diante do aparente conflito de normas, questionou a Gerência de Regulação da Navegação Interior - GRI/SRG na Nota Técnica nº 4/2018/GRI/SRG (SEI 0422503) sobre a concorrência destas normas:

 

Pergunta-se: O art. 4º da Lei nº 13.460/2017 (Lei geral sobre o serviço público), ao tratar sobre os princípios de serviço adequado, derrogará, complementará ou não alterará o disposto no art. 28, inc. I da Lei nº 10.233/2001 (Lei especial sobre os transportes aquaviário e terrestre) que trata sobre as condições de serviço adequado para a prestação de serviços de transporte? Qual o dispositivo legal aplicado (ou quais) para a definição dos requisitos de serviço adequado no transporte aquaviário?

 

No caso em análise, ao qualificar o transporte aquaviário de passageiros como um serviço público, abre-se a incidência de normas contidas tanto na legislação especial desta modalidade de serviço público como também normas gerais relativas ao serviço público. Neste sentido, recomenda-se uma interpretação sistemática do ordenamento setorial conjuntamente de forma a extrair da leitura e da articulação dos dispositivos seu melhor significado de seus comandos.

 

Dentro deste escopo, é importante ressaltar que mesmo antes do Código de Defesa do Usuário do Serviço Público a legislação de transportes já incluía em seus princípios e diretrizes a proteção dos interesses dos usuários no artigo 11 da Lei nº 10.233/2001: 

DOS PRINCÍPIOS E DIRETRIZES PARA OS TRANSPORTES AQUAVIÁRIO E TERRESTRE
Seção I - Dos Princípios Gerais
Art. 11. O gerenciamento da infra-estrutura e a operação dos transportes aquaviário e terrestre serão regidos pelos seguintes princípios gerais: (...)
III – proteger os interesses dos usuários quanto à qualidade e oferta de serviços de transporte e dos consumidores finais quanto à incidência dos fretes nos preços dos produtos transportados;
IV – assegurar, sempre que possível, que os usuários paguem pelos custos dos serviços prestados em regime de eficiência;
 

Da leitura dos dispositivos mencionados em articulação com os princípios gerais da prestação do serviço público aquaviário de proteção dos interesses dos usuários, podemos inferir que a melhor solução à dúvida jurídica será aquela que conferir a maior proteção aos interesses dos usuários, desde que dentro dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade aferidos na situação concreta.

 

Ante o exposto, a nova legislação introduzida pela Lei 13.460/2017 vem complementar o ordenamento relativo ao transporte aquaviário de passageiros, acrescentando novos princípios entre as diretrizes gerais de prestação desse serviço público. Portanto, em relação a este serviço público incidirão conjuntamente os princípios de continuidade do serviço público como também da modicidade das tarifas.

 

Ante o exposto, responde-se ao terceiro questionamento efetuado pela área técnica da Antaq:

 

QUESITO 
c) A recente edição da Lei dos Serviços Públicos (Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017) definiu os requisitos de adequação dos serviços públicos (art. 4º), sendo considerados os princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia. Esse dispositivo não trouxe a modicidade tarifária como princípio de adequação dos serviços públicos.  A lei, utilizada à administração pública, permite aplicar-se subsidiariamente aos serviços públicos prestados por particular (art. 1º §3º) O art. 28, inc. I, da Lei nº 10.233/2001, por sua vez preceitua que a prestação de serviços de transporte deverá satisfazer as condições de regularidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação do serviço, e modicidade nas tarifas. Esse dispositivo não trouxe a continuidade como atributo de adequação dos serviços de transportes.Pergunta-se: O art. 4º da Lei nº 13.460/2017 (Lei geral sobre o serviço público), ao tratar sobre os princípios de serviço adequado, derrogará, complementará ou não alterará o disposto no art. 28, inc. I da Lei nº 10.233/2001 (Lei especial sobre os transportes aquaviário e terrestre) que trata sobre as condições de serviço adequado para a prestação de serviços de transporte? Qual o dispositivo legal aplicado (ou quais) para a definição dos requisitos de serviço adequado no transporte aquaviário?
 
RESPOSTA
Diante da diretriz de proteção aos interesses dos usuários contida na legislação específica do serviço público de transporte aquaviário, entende-se pela complementariedade das disposições da Lei 10.233/2001 e 13.460/2017, incidindo sobre este serviço público tanto o princípio da continuidade do serviço público como o princípio da modicidade das tarifas.

