ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA - GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - CNLCA/DECOR/CGU

 

PARECER n.00017/2023/CNLCA/CGU/AGU

 

 

NUP: 00688.000717/2019-98

INTERESSADOS: DECOR

ASSUNTOS: LICITAÇÕES

 

EMENTA: ANÁLISE JURÍDICA DA POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE REMANESCENTE DE OBRA, SERVIÇO OU FORNECIMENTO RELATIVO A CONTRATO CELEBRADO COM BASE NA LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993, CUJA RESCISÃO OCORRA APÓS SUA REVOGAÇÃO, OU SEJA, EM MOMENTO DE VIGÊNCIA EXCLUSIVA DA LEI 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021.  
I – Exame da possibilidade de realização de contratação de remanescente no período de transição legal, levando-se em consideração contratos licitados e regidos com base na Lei nº 8.666, de 1993, e rescindidos já na vigência exclusiva da Lei nº 14.133, de 2021. Resposta às seguintes perguntas: É possível a contratação de remanescente nesses casos? Caso positivo, poderá ser adotado o permissivo do art. 24, inciso XI, da Lei nº 8.666, de 1993?  
II – Opinativo no sentido de que licitações já realizadas com base na Lei nº 8.666, de 1993, se equiparam à opção de licitar e contratar com base no regime anterior de que trata o caput do art. 191 da NLLCA. 
III - Demonstração da viabilidade de promover a contratação com base na Lei nº 8.666, de 1993, em razão da relação gravitacional existente entre a contratação de remanescente e a licitação que lhe deu origem.
IV - Sugestão de redação de Orientação Normativa a ser editada sobre o tema. 

 

 

I - RELATÓRIO  

 

Trata-se de manifestação jurídica emitida com o objetivo de esclarecer eventuais dúvidas quanto à possibilidade de a Administração efetuar contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento prevista no art. 24, inciso XI, da Lei nº 8.666, de 1993, em decorrência de rescisão de contrato administrativo que tenha sido celebrado com base na lei anterior e rescindido em momento de vigência exclusiva da NLLCA.

Em razão do Despacho nº 00008/2022/CNLCA/CGU/AGU (Seq. 78), o processo foi encaminhado à signatária para análise e emissão de parecer.

É o relatório.  

 

II - ANÁLISE JURÍDICA 

II.1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA ANÁLISE E DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO HIPOTÉTICA CONSIDERADA. PERTINÊNCIA DO ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO TRAZIDA NO PARECER 

 

a. Considerações iniciais

​Os arts. 191 e 193 da Lei nº 14.133, de 2021, preveem expressamente período de vigência concomitante da NLLCA com a Lei nº 8.666, de 1993:  

   

Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso. 
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Leio contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência
(...)  
Art. 193. Revogam-se: 
I - os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei; 
II - em 30 de dezembro de 2023:       (Redação dada pela Lei Complementar nº 198, de 2023) 
a) a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993;       (Redação dada pela Lei Complementar nº 198, de 2023) 
b) a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002; e     (Redação dada pela Lei Complementar nº 198, de 2023) 
c) os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011.       (Redação dada pela Lei Complementar nº 198, de 2023) 
(Grifos não originais)  

   

Sobre o período de vigência paralela das Leis nº 8.666, de 1993, e nº 14.133, de 2021, elucidativas são as considerações inseridas no PARECER n. 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU (NUP 00688.000717/2019-98, Seq. 79), que justificam o contexto para a autorização legal que acaba por permitir, transitoriamente, que o administrador público escolha o regime legal que será aplicado em contratações administrativas:

 
Considerando o conceito doutrinário acima referenciado, perquire-se: houve o corte desmembrador e impositivo de um novo regime jurídico para as contratações pública a partir do advento da Lei n.º 14.133/2021? O legislador, buscando impedir um potencial cenário de caos nas contratações erigiu um disciplinamento transitório diferenciado: permitiu a coexistência no tempo de dois regimes jurídicos.  
(Grifos não originais) 

 

No mesmo sentido são as considerações lançadas no DESPACHO n. 0510/2022/DECOR/CGU/AGU (NUP: 00688.000717/2019-98, Seq. 81), por meio do qual o Diretor do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União bem registrou o acerto do legislador da Lei nº 14.133, de 2021, ao estabelecer período de vigência concomitante com a Lei nº 8.666, de 1993:  

  

Atenta leitura do caput do art. 191 da Lei nº 14.133, de 2021, revela que o legislador ordinário fixou uma transição gradual e paulatina entre as leis de licitação para não comprometer o alcance dos interesses públicos perseguidos pelas contratações, preservando a ordem administrativa e a regular continuidade dos processos licitatórios e de contratação direta contra uma abrupta alteração legislativa ao admitir que no curso dos dois anos de vigência concomitante pode o gestor deliberar a respeito de qual regime jurídico incidirá em cada caso concreto, devendo a opção tempestivamente realizada ser ulteriormente indicada no edital, no aviso ou no termo de contratação direta que vier a ser celebrado.
(Grifos não originais)

  

Tal período, designado por Ronny Charles Lopes de Torres como sendo de “convivência normativa” das Leis nº 8.666, de 1993, e 14.133, de 2021, tem se mostrado proveitoso. Para além da realização de importantes iniciativas de capacitação baseadas no novo diploma legal, o intervalo dedicado à vigência concomitante tem se revelado essencial também para o desenvolvimento do arcabouço normativo voltado à regulamentação de sua aplicação. Tanto é assim que diversas normas infralegais já estão em vigor, de modo que a aplicação da NLLCA é uma realidade em diversos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, o que também resulta do fato de estarem disponíveis para utilização, há algum tempo, as minutas padronizadas elaboradas pela Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos da CGU/AGU em parceria com a Secretaria de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (Seges/MGI). 

 Adicionalmente, o período de convivência normativa tem se mostrado essencial para a incorporação gradual de novas rotinas pela Administração. A modificação legal desacompanhada de período de adaptação poderia conduzir à indesejável perda de qualidade e eficiência na atuação administrativa, de modo a se poder concluir que o legislador atuou de forma sensata ao prever o período de vigência concomitante de ambos os regimes legais, com vistas a garantir a paulatina incorporação das novas regras legais pelos seus usuários. 

Mas não é só. Desde a publicação da Lei nº 14.133, de 2021, esta Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos (CNLCA) tem realizado reuniões para tratar do novo marco legal de licitações e contratos administrativos. Os assuntos que desde logo foram identificados como aptos a ensejar alguma dúvida por parte da Administração e de seus órgãos jurídicos foram selecionados para fins de aprofundamento e emissão de parecer em caráter abstrato, sendo esse o contexto em que se insere a presente manifestação jurídica. 

​Nesse ponto, a elaboração de parecer jurídico em abstrato, destinado a equacionar questão desvinculada de caso concreto, encontra respaldo no Enunciado nº 33 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU:  

  

BPC nº 33   
Enunciado   
Como o Órgão Consultivo desempenha importante função de estímulo à padronização e à orientação geral em assuntos que suscitam dúvidas jurídicas, recomenda-se que a respeito elabore minutas-padrão de documentos administrativos e pareceres com orientações in abstrato, realizando capacitação com gestores, a fim de evitar proliferação de manifestações repetitivas ou lançadas em situações de baixa complexidade jurídica.  
(Grifos não originais)  

 

Também é verdade que a uniformização de orientação jurídica vai ao encontro das determinações constantes do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - Lindb), cujo art. 30 conclama as autoridades públicas a atuarem de forma a aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, o que claramente se pretende alcançar com este parecer.  

Empreende-se aqui, portanto, a tarefa de evitar a proliferação de manifestações divergentes nas diversas unidades jurídicas da Advocacia-Geral da União, em prestígio à segurança jurídica que deve orientar sua atuação.  

Para contextualização do leitor, este parecer jurídico foi assim estruturado:

 

I – RELATÓRIO
 
II – ANÁLISE JURÍDICA
 
II.1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA ANÁLISE E DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO HIPOTÉTICA CONSIDERADA. PERTINÊNCIA DO ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO TRAZIDA NO PARECER.
​a. Considerações iniciais
b. Delimitação do objeto da análise e descrição da situação hipotética considerada
c. Pertinência do enfrentamento da questão abordada no parecer.
 
II.2 - DEMONSTRAÇÃO DA PERTIÊNCIA DE PROMOVER INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA NA SITUAÇÃO APRESENTADA
a. Tese do silêncio normativo
b. Dos riscos à continuidade do serviço público 
c. Do caráter meramente subsidiário da utilização de contratação emergencial 
d. Presença histórica e ininterrupta do instituto da contratação de remanescente ao longo dos últimos 30 anos
e. Da forma de materialização da interpretação extensiva do art. 191 da NLLCA na situação apresentada 
 
III - CONCLUSÃO
 

Um esclarecimento merece ser realizado desde já. Para que se obtenha maior fluidez na leitura desta manifestação jurídica, a alusão à contratação de remanescente de obra, serviço e fornecimento poderá ser mencionada neste parecer mediante uso de expressão abreviada “contratação de remanescente”. 

