ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO ESTRATÉGICO
PARECER n. 00004/2024/NUCJUR-EST/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 19739.001520/2024-19
INTERESSADOS: UNIÃO - SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DE PERNAMBUCO - SPU/PE
ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO - OUTROS ASSUNTOS
EMENTA: I - Enfiteuse. Contrato que tende a ser perpétuo e não se extingue por mero decurso de prazo. II - A extinção da enfiteuse ocorre por inadimplemento de cláusula contratual ou nas demais condições previstas em lei. III - O cumprimento do encargo contratual não se confunde com o exaurimento do contrato e não pode ser utilizado como causa de extinção do aforamento. Art. 103 do Decreto-Lei 9.760 de 05 de setembro de 1946.
IV - Considerações sobre a possibilidade de existência de diversos direitos reais sobre o mesmo imóvel e a competência para constituir direitos reais de fruição sobre imóveis da União.
Trata-se de consulta formulada pela SPU/PE, conforme OFÍCIO SEI Nº 6836/2024/MGI:
Senhor Consultor,
1. Cumprimentando-o cordialmente, a União, através da Secretaria do Patrimônio da União em Pernambuco, celebrou Acordo de Cooperação Técnica com o Município do Recife com o objetivo de promover a regularização fundiária de interesse social dos imóveis de domínio da União, independentemente da sua origem aquisitiva ou se previamente cadastrados na SPU, com ou sem matrícula individualizada.
2. Os imóveis correspondem aos Contratos de Cessão Comunidade Chié Santo Amaro Santa Terezinha (39604970) e de Cessão da Comunicade Ilha de Joaneiro (39635456). Cerca de 10 anos atrás, tais contratos foram analisados pelos Pareceres nº 793/2013/CJU-PE/CGU/AGU Ilha de Joaneiro3(9635518) e nº 794/2013/CJU-PE/CGU/AGU (CHIÉ) (39677369), onde discordo de alguns entendimentos.
3. O Município do Recife manifestou interesse em promover a regularização fundiária dos núcleos urbanos informais na Ilha de Joaneiro, Chié e Santo Amaro/Santa Terezinha, matrículas nºs 78.181, 31.697 e 86.298, respectivamente, todos o 2º Registro Geral de Imóveis do Recife, inclusive as áreas constam no Acordo de Cooperação Técnica (SEI nº38040239) firmado entre a SPU e o Município o Recife em 10 de outubro de 2023.
4. Registre-se que o Estado de Pernambuco regularizou fundiariamente as áreas acima, inclusive com o registro do projeto de regularização fundiária, contudo o fez através da entrega de Cessões do Direito Real de Uso (CDRU’s) e Cessões de Uso Especial para Fins de Moradia (CUEM’s), ou seja, do titulo de posse.
5. A regularização fundiária manifestada pelo Município do Recife é a inclusão na cidade formal, registrada, em termos de propriedade, notadamente pelo instituto da legitimação fundiária, que tem por objetivo a regularização de forma plena e não precária dos imóveis.
6. Partindo do princípio de que foram atendidos os objetivos do Contrato de Cessão de Aforamento com a regularização fundiária das áreas, consequentemente da execução do plano urbanístico, e a emissão de diversos titulos de posse pelo Estado de Pernambuco em favor dos ocupantes, fui questionado sobre o encerramento dos contratos de cessão de aforamento, para que o Município do Recife promova novo projeto de regularização fundiária por legitimação fundiária (título de propriedade).
7. É importante frisar também que os contratos não possuíam prazo de vigência, onde as vigências foram instituídas e prorrogadas por Portarias, de forma unilateral, inclusive por autoridades diversas a que firmou o contrato.
8. Com base nas informações acima e no que consta do Ofício nº 005/2024 – SERF/SEPUL, indago:
8.1. Os citados contratos de cessão sob o regime de aforamento estão encerrados pelo cumprimento de suas cláusulas, em especial, através do registro do projeto de regularização fundiária e, consequentemente, da execução do projeto urbanístico pelo Estado de Pernambuco?
8.2. Os citados contratos de cessão sob o regime de aforamento estão encerrados pelo decurso do prazo, inclusive pela possível incompatibilidade com o art. 37 da Constituição Federal e pelo art. 17 e art. 57 da Lei nº 8.666/93?
