ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO SUMÁRIO
PARECER n. 00072/2024/NUCJUR-SUM/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU
NUP: 10154.154897/2023-95
INTERESSADOS: MG/MPOG/SPU/SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO
ASSUNTOS:
EMENTA: CESSÃO DE USO GRATUITA DE IMÓVEL DA UNIÃO A MUNICÍPIO. I - Art. 18, inc. I, da Lei nº 9.636/98. Uso no serviço público municipal, para implantação do Parque Público Maria do Socorro Moreira - Logradouro Público (Praça, rua, parque urbano, estacionamento). Cessão legalmente permitida. II - Preenchimento de alguns requisitos legais. Procedimento de Dispensa de Licitação previsto na Lei n. 14.133/21: necessidade de decisão fundamentada da autoridade competente pela escolha da destinação do imóvel. III - Análise da minuta do Contrato, não possibilidade. IV- Necessidade da publicação da Portaria autorizativa, valor do imóvel, R$ 335.390.191,38 (trezentos e trinta e cinco milhões, trezentos e noventa mil cento e noventa e um reais e trinta e oito centavos).
DO RELATÓRIO
A Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Minas Gerais, submete, nos termos do art. 131 da Constituição Federal, do art. 10 da Lei Complementar nº 73/93, ao crivo desta Consultoria Jurídica da União - Advocacia-Geral da União, o processo administrativo acima descrito, cujo objeto é a CESSÃO DE USO GRATUITA do imóvel de propriedade da União, situado à Rua Ocidente, nº 100, bairro Padre Eustáquio, no município de Belo Horizonte/MG, CEP 30.730-560, parte da área registrada na matrícula 52.363, Livro 3- AY, do 3º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte/MG (SEI nº 37731924), cadastrado no SPIUnet com o RIP Utilização nº 4123013595005 (SEI nº 37698372).
Os presentes autos eletrônicos foram juntados ao sistema sapiens da AGU, por meio de acesso externo, encontrando-se instruídos com os seguintes documentos relevantes para a análise:
37698298 | Requerimento MG-0212/2023 | 04/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP | |
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37698334 | Projeto | 02/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37698372 | Registro RIP 4123013595005 | 04/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37698377 | Despacho | 04/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37730733 | Certidão | 05/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37730767 | Certidão | 05/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37730796 | Certidão | 05/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37730913 | Cartão | 05/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37731458 | Relatório | 05/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37731924 | Certidão | 05/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37732238 | Minuta de Contrato | 05/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37732456 | Minuta de Termo de Dispensa de Licitação | 05/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37732487 | Nota Técnica 38103 | 05/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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37732522 | Ofício 115864 | 05/10/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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38569378 | 17/11/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP | |
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38569674 | Orçamento | 17/11/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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38569865 | Memorial | 17/11/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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38569921 | Planta | 17/11/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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38569986 | Ato de Dispensa de Licitação | 17/11/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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38570280 | Despacho | 17/11/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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38572240 | Checklist | 17/11/2023 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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38594948 | Checklist | 20/11/2023 | MGI-SPU-DEDES-CGBAP-DIDES |
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39081849 | Ata | 08/12/2023 | MGI-SPU-DEDES-GEDESUP |
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39096298 | Despacho | 13/12/2023 | MGI-SPU-DEDES-CGBAP-DIDES |
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39096461 | Minuta de Ratificação de Dispensa de Licitação | 13/12/2023 | MGI-SPU-DEDES-CGBAP-DIDES |
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39096769 | Extrato | 13/12/2023 | MGI-SPU-DEDES-CGBAP-DIDES |
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39280486 | Ratificação de Dispensa de Licitação | 22/12/2023 | MGI-SPU-GABIN |
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39315086 | Publicação | 27/12/2023 | MGI-SPU-PUBLIC |
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39410425 | Nota Técnica 180 | 04/01/2024 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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39413467 | Ofício 667 | 04/01/2024 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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39452769 | 08/01/2024 | MGI-SPU-MG-SEDEP | |
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39700497 | Despacho | 22/01/2024 | MGI-SPU-MG-SEDEP |
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39744355 | Despacho | 23/01/2024 | MGI-SPU-DEDES-CGBAP-DIDES |
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39788121 | Minuta de Portaria | 25/01/2024 | MGI-SPU-DEDES-CGBAP-DIDES |
Em apertada síntese, é o relatório.
FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO
A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. Ela envolve, também, o exame prévio e conclusivo dos textos das minutas de contratos a serem assinados.
Nossa função é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.
Importante salientar, que o exame dos autos processuais restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos, conforme Enunciado n° 07, do Manual de Boas Práticas Consultivas da CGU/AGU:
A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.
De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente do órgão, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.
De outro lado, cabe esclarecer que, via de regra, não é papel do órgão de assessoramento jurídico exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências. Em face disso, o ideal, para a melhor e completa instrução processual, é que sejam juntadas as atos de nomeação/designação, ou as citações destes, da autoridade e demais agentes administrativos, bem como dos atos normativos que estabelecem as respectivas competências, a fim de que, em caso de futura auditoria, possa ser facilmente comprovado que quem praticou determinado ato tinha competência para tanto. Todavia, a ausência de tais documentos, por si, não se afigura representar óbice ao prosseguimento do feito.
