ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO SUMÁRIO

 

PARECER n. 01047/2023/NUCJUR-SUM/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 14021.124261/2022-02.

INTERESSADOS: UNIÃO (MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS/SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO/SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DE SANTA CATARINA - MGI/SPU/SPU-SC) E MUNICÍPIO DE ITAPOÁ-SC.

ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. ÁREA DE DOMÍNIO DA UNIÃO. BEM DE USO COMUM DO POVO. AUTORIZAÇÃO DE OBRAS.  ASSESSORAMENTO JURÍDICO. CONSULTA FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA.

 

 

EMENTA: DIREITO  ADMINISTRATIVO  E  OUTRAS MATÉRIAS  DE DIREITO PÚBLICO. BENS PÚBLICOS. ÁREA DE DOMÍNIO DA UNIÃO. PRAIA MARÍTIMA. BEM DE USO COMUM DO POVO. GESTÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO. DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA A ENTE MUNICIPAL. AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS. ÁREAS DELIMITADAS DE FORMA GENÉRICA. VEDAÇÃO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ASSESSORAMENTO JURÍDICO. INDAGAÇÃO FORMULADA. ORIENTAÇÃO JURÍDICA. ESCLARECIMENTO DE DÚVIDAS.
I. Consulta formulada. Delegação de competência ao Município de Itapoá-SC para autorizar a realização de obras em área de domínio da União delimitada de forma genérica.
II. Praia marítima. Bem de uso comum do povo.
III. Exigência de prévia autorização para realização de obra em área de uso comum do povo de domínio da União.  Artigo 6º, parágrafos 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 2.398 de 21 de dezembro de 1987, com a redação dada pela Lei Federal nº 13.139, de 26 de junho de 2015, c/c o artigo 5º, inciso XI, da Portaria SPU/ME, de 8.678, de 30 de setembro de 2022.
IV. Ausência de previsão/regulamentação legal/normativa para delegação de competência a ente municipal destinada a realização de obras em áreas de domínio da União delimitadas de forma genérica.  Inviabilidade jurídica.
V. A expedição/emissão do ato autorizativo pressupõe que a área a ser objeto de intervenção seja identificada com nível mínimo de caracterização.
VI. Necessidade de que o órgão de gestão patrimonial (SPU) disponha de mecanismos para execução da atividade de fiscalização para prevenir e coibir o cometimento de infrações administrativas contra o patrimônio imobiliário da União.
VII. A Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, não lhe cabendo conceder direitos em situações diversas das previstas em lei. Princípio da legalidade. Artigo 37, caput, da Constituição Federal, c/c o artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
VIII. Observação da(s) recomendação(ões) sugerida (s) nesta manifestação jurídica.

 

 

O Superintendente do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina, por intermédio do OFÍCIO SEI 147184/2023/MGI, de 06 de dezembro de 2023, assinado eletronicamente em 11 de dezembro de 2023 (SEI nº 38951241), disponibilizado a e-CJU/PATRIMÔNIO o link de acesso ao Sistema Eletrônico de informações (SEI) com abertura de tarefa no Sistema AGU SAPIENS 2.0 em 12 de dezembro de 2023, encaminha novamente o processo para análise e manifestação, nos termos do artigo 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar Federal nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e do artigo 19, incisos I e II, do Ato Regimental AGU nº 5, de 27 de setembro de 2007.

 

Trata-se de solicitação de assessoramento jurídico (orientação jurídica) referente a consulta sobre possibilidade de delegação de competência ao Município de Itapoá-SC para autorizar a realização de obras em área de domínio da União delimitadas de forma genérica.

 

O processo está instruído com os seguintes documentos:

 

  PROCESSO/DOCUMENTO TIPO  
  28406336 Recibo    
  28406344 Ofício    
  28495175 E-mail    
  29093107 Despacho    
  32614871 Portaria    
  37694428 Nota Informativa 32633    
  37880963 Nota Informativa 33829    
  38951241 Ofício 147184

 

 

II– PRELIMINARMENTE FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assessorar a autoridade competente para a prática do ato, para que dele não decorra nenhuma responsabilidade pessoal a ela, e também para que seja observado o princípio da legalidade e os demais que norteiam a atuação da Administração.