 

 

Modicidade tarifária

 

O último questionamento encaminhado a esta Procuradoria Federal pela área técnica da Agência é relativo à possibilidade ou não da Antaq efetuar o controle prévio de preços praticados no serviço público de transporte diante da diretriz da realização da atividades autorizadas em regime de liberdade de preços consoante o artigo 43 da Lei nº 10.233/2001. É a redação deste dispositivo legal:

Art. 43.  A autorização, ressalvado o disposto em legislação específica, será outorgada segundo as diretrizes estabelecidas nos arts. 13 e 14 e apresenta as seguintes características:
I – independe de licitação;
II – é exercida em liberdade de preços dos serviços, tarifas e fretes, e em ambiente de livre e aberta competição;
III – não prevê prazo de vigência ou termo final, extinguindo-se pela sua plena eficácia, por renúncia, anulação ou cassação.

 

A liberdade de preços prevista no artigo, por sua vez, apenas é viável quando aplicada a um ambiente de concorrência entre diversos agentes econômicos. Do contrário, o agente monopolista tenderá a fixar o preço em valores excessivos aos usuários. Portanto, o regime de liberdade de preços é mais apropriado aos serviços públicos que possam ser prestados em um regime de concorrência. Por sua vez, nos casos de monopólio natural ou legal recomenda-se que as tarifas sejam fixadas pelo Poder Público delegante.

 

A respeito no regime de liberdade de preços para os serviços públicos prestados indiretamente por particulares ensina Alexandre Santos de Aragão:

 

5.3 Relativa liberdade de preços
Busca-se, em alguns setores mais, em outros menos, diminuir a imposição dos preços dos serviços públicos pela Administração Pública. O que se pretende é que os preços sejam determinados pela livre concorrência entre os diversos agentes econômicos prestadores daquela determinada atividade, razão pela qual a arena por excelência apropriada para esta maior liberdade de preços é a dos serviços em que também haja, ao menos parcialmente, liberdade de entrada (v. Item anterior).
Assim, obviamente que não seria apropriado, e dificilmente constitucional, que a liberdade (de toda sorte sempre relativa) de preços fosse adotada em todos os serviços públicos, sendo admissível apenas naqueles nos quais a concorrência seja efetiva e que não possuam obrigações de universalidade e modicidade.
Cumpre também observar que a liberdade de preços deve ser mantida apenas enquanto gerar efeitos positivos para os consumidores, sem abusos do poder econômico, devendo, portanto, estar sempre sujeita a um diuturno acompanhamento por parte da Administração Pública.
(...)
Comentando a liberdade de preços como fator de inserção da concorrência nos serviços públicos, Gaspar Ariño Ortiz e Lucía Lopez de Castro García-Morato comentam que "os preços das prestações e serviços segundo o novo modelo de regulação serão em alguns casos preços de mercado e em outros preços regulados, segundo exista ou não concorrência real naquela fase da atividade em questão. Na medida em que o mercado os fixe espontaneamente, não seria necessário regulá-los; e em todo caso, a regulação será facilitada pela existência de um preço de mercado em alguma fase ou segmento da atividade", diminuindo a assimetria informacional dos órgãos reguladores.
ARAGÃO, Alexandre Santos. Serviços Públicos e Concorrência . A&C - Revista de Direito Administrativo e Constitucional Belo Horizonte, n. 17, ano 4 Julho / Setembro 2004 

 

Todavia, não obstante o intuito do ordenamento em privilegiar a concorrência e a liberdade tarifária, em alguns setores ocorrem externalidades que acabam por direcionar o mercado a uma concentração de agentes econômicos ou mesmo um monopólio. Tais ocorrências foram constatadas no mercado de transporte na navegação interior, como bem ilustra a Gerência de Regulação da Navegação Interior - GRI/SRG na Nota Técnica nº 4/2018/GRI/SRG (SEI 0422503):

 

35. Nos mercados de transporte na navegação interior, em menor grau na navegação longitudinal, e com bastante relevância na navegação de travessia, o que encontramos são poucas ou apenas uma empresa atuando nas linhas autorizadas pela ANTAQ. Isso se deve, principalmente, pela característica técnica e operacional do serviço, que não permite um número expressivo de operadores nas margens dos rios.  Na maioria dos casos inexiste competição pela demanda de transporte, formando verdadeiros monopólios ou oligopólios naturais.

 

Em tais casos, recomenda-se ao agente regulador que atue de forma a corrigir tai distorções, sendo a fixação de tarifas máximas uma das opções utilizadas para tais hipóteses.