Finalmente, é nosso dever salientar que algumas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O seguimento do processo sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Administração.
REGULARIDADE DA FORMAÇÃO DO PROCESSO
De acordo com o art. 22, da Lei nº 9.784, de 1999, os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada, salvo expressa disposição legal.
Com efeito, no que tange especificamente à licitação, bem como aos contratos/convênios e outros ajustes, conforme a nova Lei de licitações, Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, ao dispor em seu art. 91, os contratos e seus aditamentos terão forma escrita e serão juntados ao processo que tiver dado origem à contratação, divulgados e mantidos à disposição do público em sítio eletrônico oficial.
Registre-se, ao final, os termos do art. 22, § 1º e 2º, do Decreto nº 8.539, de 08 de outubro de 2015:
“§ 1º - O uso do meio eletrônico para a realização de processo administrativo deverá estar implementado no prazo de dois anos, contado da data de publicação deste Decreto;
§ 2º- Os órgãos e as entidades de que tratam o caput que já utilizam processo administrativo eletrônico deverão adaptar-se ao disposto neste Decreto no prazo de três anos, contado da data de sua publicação.”
No caso dos autos, os autos estão perfeitamente autuados no sistema Sei.
DO MÉRITO
Verifica-se dos autos que a Superintendência do Patrimônio da União consulente pretende ceder o aludido imóvel, gratuitamente, ao Município de Belo Horizonte, para a implantação do Parque Público Maria do Socorro Moreira - Logradouro Público (Praça, rua, parque urbano, estacionamento).
Nesse contexto, é importante trazer à baila os ensinamentos do mestre Hely Lopes Meireles a respeito do instituto da cessão de uso:
“Cessão de Uso é a transferência gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condições estabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado. É ato de colaboração entre repartições públicas, em que aquela que tem bens desnecessários aos seus serviços cede o uso a outra que deles está precisando.
.........................................................................................
Realmente a cessão de uso é uma categoria específica e própria para o traspasse da posse de um bem público para outra entidade, ou órgão da mesma entidade, que dele tenha necessidade e se proponha a entregá-lo nas condições convencionadas com a administração cedente.
Entretanto, vem sendo desvirtuada para a transferência de bens públicos a entes não administrativos e a até para particulares”. (In Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 19ª Edição, págs. 438/439)
O renomado autor define que “entidade” é pessoa jurídica, pública ou privada. Ainda segundo ele, as “entidades” podem ser estatais, autárquicas, fundacionais, empresariais e paraestatais.
No caso concreto, parece-nos que estamos diante de uma típica cessão de uso, já que um ente da federação, a União, pretende ceder o uso de bem de sua propriedade para outro ente da Federação, um Município.
A cessão de uso de bem público constitui instituto de origem civil, tendo o direito administrativo dela apossado, com relação aos órgãos públicos, sendo largamente empregada não apenas no Brasil. Consistente no empréstimo ou na transferência provisória e gratuita da posse de um imóvel, edificado ou não, pertencente a um órgão público, cedente, a outro, de mesmo nível de governo ou de nível diverso, cessionário, com vista a possibilitar ao último alguma utilização institucional ou de interesse público. Nada tem, portanto, a ver com a concessão, com a permissão, e nem, tampouco, com autorização de uso. Também não se confunde com doação.
O instituto da cessão de uso é regulamento pelo art. 18 da Lei n. º 9.636, de 1998:
Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:
I - Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde;
II - pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional.
§ 1º A cessão de que trata este artigo poderá ser realizada, ainda, sob o regime de concessão de direito real de uso resolúvel, previsto no art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967, aplicando-se, inclusive, em terrenos de marinha e acrescidos, dispensando-se o procedimento licitatório para associações e cooperativas que se enquadrem no inciso II do caput deste artigo.
§ 2º O espaço aéreo sobre bens públicos, o espaço físico em águas públicas, as áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer correntes d’água, de vazantes, da plataforma continental e de outros bens de domínio da União, insusceptíveis de transferência de direitos reais a terceiros, poderão ser objeto de cessão de uso, nos termos deste artigo, observadas as prescrições legais vigentes.
§ 3º A cessão será autorizada em ato do Presidente da República e se formalizará mediante termo ou contrato, do qual constarão expressamente as condições estabelecidas, entre as quais a finalidade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista no ato autorizativo e conseqüente termo ou contrato.
§ 4o A competência para autorizar a cessão de que trata este artigo poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação.
§ 5º Na hipótese de destinação à execução de empreendimento de fim lucrativo, a cessão será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, serão observados os procedimentos licitatórios previstos em lei e o disposto no art. 18-B desta Lei.
§ 6º Fica dispensada de licitação a cessão prevista no caput deste artigo relativa a:
I - bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública;
II - bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública e cuja ocupação se tenha consolidado até 27 de abril de 2006.
§ 7º Além das hipóteses previstas nos incisos I e II do caput e no § 2o deste artigo, o espaço aéreo sobre bens públicos, o espaço físico em águas públicas, as áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer correntes d’água, de vazantes e de outros bens do domínio da União, contíguos a imóveis da União afetados ao regime de aforamento ou ocupação, poderão ser objeto de cessão de uso.
