ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00025/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.001916/2024-12

INTERESSADOS: ASSESSORIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS AEAI/GM/MINC

ASSUNTOS: MEMORANDO DE ENTENDIMENTO

 

 

EMENTA: I. Direito internacional. Parceria com ente público estrangeiro. Minuta de Memorando de Entendimento. II. Possibilidade jurídica. III. Recomendações

 

 

 

RELATÓRIO 

 

Por meio do Ofício nº 383/2024/GM/MinC (SEI  1606661) o Gabinete da Ministra solicita a esta Consultoria análise e manifestação sobre minuta de Memorando de Entendimento que se pretende celebrar entre este Ministério e o Ministério da Cultura da República de Cuba, que tem como objeto "proporcionar um marco propício para desenvolver atividades de cooperação nas áreas de capacitação, desenvolvimento de habilidades e intercâmbio de informação e experiências relativas ao âmbito acadêmico, cultural e científico, assim como ações que promovam a cooperação artístico-cultural, e as relativas a programas de estudo e pesquisa, cursos, seminários, fóruns e outras atividades em suas respectivas instituições, respeitando sempre os limites impostos pelos ordenamentos jurídicos das Partes".

Para o que interessa à presente análise, além da minuta de Memorando de Entendimento (1605819) foi juntada aos autos a NOTA TÉCNICA Nº 3/2024 (1605858), da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, que fornece a fundamentação técnica do ato e o histórico da demanda.

 É o relatório.

 

ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado n. 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU.

Ademais, a presente manifestação apresenta natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações apresentadas não se tornam vinculantes para o gestor público, o qual pode, de forma justificada, adotar orientação contrária ou diversa daquela emanada desta Consultoria Jurídica.

Quanto aos aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade do ajuste, cabe à área técnica justificar e motivar o ato, atribuições que fogem à seara de competências desta Consultoria, como dito acima. Nesse sentido, foi juntada aos autos a NOTA TÉCNICA Nº 3/2024 (1605858), da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, que fornece a fundamentação técnica do ato e o histórico da demanda, concluindo no seguinte sentido:

 

3.1. Do ponto de vista técnico, a minuta do Memorando de Entendimento contempla atividades relacionadas a setores culturais estratégicos para esta pasta, dentre os quais destacam-se os temas de livro, literatura, bibliotecas, cultura afrodescendente, iniciativas de base comunitária e audiovisual. No que se refere às bases legais, o Memorando de Entendimento encontra arrimo no acordo de cooperação cultural e educacional mencionado no item 2.2 desta nota técnica. Em seu artigo III, o acordo dispõe, em rol exemplificativo, sobre as atividades que comporão plano de ação para a cooperação bilateral. No mesmo sentido, o Memorando de Entendimento ora proposto serve como instrumento para atualização dos objetivos dos dois Estados no que se refere à cooperação em matéria cultural.
3.2. Cabe ressaltar, ainda, que, em viagem a Cuba no último mês de agosto, o Governo brasileiro registrou a intenção de restabelecer relações comerciais e políticas com Cuba, sendo que participação do Brasil na FILH e a assinatura do Memorando de Entendimento coadunam esforços para alcançar o objetivo do governo federal, além de marcar a reinserção do país no cenário internacional com as devidas expressão e representatividade.

 

Como dito, o ato em análise é um Memorando de Entendimento que se pretende celebrar entre este Ministério e o Ministério da Cultura da República de Cuba, com o objetivo de "proporcionar um marco propício para desenvolver atividades de cooperação nas áreas de capacitação, desenvolvimento de habilidades e intercâmbio de informação e experiências relativas ao âmbito acadêmico, cultural e científico, assim como ações que promovam a cooperação artístico-cultural, e as relativas a programas de estudo e pesquisa, cursos, seminários, fóruns e outras atividades em suas respectivas instituições".

A Nota técnica n. 3/2024, da Assessoria Internacional/MINC informa que o presente Memorando de Entendimento fundamenta-se no Acordo de cooperação cultural e educacional, celebrado entre os dois Países em 29 de abril de 1988, e promulgado pelo Decreto nº 98.784, de 3 de janeiro de 1990. Em seu Artigo II, este acordo estipula que as Partes promoverão o intercâmbio e a cooperação bilateral nos campos da cultura, da educação e dos esportes, observadas as respectivas legislações e normas vigentes, além do disposto naquela Ajuste. 