 

b. Delimitação do objeto da análise e descrição da situação hipotética considerada​​​

Será analisada neste parecer a possibilidade de realização da contratação de remanescente no período de transição legal, ou seja, levando-se em consideração contratos regidos pela Lei nº 8.666, de 1993, que tenham sido rescindidos já na vigência exclusiva da NLLCA. 

Nesse contexto, o que importa para o enfrentamento da questão jurídica são os seguintes pressupostos:

  • Licitação realizada com base na Lei nº 8.666, de 1993;  
  • Contrato original celebrado com base na Lei nº 8.666, de 1993; e 
  • Rescisão desse contrato em momento no qual a Lei nº 8.666, de 1993, já esteja revogada, de modo que esteja vigente apenas a Lei nº 14.133, de 2021. 

Apresentadas as premissas para configuração da situação objeto de exame jurídico, impõe-se o desenvolvimento de argumentos para que possível responder às seguintes indagações:

  • Após a revogação da Lei nº 8.666, de 1993, será possível efetuar a contratação de remanescente em razão da rescisão de contratos nela baseados? e 
  • Caso a resposta seja positiva, será aplicável o permissivo do art. 24, inciso XI, da Lei nº 8.666, de 1993, que estará revogado no momento dessa contratação? 

Ao final, pretende-se oferecer solução juridicamente consistente a essas questões.  

 

c. Pertinência do enfrentamento da questão trazida no parecer 

A análise jurídica que esta Câmara se propõe a fazer se justifica em razão da previsão de encerramento do período de convivência normativa das Leis nº 8.666, de 1993, e nº 14.133, de 2021, segundo a qual a revogação da lei anterior ocorrerá em 30 de dezembro de 2023, conforme art. 193, inciso II, alínea “a”, da NLLCA. 

Até o momento da revogação, o tema não atrairá impactos concretos, pois em caso de rescisão de contrato baseado na Lei nº 8.666, de 1993, indiscutivelmente será possível a aplicação de seu artigo 24, inciso XI, haja vista que referida lei estará em pleno vigor. 

Somente após o encerramento do período de vigência simultânea e, por consequência, com a revogação da lei anterior, é que a situação apresentada poderá ensejar questionamentos jurídicos. 

Também tem relevância a constatação de que, mesmo após sua revogação, diversas contratações permanecerão regidas pela Lei nº 8.666, de 1993, durante toda a sua vigência, conforme expressamente previsto nos artigos 190 e 191, parágrafo único, ambos da Lei nº 14.133, de 2021:  

  

Art. 190. O contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada. 
 
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso. 
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência. 
(Grifos não originais) 
  

Em relação a esses contratos que permanecerão regidos pela Lei nº 8.666, de 1993, vale observar que a lei anterior não alcançará apenas seus prazos ordinários de vigência, mas também suas prorrogações ou renovações, conforme entendimento do PARECER n. 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU (NUP 00688.000717/2019-98, Seq. 79), aprovado pelo Advogado-Geral da União:

 

Os contratos sob o regime jurídico da  Lei nº 8.666/93, que tenham sido firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021 (art. 190 da NLLCA) ou decorrentes de processos cuja opção de licitar ou contratar sob o regime licitatório anterior tenha sido feita ainda durante o período de convivência normativa (art. 191 da NLLCA), terão seu regime de vigência definido pela Lei nº 8.666/93, aplicação que envolve não apenas os prazos de vigência ordinariamente definidos, mas também suas prorrogações, em sentido estrito ou em sentido amplo (renovação).  
(Grifos não originais)  
   

Desse modo, é forçoso concluir que muitos contratos celebrados com base na Lei nº 8.666, de 1993, permanecerão vigentes ao longo dos próximos anos, o que confirma a pertinência do enfrentamento da questão proposta neste parecer. Em outras palavras, iniciado o período de vigência exclusiva da NLLCA, o administrador público, ao longo de toda a vigência das inúmeras contratações realizada à luz do regime anterior, poderá se deparar com a questão jurídica apresentada neste parecer. 

Nesse ponto, o PARECER n. 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU (NUP 00688.000717/2019-98, Seq. 79) bem abordou a questão dos contratos baseados na Lei nº 8.666, de 1993, que possivelmente subsistirão por anos após sua revogação:  

 

Diante do regime jurídico definido pela Lei nº 8.666/93 para os contratos de serviços contínuos, que permite sua renovação (prorrogação), dentro do prazo de vigência, por novos e sucessivos períodos, até, a priori, o máximo de 60 meses, necessário vislumbrar que, na prática, será factível que contratos sejam firmados em 2022  ou mesmo 2023, sob a égide da Lei nº 8.666/93, podendo ser renovados (prorrogados) caso atendidos os requisitos da legislação revogada, nos anos vindouros (2024, 2025, 2026...)até o máximo de sessenta meses, com a extraordinária prorrogação por mais 12 meses, conforme o §4° do artigo 57 da Lei nº 8.666/93.  

 

Não há dúvidas, portanto, acerca da relevância do tema tratado neste parecer.

 

 

II.2 - DEMONSTRAÇÃO DA PERTINÊNCIA DE PROMOVER INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA NA SITUAÇÃO APRESENTADA

 

Conforme já tratado neste parecer, desde que mantida a atual redação da NLLCA, a revogação da Lei nº 8.666, 1993, ocorrerá em 30 de dezembro de 2023. 

Os arts. 190 e 191 da Lei nº 14.133, de 2021, disciplinam os critérios para aplicação das leis (nova e antiga) tanto em relação a contratos firmados antes da vigência da NLLCA como a licitações e contratações promovidas no período de transição legal (convivência normativa da lei anterior e lei nova).  

A nova lei disciplinou a aplicação dos regimes novo e anterior com base nas seguintes balizas:

  1. Contratos assinados antes da entrada em vigor da nova lei seguem regidos pelas regras da lei anterior; 
  2. Licitações e contratações realizadas no período de convivência normativa serão regidas com base na opção de licitar ou contratar indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta; e  
  3. Após a revogação da Lei nº 8.666, de 1993, as licitações e contratações serão regidas pela a Lei nº 14.133, de 2021. 

Portanto, nenhuma dúvida haverá em relação às situações que acabarem por se amoldar perfeitamente às regras estabelecidas nos arts. 190 e 191 da NLLCA. 

Ocorre que a literalidade dos permissivos legais descritos acima não contempla, ao menos de forma expressa, a possibilidade de contratação de remanescente na específica situação tratada neste parecer. Isso porque, na hipótese apresentada:

  • Supostamente não seria possível aplicar a lei anterior porque, na data da rescisão e da contratação do remanescente, a Lei nº 8.666, de 1993, já estará revogada; e 
  • Não seria possível aplicar a Lei nº 14.133, de 2021, porque (i) as regras da contratação terão sido idealizadas à luz do regime anterior, já revogado, (ii) a nova lei promoveu alteração em algumas características jurídicas da contratação de remanescente e (iii) celebrar um novo contrato pela nova lei, com dever de observância às regras idealizadas sob a regência de legislação anterior, implicaria em combinação dessas leis, o que é expressamente vedado pela parte final do art. 191 da NLLCA.

Está claro, portanto, que embora o legislador tenha buscado alcançar todas a contratações administrativas possíveis, com vistas a definir qual lei incidirá em concreto, a leitura seca da lei não contempla a situação aqui examinada. Portanto, em tese, a situação apresentada autoriza o intérprete a adotar alternativamente um dos caminhos abaixo descritos: 

  • Compreender que a Lei nº 14.133, de 2021, veicula silêncio eloquente sobre o tema, de modo que, especificamente em relação à questão debatida, teria o legislador buscado inviabilizar a aplicação tanto da lei anterior como da lei nova; ou 
  • Compreender que a questão jurídica apresentada revela ter o legislador dito menos do que pretendia exprimir, de forma não intencional, impondo-se ao aplicador do direito interpretar extensivamente a norma jurídica para solucionar o impasse. 