§ 8º A destinação que tenha como beneficiários entes públicos ou privados concessionários ou delegatários da prestação de serviços de coleta, tratamento e distribuição de água potável, esgoto sanitário e destinação final de resíduos sólidos poderá ser realizada com dispensa de licitação e sob regime gratuito.
§ 9º Na hipótese prevista no § 8o deste artigo, caso haja a instalação de tubulação subterrânea e subaquática que permita outro uso concomitante, a destinação dar-se-á por meio de autorização de passagem, nos termos de ato da Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
§ 10. A cessão poderá estabelecer como contrapartida a obrigação de construir, reformar ou prestar serviços de engenharia em imóveis da União ou em bens móveis de interesse da segurança nacional, admitida a contrapartida em imóveis da União que não sejam objeto da cessão. (Incluído pela Medida Provisória nº 915, de 2019)
§ 11. A cessão com contrapartida será celebrada sob condição resolutiva até que a obrigação seja integralmente cumprida pelo cessionário. (Incluído pela Medida Provisória nº 915, de 2019)
§ 12. Na hipótese de descumprimento pelo cessionário da contrapartida, nas condições e nos prazos estabelecidos, o instrumento jurídico de cessão se resolverá sem direito à indenização pelas acessões e benfeitorias nem qualquer outra indenização ao cessionário e a posse do imóvel será imediatamente revertida para a União. (Incluído pela Medida Provisória nº 915, de 2019)
Trazendo essas informações para o caso em análise, podemos perceber que a presente cessão de uso encontra suporte de validade no art. 18, I, da Lei 9.636/98. Ademais, como a cessão, no caso sub examine, não se destina a empreendimento de fins lucrativos, é permitida a utilização gratuita nos termos da exegese fixada da leitura do § 5º do art. 18 da Lei nº 9.636, de 1998.
Releva refletir que a presente cessão não guarda os contornos de uma cessão em condições especiais já que a contrapartida não consiste em obrigação de fazer a favor da União,
Com efeito, conforme já manifestado por meio do PARECER n. 00975/2021/PGFN/AGU da lavra do Advogado da União Erick Magalhães Santos, Coordenador Geral de Patrimônio Imobiliário da União, não se confunde a obrigação a favor da União com a finalidade da cessão:
A rigor, a possibilidade de cessão de uso com contrapartida não monetária não é novidade na legislação, dado que já era admitido o estabelecimento de "condições especiais" nas cessões de uso. Confira-se trecho do PARECER n. 01415/2019/EMS/CPU/PGACPP/PGFN/AGU (NUP: 10154.152390/2019-11), o qual analisou a proposta de Medida Provisória que foi convertida na Lei nº 14.011, de 2020. Veja-se:
De mais a mais, o texto propõe a inclusão dos §§ 10 a 12 no artigo 18 da Lei nº 9.636/1998, admitindo-se que a cessão tenha como "contrapartida obrigação de construir, reformar, prestar serviços de engenharia em imóveis da União".
A esse respeito, cumpre esclarecer que a cessão com contrapartida de obrigação de fazer não configura novidade na legislação patrimonial, existindo desde a redação original do Decreto-Lei nº 9.760/1946, com o nome de cessão em condições especiais, as quais dependiam de aprovação do Ministro da Fazenda (arts. 96 e 125). A redação vigente do caput do artigo 18 da Lei nº 9.636/1998 manteve a previsão de cessão "em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946".
A título exemplificativo, o Decreto nº 847, de 21 de julho de 1992, autorizou a cessão de imóvel da União Município de Duque de Caxias, com base no artigo 125 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, sob a condição de realização de benfeitorias na localidade.
Outro exemplo mais recente de utilização da cessão de uso em condições especiais é a destinação de imóveis da União para empreendimentos portuários mantidos por empresas públicas, conforme analisado no PARECER n. 00555/2018/EMS/CGJPU/CONJUR-MP/CGU/AGU (NUP: 04905.001385/2018-27)
De qualquer sorte, esta Procuradoria tem pontuado que não se pode confundir as obrigações próprias da cessão de uso, notadamente o cumprimento da finalidade e o uso adequado do imóvel, com a noção de contrapartida, a qual deve ser um bem jurídico específico e útil para a União.
É que, nos termos do artigo 18, § 3º, toda cessão de uso deve prever "a finalidade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista".
Assim, a finalidade na cessão de uso mostra-se similar ao encargo na doação, consistindo na exigência de utilização do imóvel para uma destinação de interesse público específico, sob pena de reversão do bem.
A finalidade, portanto, não pode ser confundida com a contrapartida, o que transformaria toda cessão gratuita em cessão com contrapartida.
Nesse cenário, parece, salvo melhor juízo, que, ao eleger como contrapartida a construção do próprio equipamento que é descrito como finalidade da cessão de uso, a proposição não veicula, propriamente, uma cessão com contrapartida, apenas comete atecnia vocabular ao confundir finalidade com contrapartida. Veja-se o que consta na minuta de portaria autorizativa:
Art. 2º A cessão a que se refere o art. 1º destina-se à construção da Casa da Mulher Brasileira.
