ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA

 

PARECER n. 00038/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.002451/2024-17

INTERESSADOS: SUBSECRETARIA DE ESPAÇOS E EQUIPAMENTOS CULTURAIS SEEC/ MINC

ASSUNTOS: PROTOCOLO DE INTENÇÕES.

 

 

EMENTA:
I. Direito Administrativo. Colaboração sem transferência de recursos e sem Plano de Trabalho. Protocolo de Intenções.
II. Lei nº 14.133 de 2021, art. 184.
III. Minuta-modelo da Advocacia-Geral da União.
IV.  Possibilidade jurídica.
 
 
 

RELATÓRIO

 

Tratam os autos de Minuta de Protocolo de Intenções que se pretende celebrar entre o Ministério das Cidades e o Ministério da Cultura, a fim de envidar os esforços necessários à implementação de salas para biblioteca em empreendimentos habitacionais das linhas de atendimento de provisão subsidiada de unidades habitacionais novas em áreas urbanas com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), integrantes do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV).

​Para o que interessa à presente análise, constam dos autos a minuta de Protocolo de Intenções (SEI 1617011) e a Nota Técnica nº 9/2024 (SEI 1616880), da Subsecretaria de Espaços e Equipamentos Culturais - SEEC/MINC, que fornece o diagnóstico da demanda e a fundamentação técnica do ato.

É o relatório.

 

ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado n. 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU:

“A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento” (Manual de Boas Práticas Consultivas. 4.ed. Brasília: AGU, 2016, página 32).

 

Assim, a presente análise restringe-se a apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

​Com relação aos critérios de conveniência e oportunidade, observo que o mérito do instrumento deve ser atestado pela área técnica competente, não cabendo a esta Consultoria imiscuir-se em tais questões. Nesse sentido, a Subsecretaria de Espaços e Equipamentos Culturais - SEEC/MINC, por intermédio da Nota Técnica nº 9/2024 (SEI 1616880) apresentou o diagnóstico e o histórico da demanda e manifestou-se favoravelmente à celebração do instrumento em apreço.

Como visto, o instrumento em análise é um Protocolo de Intenções que se pretende celebrar com o Ministério das Cidades, cujo objeto encontra-se descrito em sua cláusula primeira nos seguintes termos (SEI 1617011):

 

CLÁUSULA PRIMEIRA–DO OBJETO                                                                                      
O presente Protocolo de Intenções tem por objeto a cooperação técnica para envidar os esforços necessários à implementação de biblioteca comunitária, conforme previsto na Tabela 1, item 4, inciso IV, alínea “e” do Anexo II da Portaria MCID nº 725, de 15 de junho de 2023, que dispõe sobre as especificações urbanísticas, de projeto e de obra e sobre os valores de provisão habitacional dos empreendimentos habitacionais no âmbito das linhas de atendimento de provisão subsidiada de unidades habitacionais novas em áreas urbanas com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial e do Fundo de Desenvolvimento Social, integrantes do Programa Minha Casa, Minha Vida, respectivamente MCMV-FAR e MCMV-Entidades.
 

​​Passando à análise jurídica, observo que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 215, imbuiu o Estado (Poder Público de todas as esferas) dos deveres de garantir o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional e de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Já o  art. 23 da Constituição Federal estabelece que é competência comum dos entes federativos proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação (inciso V); promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (inciso IX);  e combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (inciso X).

O Programa Minha Casa, Minha Vida foi recriado pela  Lei nº 14.620, de 13 de julho de 2023 com a finalidade de promover o direito à cidade e à moradia de famílias residentes em áreas urbanas e rurais, associado ao desenvolvimento urbano, econômico, social e cultural, à sustentabilidade, à redução de vulnerabilidades e à prevenção de riscos de desastres, à geração de trabalho e de renda e à elevação dos padrões de habitabilidade, de segurança socioambiental e de qualidade de vida da população, conforme determinam os arts. 3º 6º da Constituição Federal.

