ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA

 

PARECER n. 00023/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

 

NUP: 01400.007518/2023-29

INTERESSADOS: Coordenação de Assuntos Parlamentares (CAP/ASPAR/GM/MinC)

ASSUNTOS: Solicita manifestação acerca do Projeto de Decreto legislativo n° 119 de 2023, que susta os efeitos da Instrução Normativa MINC n°1, de 2023, nos termos do art. 49, V da Constituição Federal

 

EMENTA:    Procedimento administrativo. Consulta acerca do Projeto de Decreto legislativo n° 119, de 2023, que susta os efeitos da Instrução Normativa MINC n°1, de 2023, nos termos do art. 49, V da Constituição Federal.

Não se vislumbra, ante o ato do Executivo, instituidor do comando do inciso VI do art. 20 do IN/MINC Nº 01/2023, extrapolação do poder regulamentar. Não se identifica nenhuma ofensa à liberdade de expressão ou de restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, tendo em vista que a ordem jurídica brasileira não prevê e/ou permite que, qualquer que seja a religião, igreja ou crença, se utilize de recursos públicos para angariar, doutrinar ou converter prosélitos, mormente, por se tratar o Brasil de um Estado laico, não lhe cabendo, em absoluto, privilegiar qualquer religião, crença, devoção etc.

 

 

 

 

I

 

 

Vieram os presentes autos, através do Ofício nº 37/2024/CAP/ASPAR/GM/MinC, de 26 de janeiro de 2024 (seq. 5 – Sapiens), subscrito pelo Coordenador de Assuntos Federativos, suscitando manifestação acerca do “Projeto de Decreto de Lei n° 119, de 2023” (leia-se, Projeto de Decreto Legislativo n° 119, de 2023), que “Susta a Instrução Normativa MINC n°1, de 2023, nos termos do art. 49, V da Constituição Federal.”, de autoria do Deputado Gilberto Abramo, visando compor a posição técnica e política desta Pasta frente à proposta parlamentar  que  tramita  no  Congresso  Nacional, oferecendo fundamentos  técnicos  claros  e  objetivos  que justifiquem a posição assumida de cada área.

 

Consta ao sequencial 4 – Sapiens, o Projeto de Decreto legislativo n° (119) de 2023, do deputado federal Gilberto Abramo - REPUBLICANOS/MG, que “Susta a Instrução NormativaMINCn°1, de 2023, nos termos do art. 49, V da Constituição Federal”, verbis:

 

“O Congresso Nacional decreta:
Art. 1°. Ficam sustados os efeitos da Instrução NormativaMINCn°1, de 2023, nos termos do art. 49, V da Constituição Federal.
Art.2°. Este Decreto Legislativo entra em vigor na data da sua publicação.”

 

A seguir, a transcrição da “Justificação” para a proposição do referido Projeto de Decreto legislativo n° 119, de 2023, do deputado federal Gilberto Abramo - REPUBLICANOS/MG (sequencial 4 – Sapiens), a saber:

 

Justificação
 
A Instrução NormativaMINCn°1, de 2023, tem a finalidade de estabelecer procedimentos relativos à apresentação, à recepção, à seleção, à análise, à aprovação, ao acompanhamento, ao monitoramento, à prestação de contas e à avaliação de resultados dos programas, dos projetos e das ações culturais do mecanismo de Incentivo a Projetos Culturais do Programa Nacional de Apoio à Cultura consolidar normas ministeriais de radiodifusão. Sem embargo à importância do assunto, o ato do Executivo extrapolou o poder regulamentar.
 
