ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE

 

PARECER n. 00334/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.011648/2023-66

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ACOMPANHAMENTO LEGISLATIVO E EMENDAS PARLAMENTARES COLEP/ASPAR/GM/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

EMENTA:
I Análise e manifestação acerca de projeto de lei em fase de sanção presidencial.
II - Projeto de Lei nº 3.493, de 2021, de autoria do Senhor Senador Paulo Paim, que “Inscreve os Lanceiros Negros no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.
III. Pela ausência de óbices jurídicos, no que concerne às competências deste Ministério da Cultura ("pela sanção").

 

 

 

I. RELATÓRIO

 

Trata-se de expediente inaugurado a partir de missiva da Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República - SAJ-CC (OFÍCIO CIRCULAR Nº 329/2023/CAP/SALEG/SAJ/CC/PR), dirigida a este Ministério da Cultura, por conduto da qual solicita a manifestação sobre o Projeto de Lei nº 3.493, de 2021, de autoria do Senhor Senador Paulo Paim, que “Inscreve os Lanceiros Negros no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.

 

2. Arremata a SAJ-CC o seguinte no Ofício supra:

 

Tendo em vista que a matéria já se encontra em fase de sanção, encareço seja encaminhado a esta Secretaria parecer do órgão técnico competente, com visto ministerial, até o dia 26/12/23, conforme disposto no parágrafo único do art. 25 do Decreto nº 9.191, de 1º de novembro 2017, sem prejuízo de antecipação tão logo seja realizada, no intuito de colaborar com os trâmites e a urgência que a matéria requer.

 

3. Encaminhada a missiva supra à Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos deste Ministério, referido órgão redireciona o pleito a esta Consultoria Jurídica, por meio do Ofício nº 613/2023/COLEP/ASPAR/GM/MinC, para emissão de parecer, solicitando a remessa de manifestação até o dia de 22/12/2023. 

 

4. O inteiro teor do PL encontra-se acostado aos autos do processo SEI (1556603).

 

5. É o relatório. Passo à análise.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

6. Preliminarmente, impende tecer breve consideração sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo in casu.

 

7. Sabe-se que a Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a advocacia pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

 

8. O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
 

9. Nesta esteira, o art. 11, inciso I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 - Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União -, estabeleceu, no que concerne à atividade de consultoria ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
 

10. Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, que possui o seguinte teor:

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 

11. Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta. Primeiramente, impende realçar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre cultura, nos termos do art. 24, IX, da Constituição Federal. Outrossim, a proposta não está inserida no âmbito de iniciativa privativa de algum órgão, de modo que qualquer parlamentar detém a competência para a iniciativa, encontrando-se o projeto regular também nesse ponto. Adicione-se, ainda, que o PL ​já percorreu o trâmite legislativo no âmbito do Congresso Nacional, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República, nos termos do art. 66 da Constituição Federal.

 

12. Adentrando-se ao teor do PL propriamente, verifica-se que a proposta visa inscrever os Lanceiros Negros no Livro dos Heróis e Heroínas, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. A respeito do tema, mister trazer a lume os requisitos legais para a inscrição de brasileiro, brasileira ou grupo de brasileiros no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, conforme Lei nº 11.597, de 29 de novembro de 2007:

 

Art. 1º O Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, destina-se ao registro perpétuo do nome dos brasileiros e brasileiras ou de grupos de brasileiros que tenham oferecido a vida à Pátria, para sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo. (Artigo com redação dada pela Lei nº 13.433, de 12/4/2017) (grifo nosso)
 
Art. 2º A distinção será prestada mediante a edição de lei, decorridos 10 (dez) anos da morte ou da presunção de morte do homenageado. (“Caput” do artigo com redação dada pela Lei n º 13.229, de 28/12/2015)
Parágrafo único. Excetua-se da necessidade de observância de prazo a homenagem aos brasileiros mortos ou presumidamente mortos em campo de batalha.
 
Art. 3º O registro levará em consideração o transcurso de data representativa de feito memorável da vida do laureado.