 

Desta forma, cercando-se a autoridade de todas as cautelas para a prática do ato, e documentando-as nos autos, a princípio cessa a sua responsabilidade pessoal por eventuais decorrências não satisfatórias.

 

A atribuição da e-CJU/PATRIMÔNIO é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar alguma providência para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem, em seu juízo discricionário, compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a cautela recomendada.

 

Disso se conclui que a parte das observações aqui expendidas não passam de recomendações, com vistas a salvaguardar a autoridade administrativa assessorada, e não vinculá-la. Caso opte por não acatá-las, não haverá ilegalidade no proceder, mas simples assunção do risco. O acatamento ou não das recomendações decorre do exercício da competência discricionário da autoridade assessorada.

 

Já as questões que envolvam a legalidade[1], de observância obrigatória pela Administração, serão apontadas, ao final deste parecer, como óbices a serem corrigidos ou superados. O prosseguimento do feito, sem a correção de tais apontamentos, será de responsabilidade exclusiva do órgão, por sua conta e risco.

 

Por outro lado, é certo que a análise dos aspectos técnicos da demanda sob análise não está inserido no conjunto de atribuições/competências afetas a e-CJU/PATRIMÔNIO, a qual não possui conhecimento específico nem competência legal para manifestar-se sobre questões que extrapolam o aspecto estritamente jurídico.  

 

 

III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

Para melhor contextualização e compreensão da consulta submetida a apreciação da e-CJU/PATRIMÔNIO, unidade de execução da Consultoria-Geral da União (CGU), Órgão de Direção Superior (ODS) da Advocacia-Geral da União (AGU), reputo relevante transcrever integralmente a Nota Informativa SEI 33829/2023/MGI (SEI nº 37880963) elaborada pela Coordenação Geral de Desenvolvimento Local e Infraestrutura da Diretoria de Destinação de Imóveis da Secretaria do Patrimônio da União, na qual há um relato da situação fática, verbis:

 

"Nota Informativa SEI nº 33829/2023/MGI

  

 

INTERESSADO(S): Prefeitura Municipal de Itapoá-SC
ASSUNTOTransferência de autorização de obras ao poder público do Município de Itapoá

 

PEDIDO DE ESCLARECIMENTO DA UNIDADE DE DESCENTRALIZADA
1. Trata-se de consulta sobre a possibilidade de transferência de autorização de obras de contenção ao poder público do Município de Itapoá, devido avanço de erosão costeira, bem como critérios e orientações para esta efetivação, se for viável.

 

 

CONTEXTUALIZAÇÃO:
2. Representantes do Município de Itapoá reuniram-se com a Superintendência da SPU /SC, conforme transcrito em Ofício nº 485/2022/SEMAI (SEI nº 28406344) e Despacho 29093107, na tentativa de obter um acordo entre as partes para possibilitar a autorização de obras de contenção costeira no município, devido processo de erosão causada pelo mar na orla municipal, o que vem acarretando prejuízos ao patrimônio público e particular.

 

3. Em suma, as autoridades municipais requereram a SPU/SC:

 

I - A possibilidade de conceder uma autorização genérica para os locais que estejam passando por processo erosivo na orla do Município Itapoá e que carecem de contenções costeiras, sobretudo, de enrocamento.

 

II - Disponibilidade de se emitir uma Autorização de Obras em Imóvel da União (ou documento similar) designando ao Município de Itapoá o poder de emitir a autorização de contenção costeira, mediante procedimentos constantes na Portaria Conjunta nº 001/2021 - SEMAI/SEPLAN/SOSP/DCM (SEI nº 32614871).

 

4. Segundo os representantes do município, os pedidos visam proporcionar ao município maior autonomia e celeridade em ações que envolvem a preservação do patrimônio privado e também público.