As lições de Rubens Limongi França contribuem para esclarecer a pertinência da tarefa a ser cumprida com esta manifestação jurídica: 

 

A interpretação da lei, conforme o ensinamento de Fiore, é a operação que tem por fim “fixar uma determinada relação jurídica, mediante a percepção clara e exata da norma estabelecida pelo legislador”. 
Assim, como bem assinala Carlos Maximiliano, ela não se confunde com a hermenêutica, parte da ciência jurídica que tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos, que devem ser utilizados para que a interpretação se realize, de modo que o seu escopo seja alcançado da melhor maneira. A interpretação, portanto, consiste em aplicar as regras, que a hermenêutica perquire e ordena, para o bom entendimento dos textos legais. 
Quando se fala em hermenêutica ou interpretação, advirta-se que elas não se podem restringir tão somente aos estreitos termos da lei, pois conhecidas são as suas limitações para bem exprimir o direito, o que, aliás, acontece com a generalidade das formas de que o direito se reveste. Desse modo, é ao direito que a lei exprime que se devem endereçar tanto a hermenêutica como a interpretação, num esforço de alcançar aquilo que, por vezes, não logra o legislador manifestar com a necessária clareza e segurança. (FRANÇA, Rubens Limongi e FRANÇA, Antônio de S. Limongi (*). Hermenêutica jurídica. 2º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. (e-book) Acesso em 13 de agosto de 2023) 

 

Sobre a pertinência da interpretação extensiva no âmbito do direito administrativo, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello bem expõe as razões dessa possibilidade: 

 

De se observar que a interpretação extensiva e restritiva é lícita com referência a qualquer ramo jurídico - e, portanto, com referência ao Direito Administrativo. Aliás, seria absurdo, verificando-se a discordância entre a letra e o espírito da lei, pretender fazer prevalecer aquela, isto é, dominar a palavra sobre a real intenção do texto, que, efetivamente, constitui sua razão de ser. A inexatidão da linguagem, por certo, jamais pode sobrepujar o que por meio dela se quis expressar. (BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito Administrativo. 3.ed. Vol I. São Paulo: Malheiros, 2007. Pág. 407) 

 

Portanto, nenhum obstáculo há na realização de interpretação extensiva em relação a normas de direito administrativo. 

 

a. Tese do silêncio normativo 

De acordo com clássica lição de Carlos Maximiliano, a função interpretativa é de amplo alcance, podendo levar em consideração até mesmo o silêncio como elemento informativo dessa tarefa. Nesse sentido, referido autor esclarece: 

 

13 - Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém.  
Pode-se procurar e definir a significação de conceitos e intenções, fatos e indícios; porque tudo se interpreta; inclusive o silêncio(MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. Pág. 7) 
(Grifos não originais) 

 

Nesse cenário, é preciso avaliar se o aparente silêncio do legislador especificamente sobre a disciplina da contratação de remanescente no período de transição legal deve ser compreendido como um silêncio eloquente. Ou seja, convém apurar se a omissão legal nesse ponto peculiar foi meramente ocasional ou se, de outro modo, com ela se buscou justamente inviabilizar a utilização da contratação de remanescente em relação aos contratos do regime anterior e rescindidos já na vigência exclusiva do novo regime. 

As opções feitas pelo legislador nos arts. 190 e 191 da NLLCA indicam que o silêncio legislativo sobre esse ponto não foi intencional. A forma como redigido o texto da lei deixa clara a intenção legislativa de alcançar todas as licitações e contratações administrativas aptas a serem impactadas pela transição legal, a fim de se poder extrair qual o regime legal a elas aplicável. Tanto é assim que foi instituída a opção por licitar ou contratar pelo regime anterior em relação a diversas circunstâncias, cuja variedade indica o objetivo de esgotar as circunstâncias faticamente possíveis, como se observa das hipóteses a seguir colacionadas: (i) contratações já realizadas, (ii) novas contratações, (iii) editais já publicados, (iv) editais a publicar e (v) contratações diretas em geral. Ou seja, uma leitura desavisada poderia sugerir que todas as situações possíveis foram efetivamente contempladas pelas regras definidoras do regime jurídico a ser aplicado. 

Entretanto, como se sabe, o mundo dos fatos, com a riqueza que lhe é peculiar, pode apresentar realidades e nuances que avançam para além das hipóteses imaginadas pelo legislador. 

É justamente o que ocorre na situação retratada neste parecer, em que a licitação e contratação originais terão sido processadas pelo regime anterior, ao passo que a rescisão contratual e eventual contratação de remanescente terão lugar após a revogação da Lei nº 8.666, de 1993, ou seja, em período de vigência exclusiva da nova lei.  

Embora essa hipótese não tenha literal previsão nas regras dos arts. 190 a 194 Lei nº 14.133, de 2021, é preciso compreender que o alto nível de especificidade para sua ocorrência sugere ter o legislador passado de forma despercebida pelo tema, o que bastaria para justificar o aparente silêncio legal quanto a essa peculiar situação.  

Carlos Maximiliano bem destaca a impossibilidade de o legislador contemplar, mediante a criação de uma fórmula perfeita, tudo o que deverá se enquadrar em uma determinada norma jurídica. Por elucidativo, segue transcrição de trecho bastante esclarecedor sobre esse ponto: 

 

Não se trata de defeitos de expressão, nem da incapacidade verbal dos redatores de um texto [legal]. Por mais opulenta que seja a língua e mais hábil quem a maneja, não é possível cristalizar numa fórmula perfeita tudo o que se deva enquadrar em determinada norma jurídica: ora o verdadeiro significado é mais estrito do que se deveria concluir do exame exclusivo das palavras ou frases interpretáveis; ora sucede o inverso, vai mais longe do que parece indicar o invólucro visível da regra em apreço. A relação lógica entre a expressão e o pensamento faz discernir se a lei contém algo de mais ou de menos do que a letra parece exprimir; as circunstâncias extrínsecas revelam uma ideia fundamental mais ampla ou mais estreita e põem em realce o dever de estender ou restringir o alcance do preceito 
(...) 
O texto menciona o que é mais vulgar, constante; dá o âmago da ideia que o intérprete desdobra em aplicações múltiplas. Já afirmara Juliano: Neque leges, neque senatus consulta ita scribi possunt, ut omnes casus, qui quando que inciderint, comprehendant ur: sed sufficit et ea, quoe plerum que accidunt, continere - “Nem as leis, nem os senátus-consultos podem ser escritos de modo que compreendam todos os casos suscetíveis de ocorrer em qualquer tempo; será bastante abrangerem os que sobrevêm com frequência maior” (Digesto, liv. 1, tít. 3, frag. 10). Non possunt omnes articuli singillatim aut legibus, aut senatusconsultis comprehendi - “Não podem ser todos os assuntos especificadamente compreendidos por leis ou senátus-consultos'’'’ (Digesto, liv. 1, tít. 3, frag. 12). (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. Pág. 161-162) 
(Grifos não originais)

 

A verdade é que seria demasiadamente rigoroso exigir que o legislador, ao produzir a norma, desenvolvesse redação apta a descer a nível profundo de minúcia, de modo a prever todos os casos possíveis, no presente e no futuro. Logo, o aparente o silêncio normativo parece decorrer do desaviso do legislador acerca da possibilidade tratada neste parecer.

Para confirmar essa percepção, três fundamentos adicionais afiguram-se pertinentes à análise ora desenvolvida: a) a aplicação do princípio da continuidade do serviço público; b) do caráter meramente subsidiário da utilização de contratação emergencial; e, por fim, c) a presença ininterrupta do instituto da contratação do remanescente no ordenamento jurídico brasileiro ao longo das últimas décadas.

É o que se passa a examinar a partir do presente momento.

 

 

b. Dos riscos à continuidade do serviço público 

Como visto, a forma como redigida a regra de transição legal indica que seja afastada a interpretação segundo a qual teria havido silêncio intencional do legislador acerca da hipótese aqui debatida. 

Mas não é só. Como afirmado, outros elementos extraídos do ordenamento jurídico parecem reforçar a pertinência da compreensão de que o legislador acabou dizendo menos do que pretendia exprimir. 

Nesse sentido, o entendimento segundo o qual o silêncio legal teria sido intencional e planejado para inviabilizar a contratação de remanescente implicaria riscos à própria continuidade do serviço público, a qual foi erigida como princípio elementar do direito administrativo e cujo conteúdo estabelece que a atividade pública deve se operar sem interrupções. 

O eminente jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu Curso de Direito Administrativo, bem destaca a que a Administração é a responsável por determinados interesses que a lei define como públicos, razão pela qual a atividade administrativa não pode ser interrompida, sob pena de impactar toda a coletividade. É o que se extrai do trecho abaixo transcrito: 

 
68. Outrossim, em face do princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade pública, típico do regime administrativo, como vimos vendo, a Administração sujeita-se ao dever de continuidade no desempenho de sua ação. O princípio da continuidade do serviço público é um subprincípio, ou, se se quiser, princípio derivado, que decorre da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa. Esta última, na conformidade do que se vem expondo, é, por sua vez, oriunda do princípio fundamental da “indisponibilidade, para a Administração, dos interesses públicos”, noção que bem se aclara ao se ter presente o significado fundamental já exposto da “relação de Administração” 
Com efeito, uma vez que a Administração é curadora de determinados interesses que a lei define como públicos e considerando que a defesa, e prosseguimento deles, é, para ela, obrigatória, verdadeiro dever, a continuidade da atividade administrativa é princípio que se impõe e prevalece em quaisquer circunstâncias. É por isso mesmo que Jèze esclarecia que a Administração tem o dever, mesmo no curso de uma concessão de serviço público, de assumir o serviço, provisória ou definitivamente, no caso de o concessionário, com culpa ou sem culpa, deixar de prossegui-lo convenientemente. O interesse público que à Administração incumbe zelar encontra-se acima de quaisquer outros e, para ela, tem o sentido de dever, de obrigação. Também por isso não podem as pessoas administrativas deixar de cumprir o próprio escopo, noção muito encarecida pelos autores. São obrigadas a desenvolver atividade contínua, compelidas a perseguir suas finalidades públicas. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pg. 81) 
 

Portanto, incumbe ao administrador público a adoção de cautelas voltadas a garantir a prestação ininterrupta do serviço público, podendo até mesmo responder perante a Corte de Contas em caso de não observância a essa imposição legal, conforme demonstram os precedentes abaixo selecionados: 

 

Acórdão 2410/2011 - Primeira Câmara 
O imperativo da continuidade administrativa impele aos destinatários (órgãos ou entidades), independente de quem seja o administrador que esteja a frente da gestão, o adimplemento das determinações dirigidas, não podendo haver negligência por parte dos sucessores dos agentes aos quais foram endereçadas as demandas da Corte, sob pena de se obstar a eficácia da atividade de controle externo. 
 