8.3. Caso os contratos estejam encerrados, a União, detentora do domínio direto das áreas, possui legitimidade para requerer o cancelamento das Cessões do Direito Real de Uso (CDRU’s) já concedidas para promoção de novo projeto de regularização fundiária, através do instituto da legitimação fundiária (título de propriedade), algo mais benéfico aos ocupantes, sem anuência ou ciência ao Estado de Pernambuco?
9. Assim, solicito parecer jurídico acerca do tema aqui referido com a resposta aos questionamentos acima elencados.
10. Sendo o que se apresenta para o momento, renovo meus votos de estima e consideração
NÃO foram anexados ao SAPIENS e também não estão disponíveis no SEI (o "hiperlink" disponível em 39691733 não autoriza o acesso) os seguintes documentos:
- Acordo de Cooperação Técnica (38040239);
- Plano de Trabalho - ACT (38040271);
- Anexo do Plano de Trabalho - ACT (38040312).
Distribuído segundo as normas ordinárias desta e-CJU/Patrimônio.
Tudo lido e analisado, é o relatório.
Não há como confundir CDRU e CUEM com mero título de posse. Ambos os institutos são direitos reais, conforme expresso no art. 1.225 do Código Civil.
Art. 1.225. São direitos reais:
(...)
XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
XII - a concessão de direito real de uso; (Redação dada pela Lei nº 14.620, de 2023)
São direitos, em regra, transmissíveis e que podem ser utilizados como garantia:
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.220, DE 4 DE SETEMBRO DE 2001,
Art. 7º O direito de concessão de uso especial para fins de moradia é transferível por ato inter vivos ou causa mortis.
DECRETO-LEI Nº 271, DE 28 DE FEVEREIRO DE 1967
Art. 7o É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
(...)
§ 4º A concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, transfere-se por ato inter vivos, ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sôbre coisas alheias, registrando-se a transferência.
LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001
Art. 48. Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, os contratos de concessão de direito real de uso de imóveis públicos:
(...)
II – constituirão título de aceitação obrigatória em garantia de contratos de financiamentos habitacionais.
INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 2, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2014
Art. 29 O direito real de uso, o domínio útil ou pleno de área ou imóvel da União, outorgado pela União para fins de regularização fundiária e provisão habitacional de interesse social, são transferíveis por ato intervivos, por sucessão legitima ou testamentária, nos termos do Código Civil, Lei nº 10.406/02.
Portanto, são instrumentos de destinação que regularizam a situação fundiária do imóvel, ainda que sem transmitir a propriedade.
Note-se que a principal finalidade da regularização do uso da propriedade pública por particulares não é a transmissão da propriedade em si, mas sim permitir o exercício do chamado "ius disponendi", o direito de dispor do bem/direito dentro das regras do direito imobiliário, saindo da informalidade.
O aforamento também é direito real, e este tende a ser perpétuo. Se não for perpétuo é arrendamento. O que inclusive restou consignado no r. Parecer anexo ao Ofício nº 005/2024 - SERF/SEPUL (39482430):
Ao conceituar o instituto do aforamento, o jurista Alvaro Villaça Azevedo1 reporta-se aos elementos caracterizadores insertos nos artigos 678/680 do Código Civil de 1916, ainda aplicáveis conforme dispõe o art.2.038 do Código Civil de 2002, aduzindo que a enfiteuse se constitui perpetuamente por ato jurídico, de um imóvel não cultivado ou que se destine a edificação, com a transferência do domínio útil a outrem, mediante pagamento de foro anual ao senhorio direto.
Citado jurista, reproduz o ensinamento do Prof. Rubens Limongi França, segundo o qual o conceito de enfiteuse, aprazamento ou aforamento, como o “desmembramento da propriedade do qual resulta o direito real perpétuo, em que o titular (enfiteuta), assumindo o domínio útil da coisa, constituída de terras não cultivadas ou terrenos por edificar (prazo, bem enfitêutico ou bem foreiro), é assistido pela faculdade de lhe fruir todas as utilidades, sem destruir a substância, mediante obrigação de pagar ao nu-proprietário (senhorio direto) uma pensão anual invariável (foro).”