Na referida Instrução   Normativa, a ministra extrapolou   os   seus   poderes   de regulamentar, pois quando a nossa Carta Magna estabelece a liberdade de expressão, ela determina que não sofrerão qualquer restrição a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo.  Claramente, dispõe que nenhuma   lei   conterá   dispositivo   que   possa   constituir   embaraço   à   plena   liberdade   de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. Bem como é assegurado pela Constituição Federal a importância da liberdade de crença, a saber:
 
"Art.  5º  Todos  são  iguais  perante  a  lei,  sem  distinção  de  qualquer   natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...); VI -é  inviolável  a  liberdade  de  consciência  e  de  crença,  sendo  assegurado  o  livre  exercício  dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII -é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII -ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa  ou  de  convicção  filosófica  ou  política,  salvo  se  as  invocar  para  eximir-se  de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;”.
 
Mas o problema da instrução normativa MINC Nº 1, de 2023 está no art. 20, inciso VI em que veda ações que se caracterizem como proselitismo ou cultos religiosos, sendo assim contrário à Constituição Federal.
 
Instruções normativas do Executivo não podem modificar, contradizer ou extrapolar o que a Constituição Federal determina. Resta à Instrução apenas a função de complementá-la em pontos específicos, não podendo criar e nem modificar direitos. Dessa forma, quando uma instrução normativa altera, nega ou extrapola o que uma lei ou o que a Constituição Federal determina, ele é ilegal e inconstitucional por não respeitar a hierarquia estabelecida na Constituição.
 
Por tudo isso, a instrução normativa MINC Nº 1, de 10de abril de 2023, atenta contra os princípios da impessoalidade e da democracia fixados na nossa Constituição.
 
Assim, por ser nítida a extrapolação do mencionado decreto do Poder Executivo, peço aos eminentes colegas a aprovação do presente projeto de decreto legislativo.

 

Por seu turno, a DIRETORIA DE FOMENTO INDIRETO elaborou a NOTA TÉCNICA Nº 4/2023, de 29/05/2023 (seq. 6 - Sapiens) subscrita pela Coordenadora-Geral de Monitoramento e Execução e referendada pelo Diretor de Fomento Indireto, visando a defesa técnica da Instrução Normativa MINC n°1, de 2023, em face do Projeto de Decreto Legislativo do   Senhor Deputado Federal Gilberto Abramo-REPUBLICANOS/MG que intenta sustar a Instrução Normativa MINC n° 1, de 2023, nos termos do art. 49, V da Constituição Federal.

 

[...]
3.                     ANÁLISE
 
(...)
 
3.2.                  A   justificativa   apresentada   pelo   Exmo.   Sr.   Deputado   menciona   a Instrução   Normativa   MinC   n° 1, de 2023, que   estabelece   procedimentos   para programas, projetos   e   ações   culturais   do   mecanismo   de   Incentivo   a   Projetos Culturais do Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC) e afirma que a IN MinC 1, de 2023, extrapolou o poder regulamentar ao restringir a liberdade de expressão e a liberdade religiosa, violando a Constituição Federal, especialmente no que concerne o art. 20:
Na referida Instrução Normativa, a ministra extrapolou os seus poderes de regulamentar, pois quando a nossa Carta Magna estabelece a liberdade de expressão, ela determina que não sofrerão qualquer restrição a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo. Claramente, dispõe que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer   veículo   de   comunicação   social.   Bem   como   é   assegurado   pela Constituição Federal a importância da liberdade de crença, a saber: [...]
 
Mas o problema da instrução normativa MINC Nº 1, de 2023 está no art.  20, inciso VI em que veda ações que se caracterizem como proselitismo ou cultos religiosos, sendo assim contrário à Constituição Federal. Instruções   normativas   do   Executivo   não   podem   modificar, contradizer   ou extrapolar o que a Constituição Federal determina.  Resta à Instrução apenas a função de complementá-la em pontos específicos, não podendo criar e nem modificar direitos. Dessa forma, quando uma instrução normativa altera, nega ou extrapola o que uma lei ou o que a Constituição Federal determina, ele é ilegal e inconstitucional por não respeitar a hierarquia estabelecida na Constituição.
 
3.3.                  O art. 20 da Instrução Normativa MinC nº 1, de 2023, diz:
Art. 20. É vedada a apresentação de propostas:
[...] VI - que contenham ações que se caracterizem como proselitismo ou cultos religiosos.
 
