ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


PARECER n. 00341/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.037346/2023-18

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ACOMPANHAMENTO LEGISLATIVO E EMENDAS PARLAMENTARES/COLEP/MINC

ASSUNTOS: PROJETO DE LEI

 

EMENTA:
I - Análise e manifestação acerca de Projeto de Lei que Institui a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares.
II. Competências do Ministério da Cultura.
III. Constituição Federal. Lei Complementar nº 95, de 1998. 
IV. Viabilidade jurídica. Necessidade de manifestação técnica.

 

 

I. RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 616/2023/COLEP/ASPAR/GM/MinC (SEI 1563941), a Coordenadora-Geral da Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos do Ministério da Cultura solicita análise e parecer sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 3383/2021, que “Institui a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares”, de autoria do Senador Alessandro Vieira (SEI 1563938).

O pedido de manifestação jurídica se dá face ao Ofício-SEI nº 307/2023/CAP/SALEG/SAJ/CC/PR , de 27 de dezembro de 2023 (SEI 1563932), da Secretaria Adjunta de Assuntos Legislativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI).

Este é o sucinto relatório.

 

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

Preliminarmente, impende tecer breve considerações sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo in casu.

A Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a Advocacia Pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como de sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

 

Nesta esteira, o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), estabeleceu, no que concerne à atividade de assessoramento jurídico ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, que possui o seguinte teor:

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

Por outro lado, observo que a apreciação ora empreendida cinge-se aos aspectos jurídico-formais da proposta de ato normativo, no que tange aos dispositivos que guardam pertinência com as atribuições legais desta Pasta Ministerial. Confiram-se as atribuições deste Ministério, fixadas no art. 21 da Lei n. 14.600/2023 e no art. 1o do Decreto nº 11.336/2023:

 

I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.

 

Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta.

Primeiramente, impende realçar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educaçãoculturaproteção e defesa da saúde,  proteção à infância e à juventude, entre outras matérias, nos termos do art. 24, incisos IX, XII e XV, da Constituição Federal.

Outrossim, observo que a proposta não está inserida no âmbito de iniciativa privativa do Presidente da República, nos termos do art. 61, § 1º, da Constituição, encontrando-se regular também nesse ponto, já que a iniciativa partiu do Senado.

Adicione-se, ainda, que o PL ​já percorreu o trâmite legislativo no âmbito do Congresso Nacional, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República, nos termos do art. 66 da Constituição Federal, segundo informa a Assessoria Parlamentar deste Ministério.

art. 205 da Constituição erige a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 

Já o art. 196 estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A minuta de projeto de lei remetida encontra, assim, o devido amparo constitucional, sob o aspecto material.

Adentrando-se a leitura da proposta, verifica-se que esta visa instituir a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares, com os seguintes objetivos, de acordo com o art. 2o da minuta:

 

I- promover a saúde mental da comunidade escolar;
II - garantir aos integrantes da comunidade escolar o acesso à atenção psicossocial;
III - promover a intersetorialidade entre os serviços educacionais, de saúde e de assistência social para a garantia da atenção psicossocial;
IV - informar e sensibilizar a sociedade sobre a importância de cuidados psicossociais na comunidade escolar;
V - promover a formação continuada de gestores e de profissionais das áreas de educação, de saúde e de assistência social no tema da saúde mental;
VI - promover atendimento, ações e palestras direcionadas à eliminação da violência; e
VII - divulgar informações cientificamente verificadas e esclarecer informações incorretas relativas à saúde mental.

 

A justificação anexa à proposta original [1] indica o que se segue quanto ao mérito e à motivação do ato:

A escola é um espaço privilegiado para promover o acolhimento e o cuidado de crianças e adolescentes, pelo papel relevante que desempenha na formação de concepções e valores e na construção de relações interpessoais. Ademais, cabe às escolas prestar a devida atenção aos problemas psicossociais que afetam a comunidade escolar, haja vista o impacto que eles têm na vida das crianças e dos adolescentes e o consequente comprometimento do aprendizado e rendimento escolar.
No entanto, é importante que as ações de promoção de saúde mental sejam realizadas de forma integrada entre os setores de educação e saúde. A escola, de forma autônoma e isolada, não é capaz de suprir as necessidades de saúde das crianças e dos adolescentes, especialmente no que tange à prevenção e assistência.
Para tanto, propomos que seja instituída uma política nacional de atenção psicossocial nas comunidades escolares, com atuação intersetorial que envolva as áreas de educação, saúde e assistência social, de forma a garantir o desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes e de todos os envolvidos com a formação e educação dessa população, a exemplo dos trabalhadores da educação, além dos pais ou responsáveis.
Apenas com uma política ampla, integrada e intersetorial será possível desenvolver ações voltadas para a promoção da saúde mental de crianças e adolescentes.

 

Observo que o PL em tela trata de matéria estritamente relacionada à educação, saúde e assistência social (Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares). Muito embora possa haver relações entre cultura, saúde e educação, aspectos mais específicos da matéria poderão ser melhor avaliados pelos órgãos técnicos e jurídicos dos Ministérios da Educação, da Saúde e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

Quanto ao mérito do projeto, reitero a impossibilidade de o presente Parecer jurídico adentrar nessa seara, cabendo tal competência aos órgãos técnicos desta Pasta. 

Cumpre destacar, ainda, que a matéria pode ser objeto de veto com fundamento no §1º do art. 66 da Constituição, que permite o veto a projeto de lei contrário ao interesse público. Confira--se:  

 
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
(Negritou-se)
 

Assim, admite-se o veto de projeto de lei, parcial ou total, caso haja contrariedade ao interesse público, avaliação esta afeta ao mérito administrativo, não sujeito ao crivo desta Consultoria Jurídica.

Portanto, o Projeto de Lei deverá ser submetido ao órgão técnico competente, no âmbito desta Pasta e dos Ministérios da Educação, da Saúde e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, para avaliação quanto ao interesse público incidente sobre o objeto da proposta.

Por fim, quanto aos aspectos estritamente formais, insta ponderar que ao Projeto de Lei se aplicam as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição. 

 

 

III. CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, conclui-se que, sob a ótica desta Pasta, não se vislumbram óbices de natureza jurídica à sanção presidencial do Projeto de Lei em tela, desde que confirmado pelo órgão técnico competente o interesse público incidente sobre a matéria, sem prejuízo de recomendações técnicas e jurídicas oriundas das demais Pastas afetas ao tema.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 29 de dezembro de 2023.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 

 

Notas:

[1] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9023150&ts=1703686191940&disposition=inline&_gl=1*1rhs080*_ga*MjUzNDIyMTcuMTY5MDkxOTkxMw..*_ga_CW3ZH25XMK*MTcwMzg1MDExNS42LjEuMTcwMzg3NzA4OC4wLjAuMA..


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400037346202318 e da chave de acesso 3d10ef50

 




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