O Código Civil de 1916:
Art. 679. O contrato de enfiteuse é perpétuo. A enfiteuse por tempo limitado considera-se arrendamento, e com tal se rege.
Observar que a alegação contida no ofício de que "os contratos não possuíam prazo de vigência, onde as vigências foram instituídas e prorrogadas por Portarias, de forma unilateral, inclusive por autoridades diversas a que firmou o contrato", com a devida vênia, não parece ter relevância para a solução da questão.
A falta de prazo não surpreende porque, como visto, os contratos de aforamento tendem a ser perpétuos. Não podem ter prazo.
O prazo que poderia ser prorrogado por portaria é o para cumprimento do encargo (art. 2º do Decreto 81.696[1], de 22 de Maio de 1978, que autorizou a cessão), mas nesses casos não são incomuns as delegações e subdelegações. Ainda que exista algum vício, a União não pode pretender extinguir um contrato alegando incompetência de seu próprio agente[2] na prática de determinado ato. Observar também que a prorrogação é ato unilateral.
Apesar de ter a tendência à perpetuidade, o aforamento pode ser extinto, na forma do art. 103 do DL 9.760/46:
Art. 103. O aforamento extinguir-se-á: (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
I - por inadimplemento de cláusula contratual; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
II - por acordo entre as partes; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
III - pela remissão do foro, nas zonas onde não mais subsistam os motivos determinantes da aplicação do regime enfitêutico; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
IV - pelo abandono do imóvel, caracterizado pela ocupação, por mais de 5 (cinco) anos, sem contestação, de assentamentos informais de baixa renda, retornando o domínio útil à União; ou (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
V - por interesse público, mediante prévia indenização. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
Corolário lógico é que, não ocorrendo nenhuma das causas de extinção, o aforamento não se extinguirá por decurso de prazo.
Por seu turno, "título de posse" não é uma figura jurídica regulamentada, mas sim uma expressão de uso comum. O que se chama de título de posse é um documento qualquer que sirva, de alguma forma, para legitimar o possuidor no uso exclusivo de determinado bem, em razão de um ato juridicamente admitido pelo ordenamento - ainda que insuficiente para transferir a propriedade.
Já a posse é a detença (não repudiada pelo direito) de um bem em nome próprio. É um fato, um estado de aparência entre uma pessoa e uma coisa, à qual a lei oferece alguma proteção e empresta alguns efeitos.
Informa a consulta:
6. Partindo do princípio de que foram atendidos os objetivos do Contrato de Cessão de Aforamento com a regularização fundiária das áreas, consequentemente da execução do plano urbanístico, e a emissão de diversos titulos de posse pelo Estado de Pernambuco em favor dos ocupantes, fui questionado sobre o encerramento dos contratos de cessão de aforamento, para que o Município do Recife promova novo projeto de regularização fundiária por legitimação fundiária (título de propriedade).
(destaquei)
Portanto, segundo a própria SPU o Estado de Pernambuco cumpriu os termos do contrato, embora sem entregar aos beneficiários a propriedade plena (o que não era possível na época do aforamento, inclusive). Não se pode confundir o cumprimento do encargo (a "execução, pelo cessionário, de um plano urbanístico") com o encerramento do contrato de aforamento (perpétuo).
De acordo com o Decreto nº 81.696, de 22 de Maio de 1978 seria de se esperar que o Estado transferisse o próprio aforamento para os beneficiários (art. 3º) durante/após a execução do plano urbanístico.
Art. 3º. Ficará o cessionário isento do pagamento do preço, correspondente ao valor do domínio útil do terreno, dos respectivos foros, enquanto lhe estiver o mesmo aforado, bem como dos laudêmios, nas transferências que vier a efetuar, correndo, todavia, por sua conta os ônus relativos às indenizações, que, eventualmente, sejam devidas a terceiros.
Mas, por algum motivo não esclarecido no processo, a SPU afirma que o Estado fez a regularização fundiária através "da entrega de Cessões do Direito Real de Uso (CDRU’s) e Cessões de Uso Especial para Fins de Moradia (CUEM’s)".