3.4.                  A vedação para apresentação de propostas que se caracterizem com o proselitismo ou cultos religiosos na Lei Rouanet decorre do princípio de laicidade do Estado, que é um dos pilares da democracia brasileira.  A laicidade estabelece a neutralidade do Estado em relação a questões religiosas, garantindo a liberdade religiosa e a igualdade de tratamento para todas as crenças.
 
3.5.                  A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 19, consagra em seu texto a liberdade religiosa e a laicidade do Estado:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 
I -  estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou  manter   com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
 
3.6.                  Assim, a Instrução Normativa MinC nº 1, de 2023, ou qualquer outro normativo brasileiro, não pode favorecer ou privilegiar uma determinada religião em detrimento de outras, nem destinar recursos públicos para fins de proselitismo religioso, ou seja, para a promoção de uma religião específica ou para a conversão de pessoas a uma determinada fé.
 
3.7.                  É   importante   distinguir   entre   o   proselitismo   religioso   e   o   direito   à liberdade religiosa. Enquanto o proselitismo pode envolver tentativas de persuasão e convencimento de outras pessoas à aceitação de suas crenças (PROSELITISMO,2023), a liberdade religiosa é um direito fundamental que protege a capacidade das pessoas de praticarem, expressarem e escolherem suas próprias crenças religiosas, bem como mudarem de religião ou não terem nenhuma.
 
3.8.                  Ao afastar projetos de proselitismo religioso da Lei Rouanet, busca-se garantir a imparcialidade do Estado e assegurar que o incentivo fiscal seja direcionado para atividades culturais e artísticas de forma ampla e diversificada, beneficiando a sociedade como um todo, independentemente de suas crenças religiosas.
 
3.9.                  Prova de que assim o é, a Instrução Normativa MinC nº 1, de 2023, pela primeira vez traz em seu glossário o conceito de projeto de arte religiosa: “projeto que abrange as manifestações artísticas que dialogam e expressam a espiritualidade, a religiosidade, a transcendência, o sagrado e seus símbolos”.
 
3.10.                Por fim, sugere-se que o Projeto de Decreto Legislativo do Excelentíssimo Senhor   Deputado   Federal   Gilberto   Abramo-REPUBLICANOS/MG   que   visa   sustara Instrução Normativa MINC n°1, de 2023, nos termos do art. 49, V da Constituição Federal, seja encaminhado à Consultoria Jurídica no Ministério da Cultura (CONJUR-MinC), para que se manifeste quanto aos aspectos jurídicos do Projeto de Decreto Legislativo.
[...]

 

Nesses termos, vieram os autos para análise e pronunciamento desta advogada signatária, por distribuição, via Sapiens.

 

É o relatório.

 

II

 

ANÁLISE 

Considerações preliminares

 

 

Inicialmente, cumpre registrar que a presente manifestação tem caráter opinativo e cinge-se à análise dos aspectos jurídicos relativos à consulta em questão, nos termos do art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 10/02/1993, subtraindo-se do âmbito de competência institucional deste Órgão Consultivo análises que importem considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, bem como aspectos de conveniência e oportunidade. Sublinhe-se que a apreciação ora empreendida cinge-se aos aspectos legais e jurídico-formais.

 

Nesse sentido é também a orientação constante do Manual da Boa Prática Consultiva – BPC n° 7 (edição 2016), segundo o qual a manifestação deste órgão deve se restringir aos aspectos jurídicos do procedimento, excluídos, portanto, aqueles de natureza eminentemente técnica, conforme dispõe: 

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento. (Manual de Boas Práticas Consultivas aprovado pela Portaria Conjunta nº 01, de 2 de dezembro de 2016)

 

Nessa senda, compulsando-se os autos, aduziremos as considerações adiante expressas, observando-se os dados do processo, sob o ponto de vista jurídico-formal e, segundo as formulações legais e jurídico-formais, buscando esclarecer os pontos em que se encontrem questões passíveis de desenvolvimento, senão vejamos.