Art. 3º A cessão terá como contrapartida a construção da Casa da Mulher Brasileira, bem como realizar todos os procedimentos necessários para regularizar as benfeitorias na matrícula do imóvel.
Registre-se, por oportuno, que "realizar todos os procedimentos necessários para regularizar as benfeitorias na matrícula do imóvel" é obrigação acessória ao cumprimento da finalidade, não se constituindo uma contrapartida em proveito da União.
Tanto é assim que, comparando a versão da minuta de portaria autorizativa anterior e da portaria atual, não se verifica a inclusão de qualquer obrigação contratual nova, mas apenas que se passou a chamar o cumprimento da finalidade de "contrapartida.
A obrigação de contrapartida a favor da União é que caracteriza a cessão de uso sob condições especiais. Caso o contrato não preveja tal contrapartida, de nada adianta o nomen juris adotado, pois se tratará de cessão de uso gratuita, ou cessão de uso onerosa (no caso de previsão de retribuição em pecúnia). Contrapartida não se confunde com a construção de equipamento vinculada à finalidade da cessão.
A mesma conclusão se impõe da leitura do art. 18, § 10 da Lei nº 9.636, de 98 o qual prevê que a obrigação de fazer, construir, reformar ou prestar serviços de engenharia em imóveis da União ou em bens móveis de interesse da União, pode ser estabelecida como contrapartida a favor da União:
§ 10. A cessão de que trata este artigo poderá estabelecer como contrapartida a obrigação de construir, reformar ou prestar serviços de engenharia em imóveis da União ou em bens móveis de interesse da União, admitida a contrapartida em imóveis da União que não sejam objeto da cessão. (Incluído pela Lei 14.011, de 2020)
Assim, no caso concreto, a finalidade é implantação do Parque Público Maria do Socorro Moreira - Logradouro Público (Praça, rua, parque urbano, estacionamento).
Convém registrar, ainda, a observância dos termos da Portaria GM/MPOG n.º 144/2001:
Art. 1º Estabelecer as diretrizes para as proposições formuladas pela Secretaria do Patrimônio da União, deste Ministério, que tenham por objeto a cessão de uso gratuito ou em condições especiais de imóveis de domínio da União, com amparo no art. 18 da Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998.
Art. 2º As cessões de uso gratuito ou em condições especiais de imóveis da União deverão observar as seguintes destinações:
(...)
II - a Estados e Municípios, para os seguintes fins:
a) uso no serviço público estadual ou municipal, inclusive para entidades vinculadas da Administração Pública indireta, bem como para empresas públicas e de economia mista;
No caso dos autos, a cessão de uso gratuita tem como destinatário, um Município da federação e o imóvel será utilizado na prestação de serviços públicos, qual seja, a implantação do Parque Público Maria do Socorro Moreira - Logradouro Público (Praça, rua, parque urbano, estacionamento).
Portanto, é indubitável que os princípios acima minudenciados foram atendidos, já que nesses casos, o legislador presumiu a existência do interesse público.
COMPETÊNCIA PARA A PRÁTICA DOS ATOS DE CESSÃO DE USO SOB REGIME GRATUITO.
Importante salientar que inobstante o parágrafo 4º do artigo 18 da Lei Federal nº 9.636, de 15 de maio de 19998, atribua competência para autorizar a cessão de bens imóveis da União ao Ministro de Estado da Fazenda, entende-se que esta competência sofreu alteração com a entrada em vigor da Lei Federal nº 13.844, de 18 de junho de 2019, cujo artigo 31, inciso XX, especificou ser da competência do Ministério da Economia a administração patrimonial, tendo revogado expressamente em seu artigo 85, inciso VI, a Lei Federal nº 13.502, de 1º de novembro de 2007, que atribuía tal competência ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
A Medida Provisória nº 1.154, de 1º de janeiro de 2023 convertida na LEI Nº 14.600, DE 19 DE JUNHO DE 2023, que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, em seu artigo 32, inciso VII, inseriu a "administração do patrimônio imobiliário da União" dentre as áreas de competência do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI):
(...)
"CAPÍTULO II
DOS MINISTÉRIOS
Seção XV
Do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos
(...)
Art. 32. Constituem áreas de competência do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos:
(...)
VII - diretrizes, normas e procedimentos para a administração do patrimônio imobiliário da União;
(...)
Art. 40. Constituem áreas de competência do Ministério do Planejamento e Orçamento:
I - elaboração de subsídios para o planejamento e a formulação de políticas públicas de longo prazo destinadas ao desenvolvimento nacional;
II - avaliação dos impactos socioeconômicos das políticas e dos programas do governo federal e elaboração de estudos especiais para a reformulação de políticas;
III - elaboração de estudos e pesquisas para acompanhamento da conjuntura socioeconômica e gestão dos sistemas cartográficos e estatísticos nacionais;
IV - elaboração, acompanhamento e avaliação do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual;
V - viabilização de novas fontes de recursos para os planos de governo;
VI - formulação de diretrizes, acompanhamento e avaliação de financiamentos externos de projetos públicos com organismos multilaterais e com agências governamentais; e
VII - coordenação e gestão do sistema de planejamento e de orçamento federal.