A documentação anexa ao processo (Ofício nº005/2024 -SERF/SEPUL (39482430), etc) mostra que os imóveis estão registrados no CRGI como propriedade da União cedidos sob regime de aforamento ao Estado de Pernambuco. Mas os imóveis foram desmembrados em milhares de lotes. Por exemplo, a área de Santo Amaro/Santa Terezinha:
Certifico que a presente matrícula refere-se a ÁREA DENOMINADA “SANTO AMARO/ SANTA TEREZINHA”, perfazendo um total de 4104 lotes já matriculados nesta Serventia Registral Imobiliária..."
(Ofício nº005/2024 -SERF/SEPUL (39482430) SEI 19739.001520/2024-19 /pg. 40)
Presume-se (as matrículas individuais não constam deste processo), portanto, que os lotes já desmembrados estejam com a seguinte situação cartorial:
- União proprietária;
- Estado cessionário (regime de aforamento);
- Cidadão titular da CDRU/CUEM.
Enfiteuse, CDRU e CUEM, são direitos reais[3]. De forma mais específica, são direitos reais de fruição sobre coisa alheia.
"Nesses direitos reais menos amplos que a propriedade, o titular fica privado de alguns dos poderes inerentes ao domínio. Basicamente, haverá dois titulares sobre a mesma coisa, cada um com um âmbito de atuação próprio e definido pela Lei na extensão do exercício do domínio"
(Sívio S. Venosa, Direito Civil - Direitos Reais, 6ª Ed, pg. 406).
A lei não impede que diversos direitos reais distintos coexistam sobre a mesma propriedade:
Os direitos reais, denominados sobre coisas alheias pela doutrina tradicional, não modificam a natureza do domínio. Estabelecem natureza diversa de grau em seu exercício. Dois ou mais titulares exercem concomitantemente poderes inerentes à propriedade em graus jurídicos diversos.
Admite-se que os direitos graduados sejam atribuídos a mais de dois titulares: o enfiteuta pode hipotecar o imóvel aforado, por exemplo.
(...)
No dizer de Pontes de Miranda (1971, v.18:7), 'todos os direitos reais limitados têm limites de conteúdo interiores ao conteúdo do direito de domínio; por isso são limitados'"
(...)
Nos direitos reais limitados, subtraem-se um ou alguns dos poderes inerentes ao domínio em prol de outro titular, como ocorre entre nu-proprietário e usufrutuário, por exemplo. O domínio, porém, não se reparte. Cada titular o exerce em grau jurídico diverso, diferentemente, pois, do que sucede no condomínio, no qual o exercício do domínio é horizontal, isto é, coloca-se no mesmo grau. Os condôminos exercem concomitantemente os poderes de proprietário. Nos direitos limitados, os titulares exercem simultaneamente poderes específicos e diversos inerentes à propriedade.
(Sívio S. Venosa, Direito Civil - Direitos Reais, 6ª Ed, pg. 409).
A enfiteuse é o direito real limitado com maior amplitude. O DL 9.760/46 não define o que é o aforamento[4]. Quem define é o Código Civil de 1916, aplicável por força do art. 2.038 do Código Civil de 2002:
Art. 678. Dá-se a enfiteuse, aforamento, ou emprazamento, quando por ato entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui à outro o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável.
Portanto, o enfiteuta pode utilizar o bem da forma mais ampla e como lhe convier, mas não sem limites. No caso de imóvel público, limitado pelos termos da Lei, do Decreto e Contrato.
Por seu turno, a CUEM é um direito subjetivo de quem preenche os requisitos legais, consistente no direito "de usar, fruir e dispor" do bem.
A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 2, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2007 explica:
Art. 2º A Concessão de Uso Especial para fins de Moradia é o instrumento pelo qual a Secretaria do Patrimônio da União, por meio das Gerências Regionais do Patrimônio da União, reconhece o direito subjetivo à moradia, quando preenchidos os requisitos da Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001, não se submetendo a CUEM à análise de conveniência e oportunidade pela Administração.
(...)
Art. 4º A Concessão de Uso Especial para fins de Moradia CUEM será conferida a quem comprovar que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, imóvel da União de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, quando situado em área urbana e utilizado para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural e que ainda esteja residindo no imóvel.