Trecho do voto condutor do Acórdão 277/2019 - Plenário 
16. Ademais, é preciso destacar que a determinação expedida pelo TCU, no exercício da atividade constitucional e legal de controle externo, não tem caráter pessoal (intuitu personae), pois busca aprimorar a gestão do órgão/entidade. Assim, ao assumir cargo público, o gestor deve inteirar-se das determinações do TCU e, havendo pendências, dar-lhes cumprimento e/ou delas recorrer, se for o caso, observando-se as regras legais pertinentes, o que salvaguarda o princípio da continuidade administrativa que milita em prol do interesse público. 
(...) 
19.Mesmo havendo essas duas reiterações, o gestor público, desprestigiando o princípio da continuidade administrativa e a imperatividade da determinação do TCU, decidiu não dar cumprimento à decisão do TCU, sem apresentar qualquer justificativa, configurando caso de aplicação da multa prevista no art. 268, inciso VII, do RI/TCU. No que se refere ao não atendimento às diligências, deixo de impor sanção ao responsável por entender que tal questão foi, em certa medida, absorvida pela falha maior que enseja a pena do mencionado art. 268, inciso VII. 
20.Assim, nos termos do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942) , acrescido pela Lei 13.655/2018, que dispõe sobre a segurança jurídica e a eficiência na criação e na aplicação do direito público, a necessidade de aplicação da multa no presente caso se justifica em função do efeito inibitório que se pretende alcançar para a prática futura da irregularidade consubstanciada no não atendimento à determinação do TCU, levando o gestor público a compreender a importância e a obrigatoriedade de pronto cumprimento à decisão do Tribunal, ressalvadas as vias recursais administrativas e judiciais. 
(Grifos não originais) 

 

Está claro, portanto, que o risco de interrupção da atividade administrativa inviabiliza a tese segundo a qual o legislador teria voluntariamente se omitido acerca do tema tratado neste parecer. Desse modo, também sob a perspectiva do princípio da continuidade do serviço público, tal interpretação (silêncio intencional do legislador) não merece prosperar. 

 

c. Do caráter meramente subsidiário da utilização de contratação emergencial  

Avançando um pouco mais na análise dos impactos da interpretação que pugna pela ocorrência de silêncio eloquente do legislador, convém destacar que, diante do risco de ofensa à continuidade do serviço público e consequente responsabilização do agente responsável por sua manutenção, alguém poderia invocar a possibilidade de realização de contratação direta emergencial (art. 75, inciso VIII, da NLLCA) como caminho aceitável para solucionar a questão apresentada neste parecer.

Ocorre que essa solução merece ser considerada apenas como opção subsidiária, e não de forma prioritária.

A previsão do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal confere prestígio constitucional à licitação pública:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:             (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) 
(...) 
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.         (Regulamento) 
(...) 
(Grifos não originais)

 

A jurisprudência dos Tribunais Superiores, com frequência, alude à licitação como se ela intrinsecamente correspondesse a um princípio constitucional, conforme se observa de alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp 1072123 / SP, AgInt no AREsp 1226595 / SP, AgRg no RMS 21700 / BA REsp 1275469 / SP e RMS 26273 / DF) e do Supremo Tribunal Federal (ADI 2416, ADI 1917 e ADI 3578 MC). 

De fato, a redação constitucional deixa bastante clara a preponderância da licitação pública, estabelecida como regra geral, e o caráter excepcional da contratação direta, que é admitida somente em relação a casos especificados na legislação (CF, art. 37, inciso XXI). 

Hely Lopes Meirelles bem aborda a questão de a legitimidade da licitação decorrer do oferecimento de isonômicas oportunidades conferidas aos interessados em contratar com o Poder Público, sendo esse o fundamento para a licitação pública ser prioritária em relação à contratação direta: 

Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Tem como pressuposto a competição. Por isso visa a propiciar iguais oportunidades aos que desejam contratar com o Poder Público, dentro dos padrões previamente estabelecidos pela Administração, e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos. É o meio técnico-legal de verificação das melhores condições para a execução de obras e serviços, compra de materiais e alienação de bens públicos. Realiza-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, sem a observância dos quais é nulo o procedimento licitatório, e o contrato subseqüente. (MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 15ª Edição. Atualizada por José Emmanuel Burle Filho, Carla Rosado Burle e Luís Fernando Pereira Franchini. Malheiros Editores. São Paulo: 2007. Pág. 28) 

 

Sobre a imposição da licitação pública e a excepcionalidade da contratação direta, Joel Menezes Niebuhr também esclarece ser o princípio da isonomia a razão fundamental para essa orientação:

 
Enfatizou-se que a causa mor da licitação pública é o princípio da isonomia, uma vez que o contrato administrativo implica benefício econômico ao contratado e, por isso, todos aqueles que tiverem interesse em auferir o aludido benefício devem ser tratados de modo igualitário por parte da Administração Pública, pelo que se impõe a ela realizar processo administrativo, denominado licitação pública. Como o caput do artigo 5º da Constituição Federal abriga o princípio da isonomia, ele já fornece subsídio normativo suficiente para que se conclua pela obrigatoriedade de licitação pública.  
 
Além disso, o constituinte houve por bem realçar que a licitação pública é efetivamente obrigatória, inserindo, no capítulo referente à Administração Pública, o inciso XXI do artigo 37. É como se o constituinte reforçasse a dicção geral do princípio da isonomia contida no caput do artigo 5º da Constituição Federal, dando-lhe concreção especial. Na realidade, é um plus que se incorpora na formulação geral da isonomia. Nesse passo, por força do caput do artigo 5º, todos merecem tratamento igualitário e, em especial, desta vez com estribo no inciso XXI do artigo 37, a Administração Pública deve dispensar o mesmo tratamento a todos os interessados em com ela celebrar contratos, procedendo, para tanto, à licitação pública. (NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública E Contrato Administrativo. 5.ED. Belo Horizonte: Fórum, 2022. Disponível em: https://www.forumconhecimento.com.br/livro/L1250. Acesso em: 12 ago. 2023) 
 

Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, bem destaca a tripla virtude que resulta da licitação pública: contratações mais vantajosas, tratamento isonômico e impessoal aos particulares e observância à probidade administrativa:

 

4. A licitação visa a alcançar duplo objetivo: proporcionar às entidades governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso (pois a instauração de competição entre ofertantes preordena-se a isto) e assegurar aos administrados ensejo de disputarem a participação nos negócios que as pessoas governamentais pretendam realizar com os particulares. 
Destarte, atendem-se três exigências públicas impostergáveis: proteção aos interesses públicos e recursos governamentais — ao se procurar a oferta mais satisfatória; respeito aos princípios da isonomia e impessoalidade (previstos nos arts. 5º e 37, caput) — pela abertura de disputa do certame; e, finalmente, obediência aos reclamos de probidade administrativa, imposta pelos arts. 37, caput, e 85, V, da Carta Magna brasileira. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pg. 526) 

 

Portanto, é evidente que a seleção do contratado por licitação pública se revela muito mais legítima do que a escolha realizada em contratação emergencial, especialmente caso esta se revele desnecessária. Daí porque o Tribunal de Contas da União possui entendimento bastante conservador em relação à utilização dessa espécie de contratação: 

 

Acórdão 1796/2018-Plenário: 
É recomendável à Administração Pública a implantação de controles para mitigar riscos que possam resultar na realização de contratações emergenciais que afrontem o art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/1993, a exemplo de medição do nível mínimo de estoque para itens essenciais e de alerta sobre a necessidade de tomada de decisão quanto à prorrogação de contrato de serviço de duração continuada ou à realização de nova licitação. 
 
Acórdão 224/2007-Plenário 
É pressuposto da aplicação de dispensa de licitação por emergência ou calamidade pública que a situação adversa não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação. 
 
Acórdão 4570/2014-Primeira Câmara 
A contratação emergencial destina-se somente a contornar acontecimentos efetivamente imprevistos, que se situam fora da esfera de controle do administrador e, mesmo assim, tem sua duração limitada a 180 dias, não passíveis de prorrogação (art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/1993) . 
 

Tudo isso é para dizer que, para além da segurança jurídica que se pretende obter sobre o tema, a atividade interpretativa objeto deste parecer visa contribuir para que a conduta do administrador público permaneça alinhada aos valores e princípios constitucionais e legais norteadores de sua atuação. Afinal, a contratação de remanescente permite o chamamento de licitante classificado em licitação pública anterior, observada sua ordem classificatória, o que se alinha integralmente à imposição constitucional.

