ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE

 

PARECER n. 00329/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.036415/2023-76

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ACOMPANHAMENTO LEGISLATIVO E EMENDAS PARLAMENTARES/COLEP/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

EMENTA:
I Análise e manifestação acerca de projeto de lei em fase de sanção presidencial.
II - Projeto de Lei nº 3, de 2023, de autoria da Senhora Deputada Maria do Rosário, que “Cria o protocolo 'Não é Não', para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima; institui o selo 'Não é Não - Mulheres Seguras'; e altera a Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 (Lei Geral do Esporte)”.
III. Pela ausência de óbices jurídicos, no que concerne às competências deste Ministério da Cultura ("pela sanção").

 

 

I.  RELATÓRIO

 

Trata-se de expediente inaugurado a partir de missiva da Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República - SAJ-CC (OFÍCIO CIRCULAR Nº 310/2023/CAP/SALEG/SAJ/CC/PR), dirigida a este Ministério da Cultura e outros Ministérios, por conduto da qual solicita a manifestação sobre o Projeto de Lei nº 3, de 2023, de autoria da Senhora Deputada Maria do Rosário, que “Cria o protocolo 'Não é Não', para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima; institui o selo 'Não é Não - Mulheres Seguras'; e altera a Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 (Lei Geral do Esporte) o qual "abrange pauta de natureza transversal, envolvendo assuntos de competência das pastas em epígrafe, salvo melhor juízo."

 

2. Arremata a SAJ-CC o seguinte no Ofício supra:

 

Tendo em vista que a matéria já se encontra em fase de sanção, encareço seja encaminhado a esta Secretaria parecer do órgão técnico competente, com visto ministerial, até o dia 22/12/23, conforme disposto no parágrafo único do art. 25 do Decreto nº 9.191, de 1º de novembro 2017, sem prejuízo de antecipação tão logo seja realizada, no intuito de colaborar com os trâmites e a urgência que a matéria requer.

 

3. Encaminhada a missiva supra à Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos deste Ministério, referido órgão redireciona o pleito a esta Consultoria Jurídica, por meio do Despacho nº 1554260/2023, para emissão de parecer, solicitando a remessa posterior dos autos até o dia 21/12/2023.

 

4. O inteiro teor do PL encontra-se acostado aos autos do processo SEI (1547905).

 

5. É o relatório. Passo à análise.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

6. Preliminarmente, impende tecer breve consideração sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo in casu.

 

7. Sabe-se que a Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a advocacia pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

 

8. O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
 

9. Nesta esteira, o art. 11, inciso I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 - Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União -, estabeleceu, no que concerne à atividade de consultoria ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
 

10. Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, que possui o seguinte teor:

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 

11. Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta. Primeiramente, impende realçar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre cultura, nos termos do art. 24, IX da Constituição Federal. Outrossim, a proposta não está inserida no âmbito de iniciativa privativa de algum órgão, de modo que qualquer parlamentar detém a competência para a iniciativa, encontrando-se a proposta regular também nesse ponto. Adicione-se, ainda, que o PL ​já percorreu o trâmite legislativo no âmbito do Congresso Nacional, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República, nos termos do art. 66 da Constituição Federal.

 

12. Adentrando-se a leitura de seu teor, verifica-se que a proposta visa criar o protocolo “Não é Não”, para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima, bem como institui o selo “Não é Não –Mulheres Seguras”.

 

13. Nos termos do art. 2° do PL, o protocolo “Não é Não” será implementado no ambiente de casas noturnas e de boates, em espetáculos musicais realizados em locais fechados e em shows, com venda de bebida alcoólica, para promover a proteção das mulheres e para prevenir e enfrentar o constrangimento e a violência contra elas.

 

14. Em consulta ao sítio eletrônico da Câmara dos Deputados[1] sobre a justificativa da proposta, tem-se o seguinte:

 

(...)
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em reportagem publicada pela Folha de São Paulo em 7 de agosto de 2022, no primeiro semestre uma menina ou uma mulher foi estuprada a cada 9 minutos no Brasil, computando-se 29.285 casosregistrados, número que varia para cima ou para baixo nos últimosanos de acordo com o momento. Desde 2020, com a pandemia,houve redução nos registros devido às dificuldades de acesso aosistema de garantias de direitos ou redes de atendimento.
No entanto, segundo a Pnad Contínua (IBGE) do quarto trimestre de 2021 uma em cada 5 mulheres no país tem medo de sofrer violência sexual, em lugares públicos ou privados.
Pesquisas de opinião, como "Bares Sem Assédio",promovida por uma marca de bebida, e amplamente divulgada noano de 2022, detectou que cerca de dois terços das brasileiras entrevistadas relatam já terem sofrido algum tipo de assédio em bares, restaurantes e casas noturnas, número que sobe para 78% quando incluídas as trabalhadoras nestes locais; 53% das entrevistadas já deixaram de ir a um bar ou balada por medo de assédio e apenas 8% frequentam regularmente este tipo deestabelecimento sozinha. Cerca de 13% nunca se sentem seguras nestes ambientes e 41% só se sentem mais confortáveis na presença de um grupo de amigos. (Uol, 03/07/2022)
Observa-se, na sociedade, uma crescente indignação com a violência sexual, por um lado, e de outro, sua banalização diante de casos em que as vítimas, por razão de gênero, são tratadas com descrédito, como ocorreu com Mariana Ferrer, uma jovem vítima de estupro numa casa noturna em Santa Catarina, onde trabalhava, e que, além disso sofreu um conjunto de humilhações no processo legal, dando origem à Lei 14.245/2021.
(...)
Não se pretende com este projeto, como já mencionado anteriormente, alterar a legislação de violência, que resulta de ampla e longa luta dos movimentos de mulheres e da sociedade, acolhida pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, merecedora de respeito.
Mas demonstrar que cabe a TODA a sociedade a responsabilidade de prevenir, punir e eliminar todas as formas de violência contra mulheres e meninas, notadamente a violência sexual, grave violação aos direitos humanos e à cidadania.
 