 

13. Em consulta ao sítio eletrônico do Senado[1] sobre o PL, extrai-se o seguinte  in verbis

 

Os Lanceiros Negros tiveram importante atuação na Revolução Farroupilha; guerra do Rio Grande do Sul contra o Império, ocorrida de 1835 a 1845. Integravam asfileiras do exército republicano farrapo. Eram escravos, conhecedores da lida campeira; domadores, charqueadores. Manejavam com grande habilidade a lança. Receberam a promessa de alforria diante da vitória final.
Na Batalha de Porongos, interior do atual município de Pinheiro Machado,fronteira com o Uruguai, em 14 de novembro de 1844, na calada da noite, os Lanceiros Negros foram desarmados. Mais de 100 foram mortos pelo exército imperial. A paz veio como Tratado de Ponche Verde; mas a liberdade, tão prometida, não. Os bravos lanceiros foram traídos.
O italiano Giuseppe Garibaldi, cognominado “herói de dois mundos”, devido à sua participação em conflitos na Europa e na América do Sul, lutou ao lado dos Farrapos,assim registrou em suas memórias ditadas ao escritor Alexandre Dumas: “Eu vi batalhas disputadas, mas nunca e em nenhuma parte homens mais valentes nem lanceiros mais brilhantes do que os da cavalaria rio-grandense, em cujas fileiras comecei a desprezar o perigoe a combater pela causa sagrada dos povos”.
Os Lanceiros Negros são mártires. Foram brilhantes homens, guerreiros; avós, pais, filhos, tios, meninos. Traziam na força constante dos dias a sabedoria dos seus antepassados africanos. Hoje, passados 176 anos do final da revolução, seus ideais continuam vivos... Liberdade, Liberdade, Liberdade; Justiça, Justiça, Justiça. Nos campos e nas cidades, onde houver fome, miséria e pobreza; racismo e discriminação, sempre haverá um lanceironegro estendendo a mão e fazendo a boa luta em defesa dos que mais precisam.
Diante da importância desse grupo de personagens da história brasileira, propomos o presente projeto de lei para que seja inscrito o nome dos Lanceiros Negros no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
 

14. No processo SEI em trâmite neste Ministério, verifica-se que foi juntada manifestação da Fundação Cultural Palmares (entidade vinculada a este Ministério da Cultura), concluindo favoravelmente à sanção presidencial, conforme se depreende do doc SEI 1558752.

 

15. Verifica-se que o PL objetiva promover a inscrição de grupo de brasileiros com histórico de dedicação de luta em prol da nação bem como da libertação da população negra escravizada no Brasil Imperial -  já tendo decorrido, pois, o prazo de dez anos desde sua morte, conforme requisito disposto na Lei nº 11.597, de 2007.

 

16. Não se mostra despiciendo frisar que a análise ora emitida se restringe ao aspecto eminentemente jurídico - isto é, se o PL preenche os requisitos normativos, sem adentrar no mérito da proposta; assim que, sob o ponto de vista estritamente jurídiconão se visualizam óbices ao PL, pelo menos no que concerne às competências deste Ministério da Cultura.

 

17. Quanto aos aspectos estritamente formais, insta ponderar que ao Projeto de Lei se aplicam as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição.

 

III. CONCLUSÃO

 

18. Diante do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade na criação de mecanismos institucionais, não sujeitos ao crivo desta CONJUR, não se visualizam óbices jurídicos ao Projeto de Lei nº 3.493, de 2021, de autoria do Senhor Senador Paulo Paim, que “Inscreve os Lanceiros Negros no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria de modo que, no que concerne às competências legais deste Ministério da Cultura (sem prejuízo da análise de outras Pastas Ministeriais), o projeto encontra-se apto a ser submetido à sanção presidencial.

 

19. Encaminhem-se os autos, via SEI, à ASPAR, em resposta ao  Ofício nº 613/2023/COLEP/ASPAR/GM/MinC, em prosseguimento.

 

 

Brasília, 22 de dezembro de 2023.

 

 

(assinado eletronicamente)

SOCORRO JANAINA M. LEONARDO

Advogada da União

Consultora Jurídica

 

 


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Notas

  1. ^ Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9026102&ts=1703182128749&disposition=inline&_gl=1*xnqbo4*_ga*NzU4MDc5MzQzLjE2NDQ1MDQ1OTk.*_ga_CW3ZH25XMK*MTcwMzI0MzUzMy44LjEuMTcwMzI3MDcxOC4wLjAuMA..Acesso em: 22/12/2023.



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