 

5. Por fim, no Despacho 29093107, a SPU/SC relata que:

 

salvo haver registro não identificado por esta equipe técnica; as autorizações de obra quando emitidas para estruturas de contenção de erosão costeira são realizadas de forma pontual e específica para cada localidade conforme solicitação do requerente; não consta no histórico desta SPU/SC registro de que tenha sido realizado processo transferência da autorização de obras ao município junto à particulares no caso de situações constantes de processo erosivos, mediante regramento pré acordado, questiona-se à Diretoria Nacional de Destinação da SPU quanto a possibilidade de aplicação de tais métodos conforme solicitação do município citados junto ao item 3.1 e 3.2. e ainda critérios e orientações para esta efetivação se for julgada como viável.

 

RESPOSTA DA COORDENAÇÃO-GERAL DE DESENVOLVIMENTO LOCAL E INFRAESTRUTURA - CGDIN
6. De acordo com o Decreto-Lei nº 2.398, de 1987:

 

Art. 6º Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União.
[...]
I - Incorre em infração administrativa aquele que realizar aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo.

 

 

7. Recentemente foi elaborada a Nota Técnica SEI nº 20705/2023/MGI (SEI nº 35142189), que presenta diretrizes às Unidades Descentralizadas da SPU sobre as autorizações de obras em imóveis da União. Conforme parágrafo 23 do documento citado, "em situações específicas e excepcionais, a autorização de obras pode ser outorgada para intervenções financiadas por Estados e Municípios, desde que em áreas caracterizadas como bem de uso comum do povo, observados os incisos II a IV do parágrafo anterior, como no casos de riscos iminentes à população".

 

8. Todavia, o pedido do Município é para que a SPU delegue a competência para que o ente federativo possa autorizar obras em áreas da União, delimitadas de forma genérica em ato específico.  De imediato, não nos parece que exista essa possibilidade na legislação patrimonial para esse fim, todavia a dúvida em questão é mais jurídica do que técnica, razão pela qual recomenda-se consulta ao órgão de assessoramento jurídico local.

 

9. Com relação à emissão de autorização de obras genéricas, entendemos que todo ato administrativo deve ter o seu objeto e finalidade bem delimitados, de modo que possam os seus efeitos possam ser mensurados, fiscalizados e avaliados, evitando desvios e infrações de toda sorte.

 

 

CONCLUSÃO:
10. Tendo em vista os documentos acostados nos autos do processo, em especial o Despacho 29093107, informamos que a Nota Técnica SEI nº 20705/2023/MGI (SEI nº 35142189) apresenta diretrizes às Unidades Descentralizadas da SPU sobre as autorizações de obras em imóveis da União, de que tratam o art. 4º e o inciso XI do art. 5º da Portaria SPU/ME nº 8.678, de 30 de setembro de 2022, bem como nos casos de riscos iminentes à integridade de tais bens ou à integridade humana.

 

11. No caso concreto, no que se refere aos pedidos do Município de Itapoá/SC, conforme pontuado na presente Nota Informativa, a possibilidade de delegação de competência para que o Munc autorize obras em áreas da União deve ser analisado pela CJU, adiantando que esta Unidade entende que não é possível a emissão atos genéricos para essa finalidade.

 

12. À consideração superior."

 

 

 Preliminarmente é necessário esclarecer o escopo da utilização da autorização de obra. Tal instrumento de destinação, apesar  de não estar previsto de forma expressa pela legislação patrimonial, decorre da interpretação do artigo 6º, parágrafo 1º, do Decreto-Lei Federal nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, que dispõe sobre foros, laudêmios e taxas de ocupação relativas a imóveis de propriedade da União: 

 

(...)

 

"Art. 6º Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União. (Redação dada pela Lei Federal nº 13.139, de 26 de junho de 2015)            

 

§ 1º Incorre em infração administrativa aquele que realizar aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo. (Incluído pela Lei Federal  nº 13.139, de 26 de junho de 2015) - grifou-se

        

§ 2º  O responsável pelo imóvel deverá zelar pelo seu uso em conformidade com o ato que autorizou sua utilização ou com a natureza do bem, sob pena de incorrer em infração administrativa." (Incluído pela Lei Federal  nº 13.139, de 26 de junho de 2015)"   

 

 

Conforme bem salientado na Nota Informativa SEI 33829/2023/MGI (SEI nº 37880963) o pedido formulado pelo Município de Itapoá-SC é para que a SPU delegue, mediante ato específico, competência para que o ente federativo possa autorizar obras em áreas da União delimitadas de forma genérica.