 

d. Presença histórica e ininterrupta do instituto da contratação de remanescente ao longo dos últimos 30 anos 

Até aqui, a tese segundo a qual teria havido silêncio normativo voluntário do legislador já foi refutada com base nos seguintes argumentos:

  1. A forma como redigido os arts. 190 a 194 da NLLCA buscou tratar de todas as situações possivelmente impactadas pela fase de transição legal, de modo que o aparente silêncio sobre a hipótese tratada neste parecer certamente ocorreu de forma involuntária, dada a especificidade que lhe é inerente; 
  2. A tese do silêncio intencional do legislador também poderia oferecer riscos à continuidade do serviço público, o que confirma seu desacerto, pois não seria razoável uma interpretação que ofendesse um princípio elementar do direito administrativo; e 
  3. Como remédio ao risco de interrupção do serviço público, alguém poderia invocar a possibilidade de realização de contratação emergencial como solução alternativa. Foi demonstrado, contudo, que a forma prioritária de seleção de contratados é a licitação pública, de modo que tal escolha sem procedimento licitatório deve ser admitida de forma excepcional (CF, art. 37, inciso XXI). 

Por fim, um argumento adicional será apresentado, de natureza histórica. 

Tomando-se por base a recente legislação brasileira, tem-se que a possibilidade de promover a contratação de remanescente foi inicialmente prevista no artigo 23, § 2º, do Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, com posterior alteração de redação promovida pelo Decreto-lei nº 2.348, de 24 de julho de 1987. Na ocasião, o legislador optou por qualificar tal contratação como hipótese de inexigibilidade de licitação: 

Art. 23. É inexigível a licitação, quando houver inviabilidade de competição, em especial:     
(...)
§ 2º É permitida a contratação de remanescente de licitação, para a execução de obra, serviço ou fornecimento idêntico ao licitado, desde que atendidas a ordem de classificação e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido.   
(Redação original)
 
§ 2º Ocorrendo a rescisão prevista no artigo 68, é permitida a contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, desde que atendidas a ordem de classificação e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido. 
(Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.348, de 1987)

 

Com a publicação da Lei nº 8.666, de 1993, foi mantida a possibilidade de contratação de remanescente de obra, serviço e fornecimento, tendo o legislador da época qualificado essa contratação como hipótese de dispensa de licitação, inserindo-a no inciso XI do art. 24:  

  

Art. 24.  É dispensável a licitação:  
(...)  
XI - na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em conseqüência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido;  

   

No âmbito da Lei nº 14.133, de 2021, foi preservada a viabilidade de a Administração, em caso de rescisão contratual, convocar os licitantes classificados para a contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento, conforme previsto em seu art. 90, §7º. Para tanto, foi efetuada simetria com o chamamento para a celebração inicial do contrato, que igualmente admite a convocação dos demais licitantes classificados. Portanto, na nova lei, tanto a contratação inicial como a contratação de remanescente autorizam o chamamento dos demais licitantes classificados, desde que observada a ordem de classificação no certame:  

  

Art. 90. A Administração convocará regularmente o licitante vencedor para assinar o termo de contrato ou para aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e nas condições estabelecidas no edital de licitação, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei.  
§ 1º O prazo de convocação poderá ser prorrogado 1 (uma) vez, por igual período, mediante solicitação da parte durante seu transcurso, devidamente justificada, e desde que o motivo apresentado seja aceito pela Administração.  
§ 2º Será facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou não retirar o instrumento equivalente no prazo e nas condições estabelecidas, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a celebração do contrato nas condições propostas pelo licitante vencedor.  
§ 3º Decorrido o prazo de validade da proposta indicado no edital sem convocação para a contratação, ficarão os licitantes liberados dos compromissos assumidos.  
§ 4º Na hipótese de nenhum dos licitantes aceitar a contratação nos termos do § 2º deste artigo, a Administração, observados o valor estimado e sua eventual atualização nos termos do edital, poderá:  
I - convocar os licitantes remanescentes para negociação, na ordem de classificação, com vistas à obtenção de preço melhor, mesmo que acima do preço do adjudicatário;  
II - adjudicar e celebrar o contrato nas condições ofertadas pelos licitantes remanescentes, atendida a ordem classificatória, quando frustrada a negociação de melhor condição.  
§ 5º A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato ou em aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo estabelecido pela Administração caracterizará o descumprimento total da obrigação assumida e o sujeitará às penalidades legalmente estabelecidas e à imediata perda da garantia de proposta em favor do órgão ou entidade licitante.  
§ 6º A regra do § 5º não se aplicará aos licitantes remanescentes convocados na forma do inciso I do § 4º deste artigo.  
§ 7º Será facultada à Administração a convocação dos demais licitantes classificados para a contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento em consequência de rescisão contratual, observados os mesmos critérios estabelecidos nos §§ 2º e 4º deste artigo  
(Grifos não originais)  
  

Como se vê, a qualificação jurídica atribuída pelo legislador à contratação de remanescente variou ao longo do tempo, tendo inicialmente sido caracterizada como hipótese de inexigibilidade de licitação (Decreto-Lei nº 2.300, de 1986, e Decreto-Lei nº 2.348, de 1986). Em seguida, a Lei nº 8.666, de 1993, trouxe nova designação jurídica, qualificando a contratação de remanescente como espécie de dispensa de licitação. Por fim, a Lei nº 14.133, de 2021, revela opção por tratar do tema em conjunto com a disciplina da formalização dos contratos.  

A verdade é que, de todas as qualificações jurídicas conferidas ao instituto da contratação de remanescente, o tratamento oferecido pela Lei nº 14.133, de 2021, parece ser o mais adequado, pois:  

  • (i) não há que se falar em inexigibilidade de licitação, que somente é reconhecida em situações cuja competição é inviável, o que não corresponde ao que ocorre na contratação de remanescente. Por uma questão de lógica, tal premissa não está presente na contratação de remanescente, em que a licitação prévia constitui requisito essencial para sua efetivação;  
  • (ii) não é o caso de hipótese de dispensa de licitação. Nas dispensas, embora o certame seja possível, o legislador estabelece aprioristicamente as hipóteses para sua não realização. Portanto, a despeito da redundância da afirmação, é preciso reforçar que nas dispensas de licitação o certame não é realizado. É justamente esse o ponto que revela a incoerência da qualificação da contratação de remanescente como sendo uma dispensa de licitação. A contratação de remanescente depende de realização de licitação prévia, ao passo que na dispensa ela não ocorre; e  
  • (iii) a Lei nº 14.133, de 2021, revela ter o legislador optado por tratar o procedimento de celebração do contrato de remanescente da mesma forma que o fez em relação à celebração do contrato (art. 90). O tratamento jurídico oferecido pela nova lei equiparou as situações de não assinatura do contrato pelo adjudicatário com a situação em que há rescisão contratual, de modo que, em ambas, os demais classificados poderão ser chamados para assumir a contratação, observada sua ordem de classificação.  

De tudo o que foi dito acima, a despeito das diferenças na designação legal do instituto ao longo do tempo, resta claro que a essência da contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento permaneceu a mesma no curso das últimas décadas, orientando-se pela possibilidade conferida ao administrador público de efetuar a contratação mediante o aproveitamento do resultado obtido em licitação previamente realizada, sem necessidade, portanto, de novo certame.  

Por isso, a contratação de remanescente se revela como verdadeiro instrumento de gestão colocado à disposição do gestor, conferindo-lhe a possibilidade de solucionar um problema concreto, caracterizado pela interrupção da execução de um contrato administrativo sem a entrega/execução completa do objeto contratado.  

As informações trazidas até aqui revelam que a contratação de remanescente tem sido sucessivamente mantida no ordenamento jurídico brasileiro ao longo das últimas décadas, sob diferentes roupagens jurídicas, sempre com a preservação de sua essência, que pode ser resumida como sendo uma ferramenta jurídica para solução de dificuldade concreta (rescisão contratual), tudo em prestígio ao interesse público. 

Esse conjunto de elementos aponta para a inadequação de entendimento que venha reconhecer a impossibilidade de efetuar contratação de remanescente nos casos que envolvam a transição de leis. Tal entendimento culminaria na criação, ao arrepio da lei, de um grupo especial de contratos (celebrados pela lei anterior e rescindidos na vigência exclusiva da lei nova) a respeito dos quais o administrador público estaria privado de fazer uso de instrumento jurídico consagrado historicamente nas últimas décadas (contratação de remanescente) e idealizado justamente para a solução de problemas práticos, em prejuízo à satisfação da necessidade administrativa que se pretende ver atendida com a contratação. 

Não custa lembrar que o chamamento de interessado para assumir a contratação, observada a ordem de classificação na licitação, constitui procedimento dotado de ampla legitimidade, uma vez que os princípios da competividade e da prévia licitação estarão sendo plenamente preservados.   