 

Novamente recorremos à doutrina de Alexandre dos Santos Aragão no tocante ao dever da Agência Reguladora em atuar para evitar que tais falhas de mercado prejudiquem a prestação dos serviços públicos efetuando um controle de preços.

 

Obviamente que os preços submetidos a um regime competitivo se submetem ao controle a posteriori das normas de defesa da concorrência, enquanto as atividades submetidas à tarificação constituem um campo em que não serão aplicáveis os conceitos clássicos de defesa da concorrência, como preços predatórios ou discriminatórios, mas sim os preceitos regulatórios específicos, que podem ou não contemplar estas noções.
 
Vital Moreira e Maria Manuel Leitão Marques, observam que "na área dos serviços públicos são raros os casos em que não existe controlo sobre os preços e respectiva variação. Esse controlo pode ser mais ou menos apertado, indo desde a mera homologação à indicação de fórmulas precisas de cálculo, ao controlo das variações, no tempo e no montante, etc. As diferenças no regime relacionam-se com a importância estratégica e pública, a `sensibilidade política' do serviço em causa e a respectiva forma de mercado. Nos serviços públicos básicos, onde não existe verdadeira concorrência, especialmente nos chamados `monopólios naturais', é natural que esse controlo tenda assumir a sua forma extrema".
ARAGÃO, Alexandre Santos. Serviços Públicos e Concorrência . A&C - Revista de Direito Administrativo e Constitucional Belo Horizonte, n. 17, ano 4 Julho / Setembro 2004 

 

Como bem destacado pelo mencionado doutrinador, recomenda-se um eventual controle de preços posterior nas hipóteses relativas à manutenção da concorrência. Já nas situações em que não há um ambiente de competição entre agentes econômicos, estaria legitimado um controle prévio dos preços praticados. Sem embargo, nessas últimas situações o intuito do regulador seria não apenas atuar regulando de modo eficiente o mercado, como também por se tratar de uma atividade relevante à sociedade, qualificada como serviço público, teria por escopo primário a defesa do interesse do usuário.

 

Neste sentido, a análise prévia de preços para os serviços de transporte aquaviário pela Antaq apenas se justificaria nas hipóteses em que o agente regulado atue de forma monopolista no setor, não obstante a previsão da Resolução Antaq nº 1.274/2009, que aprova a norma para outorga de autorização para prestação de serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia.

 

Consoante o artigo 14 desta Resolução a empresa brasileira de navegação - EBN deverá submeter previamente à aprovação da ANTAQ qualquer alteração de caráter permanente no esquema operacional, incluída dentro deste conceito de esquema operacional a política tarifária. Dispõe a norma:

 

Art. 14. A EBN fica obrigada a: (...)
II – executar a prestação do serviço conforme discriminado no Termo de Autorização, devendo submeter previamente à aprovação da ANTAQ qualquer alteração de caráter permanente no esquema operacional. As alterações aprovadas pela ANTAQ deverão ser comunicadas aos usuários com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, mediante a afixação das modificações do esquema operacional em locais visíveis nas embarcações e nos pontos de venda de passagens;

 

Como bem pontuado pela área técnica, a disposição mostra-se efetivamente incompatível ao regime de liberdade tarifária preconizado pelo artigo 43 da Lei nº 10.233/2001. Desta forma, para que seja válida, a Resolução Antaq nº 1.274/2009 deve ser interpretada no sentido da aprovação prévia apenas ocorrer nas hipóteses em que se constata um monopólio na prestação do serviço autorizado.

 

Outrossim, a autoridade reguladora, por sua vez, deverá caso a caso justificar esta ocorrência, motivando cuidadosamente a justificativa do ato. A boa prática administrativa da motivação detalhada foi recentemente enfatizada pela Lei nº 13.655/2018, que alterou o Decreto-Lei nº 4.657/1942, Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro:

 

Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.  (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.  (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
 
Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
(...)
Art. 23.  A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

 

Desta maneira, a análise prévia de preços para os serviços de transporte aquaviário pela Agência Reguladora estará legitimada nas hipóteses excepcionais em que não obstante o fomento estatal à livre concorrência for constatado pelo regulador o monopólio na prestação do serviço. Esta decisão deverá ser justificada caso a caso e baseada em evidências. É importante destacar que a análise posterior, todavia, não exclui o dever de representação ao CADE nas situações indiciárias de infração à concorrência.