 

Segundo a Coordenação Geral de Desenvolvimento Local e Infraestrutura a Nota Técnica SEI 20705/2023/MGI (arquivo PDF anexo) contém diretrizes às Unidades Descentralizadas da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) sobre as autorizações de obras em imóveis da União, de que tratam o artigos 4º e 5º, inciso XI, da Portaria SPU/ME, de 8.678, de 30 de setembro de 2022, bem como nos casos de riscos iminentes à integridade de tais bens ou à integridade humana.

 

Reputo relevante salientar que a Portaria SPU/ME nº 8.678, de 30 de setembro de 2022, no artigo 5º, inciso XI, subdelegou competência aos Superintendentes do Patrimônio da União para a prática do ato administrativo consistente na realização de obras em áreas de uso comum do povo de domínio da União.

 

Para adequada contextualização do escopo da  autorização de obras em bens de uso comum do povo, entendo relevante transcrever os seguintes fragmentos da Nota Técnica SEI 20705/2023/MGI:

 

(...)

 

"DA AUTORIZAÇÃO DE OBRAS EM ÁREAS DE BENS DE USO COMUM DO POVO (INCISO XI DO ART. DA PORTARIA SPU/ME 8.678, DE 30 DE SETEMBRO DE 2022)

 

7. Apesar de não ser um instrumento de destinação, a cartilha de Orientações para a Destinação do Patrimônio a União (35025728), tratou a autorização de obras como um instrumento de apoio à destinação, definindo-a da seguinte forma:

 

42. Autorização de Obras, referida no art. 6º do Decreto-Lei 2.398/1987, pode ser emitida para a execução e programas prioritários do Governo Federal em áreas de uso comum do povo, desde que não mude a natureza do bem. [...]

 

 

8. Logo, existem três premissas a serem observadas no caso de autorização de obras em áreas de uso comum do povo: 1ª) estar vinculada a execução de um programa prioritário do governo federal; 2ª) a intervenção deve ocorrer em área caracterizada como bem de uso comum do povo; e 3ª) não pode ocorrer mudança na natureza do bem.

 

(...)

 

22. Desse modo, a partir das exposições acima, tem-se como diretrizes para as autorizações de obras em áreas de bens de uso comum do povo de domínio da União, de que trata o art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398, de 1987:

 

I - autorização de obras apenas no caso de projetos executados no âmbito dos programas prioritários do governo federal;

 

II - exigência licença prévia do interessado para outorga da autorização;

 

III -indicação expressa na motivação e no ato autorizativo:a

 

a) do nome do programa federal ao qual a obra se vincula;

 

b) da fonte de custeio;

 

c) do prazo de conclusão;

 

d) que se trata área de bem de uso comum do povo e que não deve haver alteração desta característica;

 

e) que o outorgado é responsável por todas as licenças e autorizações necessárias à execução da obra; e

 

f) que o início das obras depende da obtenção da licença de instalação pelo outorgado e do cadastro do projeto no Cadastro Integrado de Projetos de Investimento - CIPI;

 

IV -inaplicabilidade da autorização de obras no caso de intervenções em águas públicas da União, devendo ser observadas as disposições da Portaria SPU nº 5.629, de 2022.

 

 

23. Em situações específicas e excepcionais a autorização de obras pode ser outorgada para intervenções financiadas por Estados e Municípios, desde que em áreas caracterizadas como bem de uso comum do povo, observados os incisos II a IV do parágrafo anterior, como no casos de riscos iminentes à população.

