ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA DA UNIÃO ESPECIALIZADA VIRTUAL DE PATRIMÔNIO
NÚCLEO JURÍDICO SUMÁRIO

PARECER n. 00104/2024/NUCJUR-SUM/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU

 

NUP: 04941.001807/2008-56

INTERESSADOS: SUPERINTENDÊNCIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO NO ESTADO DA BAHIA (SPU/BA)

ASSUNTOS: LOCAÇÃO / PERMISSÃO / CONCESSÃO / AUTORIZAÇÃO / CESSÃO DE USO

 

EMENTA: Multa. Substituição pela cobrança das taxas de ocupação. Possibilidade. Previsão regulamentar expressa. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 23, DE 18 DE MARÇO DE 2020 art. 17, § 9º. 
Ressalva de entendimento. 

 

Relatório:

 

Após a emissão do Parecer 39785903 (Parecer n.00007/2024/NUCJUR-SUM/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU), o processo retorna em razão do r. Despacho 39752877, assim lavrado

 

1. Trata o presente processo de requerimento de cessão de uso onerosa de imóvel de domínio da União, constituído por espaço físico em águas públicas com área total de 594,58 m², localizado na Avenida Sete de Setembro, 2252, Corredor da Vitória, Salvador/BA, destinado à implantação do píer náutico do Condomínio Edifício Mansão Professor José Silveira.
 
2. Os autos retornaram CJU, que aprovou a minuta do contrato, como consta no Parecer n. 00007/2024/NUCJUR-SUM/E-CJU/PATRIMÔNIO/CGU/AGU (39457785). No item 23, foi recomendado que fosse incluída a  Cláusula Décima Primeira, que diz o seguinte: "A presente cessão não afasta a cobrança das multas já aplicadas."
 
3. No item 18, da Nota Técnica 24623 (35802366), foi informado que está em andamento a cobrança da multa relativa ao Auto de Infração nº 01/2017, mas nos termos da IN 23/2020, art. 17, §9, há a possibilidade de substituição da cobrança das multas pela cobrança retroativa através da regularização por cessão de uso onerosa, porém é indispensável a regularização do lapso temporal pretérito, em que o particular utilizou o imóvel da União de forma irregular, devendo-se promover a cobrança retroativa por esse uso.
 
4. O valor da cobrança retroativa foi inserido no contrato, como se observa na Cláusula Quinta da Minuta de Contrato 35800456.
 
5. Diante disso, sugere-se que os autos sejam enviados à CJU, para que possa fazer uma nova análise para exclusão da Cláusula Décima Primeira.
 

É o relatório. 

 

Análise. 

 

De plano, nossos agradecimentos pela importante oportunidade de rever o entendimento adotado. De fato, a INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 23, DE 18 DE MARÇO DE 2020 dispõe em seu artigo 17, § 9º:

 

§ 9º A multa que trata o caput poderá ser substituída pela cobrança retroativa nas hipóteses de regularização por cessão de uso onerosa.
 

E o r. PARECER n. 01124/2015/MAA/CONJUR-MP/CGU/AGU, que analisou diversos questionamentos da SPU sobre as alterações promovidas pela Lei 13.139/2015 entendeu:

 
XI - "Nos casos de regularização por parte do infrator e, considerando o veto ao dispositivo que trata da suspensão da multa a partir do pedido de regularização, como fica a aplicação da multa prevista no §7º para o período de análise da regularização por parte da SPU? (Item 5.1)"
 
43. O art. 6º, § 7º, do DL 2.398/87, com redação dada pela Lei 13.139/2015, prevê que, verificada a ocorrência de infração, a SPU aplicará multa, sendo o responsável intimado para, no prazo de 30 dias, comprovar a regularidade da obra ou promover sua regularização. O § 8º desse dispositivo, vetado quando da sanção da lei, possibilitava a suspensão da multa caso fosse requerida a regularização da obra.
 
44. Nesse cenário, a SPU questiona como deve aplicar a multa, já que sua manutenção durante o período de análise do pedido de regularização pode resultar em prejuízo ao particular, que não tem ingerência nesse processo. Daí porque entende que a multa não deve ser aplicada até a regularização por parte da SPU.
 
45. Tal entendimento não nos parecer ser correto. Vejamos as novas disposições legais sobre a matéria, introduzidas pela Lei 13.139/2015 no DL 2.398/87:
 