Também é relevante destacar que a contratação de remanescente confere prestígio à eficiência administrativa, pois não haveria razão para a realização de nova licitação, com custos econômicos, operacionais e de tempo, se o certame já realizado puder oferecer outro interessado, dentre os classificados na licitação, para executar a parcela remanescente do objeto da contratação anterior. 

Com essas considerações, resta evidente, a partir de todos os argumentos  apresentados, que, no caso proposto, o aparente silêncio legislativo não deve ser compreendido como intenção deliberada do legislador voltada a impedir a utilização da contratação de remanescente em contratações impactadas pela transição legal.

Muito pelo contrário, está claro que a vontade do legislador foi justamente a de clarear os critérios de identificação do regime legal aplicável nessa fase de transição, de modo a pretensamente alcançar todas as situações por ela impactadas. Em outras palavras, a aparente lacuna normativa identificada é meramente ocasional, impondo-se a realização de interpretação jurídica voltada a equacioná-la, de modo a conferir segurança jurídica ao administrador e advogados públicos atuantes na área. 

  

e. Da forma de materialização da interpretação extensiva do art. 191 da NLLCA na situação apresentada 

Os aspectos abordados até aqui já seriam suficientes para demonstrar a pertinência de promover interpretação extensiva do art. 191, da NLLCA, de modo a aplicar o conteúdo jurídico ali expresso à contratação de remanescente ocorrida no período de transição legal.

Ficou demonstrado que o suposto silêncio normativo do qual emergiu a questão jurídica tratada neste parecer não tem natureza intencional, mas meramente ocasional e aparente, circunstância que reforça a legitimidade da utilização da interpretação jurídica extensiva para sua elucidação. 

Para iniciar o desempenho dessa tarefa, convém citar os arts. 4º e 5º do Decreto-Lei nº 4.657, de 1942: 

 

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 
 
Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. 
 

Como se vê, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro autoriza que o aplicador do direito faça uso de analogia quando a lei for omissa sobre determinado ponto, o que deve ser feito com vistas ao atendimento aos fins a que ela se dirige e exigências do bem comum.  

Ora, se a própria lei autoriza a aplicação da analogia em caso de efetiva omissão legal, com muito mais razão se justifica a realização de interpretação extensiva em relação a situações em que há norma legal a ser aplicável, como ocorre na questão examinada neste parecer. Afinal, quem pode o mais, pode o menos ou, em outras palavras, “Aquele a quem se permite o mais, não deve-se negar o menos” ou, ainda, “No âmbito do mais sempre se compreende também o menos” (In eo quod plus estsem per inest et minus). 

As lições de Carlos Maximiliano são bastante elucidativas sobre o tema, deixando claro que, embora parecidas, analogia e interpretação extensiva não se confundem. A analogia tem vez em caso de lacuna normativa, ou seja, quando realmente não há norma a ser aplicada; a intepretação extensiva, por sua vez, se opera para fazer incidir norma já existente a situação que, pela análise do “querer jurídico”, foi por ela contemplada. 

 
250 Do exposto já ficou evidente não ser lícito equiparar a analogia à interpretação extensiva. Embora se pareçam à primeira vista, divergem sob mais de um aspecto. A última se atém “ao conhecimento de uma regra legal em sua particularidade em face de outro querer jurídico, ao passo que a primeira se ocupa com a semelhança entre duas questões de Direito”. Na analogia há um pensamento fundamental em dois casos concretos; na interpretação é uma ideia estendida, dilatada, desenvolvida, até compreender outro fato abrangido pela mesma implicitamente. Uma submete duas hipóteses práticas à mesma regra legal; a outra, a analogia, desdobra um preceito de modo que se confunda com outro que lhe fica próximo.  
A Analogia ocupa-se com uma lacuna do Direito Positivo, com hipótese não prevista em dispositivo nenhum, e resolve esta por meio de soluções estabelecidas para casos afins; a interpretação extensiva completa a norma existente, trata de espécie já regulada pelo Código, enquadrada no sentido de um preceito explícito, embora não se compreenda na letra deste.  
Os dois efeitos diferem, quanto aos pressupostos, ao fim e ao resultado: a analogia pressupõe falta de dispositivo expresso, a interpretação pressupõe a existência do mesmo; a primeira tem por escopo a pesquisa de uma idéia superior aplicável também ao caso não contemplado no texto; a segunda busca o sentido amplo de um preceito já estabelecido; aquela de fato revela uma norma nova, esta apenas esclarece a antiga; numa o que se entende é o princípio; na outra, na interpretação, é a própria regra que se dilata.  
Em resumo: a interpretação revela o que a regra legal exprime, o que da mesma decorre diretamente, se a examinam com inteligência e espírito liberal; a analogia serve-se dos elementos de um dispositivo e com o seu auxílio formula preceito novo, quase nada diverso do existente, para resolver hipótese não prevista de modo explícito, nem implícito, em norma alguma.  (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. Pág. 175) 
(Grifos não originais) 

 

No mesmo sentido são as lições de José Flóscolo da Nóbrega: 

 

É necessário ter bem em vista que em nenhuma das hipóteses a interpretação não corrige, não altera, não modifica a lei. Nem a interpretação extensiva amplia o alcance do preceito legal, nem a estrita o restringe: em um e em outro caso limita-se unicamente a precisar o verdadeiro alcance e sentido da lei(NÓBREGA, José Flóscolo da. Introdução ao Direito. 8ª ed. João Pessoa: Edições Linha d’Agua, 2007. Pág. 242) 
 

Como se vê, a interpretação extensiva tem vez quando restar demonstrado que a escolha de palavras utilizadas na construção da norma não foi suficiente para exprimir tudo o que se pretendia dizer, situação em que a lei acaba por falar menos do que se desejava (minus dixit quam voluit). A análise já realizada neste parecer demonstra a precisa ocorrência desse fenômeno. 

Vale lembrar que, para fins de transição legal, a NLLCA estabeleceu duas situações nas quais a Lei nº 8.666, de 1993, mesmo após sua revogação, permanecerá sendo aplicada. São elas: 

  1. Art. 190 - contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133, de 2021, (tempus regit actum); e 
  2. Art. 191 - contratos decorrentes de procedimento de opção por licitar ou contratar pela lei anterior, desde que efetuada antes do encerramento do período de convivência normativa.

No primeiro caso, que tem relação com contratos celebrados antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133, de 2021, tem-se que a nova lei apenas reproduziu a regra do tempus regit actumjá positivada no art. 6º da Lindb: 

 
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957) 
 
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.                   (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) 
 
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.                       (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) 
 
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.                          (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)             
 

Para o ponto aqui debatido, merece atenção a segunda situação, que trata da aplicação do regime jurídico da Lei nº 8.666, de 1993, aos processos cuja opção de licitar ou contratar tenha sido feita ainda durante o período de convivência normativa.  

Para esses casos haverá, de fato, ultratividade da lei anterior, uma vez que ela incidirá em relação a licitações e contratações que nem mesmo terão sido realizadas em 30/12/2023 (data de revogação da Lei nº 8.666, de 1993), haja vista exigir a lei tão somente que a opção conste do edital ou aviso de contratação direta. Portanto, haverá efetiva incidência de lei revogada em relação a relações jurídicas novas, que ainda não terão se aperfeiçoado na data da revogação do regime anterior, o que se legitima pela regra prevista no art. 191 da NLLCA. 

Vale lembrar que o PARECER n. 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU (NUP 00688.000717/2019-98, Seq. 79), aprovado pelo Advogado-Geral da União, foi além. Consignou expressamente que, desde que respeitada a regra do artigo 191 (opção por licitar pelo regime anterior no período de convivência normativa), até mesmo a Ata de Registro de Preços gerada pela respectiva licitação continuará válida durante toda a sua vigência, que pode alcançar o prazo máximo de 12 meses. Portanto, será possível firmar as contratações decorrentes desta ARP, mesmo após a revogação da Lei nº 8.666, de 1993, da Lei nº 10.520, de 2002, e da Lei nº 14.262, de 2011. 