Dito isso, observo que é variada a denominação dada aos atos internacionais. Embora a denominação escolhida não influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo, convenção, protocolo e memorando de entendimento.

Memorando de Entendimento, especificamente, é a designação comum para atos redigidos de forma simplificada, destinados a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes nos planos político, econômico, cultural ou em outros. Conforme exposto no o Manual de Redação Oficial e Diplomática do Itamaraty:

 

Memorando de entendimento designa ato de forma bastante simplificada destinado a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as partes, em particular nos planos político, econômico, cultural, científico e educacional, bem como definir linhas de ação e áreas de cooperação. Em geral, a nomenclatura “memorando de entendimento” é usada para atos que prescindam de aprovação congressual e que possam entrar em vigor na data de sua assinatura.

 

Assim, os Memorandos de Entendimento são instrumentos ordinariamente utilizados para formalizar a intenção das Partes para a consecução de determinado objeto específico, sendo, em síntese, verdadeiros protocolos de intenções, sem força vinculante, vez que não criam obrigações ou direitos entre os celebrantes, tratando-se de articulação embrionária de avenças futuras e que ganham forma para dar maior solenidade às intenções manifestadas.

É da natureza do instrumento não definir qualquer obrigação entre as partes, quer no plano do direito internacional, quer no plano doméstico, o que lhe retira ao menos parcela de seu caráter operacional, limitando-se mais a estabelecer, assim, princípios gerais que nortearão futuras cooperações de interesse das instituições envolvidas, se for o caso.

Portanto, o Memorando de Entendimento não pode gerar, por si só, a obrigação de as partes pactuarem inciativas de cooperação, já que não pode haver vinculação jurídica obrigacional neste tipo de instrumento. A base para estes futuros acordos deverá ser um Tratado assinado pelo Presidente da República ou outro agente plenipotenciário, incorporado ao ordenamento jurídico interno com decreto legislativo e posterior decreto presidencial de incorporação.

Nesse sentido é a definição encartada pelo Manual de Gestão da Cooperação Técnica Sul-Sul da Agência Brasileira de Cooperação:

 

Os Memorandos de Entendimento (MdE) e as Declarações Conjuntas são atos redigidos de forma genérica e simplificada, destinados a registrar a intenção das Partes (que podem ser Governos ou organizações internacionais) em estabelecer iniciativas de cooperação técnica Sul-Sul, definidas em amplas linhas de ação. O Memorando de Entendimento é um documento de função meramente política e não pode gerar obrigações de qualquer espécie e tampouco prever o empenho de recursos. Em vista disso, o MdE não faz referência a valores orçamentários e não inclui termos referentes a mecanismos ou arranjos de execução ou implementação das futuras iniciativas. Para o Governo brasileiro, o Memorando de Entendimento não oferece respaldo jurídico a iniciativas de cooperação. Este instrumento não requer ratificação pelo Congresso Nacional e, na medida em que não criem compromissos gravosos para a União, podem entrar em vigor na data da assinatura.(destacamos) Disponível em: http://www.abc.gov.br/Content/ABC/docs/Manual_SulSul_v4.pdf. Acesso em 22.04.2020

 

Nessa esteira, eventuais ajustes futuros que concretizem esta intenção de cooperação inicial deverão se basear nos Tratados assinados com os partícipes e, a depender do caso, a aplicação do Decreto nº 5.151, de 22 de julho de 2004, sempre com a participação da ABC na formalização do instrumento.

Vale notar que o Artigo 5 da Minuta de Memorando dispõe:

 

Artigo 5
O presente Memorando de Entendimento não gera direitos nem obrigações jurídica ou financeiramente vinculantes para as Partes. Obrigações legais ou financeiras com relação a qualquer atividade ligada a este Memorando de Entendimento dependerão de assinatura de acordo específico.

 

Portanto, o instrumento não envolve transferência de recursos e não gera vínculos jurídicos entre as Partes. Assim, caso venha a ser necessário o financiamento de qualquer despesa de uma parte por outra, recomenda-se a celebração de novo instrumento com essa finalidade específica, seguindo os ritos oficiais específicos.

De fato, o Memorando de Entendimento, por si só, não implica compromisso de transferência de recursos do Estado brasileiro ou atividades gravosas ao patrimônio nacional, de modo que não precisa ser submetido ao Congresso Nacional.