 

24. Contudo, as diretrizes ora apresentadas nesta Nota Técnica não tem como objetivo tratar das excepcionalidades, tendo em vista que consta no planejamento desta Diretoria a edição de ato específico para disciplinar definitivamente a autorização de obras a áreas da União

 

25. Assim, são essas as diretrizes propostas, para fins de aplicação do disposto no inciso XI do art. 5º da Portaria SPU/ME nº 8.678, de 2022, até que se regulamente a outorga deste instrumento de apoio à destinação no âmbito da SPU."

 

 

Analisando o Decreto-Lei Federal nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987 (artigo 6º, parágrafo 1º) em cotejo com a Portaria SPU/ME nº 8.678, de 30 de setembro de 2022 (artigo 5º, inciso XI) e Nota Técnica SEI 20705/2023/MGI disciplinando as orientações para autorizações de obras em imóveis da União, conclui-se não ser juridicamente possível a delegação de competência ao ente municipal para a realização de obras em áreas de domínio da União delimitadas de forma genérica. A expedição/emissão do ato autorizativo pressupõe que a área a ser objeto de intervenção seja identificada com nível mínimo de caracterização/identificação/especificação, de modo a assegurar à União mecanismos para que o órgão de gestão patrimonial (SPU) disponha de parâmetros objetivos na execução da atividade de fiscalização para prevenir e coibir infrações administrativas praticadas contra o patrimônio imobiliário da União conforme arcabouço legal e normativo vigente.

 

O ato administrativo para ser considerado legítimo, necessita estar revestido de todos os requisitos de validade, ou seja, ser praticado por agente público no exercício regular de sua competência, ser produzido segundo a  forma imposta em lei, além se revestir dos requisitos da finalidade, motivo e objeto (conteúdo). Em síntese, o ato administrativo é considerado legal/legítimo caso esteja em consonância com os requisitos exigidos para sua validade.

 

 A competência consiste no requisito de validade segundo o qual o ato administrativo praticado se insere no feixe de atribuições legais e regulamentares do agente público que o praticou. A forma significa a observância das formalidades indispensáveis à existência ou regularidade do ato. A finalidade[2]  representa  a pratica o ato por agente investido de competência em consonância com o fim previsto, expressamente ou implicitamente, na regra de competência. O motivo abrange a matéria de fato (fática) e de direito (jurídica) que fundamenta a prática do ato, sendo materialmente e juridicamente adequado ao resultado obtido. Já o objeto[3] equivale a alteração no mundo jurídico que o ato administrativo almeja implementar, correspondendo ao objetivo imediato da vontade exteriorizada pelo ato do agente público preordenado a determinado fim. 

 

É preceito basilar do regime jurídico-administrativo a observância ao princípio da legalidade ao qual está sujeita inexoravelmente a Administração Pública, conforme se depreende do artigo 37, caput, da Carta Magna de 1988.

 

O princípio da legalidade administrativa significa a sujeição do Estado ao império da lei, entendida esta como a “expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição[4]. A dimensão que se dá a esse princípio também é distinta da aplicável no âmbito das relações privadas. Se no campo do direito privado é lícito aquilo que não é vedado por lei, na área do direito administrativo, somente é lícito aquilo que a lei expressamente determina como tal.

 

O princípio da legalidade implica a subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que ocupa o cargo de mais elevado escalão até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel realização das finalidades normativas. 

 

Na clássica comparação de Hely Lopes Meirelles, enquanto para indivíduos na esfera privada tudo o que não está juridicamente proibido está juridicamente facultado, nos termos do clássico brocardo cuique facere licet quid jure prohibitur, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei lhe ordena, estando adstrita ao cumprimento do preciso fim por ela assinalado, conforme a parêmia prohibita intelliguntur quod non permissumnão lhe cabendo, portanto, conceder direitos em situações diversas das previstas em lei, ex vi o que preceitua o princípio da legalidade insculpido no artigo 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, verbis:

 

(...)

 

"CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

 

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência." (destacou-se)

 

 

É de extrema importância apreciar o efeito do princípio da legalidade no que tange aos direitos dos indivíduos. Na verdade, o princípio se reflete na consequência de que a própria garantia desses direitos depende de sua existência, autorizando-se então, os indivíduos à verificação do confronto entre a atividade administrativa e a lei. A conclusão é inabalável no sentido de que havendo dissonância entre a conduta e a lei, deverá aquela ser corrigida para eliminar-se a ilicitude.