Por elucidativo, segue transcrição do trecho em que o tema foi enfrentado no PARECER n. 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU (NUP 00688.000717/2019-98, Seq. 79): 

 

74. Nesta feita, necessário prever algo que certamente será uma questão prática vivenciada pelos órgãos públicos: realizada a licitação sob o regime da legislação antiga, em 2022, respeitado o prazo de convivência normativa e gerando-se uma ata de registro de preços que perdure até o ano de 2023 ou 2024 (ex: janeiro de 2023 a janeiro de 2024), será possível firmar as contratações decorrentes desta Ata mesmo após a revogação da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 10.520/2002?  
75. Entendemos que sim, desde que respeitada a regra do artigo 191, que exige a "opção por licitar" de acordo com o regime anterior, ainda no período de convivência normativa. Nesta hipótese, a ARP continuará válida, mesmo com a revogação da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e de grande parte da Lei nº 12.462/2011.  
76. A doutrina de Fernanda Marinela e Rogério Sanches também aponta para uma resposta positiva, defendendo a possibilidade de uso das atas de registro de preços nas licitações que adotem a legislação antiga, cumprindo a regra de "optar por licitar" ainda durante o período de convivência normativa:  
(...) 
78. Realmente, o artigo 191 permite a ultratividade das regras dispostas na Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 10.520/2002 para os processos licitatórios e atos subsequentes, desde que a "opção por licitar ou contratar" se dê dentro do prazo de convivência normativa.  
79. Como já tratado anteriormente, esta ultratividade permite que mesmo não concluída a licitação, o regime da legislação antiga persista para a conclusão do certame e a contratação decorrente, desde que a opção por licitar ou contratar ocorra dentro do prazo de convivência normativa.  
80. Não faria sentido admitir que uma licitação para registro de preços, cuja "opção por licitar" com base no regime antigo foi adotada durante o período de convivência normativa pudesse ser continuada até sua conclusão, sem a possibilidade de uso útil de seu resultado (ata de registro de preços) durante toda a sua vigência.  
81. Nesta feita, desde que respeitada a regra do artigo 191, que exige a "opção por licitar" de acordo com o regime anterior, ainda no período de convivência normativa, a Ata de Registro de Preços gerada pela respectiva licitação continuará válida durante toda a sua vigência, que pode alcançar o prazo máximo de 12 meses, sendo possível firmar as contratações decorrentes desta ARP, mesmo após a revogação da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e da Lei nº 14.262/2011. 

 

Abaixo seguem ilustradas algumas situações exemplificativas que admitirão a ultratividade da Lei nº 8.666, de 1993, em casos em que houver tempestiva opção por licitar pela lei anterior:

 

Publicação do edital
da 
licitação
Realização da licitação Em caso de SRP, data de assinatura da ata Data de assinatura do contrato
Data de revogação da Lei nº 8.666,
de 1993
Legislação aplicável 
15/01/2023 30/01/2023  N/A  15/02/2023  30/12/2023  Lei nº 8.666/1993
15/11/2023 30/11/2023 N/A 15/12/2023 30/12/2023 Lei nº 8.666/1993
01/12/2023 15/12/2023 31/12/2023 15/01/2024 30/12/2023 Lei nº 8.666/1993
15/12/2023 05/01/2024
30/01/2024 
(vigência de 12 meses)
15/01/2025 30/12/2023 Lei nº 8.666/1993

Percebe-se que, em caso de licitação para Registro de Preços com opção pelo regime anterior, será possível que o contrato decorrente desse certame, mesmo que assinado em janeiro de 2025 (mais de um ano após a data de revogação da lei anterior), seja regido pela Lei nº 8.666, de 1993, em razão da ultratividade que lhe foi legalmente atribuída. 

Nenhuma irregularidade há nisso. É compreensível e salutar a opção do legislador de fixar regra para o período de transição legal. Da mesma forma, é coerente e legítimo o entendimento desta Advocacia-Geral da União firmado no PARECER n. 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU (NUP 00688.000717/2019-98, Seq. 79). A razão que se encontra como fundamento dessas posições é clara: coerência, boa fé e segurança jurídica. 

A verdade é que licitação e/ou contratação devem seguir o regime legal adotado como referência no momento de seu planejamento. E nem teria como ser diferente, pois a lei que serviu de base para a fixação das rotinas previstas no termo de referência, das regras competitivas do edital e das obrigações inseridas na minuta contratual deve ser mantida como referência legal a orientar a fase de execução contratual. Do contrário, ter-se-ia verdadeiro caos normativo inviabilizador da licitação e da contratação. 

Nesse sentido é a posição de Fernanda Marinela e Rogério Sanches Cunha:  

 

Alertando ainda que, caso a Administração Pública faça a escolha pela legislação antiga, a que será objeto de posterior revogação, o contrato administrativo celebrado será regido pelas regras nelas previstas durante toda sua vigência, conforme previsão do art. 191, parágrafo único. A regra é simples, o regime do contrato administrativo é o mesmo regime da licitação, considerando que a minuta do contrato é parte anexa ao edital de licitação e o edital de licitação integra o instrumento de contrato, quando de sua assinatura. Nesse cenário, pode vir a ocorrer de uma licitação ser concluída antes do termo final de dois anos e demorar-se para assinar o contrato, por qualquer razão, de modo que passe o prazo sem que ele tenha sido adequadamente formalizado. Nesse caso, nada impede que esse contrato seja assinado, todavia ele deverá seguir o regime antigo, mesmo que decorrido, os dois anos, isto é, com a lei antiga já revogada. Da mesma forma que, caso celebrado o contrato com base na legislação antiga as suas prorrogações poderão acontecer seguindo a mesma norma. Assim vale considerar que, a prorrogação contratual só pode acontecer durante a vigência do contrato, isto é, o contrato não pode atingir, seu termo final e depois ser prorrogado, ele é prorrogado enquanto ainda é valido, não havendo assim solução de continuidade, ele jamais deixou de ser vigente. (MARINELA, Fernanda. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. p. 39-40). 
(Grifos não originais) 
 

O instituto da contratação de remanescente está tão fortemente ligado ao da licitação a ponto de a Corte de Contas ter expressamente consignado ser possível sua utilização em relação a qualquer tipo de contratação, bastando que ela decorra de uma licitação. Nesse sentido, o Ministro Marcos Bemquerer Costa, relator do voto condutor do Acórdão nº 412/2008 - Plenário, divergindo da unidade técnica, bem esclareceu que a lei não estabeleceu qualquer limitação à possibilidade prevista no art. 24, inciso XI, da Lei nº 8.666, de 1993, conforme se extrai dos excertos abaixo:  

 

SUMÁRIO  
REPRESENTAÇÃO DE UNIDADE TÉCNICA. INSPEÇÃO. INDÍCIOS DE ILEGALIDADE: 1) INOBSERVÂNCIA DE DISPOSITIVOS DA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS; 2) AUTORIZAÇÃO E PAGAMENTO IRREGULAR DE SERVIÇOS EXTRAORDINÁRIOS; 3) NOMEAÇÃO DE CÔNJUGE DE MEMBRO DO TJ/RR PARA OCUPAR CARGO EM COMISSÃO NO TRE/RR; E 4) AQUISIÇÃO DE VEÍCULO DE REPRESENTAÇÃO EM DESACORDO COM O PRECONIZADO NAS LEIS DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (LDO’S) PARA OS EXERCÍCIOS DE 2003 E 2004. DETERMINAÇÕES. A possibilidade de contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em conseqüência de rescisão contratual prevista no 24, inciso XI, da Lei n. 8.666/1993 aplica-se a qualquer tipo de contratação.  
(...)  
16. Percebo que ao caso sob apreciação também deve ser dado o mesmo tratamento. O art. 24, inciso XI, da Lei n. 8.666/1993 não faz qualquer ressalva a que tipo de contrato ele se aplica. Assim, não se pode exigir do gestor interpretação restritiva para retirar a possibilidade de utilizá-lo somente em determinados contratos de obras, serviço ou fornecimento.  
(Grifos não originais)  

 

Portanto, parece claro que a contratação de remanescente constitui uma possibilidade que orbita ao redor de qualquer licitação e, justamente por isso, é possível afirmar que eventuais nulidades ou irregularidades que contaminem esta última produzirão impactos também em relação àquela. É o que ensina Hely Lopes Meirelles: 

 

[A licitação] Realiza-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, sem a observância dos quais é nulo o procedimento licitatório, e o contrato subsequënte. (MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 15ª Edição. Atualizada por José Emmanuel Burle Filho, Carla Rosado Burle e Luís Fernando Pereira Franchini. Malheiros Editores. São Paulo: 2007. Pág. 28)
(Grifos não originais)

Em alguma medida, analisando-se a relação entre a contratação de remanescente e a licitação, é possível até mesmo traçar um paralelo com o princípio da gravitação jurídica, segundo o qual o acessório deve seguir a sorte do principal (accessorium sequitur principale). 

De tudo o que foi dito, para fins de aplicação da regra de transição da NLLCA, entende-se que deve ser oferecido à contratação de remanescente o mesmo tratamento jurídico conferido à licitação. Afinal, como visto, a contratação de remanescente se revela como possibilidade intrínseca e decorrente de um certame.

E qual seria esse tratamento? Para os fins deste parecer, basta dizer que ele resultaria do processo interpretativo de reconhecer equivalência jurídica entre a opção de licitar e contratar pelo regime anterior (art. 191) e o fato de um certame já ter sido realizado com base na lei anterior. Por consequência, a possibilidade de contratação de remanescente que gravita em torno dessa licitação será igualmente regida pelo regime legal que a orientou, mesmo que ele já esteja revogado no momento de sua formalização. 

Toda essa construção argumentativa se reforça com uma reflexão intrigante: se a lei anterior (que estará revogada) poderá fundamentar a realização de novas licitações e contratações que ocorrerão após sua revogação, com muito mais razão se justificaria sua incidência em relação a contratos decorrentes de licitações já realizadas em momento em que a lei regente estava em pleno vigor.