§ 1º A propriedade continuará em poder da administração pública, que concederá ao possuidor o direito de usar, fruir e dispor do direito objeto da referida concessão
Já a CDRU consiste no "direito de fluir plenamente do terreno para os fins estabelecidos no contrato", conforme art. 7º, § 2, do DECRETO-LEI Nº 271, DE 28 DE FEVEREIRO DE 1967.
CDRU e CUEM são direitos reais de menor graduação do que o contido na enfiteuse (domínio útil) e, smj, não são incompatíveis entre si, podendo coexistir sobre o mesmo imóvel. Especialmente no caso da CDRU, que pode ser limitada por contrato.
Mas, mesmo podendo coexistir, a competência para instituir direito real de fruição sobre imóvel da União não está inserida nos poderes (domínio útil) do enfiteuta.
Isso porque a lei reservou como competência exclusiva da SPU a realização de "aforamentos, concessões de direito real de uso, locações, arrendamentos, entregas e cessões a qualquer título, de imóveis de propriedade da União", conforme art. 40 da Lei 9.636/98:
Art. 40. Será de competência exclusiva da SPU, observado o disposto no art. 38 e sem prejuízo das competências da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, previstas no Decreto-Lei no 147, de 3 de fevereiro de 1967, a realização de aforamentos, concessões de direito real de uso, locações, arrendamentos, entregas e cessões a qualquer título, de imóveis de propriedade da União, exceto nos seguintes casos:
I - cessões, locações e arrendamentos especialmente autorizados nos termos de entrega, observadas as condições fixadas em regulamento;
Ou seja, embora seja possível, em tese, a coexistência de direitos reais de fruição de gradação diversa sobre o mesmo imóvel, em caso de imóveis da União só a SPU pode autorizar sua constituição.
Não é objeto da consulta, mas parece-nos que o Estado não deveria dispor dos imóveis de forma diversa da que está expressamente autorizada no Decreto e no Contrato.
O Estado Federado poderia transferir o direito real que tinha (aforamento), mas não instituir novos direitos reais sobre imóvel da União. Salvo melhor juízo, essa é a fonte dos problemas que a SPU/PE vivencia.
Mas a anulação/revogação de quaisquer direitos constituídos com o registro em Cartório inevitavelmente demandará estudo mais aprofundado, por (em tese) piorar a situação dos ocupantes, devolvendo-os à irregularidade formal. Além disso, demandaria o respeito ao contraditório e a ampla defesa, com a necessária participação do Estado/PE e do interessado (titular do direito real).
Respondendo objetivamente as questões trazidas pela SPU:
8.1. Os citados contratos de cessão sob o regime de aforamento estão encerrados pelo cumprimento de suas cláusulas, em especial, através do registro do projeto de regularização fundiária e, consequentemente, da execução do projeto urbanístico pelo Estado de Pernambuco?
8.2. Os citados contratos de cessão sob o regime de aforamento estão encerrados pelo decurso do prazo, inclusive pela possível incompatibilidade com o art. 37 da Constituição Federal e pelo art. 17 e art. 57 da Lei nº 8.666/93?
Os contratos de cessão por aforamento não se encerraram pelo cumprimento nem por decurso de prazo. Contrato de cessão sob regime de aforamento tende a ser perpétuo, não pode ter prazo e não se encerra pelo cumprimento de suas cláusulas. O que pode extinguir o aforamento é o descumprimento das cláusulas contratuais, na forma do art. 103 do DL 9.760/46.
8.3. Caso os contratos estejam encerrados, a União, detentora do domínio direto das áreas, possui legitimidade para requerer o cancelamento das Cessões do Direito Real de Uso (CDRU’s) já concedidas para promoção de novo projeto de regularização fundiária, através do instituto da legitimação fundiária (título de propriedade), algo mais benéfico aos ocupantes, sem anuência ou ciência ao Estado de Pernambuco?
Prejudicado.
Dispensada a aprovação do Exmo. Coordenador, na forma do regimento interno. É o Parecer, sujeito à censura.
Vitória, ES, 23 de janeiro de 2024.
LUÍS EDUARDO NOGUEIRA MOREIRA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 19739001520202419 e da chave de acesso 9bbb5e85
Notas