 

Sendo certo que na Administração Pública não liberdade nem vontade pessoal e as leis e as normas são de ordem pública, não podendo ser descumpridos os seus preceitos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários.

 

Nesta linha de entendimento, o escólio do eminente Hely Lopes Meirelles[5], abaixo reproduzido:

 

(...)

 

“A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

 

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.

 

Na Administração Pública não liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.” (grifou-se)

 

 

No mesmo sentido a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[6]:

(...)

 

"3 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO

 

(...)

 

3.4 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

3.4.1 Legalidade

 

Este princípio, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade.

 

É aqui que melhor se enquadra aquela ideia de que, na relação administrativa, a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei.

 

Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa é a ideia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles (2003:86) e corresponde ao que já vinha explícito no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei”.

 

No direito positivo brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, está contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei". (os destaques não constam do original).

 

 

Marçal Justen Filho em sua primorosa obra Curso de Direito Administrativo[7] preleciona o seguinte sobre o princípio da legalidade e a sua aplicação na atividade administrativa:

 

(...)

 

"Capítulo 5
A LEGALIDADE E A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

 

(...)

 

9 A LEGALIDADE E A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

 

No relacionamento entre os particulares, prevalece a regra de que tudo aquilo que não for obrigatório nem proibido por lei é juridicamente autorizado. No tocante à atividade administrativa, reconhece-se que tudo aquilo que não for autorizado por lei é juridicamente proibido.

 

(...)

 

9.2 As posições jurídicas de direito público

 

Já o exercício de competências estatais e de poderes excepcionais não se funda em alguma qualidade inerente ao Estado ou a algum atributo do governante. Toda a organização estatal, a atividade administrativa em sua integralidade e a instituição de funções administrativas são produzidas pelo direito.

 

Logo, a ausência de disciplina jurídica tem de ser interpretada como inexistência de poder jurídico. Daí se afirmar que, nas relações de direito público, tudo o que não for autorizado por meio de lei será reputado como proibido." (os destaques não constam do original)

 

 

Considerando o disposto no artigo 6º, parágrafo 1º, do Decreto-Lei Federal nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, c/c o artigo 5º, inciso XI, da Portaria SPU/ME nº 8.678, de 30 de setembro de 2022, em cotejo com o princípio da legalidade que rege/norteia a atividade administrativa e em razão do aduzido no item "16.", reputo não ser juridicamente viável/possível face a inexistência de previsão legal/normativa, a delegação de competência ao Município de Itapoá-SC para a realização de obras em áreas de domínio da União delimitadas de forma genérica.

 

Destaco que a análise aqui empreendida circunscreve-se aos aspectos legais envolvidos, não incumbido a esta unidade jurídica imiscuir-se no exame dos aspectos de economicidade, oportunidade, conveniência, assim como os aspectos técnicos envolvidos, conforme diretriz inserta na Boa Prática Consultiva (BPC) 7[8].

 

Tal entendimento está lastreado no fato de que a prevalência do aspecto técnico ou a presença de juízo discricionário determinam a competência e a responsabilidade da autoridade administrativa pela prática do ato.

 

Neste sentido, a Boa Prática Consultiva (BPC) 7, cujo enunciado é o que se segue:

 

"Enunciado

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento." (grifou-se)

 

 

IV - CONCLUSÃO

 

Em face do anteriormente exposto, observado a(s) recomendação(ões) sugerida(s) no(s) item(ns) "16.", "28." e "29." desta manifestação jurídica, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, o feito está apto para a produção dos seus regulares efeitos, tendo em vista não conter vício insanável com relação à forma legal que pudesse macular o procedimento.