 

Ante o exposto, responde-se ao quarto questionamento efetuado pela área técnica da Antaq:

 

QUESITO 
d) Considerando a modicidade tarifária (art. 28, I, Lei nº 10.233/2001), a repressão de ações que configurem ou possam configurar infrações da ordem econômica (art. 12, inc. VII, Lei nº 10.233/2001), a liberdade de preços para as autorizações (art. 43, inc. II e art. 45 da Lei nº 10.233/2001) e o princípio da legalidade administrativa, é lícita a análise prévia de preços para os serviços de transporte aquaviário?
 
RESPOSTA
A análise prévia de preços para os serviços de transporte aquaviário será lícita nas hipóteses excepcionais que não obstante o fomento estatal à livre concorrência for constatado o monopólio na prestação do serviço, devendo a autoridade reguladora analisar especificamente cada caso a ela submetido. 

 

CONCLUSÃO

 

Em conclusão, respondemos às perguntas formuladas pela Gerência de Regulação da Navegação Interior - GRI/SRG na Nota Técnica nº 4/2018/GRI/SRG (SEI 0422503):

 

QUESITO 1
a) Considerando os argumentos esboçados no item III desta Nota, em especial as normas constitucionais e a legislação vigente, o serviço de transporte coletivo de passageiros na navegação interior é considerado serviço público?
 
RESPOSTA
Sim. Da leitura do artigo 21, XII, alínea "d" da Constituição infere-se que o transporte coletivo aquaviário de passageiros é considerado serviço público, competindo sua regulação pela União e sua execução, a depender do território de execução, a um dos entes federados.

 

QUESITO 2
b) A Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995), que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, se aplica ao regime de autorização de serviço público de transporte coletivo aquaviário?
 
RESPOSTA
Não. Entende-se a autorização do serviço público de transporte coletivo aquaviário foi expressamente excluída das normas gerais da Lei de Concessões pelo artigo 2º da Lei nº 9.074/1995.

 

 

QUESITO 3
c) A recente edição da Lei dos Serviços Públicos (Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017) definiu os requisitos de adequação dos serviços públicos (art. 4º), sendo considerados os princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia. Esse dispositivo não trouxe a modicidade tarifária como princípio de adequação dos serviços públicos.  A lei, utilizada à administração pública, permite aplicar-se subsidiariamente aos serviços públicos prestados por particular (art. 1º §3º) O art. 28, inc. I, da Lei nº 10.233/2001, por sua vez preceitua que a prestação de serviços de transporte deverá satisfazer as condições de regularidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação do serviço, e modicidade nas tarifas. Esse dispositivo não trouxe a continuidade como atributo de adequação dos serviços de transportes.Pergunta-se: O art. 4º da Lei nº 13.460/2017 (Lei geral sobre o serviço público), ao tratar sobre os princípios de serviço adequado, derrogará, complementará ou não alterará o disposto no art. 28, inc. I da Lei nº 10.233/2001 (Lei especial sobre os transportes aquaviário e terrestre) que trata sobre as condições de serviço adequado para a prestação de serviços de transporte? Qual o dispositivo legal aplicado (ou quais) para a definição dos requisitos de serviço adequado no transporte aquaviário?
 
RESPOSTA
Diante da diretriz de proteção aos interesses dos usuários contida na legislação específica do serviço público de transporte aquaviário, entende-se pela complementariedade das disposições da Lei 10.233/2001 e 13.460/2017, incidindo sobre este serviço público tanto o princípio da continuidade do serviço público como o princípio da modicidade das tarifas.
 
 
QUESITO 4
d) Considerando a modicidade tarifária (art. 28, I, Lei nº 10.233/2001), a repressão de ações que configurem ou possam configurar infrações da ordem econômica (art. 12, inc. VII, Lei nº 10.233/2001), a liberdade de preços para as autorizações (art. 43, inc. II e art. 45 da Lei nº 10.233/2001) e o princípio da legalidade administrativa, é lícita a análise prévia de preços para os serviços de transporte aquaviário?
 
RESPOSTA
A análise prévia de preços para os serviços de transporte aquaviário será lícita nas hipóteses excepcionais que não obstante o fomento estatal à livre concorrência for constatado o monopólio na prestação do serviço, devendo a autoridade reguladora analisar especificamente cada caso a ela submetido. 

 

 

À consideração superior.

 

Brasília, 28 de maio de 2018.

 

 

THOMAS AUGUSTO FERREIRA DE ALMEIDA

Procurador Federal

PF-ANTAQ

 

 


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