Nesse contexto, verifica-se que a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) está investida de competência normativa para regulamentação das atividades de administração imobiliária que lhe foram concedidas, o que abrange a cessão de uso de imóveis da União.
Com o advento da Portaria SPU/ME nº 8.678, de 30 de setembro de 2022, da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, publicada no Diário Oficial da União (DOU) nº 193, Seção 1, de 10 de outubro de 2022 (Segunda-feira), a Secretária de Coordenação e Governança do Patrimônio da União subdelegou competência aos Superintendentes do Patrimônio da União para a prática da Cessão de uso, após apreciação favorável do GE-DESUP, nos casos exigidos pela Portaria nº 7.397, de 24 de junho de 2021 e suas alterações, verbis:
(...)
"Art. 5º Fica subdelegada a competência aos Superintendentes do Patrimônio da União para a prática dos seguintes atos administrativos, após apreciação favorável do GE-DESUP, nos casos exigidos pela Portaria 7.397, de 24 de junho de 2021 e suas alterações:
(...)
II - cessão de uso gratuito, sob quaisquer dos regimes previstos no Decreto-Lei nº 9.760, de 5de setembro de 1946, e na Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, de imóveis da União cujo valor de avaliação seja inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais);
No caso concreto, tratando-se de competência subdelegada aos Superintendentes do Patrimônio da União, não há necessidade de portaria autorizativa do titular da Secretaria do Patrimônio da União, conforme entendimento firmado no PARECER n. 00057/2022/PGFN/AGU, de 16 de fevereiro de 2022 (item 72.), elaborado pela Coordenação-Geral de Patrimônio Imobiliário da União da Procuradoria-Geral Adjunta de Consultoria de Pessoal, Normas e Patrimônio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (CCPI/PGACPNP/PGFN), aprovado como PARECER REFERENCIAL por intermédio do DESPACHO DE APROVAÇÃO n. 00074/2022/PGFN/AGU, de 16 de fevereiro de 2022 (NUP: 19739.101453/2020-70).
Quanto à assinatura do Contrato de Cessão de Uso, constata-se que tal atribuição está inserida na competência da SPU consulente, em consonância com o artigo 36, inciso XIX, do Regimento Interno da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, órgão subordinado à Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, aprovado pela Portaria ME nº 335, de 02 de outubro de 2020, do Ministro de Estado da Economia, verbis:
"PORTARIA Nº 335, DE 2 DE OUTUBRO DE 2020.
(Aprova o Regimento Interno da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia)
O MINISTRO DE ESTADO DA ECONOMIA, no uso das atribuições que lhe confere o inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto no art. 13 do Decreto nº 9.739, de 28 de março de 2019, resolve:
Art. 1º Fica aprovado o Regimento Interno da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia na forma do Anexo a esta Portaria.
Art. 2º Fica revogado o Anexo X da Portaria GM/MP nº 11, de 31 de janeiro de 2018, do extinto Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Art. 3º Esta Portaria entra em vigor no dia 1º de outubro de 2020.
ANEXO
REGIMENTO INTERNO SECRETARIA DE COORDENAÇÃO E GOVERNANÇA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO
CAPÍTULO I
DA CATEGORIA E FINALIDADE
Art. 1º A Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, órgão subordinado à Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia tem por finalidade:
(...)
III - lavrar, com força de escritura pública, os contratos de aquisição, alienação, locação, arrendamento, aforamento, cessão e demais atos relativos a imóveis da União e providenciar os registros e as averbações junto aos cartórios competentes;
(...)
CAPÍTULO III
DAS COMPETÊNCIAS DAS UNIDADES
(...)
Art. 36. Às Superintendências do Patrimônio da União competem:
(...)
XIX - elaborar e celebrar contratos de sua alçada e competência, providenciando sua assinatura e encaminhamento do extrato à Unidade Central para publicação;
Com efeito, está cumprido o primado da legalidade no tocante à competência enquanto elemento do ato administrativo.
- DISPENSA DE LICITAÇÃO
A necessidade de realização de procedimento licitatório/dispensa de licitação nos processos de cessão de uso de imóveis da União para outros entes federativos sempre foi bastante controversa. Recentemente, entretanto, a questão foi uniformizada pelo DESPACHO n. 00679/2019/GAB/CGU/AGU do Exmo. Consultor-Geral da União que aprovou o Parecer nº 30/2019/DECOR/CGU/AGU, nos termos do Despacho nº 494/2019/DECOR/CGU/AGU (NUP Processo nº 10480.002255/92-15).
Na referida manifestação ficou consolidado o entendimento no sentido de que a cessão de imóveis da União em favor de outros entes da federação, na forma do art. 18, inciso I, da Lei nº 9.636, de 1998, está sujeita aos procedimentos de licitação, dispensa ou inexigibilidade, independentemente da natureza contratual ou não do respectivo instrumento de cessão (termo/contrato).
Eis a ementa do referido Parecer:
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO DA UNIÃO.CESSÃO DE IMÓVEL A OUTRO ENTE DA FEDERAÇÃO, A TÍTULO GRATUITO, COM FUNDAMENTO NO ART. 18, I, DA LEI Nº 9.636, DE 15 DE MAIO DE 1998.