 

Pois bem, ao que se extraí da “Justificação” do Projeto de Decreto legislativo n° 119, de 2023 (seq. 4 - Sapiens), a questão que ensejou sua propositura está no art. 20, inciso VI, da Instrução Normativa MINC Nº 1, de 2023, o qual se refere à vedação de ações que se caracterizem como proselitismo ou cultos religiosos, por estar, de acordo com suas justificações, contrário à Constituição Federal.

 

Para o debate do tema, convém trazer à baila o conceito de proselitismo. Nessa senda, de acordo com o Vocabulário Jurídico (Tesauro), disponibilizado pelo Portal do Supremo Tribunal Federal (STF), no endereço eletrônico/link: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/tesauro/pesquisa.asp?pesquisaLivre=PROSELITISMO#:~:text=NOTA%3A-,A%C3%A7%C3%A3o%20ou%20empenho%20de%20tentar%20convencer%20pessoas%20em%20prol%20de,%2C%20doutrina%2C%20ideologia%20ou%20religi%C3%A3o, o vocábulo “proselitismo” tem o seguinte significado:

 
Vocabulário Jurídico (Tesauro)
PROSELITISMO
NOTA:
Ação ou empenho de tentar convencer pessoas em prol de determinada causa, doutrina, ideologia ou religião.
UP
DOUTRINAÇÃO
TR
INTOLERÂNCIAPRINCÍPIO DO ESTADO LAICO
CAT
NOC NOMES COMUNS

 

No endereço eletrônico/link https://www.significados.com.br/proselitismo/, é o seguinte, o significado de proselitismo:

 

Significado de Proselitismo
(...)
O que é Proselitismo:
Proselitismo é a ação ou empenho de tentar converter uma ou várias pessoas em prol de determinada causa, doutrina, ideologia ou religião.
O propósito do proselitismo é criar prosélitos (do grego prosélytos), ou seja, pessoas que foram convertidas para uma nova religião, doutrina, ideologia, filosofia ou causa, mesmo sem haver interesse inicial para esta conversão.
As pessoas que praticam o proselitismo são conhecidos por utilizar de técnicas de persuasão antiéticas e muitas vezes agressivas. Apesar disso, nem todas as pessoas que praticam o proselitismo usam essas técnicas ou têm atos de discriminação.
Proselitismo religioso
O proselitismo religioso é uma das formas mais comuns da ação de criar prosélitos. Como o Brasil é um Estado Laico, e o ensino religioso é totalmente facultativo, qualquer ato de proselitismo religioso nas escolas é vetado pela justiça.
O proselitismo religioso em si não é crime, porque existe liberdade religiosa e a liberdade de expressão para fazer proselitismo religioso, convencendo outras pessoas a seguirem as suas práticas religiosas. No entanto, o proselitismo não pode ser feito com recurso a práticas de discriminação ou outras puníveis por lei.
Para muitas pessoas o proselitismo é visto com uma conotação negativa, devido à "agressividade" e falta de ética que muitos representantes de algumas religiões utilizam na tentativa de angariar novos fiéis.
(...)
Proselitismo Político e Partidário
As campanhas eleitorais estão repletas de proselitismos políticos e partidários, pessoas que utilizam de práticas que fogem à ética e moral, na tentativa de conseguir novos votos ou mais pessoas para lutar pelos objetivos de um mesmo partido político.
O processo de proselitismo utiliza de argumentos agressivos, apelativos e sensacionalistas com a intenção de conseguir atingir os seus objetivos.
Este tipo de proselitismo, assim como praticamente todos, beiram o fanatismo e o ditatorialismo, em alguns casos.