“Art. 6º Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção,  manutenção e conservação dos imóveis da União.
I - (Revogado);
II - (Revogado).
§ 1º Incorre em infração administrativa aquele que realizar aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo.
§ 2º O responsável pelo imóvel deverá zelar pelo seu uso em conformidade com o ato que autorizou sua utilização ou com a natureza do bem, sob pena de incorrer em infração administrativa.
§ 3º Será considerado infrator aquele que, diretamente ou por interposta pessoa, incorrer na prática das hipóteses previstas no caput.
§ 4º Sem prejuízo da responsabilidade civil, as infrações previstas neste artigo serão punidas com as seguintes sanções:
I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação;
II - aplicação de multa;
III - desocupação do imóvel; e
IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização.
§ 5º A multa será no valor de R$ 73,94 (setenta e três reais e noventa e quatro centavos) para cada metro quadrado das áreas aterradas ou construídas ou em que forem realizadas obras, cercas ou instalados equipamentos.
§ 6º O valor de que trata o § 5º será atualizado em 1º de janeiro de cada ano com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e os novos valores serão divulgados em ato do Secretário de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§ 7º Verificada a ocorrência de infração, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão aplicará multa e notificará o embargo da obra, quando cabível, intimando o responsável para, no prazo de 30 (trinta) dias, comprovar a regularidade da obra ou promover sua regularização.
§ 8º (VETADO).
§ 9º A multa de que trata o inciso II do § 4º deste artigo será mensal, sendo automaticamente aplicada pela Superintendência do Patrimônio da União sempre que o cometimento da infração persistir.
§ 10. A multa será cominada cumulativamente com o disposto no parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998.
§ 11. Após a notificação para desocupar o imóvel, a Superintendência do Patrimônio da União verificará o atendimento da notificação e, em caso de desatendimento, ingressará com pedido judicial de reintegração de posse no prazo de 60 (sessenta) dias.
§ 12. Os custos em decorrência de demolição e remoção, bem como os respectivos encargos de qualquer natureza, serão suportados integralmente pelo infrator ou cobrados dele a posteriori, quando efetuados pela União.
§ 13. Ato do Secretário do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão disciplinará a aplicação do disposto neste artigo, sendo a tramitação de eventual recurso administrativo limitada a 2 (duas) instâncias.”
(grifos acrescidos)
 
46. Como se vê da leitura do dispositivo legal acima transcrito, verificada a ocorrência de infração, a SPU deverá aplicar multa e notificar o embargo da obra, quando cabível. A lei dispõe, ainda, que a multa será mensal devendo ser aplicada automaticamente pela SPU.
 
47. Ora, tais disposições afastam o entendimento da SPU de que a multa não deve ser aplicada até a regularização por parte daquela secretaria. Em primeiro lugar, porque a lei prevê expressamente que a multa será aplicada de forma automática, renovando-se a cada mês. Além disso, nem sempre a regularização será possível, hipótese em que não se pode deixar de aplicar a multa decorrente do cometimento de infração contra o patrimônio da União.
 
48. É preciso ter em mente que a multa é aplicada em decorrência de uma infração à legislação patrimonial, ou seja, tem como origem uma conduta contrária ao ordenamento jurídico. A partir do momento em que o infrator é autuado pela SPU, ele passa a ter indubitável ciência desse fato, podendo optar pelo imediato desfazimento da intervenção considerada irregular. Caso pretenda requerer a regularização, ele estará assumindo o risco de essa não vir a ser deferida, hipótese em que a multa será devida desde o momento da notificação inicial, conforme determina a lei.
 
49. Por outro lado, quando a regularização for possível, e sendo ela deferida pela SPU, nos parece ser viável substituir a aplicação da multa pela cobrança retroativa pelo uso de área da União. Tal entendimento foi adotado por esta CONJUR após análise do art. 6º do DL 2.398/87 em sua redação anterior à edição da Lei 13.139/2015. Veja-se, a propósito, o seguinte trecho do Parecer  nº 1082-5.12/2012/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU, que analisou a matéria:
 
"29.        A leitura detida deste dispositivo [art. 6º do DL 2.398/87] nos leva à seguinte conclusão: a realização de empreendimentos náuticos que apresentem obras ou construções sobre espaço físico em águas da União sem a autorização da SPU importa em duas consequências, quais sejam, a remoção e demolição das benfeitorias, à conta de quem as houver efetuado, e a automática aplicação da multa mensal, que será dobrada após trinta dias da notificação, pessoal, pelo correio ou por edital, se o infrator não tiver removido o empreendimento e demolido as benfeitorias efetuadas.
30.        O inciso II, para além de trazer uma punição pura e simples ao empreendedor, representa um mecanismo de coerção para a efetivação do verdadeiro objetivo da norma, que é a remoção do empreendimento e a demolição das benfeitorias. Tanto é verdade que sua parte final prevê a cobrança dobrada da multa caso o empreendedor não providencie às suas expensas a remoção dentro do prazo legal. Portanto, entendemos que não há que se falar na aplicação da multa sem que se concretize uma ordem de remoção do empreendimento e de demolição das benfeitorias; em última análise, o conteúdo do inciso II se encontra atrelado ao disposto no inciso I.
31.        Nesse passo, parece-nos que a utilização da palavra “automática” no inciso II tem por objetivo despertar no interessado a verdadeira urgência com a qual deve providenciar a remoção do empreendimento e a demolição das benfeitorias. No entanto, essa urgência perde o sentido se a ordem comandada pelo inciso I não for materializada no caso concreto.
32.        Isso porque existem situações em que a SPU, por motivo de conveniência e oportunidade e havendo permissivo legal para tanto, não pretende impor a remoção do empreendimento e a demolição das benfeitorias, mas sim a regularização jurídica patrimonial da estrutura. Ainda, há hipóteses em que a própria conjuntura fática inviabiliza que o empreendimento seja removido, ou seja, as circunstâncias em que realizada a estrutura impedem que seja restabelecido o status quo ante. Nessas condições, entendemos que o empreendedor não deve ser apenado com a multa do art. 6º, inciso II, do Decreto-Lei nº 2.398/87, o que não impede a aplicação de outras penalidades eventualmente cabíveis.
33.        Não obstante, vale ressaltar que as hipóteses retratadas no item precedente pressupõem a inexistência de outra norma ou ordem jurídica que exija a remoção da estrutura aquática. A título de exemplo, se no caso concreto houver parecer do órgão ambiental competente com fundamento em legislação válida e eficaz que determine a remoção, ou mesmo decisão judicial nesse sentido, obviamente que a SPU não terá competência para dispensá-la. Consequentemente, a multa também não poderá deixar de ser aplicada." (grifos originais)
 