I - Questionamento do entendimento adotado pela Câmara Regional de Entendimentos Consultivos da 3ª Região - CRU-3, que atribuiu natureza não contratual à cessão de uso gratuito de bem imóvel da União para órgãos e entidades da Administração Pública e, por consequência, entendeu desnecessária a formalização de dispensa de licitação.
II - Apesar da extinção da CRU-3, permanece a necessidade de solução da questão jurídica em razão do art. 12 do Ato Regimental nº 1, de 22 de março de 2019, segundo o qual "devem ser apreciados pela Consultoria-Geral da União eventuais pedidos de revogação, revisão ou esclarecimento acerca de manifestações jurídicas e orientações normativas emitidas com fundamento no Capítulo I do Ato Regimental nº 1, de 2016".
III - Embora a base do questionamento jurídico seja a natureza jurídica da cessão dos bens imóveis da União para outros entes da Federação, a título gratuito, entende-se que o instrumento utilizado para a cessão de uso não se mostra relevante para a solução da questão, que tem o seu cerne na definição sobre a necessidade ou não de realizar a licitação das cessões enquanto instituto jurídico destinado a atribuir a terceiros o uso dos imóveis da União que não estejam sendo utilizados em serviço público (art. 64 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1964).
IV - A cessão de uso gratuito de imóvel da União a outros entes da Federação, prevista no art.18, I, da Lei nº 9.636, de 1998, demanda a observância dos mandamentos constitucionais e legais que regulam o procedimento de licitação, dispensa ou inexigibilidade, independentemente da investigação da natureza jurídica do instrumento utilizado para sua concretização.
Importante trazer à colação, trecho do mencionado Parecer nº 30/2019/DECOR/CGU/AGU:
(...)
34. É importante salientar que a cessão gratuita não se confunde com a permissão propriamente dita, tendo sido feita referência à previsão inserta no art. 2º da Lei de Licitações apenas para evidenciar que aquela Lei exigiu a licitação de atos que não se qualificam como contratos.
35. Nessa linha de raciocínio, a mera caracterização ou não da natureza contratual não é suficiente para afastar a exigência de licitar, que pode decorrer da legislação própria, fundada em princípios e regras previstos na Constituição, como vem a ocorrer com a cessão de uso de imóvel da União.
36. Convém ressaltar a ressalva contida na Lei de Licitações (nº 8.666, de 1993, art. 121, parágrafo único), no sentido de que os contratos relativos a imóveis do patrimônio da União devem observar as regras previstas no Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, com as alterações posteriores.
37. Essa determinação legal denota a especialidade da legislação patrimonial da União no tocante aos instrumentos destinados à administração patrimonial, independentemente da sua natureza contratual.
38. E não se pode desconsiderar que a própria Lei nº 9.636, de 1998, estabelece as situações de dispensa de licitação das cessões de uso dos imóveis da União (§6º do art. 18), nos seguintes termos:
"Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a:(...).§ 6o Fica dispensada de licitação a cessão prevista no caput deste artigo relativa a: (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)I - bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)II - bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública e cuja ocupação se tenha consolidado até 27 de abril de 2006. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)(...).§ 8o A destinação que tenha como beneficiários entes públicos ou privados concessionários ou delegatários da prestação de serviços de coleta, tratamento e distribuição de água potável, esgoto sanitário e destinação final de resíduos sólidos poderá ser realizada com dispensa de licitação e sob regime gratuito. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)(...)."39. Observe-se que a Lei estabelece a regra de exceção (§6º do art. 18 da Lei nº 9.636, de 1998), em que dispensa a licitação para a cessão prevista no caput do art. 18 da Lei nº 9.636, de 1998, c/c art. 64, §3º, do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, sem qualquer distinção entre cessão gratuita ou não.
40. A conclusão necessária é que a licitação é a regra geral para a cessão de imóveis da União. Nesse ponto, em especial, convém registrar que o fato da cessão destinar imóvel a outro ente da Federação não é, por si só, suficiente para afastar a exigência de submissão do processo a eventual licitação, dispensa ou inexigibilidade.
41. Basta observar que a Lei de Licitações, ao estabelecer as hipóteses de dispensa, incluiu a alienação de imóveis a outro órgão ou entidade da administração pública (art. 17, I, “e”).
(...)
43. Nesse sentido, evidencia-se a desnecessidade da investigação sobre a natureza jurídica da cessão de uso gratuito, tendo em vista que a necessidade de observância das regras que regulam a licitação, dispensa ou inexigibilidade decorre da própria interpretação sistemática da Lei nº 9.636, de 1998.
44. Essa interpretação sistemática, aliás, é corroborada pela própria Constituição Federal, que estabelece os princípios da isonomia e da impessoalidade (arts. 5º, II, e 37, caput, CF) como balizas fundamentais da atuação administrativa.
45. É o princípio da impessoalidade que determina a prevalência do interesse coletivo sobre as escolhas individuais do agente público.