 

Mais um, de acordo com o Dicionário Online Priberam de Português (https://dicionario.priberam.org › proselitismo), transcreve-se, abaixo, o significado de proselitismo

 

1. Zelo ou esforço para fazer prosélitos ou converter pessoas a uma religião, a um partido, a uma causa ou a uma ideia . 2

 

Pela sua conexão, importante trazer também o conceito de prosélitos, a saber:

 

Prosélito - Dicio, Dicionário Online de Português
Dicionário Online de Português
https://www.dicio.com.br › proselito
Significado de Prosélito ... substantivo masculino Pessoa que passou a fazer parte de uma seita, um partido; adepto.[Religião] Pessoa que se converteu ao judaísmo ...
 
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Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
https://dicionario.priberam.org › prosélitos
nome masculino · 1. Pagão que abraçava religião diferente da sua. · 2. Novo convertido a uma religião, a uma seita ou a um partido. · 3. Partidário; sectário.
 
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Dicionário inFormal
https://www.dicionarioinformal.com.br › prosélito
Pessoa ou indivíduo que abandona suas crenças e convicções, aderindo a outra crença, religião ou doutrina. Adepto. Partidário. Simpatizante. Pessoa que renuncia ...
 
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Dicionário
Definições de Oxford Languages · Saiba mais
prosélito
substantivo masculino
 
2.
pessoa que foi atraída e que se converteu a uma religião, uma seita, uma doutrina ou um partido, um sistema, uma ideia etc.; adepto, sectário, partidário.
"o guru chegou acompanhado de seus p."

 

A propósito, nesse ponto, é importante salientar que o Brasil é oficialmente um Estado laico, pois a Constituição Brasileira e outras legislações preveem a liberdade de crença religiosa aos cidadãos, além de proteção e respeito às manifestações religiosas, sendo pacifica a tese no sentido de que o Estado não deve, em absoluto, privilegiar qualquer religião, estando bem clara tal posição, de acordo com o inciso I do artigo 19 da Magna Carta, verbis:

 

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

 

A partir de tais premissas (conceitos de proselitismo e prosélitos) e, ainda, incluindo-se a previsão de liberdade e garantias de crença (incisos VI, VII e VIII        do artigo 5º) e de expressão (artigo 220) professadas pela Constituição Brasileira, bem como os princípios a que está sujeita a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (caput do artigo 37, também da CFB), dentre os quais pode-se destacar a legalidade, a impessoalidade e a moralidade, a conclusão obtida, s.m.j., é que a ordem jurídica brasileira não prevê e/ou permite que qualquer que seja a religião, igreja ou crença se utilize de recursos públicos para angariar, doutrinar ou converter prosélitos, o que não significa dizer proibição que o faça com seus próprios recursos, nem tampouco significa proibição no sentido de que utilize recursos públicos em projetos que tenham como tema a religiosidade, desde que não esboce a intenção de proselitismo, esse sim vedado, consoante prevê o inciso VI do art. 20 do IN/MINC Nº 01/2023.

 

Dito de outra forma, a liberdade de expressão ou de manifestação do pensamento, de criação, de expressão e da informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, com suas modulações é garantida pela Constituição tanto no espaço privado, quanto no público, porém, a utilização de recursos públicos para projetos com fins proselitistas, ou seja, com a finalidade de persuadir ou convencer outras pessoas a aceitar suas crenças, s.m.j., ofende o interesse público, especialmente, no que respeita aos princípios a que se sujeita a administração pública no seu múnus público.

 

Dessa forma, não há que se falar em ofensa à liberdade de expressão ou em restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, que esteja sendo praticada/o através do inciso VI do art. 20 do IN/MINC Nº 01/2023, vez que, ante o exposto, os princípios previstos no caput do artigo 37, da CFB versus o alegado princípio da democracia no PDL nº 119/2023 (seq. 4 – Sapiens), dentre outros ventilados, devem ser interpretados em correlação com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade de forma que a atitude tomada ou a ser tomada pelo agente público seja proporcional e razoável, sopesando-se os benefícios e prejuízos da decisão consequente, sempre voltada ao interesse público, o que se acredita ocorreu no caso, mormente, por se tratar o Brasil de um Estado laico, não lhe cabendo, em absoluto, privilegiar qualquer religião, crença, devoção, etc.