 

Em razão do advento da PORTARIA NORMATIVA CGU/AGU 10, de 14 de dezembro de 2022, publicada no Suplemento "A" do Boletim de Serviço Eletrônico (BSE) nº 50, de 14 de dezembro de 2022, que dispõe sobre a organização e funcionamento das Consultorias Jurídicas da União Especializadas Virtuais (e-CJUs), convém ressaltar que as manifestações jurídicas (pareceres, notas, informações e cotas) não serão objeto de obrigatória aprovação pelo Coordenador da e-CJU, conforme estabelece o artigo 22, caput, do aludido ato normativo.

 

Feito tais registros, ao Núcleo de Apoio Administrativo da Consultoria Jurídica da União Especializada Virtual de Patrimônio (e-CJU/PATRIMÔNIO) para restituir o processo a Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Santa Catarina (SPU-SC) para ciência desta manifestação jurídica, mediante disponibilização de chave (link) de acesso externo como usuário externo ao Sistema AGU SAPIENS 2.0., bem como para adoção da(s) providência(s) que entender pertinente(s).

 

Vitória-ES., 22 de dezembro de 2023.

 

 

(Documento assinado digitalmente)

 Alessandro Lira de Almeida

Advogado da União

Matrícula SIAPE nº 1332670


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 14021124261202202 e da chave de acesso c9f67400

Notas

  1. ^ "Capítulo 2 Das Disposições Gerais (...) 5. Os princípios processuais básicos (...) LEGALIDADE - A legalidade é o princípio fundamental da Administração, estando expressamente referido no art. 37 da Constituição Federal. De todos os princípio é o de maior relevância e que mais garantias e direitos assegura aos administrados. Significa que o administrador só pode agir, de modo legítimo, se obedecer aos parâmetros que a lei fixou. Tornou-se clássica a ideia realçada por HELY LOPES MEIRELLES, de rara felicidade, segundo o qual "na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal", concluindo que "enquanto na Administração particular é lícito fazer tudo que a lei autoriza". CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal  - Comentários à Lei 9.784, de 29.1.1999. 5ª Ed., revista, ampliada e atualizada até 31.3.2013. São Paulo: Atlas, 2013, p. 47.
  2. ^ "Parte II ATIVIDADE ADMINISTRATIVA Capítulo 5 Ato administrativo (...) 5.4 Requisitos de validade do ato administrativo (...) 5.4.2 Finalidade No âmbito da Administração Pública, não existe atuação ou atividade vãs, praticadas ao acaso. Todos os atos administrativos têm fim específico, imediato, direto. Este fim imediato buscado pelo poder público deve-se conformar com o fim mediato de todas as atividades estatais: o interesse público. Temos, portanto, duas finalidades nos atos administrativos: uma mediata e outra imediata. A finalidade mediata corresponde à necessidade de que o interesse público seja realizado; a finalidade imediata, ao resultado material ou jurídico que o administrador busca alcançar com a prática do ato. Quando se examina a legitimidade dos atos administrativos sob a ótica deste requisito de validade deve-se verificar a conformação dos fins imediatos buscados pelos administradores com os fins mediato do Estado. Nesse sentido, a finalidade, como requisito de validade do ato administrativo, exige que eles se conformem ao interesse público, ou seja, que os fins buscados pelo administrador estejam em conformidade com aqueles indicados na Constituição Federal e nas leis." FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2ª Ed., revista e ampliada. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 267.
  3. ^ "Parte II ATIVIDADE ADMINISTRATIVA Capítulo 5 Ato administrativo (...) 5.4 Requisitos de validade do ato administrativo (...) 5.4.5 Objeto Objeto, ou conteúdo, do ato administrativo corresponde à própria manifestação unilateral de vontade a ser produzida pela Administração Pública. O objeto do ato corresponde ao próprio ato administrativo, ao conteúdo da manifestação de vontade produzida pela Administração Pública." FURTADO, Lucas Rocha. Ob. cit., pp 278/279.
  4. ^ DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 367.
  5. ^ MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 82.
  6. ^ DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34ª Ed., revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 110.
  7. ^ JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 14ª Ed., revista, atualizada e reformulada.  Rio de Janeiro: Forense, 2023, pp. 84/85.
  8. ^ Manual de Boas Práticas Consultivas. 4ª Ed., revista, ampliada e atualizada. Brasília: AGU, 2006.



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