46. A Lei nº 9.636, de 1998, presume, nesse caso, que haverá, em regra, nas cessões de uso de imóvel da União, mais de uma opção administrativa apta à obtenção do fim desejado e, portanto, reduz o espaço discricionário do agente para exigir dele que se submeta um procedimento impessoal para legitimar a cessão.
47. Não se vislumbra embasamento jurídico para afastar, com fundamento em eventual natureza não contratual da cessão, a necessidade de adotar providências prévias à cessão de imóvel da União, em procedimento de licitação, dispensa ou inexigibilidade, a depender do caso.
48. A Lei nº 9.636, de 1998, presume a possibilidade de haver mais de um interessado em obter o uso do imóvel para atender a uma finalidade de interesse público que a União pretenda prestar auxílio ou colaboração (art. 64, §3º, do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946).
Importante registrar que referido Parecer é perfeitamente aplicável aos ditames da nova de licitações, já que a dispensa de licitação da Lei 14.133/2021 prevista em seu art. 76 é bastante semelhante ao que previa o inciso I do § 2º do Art. 17 da Lei 8.666/1993:
"Art. 76. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
[...]
§ 3º A Administração poderá conceder título de propriedade ou de direito real de uso de imóvel, admitida a dispensa de licitação, quando o uso destinar-se a:
I - outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel;"
No caso dos autos, há a minuta do ato de DISPENSA DE LICITAÇÃO (SEI 38569986). Contudo, esclareça-se que embora em sua grande maioria, as cessões de uso quando destinadas a outros entes da Federação ou suas entidades possam ser enquadradas como licitação dispensada, tal fundamentação dependerá da demonstração nos autos, mediante despacho pormenorizado da Administração Pública, acerca da oportunidade e conveniência em tal destinação. Isso porque a exegese contida nas manifestações vinculantes expostas no PARECER n. 00049/2018/DECOR/CGU/AGU e no Parecer nº 30/2019/DECOR/CGU/AGU, aplicáveis harmonicamente a todas as hipóteses de "cessão de uso", é a de que a regra é a licitação, ainda quando se tratar de cessão de uso de imóveis em prol de pessoas jurídicas da Administração Pública de outros Entes da Federação. As hipóteses de declaração de inexigibilidade ou de dispensa de licitação, nesses casos, estarão condicionadas à presença dos requisitos legais comprovados mediante os fatos e justificativas de mérito apurados em prévio procedimento interno da Administração Pública.
Como já aduzido acima, o órgão consulente apresentou a justificativa com o mérito administrativo, conforme se denota no corpo da Nota Técnica SEI nº 180/2024/MGI.
Alerte-se que a nova lei de licitações não exige a ratificação.
- COMPETÊNCIA DO GRUPO ESPECIAL DE DESTINAÇÃO SUPERVISIONADA 2 (GE-DESUP-2) PARA ANÁLISE, APRECIAÇÃO E DELIBERAÇÃO DA CESSÃO DE USO
Consta manifestação do Grupo Especial de Destinação Supervisionada com deliberação favorável, 39081849, considerando o Valor de Referência de R$ 335.390.191,38 (trezentos e trinta e cinco milhões, trezentos e noventa mil cento e noventa e um reais e trinta e oito centavos).
DA REGULARIDADE FISCAL E TRABALHISTA
Quanto ao assunto, observe-se que o DESPACHO n. 00069/2021/COORD/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU de 08 de junho de 2021 (Sequência "53" do SAPIENS, NUP: 05014.000085/2002-61) firmou o entendimento de que não haveria necessidade de apresentação da regularidade fiscal e trabalhista nos casos de cessão de uso na forma gratuita para outros Entes da Federação (Estados e Municípios).
Com efeito, a manifestação jurídica constante naqueles autos (05014.000085/2002-61) defendeu que questão similar fora analisada pelo Parecer n. 23/2015/DECOR/CGU/AGU, Nota nº 017/2018/DECOR/CGU/AGU e despachos de aprovação subsequentes (NUP 04926.001437/2012-21), quando apreciou sobre a exigibilidade ou não de regularidade fiscal para cessão de uso gratuito de imóvel não utilizado no serviço da União para servir a entidade da Administração Pública Federal não exploradora de atividade econômica, concluindo pela não obrigatoriedade.
Defendeu-se que muito embora tal entendimento tenha ficado restrito às hipóteses de cessão de uso em prol de Autarquias Federais, os fundamentos contidos no Parecer n. 00003/2019/DECOR/CGU/AGU (NUP: 50606.004707/2018-81), ao confirmar o entendimento esposado no Parecer n. 23/2015/DECOR/CGU/AGU, parecem ter ampliado o espeque para a cessão de uso gratuita em prol de qualquer entidade da Administração Pública, conforme os trechos do Parecer n. 00003/2019/DECOR/CGU/AGU, que ao apreciar reclamação do DNIT em face do PARECER n. 00588/2018/CJU-MG/CGU/AGU, aduzira: (...)
Ao final, colheu-se como mesmo raciocínio pela inexigibilidade da comprovação da regularidade fiscal e trabalhista, o entendimento da Consultoria-Geral da União, por sua Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres, constante no Parecer nº 5/2019/CNCIC/CGU/AGU e subsequentes Despachos de aprovação, postos no sequencial 9 a 12 do NUP 0688.000718/2019-32, posteriormente complementado pelo Parecer nº 1/2020/CNCIC/CGU/AGU (seq. 236) e subsequentes Despachos de aprovação, os quais ao delimitar os contornos jurídicos incidentes sobre os acordos de cooperação técnica, asseverou:
(...)