 

 

III

 

Assim, ante o exposto, considerando os dados do processo, examinados sob os aspectos exclusivamente jurídico-formais, sem qualquer incursão na seara técnica e/ou econômico-financeira e, ainda, ressalvando-se os aspectos de conveniência e oportunidade, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, no que se refere à consulta expressa no Ofício colacionado ao seq. SAPIENS nº 05, suscitando manifestação acerca do “Projeto de Decreto Legislativo n° 119, de 2023”, podemos sinteticamente concluir que, ante o ato do Executivo, instituidor do comando do inciso VI do art. 20 do IN/MINC Nº 01/2023, não se vislumbra extrapolação do poder regulamentar, uma vez que não se identifica nenhuma ofensa à liberdade de expressão ou em restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, tendo em vista que a ordem jurídica brasileira não prevê e/ou permite que, qualquer que seja a religião, igreja ou crença, se utilize de recursos públicos para angariar, doutrinar ou converter prosélitos, mormente, por se tratar o Brasil de um Estado laico, não lhe cabendo, em absoluto, privilegiar qualquer religião, crença, devoção etc, consoante, em especial, os itens 10 ao 17, acima.

 

Finalmente, ressaltamos o caráter opinativo do presente Parecer, uma vez que não vincula a decisão do gestor/autoridade administrativa, como se verifica a seguir: 

 

"Os pareceres consubstanciam opiniões, pontos de vista de alguns agentes administrativos sobre matéria submetida à sua apreciação. (...). Refletindo um juízo de valor, uma opinião pessoal do parecerista, o parecer não vincula a autoridade que tem competência decisória, ou seja, aquela a quem cabe praticar o ato administrativo final. Trata-se de direitos diversos – o parecer e o ato que o aprova ou rejeita. Como tais atos tem conteúdos antagônicos, o agente que opina nunca poderá ser o que decide". 
(CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 26ª ed, São Paulo, ed. Atlas, 2013, p. 139)

 

Nessa esteira, caso a área técnica e/ou autoridade competente discorde(m) das orientações e/ou posicionamentos adotados por esta CONJUR, deverá justificar nos autos do processo, apresentando as razões da discordância, sem a necessidade de retorno, consoante entendimento do Tribunal de Contas da União, conforme se infere do Acórdão nº 4.127/2008 - TCU - 1ª Câmara, o qual cita disposição contida no inciso VII, do art. 50 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1.999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal; bem como o Enunciado nº 5 (Atividade Consultiva. Juízo Conclusivo. Fiscalização posterior pela Unidade Jurídica. Desnecessidade), da Advocacia-Geral da União, constante do Manual de Boas Práticas Consultivas - 4ª Edição revisada, ampliada e atualizada, 2016, abaixo transcritos:

 

“Assunto: CONSULTORIA JURÍDICA. DOU de 18.11.2008, S. 1, p. 73. Ementa: determinação à SFA/RS para que apresente as razões para o caso de discordância, nos termos do inc. VII, art. 50 da Lei nº 9.784/1999, de orientação do órgão de assessoramento jurídico à unidade (alínea “e”, item 1.5, TC-022.942/2007-3, Acórdão nº 4.127/2008 - TCU - 1ª Câmara).” G.N.
 
Enunciado nº 5/AGU:
 
“Ao Órgão Consultivo que em caso concreto haja exteriorizado juízo conclusivo de aprovação de minuta de edital ou contrato e tenha sugerido as alterações necessárias, não incumbe pronunciamento subsequente de verificação do cumprimento das recomendações consignadas.”

 

Por fim, sugere-se a restituição dos presentes autos à Coordenação de Assuntos Parlamentares (CAP/ASPAR/GM/MinC), para ciência e adoção das providências necessárias ao seguimento do feito.

                         

É o parecer.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 05 de fevereiro de 2024.

 

(assinado eletronicamente)

HILDA DO CARMO BALEEIRO

Advogada da União

 


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