50. A despeito do veto ao §8º do art. 6º do DL 2.398/87, entendemos que o mesmo raciocínio se aplica à nova legislação. Conforme se extrai do art. 6º, §9º, do DL 2.398/87, a multa será aplicada "sempre que o cometimento da infração persistir". Ou seja, após notificado o infrator, caso a intervenção não seja desfeita, a multa será renovada a cada mês, até o momento em que cessar o comportamento infracional.
57. Ora, na hipótese de o interessado ter requerido a regularização do empreendimento, sendo esta possível e considerando a SPU que tal destinação atende ao interesse público, não há mais porque se falar em infração. Nesse cenário, parece-nos que a ausência de autorização prévia da SPU configura mera irregularidade, sanável com a autorização posterior. Para tanto, contudo, é indispensável a regularização do lapso temporal pretérito, em que o particular utilizou o imóvel da União de forma irregular, devendo-se promover a cobrança retroativa por esse uso.
58. Ou seja, quando a regularização for viável, e sendo de interesse da Administração fazê-lo, nos parece ser possível aplicar o entendimento exposto no Parecer  nº 1082-5.12/2012/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU, substituindo-se a aplicação da multa pela cobrança retroativa de receitas patrimoniais pelo uso do imóvel da União.
59. Isso não significa que se está simplesmente desconsiderando o veto ao §8º do art. 6º do DL 2.398/87, com redação dada pela Lei 13.139/2015. Com efeito, o dispositivo vetado tinha um escopo mais amplo que o entendimento aqui delineado. Caso aquele parágrafo tivesse sido sancionado, a SPU poderia suspender a aplicação da multa em decorrência do mero pedido de regularização, mesmo que esse, ao final da análise, viesse a ser indeferido. Já a tese ora exposta é mais restrita, ao defender a possibilidade de substituição da multa pela cobrança retroativa pelo uso do imóvel nos casos em que a regularização do empreendimento embargado seja possível. Quando não se puder regularizar a intervenção, a multa será devida desde o momento da notificação, ainda que a regularização tenha sido requerida pelo interessado.

 

Pedimos vênia para consignar que adotamos entendimento diverso: a multa não pode ser substituída pela cobrança de taxas pretéritas em razão dos seguintes motivos:

 

a) se a infração existiu ela não vai deixar de existir. A Lei exige autorização PRÉVIA para as obras. Uma autorização posterior não apaga a infração já cometida. 

b) deixar de cobrar a multa, a rigor, é anistiar a multa, ato que depende de expressa autorização legislativa, inexistente no caso, smj;

c) tal entendimento cria um evidente desincentivo ao cumprimento da legislação patrimonial da União. O infrator recebe rigorosamente o mesmo tratamento daquele que seguiu as normas. Aliás, foi essa a razão do veto ao § 8º do DL 2.398/87:

 

MENSAGEM Nº 229, DE 26 DE JUNHO DE 2015
 
§ 8º do art. 6º do Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, alterado pelo art. 2º do projeto de lei
“§ 8º A multa poderá ser suspensa com o pedido de regularização, quando possível juridicamente.”
Razão do veto
“Na forma como redigida, a proposta criaria desincentivo à observância da legislação patrimonial, ao atribuir benefício a particular com infração administrativa já apurada pelo poder público. Assim, o mero pedido de regularização poderia resultar em não aplicação de sanção a conduta irregular já identificada.”

 

No entanto:

Assim, por disciplina, revejo o entendimento anterior neste particular. 

 

CONCLUSÃO. 

 

Ante o exposto, adota-se o entendimento de que as multas podem ser substituídas pela cobrança das taxas pretéritas, na forma da IN SPU nº  23, de 18 de março de 2020, art. 17, § 9º:

 

Vitória, ES, de 01 fevereiro de 2024.

 

 

LUÍS EDUARDO NOGUEIRA MOREIRA

ADVOGADO DA UNIÃO

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 04941001807200856 e da chave de acesso 746afdaa

 




Documento assinado eletronicamente por LUÍS EDUARDO NOGUEIRA MOREIRA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1397838124 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): LUÍS EDUARDO NOGUEIRA MOREIRA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 01-02-2024 15:25. Número de Série: 65437255745187764576406211080. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.