"12. Quanto aos partícipes da relação, podem ser entes da Administração Pública de todas as esferas, em relação aos quais, não há que se exigir a regularidade fiscal, eis que tal exigência da Lei Complementar nº 101/2000 é destinada para os instrumentos em que há transferência de recursos.
13. Considerando a necessidade de haver reciprocidade, caberá à Administração aferir a compatibilidade das atribuições a serem assumidas com os seus instrumentos de instituição e regência, haja vista a necessidade de certificação de que os objetivos se conformam com a missão institucional, assim como as obrigações assumidas estão inseridas no rol de competências".
Tendo em vista o contido no NUP: 00688.000330/2023-18, é desnecessária a exigência de comprovação de regularidade fiscal do cessionário em casos de cessão de uso na forma gratuita para outros Entes da Federação (Estados e Municípios), tornando seus termos vinculantes aos advogados da e-CJU/Patrimônio, nos termos do art. 10, inc. III, da Portaria nº 14/2021 do Advogado-Geral da União.
DA MINUTA DO CONTRATO DE CESSÃO DE USO
Importante colacionar o contido no despacho 39700497:
"(...) O bem está avaliado em R$ 55.263.950,14 (cinquenta e cinco milhões, duzentos e sessenta e três mil novecentos e cinquenta reais e quatorze centavos), conforme Relatório RVR 1632/2023, de 25/09/2023 (SEI nº 37731458).
A proposta de Cessão de Uso Gratuito do imóvel em tela, para implantação do Parque Público Maria do Socorro Moreira foi submetida ao Grupo Especial de Destinação Supervisionada Nível 2 (GE-DESUP-2), nos termos da Portaria MGI Nº 771, de 17/03/2023, obtendo deliberação favorável, conforme Ata de Reunião de 08/12/2023 (39081849).
No entanto, tendo em vista que a avaliação do imóvel em questão ficou acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), entendemos que compete ao Secretário do Patrimônio da União autorizar a referida Cessão de Uso Gratuito, de acordo com art. 1º, inciso III, da Portaria SEDDM/ME nº 12.485, de 20 de outubro de 2021 e art. 5º, inciso II, da Portaria SPU/ME nº 8.678, de 30 de setembro de 2023.(...)"
Por sua vez, o despacho, 39744355, assevera:
"(...) Considerando que o imóvel foi avaliado em R$ 55.263.950,14 (cinquenta e cinco milhões, duzentos e sessenta e três mil novecentos e cinquenta reais e quatorze centavos), extrapolando a competência da SPU/MG para a prática de ato administrativo, conforme o Art. 5º, inciso II, da Portaria SPU/ME nº 8.678, de 30 de setembro de 2022, a destinação deverá ser autorizada pelo Secretário da SPU.
A dispensa de licitação foi declarada por meio de Ato assinado pela autoridade competente em 19/11/2023 ( SEI 38569986) e ratificada pelo Secretário da SPU em 26/12/2023 (SEI 39280486) e publicada no DOU em 27/12/2023 (SEI 39315086) ainda com base na Lei nº8.666/93. Ocorre, que esta foi revogada em 30/12/2023, assim, sugere-se o envio dos autos à CONJUR-MGI para deliberação quanto à legalidade da manutenção daquela fundamentação de dispensa de licitação para elaboração de minuta de portaria padrão aprovada no Parecer Referencial nº 00233/2020/ACS/CGJPU/CONJUR-PDG/PGFN/AGU (SEI 39557082).
Após parecer da CONJUR, esta Coordenação-Geral propõe o encaminhamento da Minuta de Portaria Autorizativa (SEI 39788121), para assinatura do Sr. Secretário do Patrimônio da União, se assim entender pertinente.
Ressalte-se que, após a assinatura, os autos deverão ser encaminhados para a unidade MGI-SPU-PUBLIC, para publicação da Portaria Autorizativa.(...)"
Diante do acima lançado, não é possível fazer a análise jurídica da minuta, sem que antes haja a publicação da Portaria autorizativa.
CONCLUSÃO
De todo o exposto, opina este Órgão da Advocacia-Geral da União, através de seu membro infrafirmado, abstraídos os aspectos de conveniência e oportunidade do Administrador, nos limites da lei, e as valorações de cunho econômico–financeiro, ressalvadas, ainda, a manutenção da conformidade documental com as questões de ordem fática, técnica e de cálculo, ínsitas à esfera administrativa, essenciais até mesmo para a devida atuação dos órgãos de controle, que o feito deve ser sobrestado, até a publicação da Portaria autorizativa, 39788121, devendo, após, retornar para a análise jurídica, conclusiva da minuta.
Devolvam-se os autos ao respeitável órgão consulente, com as considerações de estilo.
Brasília, 24 de janeiro de 2024.
VALTER OTAVIANO DA COSTA FERREIRA JUNIOR
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 10154154897202395 e da chave de acesso cbd90898