Nesse contexto, a regra do art. 191 da NLLCA pode ser assim esmiuçada para fins de avaliação de subsunção do fato à norma: 

  1. Hipótese: opção efetuada pelo administrador público de realizar a licitação de acordo as regras da Lei nº 8.666, de 1993 (desde que efetuada até a data de sua revogação)   
  1. Consequência: a contratação será regida (durante toda a sua vigência) pelas regras previstas na lei que foi objeto de escolha (opção) pelo administrador público. 

Tudo isso é para dizer que a existência de licitação anterior baseada na Lei nº 8.666, de 1993, se equipara à opção por licitar pela lei anterior referida no art. 191, o que resulta de legítima interpretação extensiva, que confere a mesma consequência legal para ambas as situações. 

Esse processo interpretativo segue abaixo ilustrado: 

 
Literalidade do art. 191 da NLCCA 
A - Hipótese: opção efetuada pelo administrador público de realizar a licitação de acordo as regras da Lei nº 8.666, de 1993 (desde que efetuada até a data de sua revogação).
 
B - Consequência: a contratação será regida (durante toda a sua vigência) pelas regras previstas na lei que foi objeto de escolha (opção) pelo administrador público.   

 

 
 
 

 

(interpretação extensiva) 
 
 
 
 

 

 
(interpretação extensiva) 

 

Interpretação extensiva do art. 191 em relação à hipótese apresentada 
 
A - Hipótese: opção efetuada pelo administrador público de realizar a licitação de acordo as regras da Lei nº 8.666, de 1993, (desde que efetuada até a data de sua revogação) ou licitação já realizada com base nessa lei.

 

 
B - Consequência: a contratação será regida (durante toda a sua vigência) pelas regras previstas na lei objeto de escolha pelo administrador público ou já adotada como fundamento legal de certame realizado.

 

 

A interpretação extensiva aqui é legítima e inevitável, haja vista que sua incidência preservará a finalidade pretendida pela norma, que evidentemente é a de manter o mesmo regime jurídico adotado no planejamento também na fase de execução da contratação, sendo essa a essência da disciplina do art. 191 da NLCCA. 

E não teria como ser diferente. Por medida de lógica, é preciso reconhecer que onde existe a mesma razão fundamental prevalece a mesma regra de direito (ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio), sendo essa a razão de ser da interpretação extensiva aqui preconizada.

Todas as evidências autorizam que se sustente que, para análise da ultratividade da Lei nº 8.666, de 1993, (i) as contratações de remanescente se ligam diretamente às licitações que as precederam e (ii) a lei anterior regente de licitação previamente realizada deverá ser adotada na fase de execução da contratação, inclusive de remanescente celebrada após a revogação do regime anterior.

 

III - CONCLUSÃO  

 

Ante o exposto, tendo em vista as razões acima dispostas, propõe-se o presente parecer com as respectivas conclusões:  

  1. O presente parecer tratou de analisar a possibilidade de realização de contratação de remanescente no período de transição legal, ou seja, levando-se em consideração contratos regidos pela Lei nº 8.666, de 1993, e rescindidos já na vigência exclusiva da Lei nº 14.133, de 2021. Para tanto, buscou-se responder: (i) se é possível a contratação de remanescente e (ii) caso possível, se há possibilidade de aplicação do art. 24, inciso XI, da Lei nº 8.666, 1993, conferindo-lhe ultratividade;
  2. Abordou-se a relevância da questão jurídica apresentada, com a demonstração de que uma quantidade expressiva de contratos administrativos celebrados com base na Lei nº 8.666, de 1993, seguirá sendo executada ao longo dos próximos anos; 
  3. Foi demonstrada a pertinência da interpretação extensiva na situação apresentada, mediante a abordagem (i) da tese do silêncio normativo, (ii) dos riscos à continuidade do serviço público; (iii) do caráter meramente subsidiário da utilização de contratação emergencial, (iv) da presença histórica e ininterrupta do instituto da contratação de remanescente ao longo dos últimos 30 anos, e (v) da forma de materialização da interpretação extensiva do art. 191 da NLLCA na situação apresentada; e
  4. Demonstrou-se a legitimidade de promover a contratação com base no art. 24, inciso XI, da Lei nº 8.666, de 1993, tendo em vista que a contratação de remanescente está essencialmente ligada à licitação de origem. Por consequência, demonstrou-se que a regra de transição do art. 191 da Lei nº 14.133, de 2021, deve ser interpretada extensivamente para que seu conteúdo jurídico alcance também as licitações já realizadas sob o regime anterior, de modo que seja mantida a legislação revogada como norma apta a disciplinar eventual a contratação de remanescente, ainda que ocorrida após a revogação.  

Com o objetivo de "prevenir divergências jurídicas no âmbito de órgãos e entidades federais", sugere-se a edição da seguinte Orientação Normativa:  

  

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº XX, DE XXXXX DE XXXX DE XXXX   
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 e considerando o que consta do Processo nº 00688.000717/2019-98, resolve expedir, nesta data, a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993:   
 
Enunciado: Mesmo após a revogação da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, havendo rescisão de contrato administrativo que tenha sido nela fundamentado, será admitida a celebração de contrato de remanescente de obra, serviço ou fornecimento com base em seu art. 24, inciso XI, desde que sejam atendidos todos demais requisitos legais aplicáveis a essa espécie de contratação.
 
Referência Legislativa: Art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, Arts. 4º e 6º do Decreto-Lei nº 4.657, de 1942, Art. 24, inciso XI, da Lei nº 8.666, de 1993 e Art. 191 da Lei nº 14.133, de 2021.  
 
FontePARECER Nº XXX/2023/CNLC/DECOR/CGU/AGU.  

 

 

À consideração da Coordenação da CNLCA.​  

   

 

 

MARCELA ALI TARIF ROQUE

Relatora

Procuradora Federal

 

Camila Lorena Lordelo Santana Medrado

Advogada da União

 

Diego da Fonseca Hermes Ornellas de Gusmão

Procurador Federal

 

Fernando Ferreira Baltar Neto

 

Advogado da União

 

Liana Antero de Melo

Advogada da União

 

Lucas Hayne Dantas Barreto

Procurador Federal

 

Luciano Medeiros de Andrade Bicalho

Advogado da União

 

Michelle Marry Marques da Silva

Advogada da União - Coordenadora

 

Rafael Schaefer Comparim

 

Advogado da União

 

Ronny Charles Lopes de Torres

 

Advogado da União

 

Tais Teodoro Rodrigues

Advogada da União

 

Thyago de Pieri Bertoldi

Advogado da União

 

 

 

Notas

  1. ^ TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações públicas comentadas. 12ª ed. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 851
  2. ^ Como exemplo, convém citar: Decreto nº 10.764, de 09 de agosto de 2021, Portaria Seges/ME nº 8.678, de 19 de julho de 2021, Instrução Normativa Seges/ME nº 67, de 8 de julho de 2021, Portaria Seges/ME nº 938, de 02 de fevereiro de 2022, Instrução Normativa Seges/ME nº 58, de 8 de agosto de 2022, Instrução Normativa Seges nº 73, de 30 de setembro de 2022, Instrução Normativa Seges /ME nº 81, de 25 de novembro de 2022 e Instrução Normativa Seges/ME nº 98, de 26 de dezembro de 2022.
  3. ^ Modelos disponíveis em: <https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/modelos/licitacoesecontratos> Acesso em 14 de agosto de 2023.​
  4. ^ Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/conjur/biblioteca-eletronica/manuais/manual-de-boas-praticas-consultivas> Acesso em 14 de agosto de 2023.
  5. ^ MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. Pág. 200.

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000717201998 e da chave de acesso da73bdc5

 




Documento assinado eletronicamente por RAFAEL SCHAEFER COMPARIN, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): RAFAEL SCHAEFER COMPARIN, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 10:55. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por LIANA ANTERO DE MELO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): LIANA ANTERO DE MELO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 11:06. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por LUCIANO MEDEIROS DE ANDRADE BICALHO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): LUCIANO MEDEIROS DE ANDRADE BICALHO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 11:22. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por TAÍS TEODORO RODRIGUES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): TAÍS TEODORO RODRIGUES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 11:52. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por DIEGO DA FONSECA HERMES ORNELLAS DE GUSMÃO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): DIEGO DA FONSECA HERMES ORNELLAS DE GUSMÃO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 12:09. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por LUCAS HAYNE DANTAS BARRETO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): LUCAS HAYNE DANTAS BARRETO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 12:28. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por MICHELLE MARRY MARQUES DA SILVA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): MICHELLE MARRY MARQUES DA SILVA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 17:34. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por CAMILA LORENA LORDELO SANTANA MEDRADO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): CAMILA LORENA LORDELO SANTANA MEDRADO, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 17:15. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por RONNY CHARLES LOPES DE TORRES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): RONNY CHARLES LOPES DE TORRES, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 20:26. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por THYAGO DE PIERI BERTOLDI, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): THYAGO DE PIERI BERTOLDI, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 10:47. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.




Documento assinado eletronicamente por MARCELA ALI TARIF ROQUE, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1377056745 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): MARCELA ALI TARIF ROQUE, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 19-12-2023 10:28. Número de Série: 51385880098497591760186147324. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.