 

15. Consultadas as Secretarias deste Ministério, restou exarada manifestação por parte da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural e da Assessoria de Participação Social e Diversidade (Formulário SEI 1553840), por conduto do qual aquiesceram no todo com a proposta ora em análise, senão, veja-se:

 

A proposta legislativa está alinhada à visão do Ministério da Cultura que reconhece a importância de estabelecer medidas concretas para impedir que se perpetue a violência contra as mulheres. Estabelecer o protocolo "Não é Não" e o selo "Não é Não - Mulheres Seguras" não apenas cria diretrizes nítidas para prevenir o constrangimento e a violência, mas também sinaliza a necessidade de se construir protocolos específicos para que as mulheres se sintam seguras para frequentar todos os espaços, inclusive espaços esportivos frequentemente dominados por uma maioria masculina geralmente reprodutora de violências.
O protocolo é também benéfico aos espaços e estabelecimentos, tendo em vista que a padronização de procedimentos responde a muitas dúvidas frequentes de como proceder em casos de violência quanto a mulher, bem como soluciona uma dificuldade comumente alegada de se identificar o que seria uma violência ao reconhecer e valorizar o relato da vítima acerca do constrangimento ou da violência sofrida e orientar objetivamente como proceder nesses casos, oferecendo base legal para que haja a retirada do agressor do estabelecimento. O protocolo garante segurança jurídica também aos possíveis agressores, considerando a garantia de preservação de imagens e provas.
A implementação da proposta envolve setor público e privado, com vistas à criação de uma cultura de prevenção à violência à mulher. 
(...)
O projeto de lei em tela representa um passo importante rumo à construção de ambientes sociais mais inclusivos, respeitosos e seguros que respeitem os direitos das mulheres. Representa uma ação focada na prevenção, promoção e conscientização, sinalizando a relevância de uma responsabilidade compartilhada.
Este alinhamento reforça a urgência de adotar medidas práticas e abrangentes para construir uma sociedade baseada em uma cultura mais equitativa e respeitosa, que reconheça e garanta todos os direitos reservados às mulheres e que não tolere nem um tipo de  violência de gênero.

 

16. Depreende-se que a instituição de protocolo que venha a robustecer o rol de medidas em prol de ambiente mais seguro para as mulheres vai ao encontro das políticas públicas transversais - as quais abrangem os vários Ministérios - e com a Cultura não seria diferente, em especial, com as ações afirmativas que vêm sendo implementadas no âmbito desta Pasta Ministerial, visando mitigar as desigualdades na sociedade, dentre elas, as de gênero - razão pela qual se pode concluir que não se visualizam óbices jurídicos ao referido PL, pelo menos no que concerne às competências deste Ministério da Cultura.

 

17. Quanto aos aspectos estritamente formais, insta ponderar que ao Projeto de Lei se aplicam as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição.

 

III. CONCLUSÃO

 

18. Diante do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade na criação de mecanismos institucionais, não sujeitos ao crivo desta CONJUR, não se visualizam óbices jurídicos ao Projeto de Lei nº 3, de 2023, de autoria da Senhora Deputada Maria do Rosário, que “Cria o protocolo 'Não é Não', para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima; institui o selo 'Não é Não - Mulheres Seguras'; e altera a Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 (Lei Geral do Esporte) de modo que, no que concerne às competências legais deste Ministério da Cultura (sem prejuízo da análise das outras Pastas Ministeriais), o projeto encontra-se apto a ser submetido à sanção presidencial.

 

19. Encaminhem-se os autos, via SEI, ao Gabinete da Ministra, conforme requerido pela ASPAR no Despacho nº 1554260/2023.

 

 

Brasília, 22 de dezembro de 2023.

 

 

(assinado eletronicamente)

SOCORRO JANAINA M. LEONARDO

Advogada da União

Consultora Jurídica

 

 


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Notas

  1. ^ Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2230749.Acesso em: 22/12/2023.



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