Vale notar que somente os atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional devem ser aprovados pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal, bem como ser celebrados pelo Presidente da República ou agente plenipotenciário natos, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional, como determina o art. 84, VIII da Constituição Federal, senão vejamos:

 

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

 

Assim, o fato de o instrumento não trazer compromissos ou vinculações jurídicas ao País no plano internacional, faz com que também não precise ser obrigatoriamente subscrito pelo Presidente da República, pelo Ministro das Relações Exteriores e/ou outra autoridade plenipotenciária ou agente com carta de plenos poderes, sem prejuízo de que  se dê ciência de sua celebração ao Ministério das Relações Exteriores, nos termos do art. 44 da Lei n 14.600/2023.

Observo, ainda, que, considerando a natureza jurídica das partes  e o objeto do ajuste, o presente Memorando de Entendimento não se sujeito à disciplina do Decreto nº 11.531/2023 ou da Portaria Interministerial nº 33/2023, que dispõem sobre transferência e descentralização de recursos da União mediante convênios, contratos de repasse e termos de execução descentralizada, tampouco à Lei nº 14.133/2021 ou à Lei nº 13.019/2014.

Com relação à minuta ora ​submetida à análise desta Consultoria (SEI 1605819), observo que  esta contém os dispositivos necessários e suficientes para a finalidade a que se destina. O artigo 1 estabelece o objeto. Os artigos 2, 3 e 4, definem os compromissos assumidos pelas Partes. O artigo 5, conforme mencionado, estabelece que o instrumento não gera direitos nem obrigações jurídicas ou financeiramente vinculantes para as Partes. O artigo 6 estabelece que a execução do acordo estará sujeita às legislações nacionais das Partes. O artigo 7 indica os coordenadores responsáveis de cada Parte (pontos focais). O artigo 8 refere-se à forma de solução de divergências. Por fim, o artigo 9 trata da entrada em vigor, do prazo de vigência, da renovação automática e da forma de rescisão.

​Sobre a prorrogação (renovação) automática, prevista no artigo 9, observo o que dispõe a Orientação Normativa /AGU nº 44/2014 sobre tema análogo:

 

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 44, DE 26 DE FEVEREIRO DE 2014.
I - A VIGÊNCIA DO CONVÊNIO DEVERÁ SER DIMENSIONADA SEGUNDO O PRAZO PREVISTO PARA O ALCANCE DAS METAS TRAÇADAS NO PLANO DE TRABALHO, NÃO SE APLICANDO O INCISO
II DO ART. 57 DA LEI Nº 8.666, DE 1993.II - RESSALVADAS AS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI, NÃO É ADMITIDA A VIGÊNCIA POR PRAZO INDETERMINADO, DEVENDO CONSTAR NO PLANO DE TRABALHO O RESPECTIVO CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO.
III - É VEDADA A INCLUSÃO POSTERIOR DE METAS QUE NÃO TENHAM RELAÇÃO COM O OBJETO INICIALMENTE PACTUADO."

 

Vale notar que a prorrogação automática poderia gerar uma espécie de instrumento com prazo indeterminado, no caso de não manifestação das partes. Como todo ato administrativo deve ser motivado, entende-se que a prorrogação por um novo período, diferente do estipulado inicialmente, também deve ser motivada, razão pela qual recomenda-se que não seja inserida no instrumento a hipótese da prorrogação automática. Ou seja, a prorrogação deve ser sempre motivada e suscitada de acordo com o interesse das Partes ao final do prazo de vigência inicialmente estabelecido.

No que diz respeito à competência para assinar o instrumento, como este indica a Ministra como signatária, não há o que se opor, já que a Ministra representa a Pasta no exercício das competências que lhe foram atribuídas pelo Decreto nº 11.336, de 1º de janeiro de 2023.

 

CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, ressalvados os aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade na efetivação do ajuste, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, e ainda considerando-se a manifestação favorável do órgão técnico competente, cumpre opinar pela regularidade do procedimento, e pela aprovação da minuta submetida à apreciação desta Consultoria Jurídica.

Por fim, vale lembrar que, de acordo com o Enunciado nº 05 do Manual de boas Práticas Consultivas da AGU, não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.

Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam, na sequência, encaminhados ao GABINETE DA MINISTRA, para as providências cabíveis.

 

Brasília, 07 de fevereiro de 2024.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 


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