Com fundamento nas competências que lhe atribui o art. 11, inciso I, da Lei n. 14.620/2023, o Ministério das Cidades editou a Portaria MCID nº 725/2023, que dispõe sobre as especificações urbanísticas, de projeto e de obra e sobre os valores de provisão de unidade habitacional para empreendimentos habitacionais no âmbito das linhas de atendimento de provisão subsidiada de unidades habitacionais novas em áreas urbanas com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial e do Fundo de Desenvolvimento Social, integrantes do Programa Minha Casa, Minha Vida. O Anexo II dessa Portaria estabelece a seguinte exigência:

Tabela 1 – Especificações obrigatórias do projeto do empreendimento habitacional:
[...]
4. Qualificação urbanística.
[...]
IV. Sistemas de Espaços Livres.
[...]
e) O empreendimento deve conter equipamentos de uso comum, a serem implantados com recursos mínimos de 1% (um por cento) do valor da edificação e infraestrutura, destinados à execução de sala para biblioteca, e de forma complementar, a equipamentos esportivos e de lazer, a serem definidos conforme indicação do Ente Público local, preferencialmente em área pública. (grifou-se).

 

Conforme esclarece a SEEC/MINC, em sua Nota Técnica n. 9/2024, esta exigência da  Portaria MCID nº 725/2023 integra as iniciativas de aprimoramento da qualidade urbanística dos empreendimentos habitacionais do PMCMV, por meio do incentivo ao acesso à leitura e ao convívio comunitário em espaços culturais das famílias beneficiárias do Programa, aspectos estes que tocam as competências do Ministério da Cultura nos termos do Decreto n. 11.336/2023. 

Assim, encontra-se justificada a parceria proposta sob o ponto de vista jurídico-material.

Vale notar que o instrumento pretendido não prevê a transferência de recursos entre as partes (cláusula quinta). Nesses termos, fica afastada a aplicação do Decreto nº 11.531 de 2023 e da Portaria Conjunta MGI/MF/CGU nº 33 de 2023, que dispõem sobre os instrumentos de repasse (convênios e contratos de repasse) a serem celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal com órgãos ou entidades públicas para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco, que envolvam a transferência de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União.

Observo, ainda, que o instrumento em análise não menciona um plano de trabalho e não estabelece obrigações imediatas. Assim, não se trata de Acordo de Cooperação Técnica.

Sobre a diferença entre o Acordo de Cooperação Técnica e o Protocolo de Intenções, trago à baila o esclarecimento constante da Nota Explicativa 1, da Minuta de Protocolo de Intenções recentemente aprovada pela  Advocacia-Geral da União[1]:

O Protocolo de Intenções se diferencia de convênios, contratos de repasse e termos de execução descentralizada pelo simples fato de não existir a possibilidade de transferência de recursos entre os partícipes.
O Protocolo de Intenções se diferencia de Acordos de Cooperação Técnica pelo fato de ser um ajuste genérico, sem obrigações imediatas. Dessa forma, trata-se de um documento sucinto, que não necessariamente exige um plano de trabalho ou um projeto específico para lhe dar causa, sendo visto como um mero consenso entre seus partícipes, a fim de, no futuro, estabelecerem instrumentos específicos acerca de projetos que pretendem firmar, se for o caso.
Deste modo, não se deve confundir o Protocolo de Intenções com o Acordo de Cooperação Técnica, visto que neste último há obrigações e atribuições assumidas pelas partes, caracterizando-se como um instrumento jurídico obrigacional, e não um mero ajuste, consenso entre os partícipes em relação à determinadas matérias.

 

Nesse sentido, as cláusulas segunda, terceira e quarta da minuta (SEI 1617011) trazem expressões como "na medida de suas possibilidades", "no limite de suas possibilidades", "envidar os esforços necessários", demonstrando não haver obrigações imediatas a serem exigidas.

Quanto ao fundamento jurídico do Protocolo de Intenções, observo que o art. 184 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, permite a celebração de convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública:

Art. 184. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber e na ausência de norma específica, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública, na forma estabelecida em regulamento do Poder Executivo federal.
 

Deste modo, os acordos, ajustes e instrumentos congêneres são espécies do gênero convênio, embora mais simplificados, em que os partícipes colaboram para alcançar os objetivos propugnados, sem transferência de recursos.

Os ajustes desta natureza são, em regra, formalizados por meio de instrumentos que conterão o objeto e as condições em que se pretende uma cooperação entre as partes. Observarão, no mais, e no que couber, o disposto na Lei de Licitações.

Como o Protocolo de Intenções não foi regulamentado, pode-se recorrer, por analogia ao Decreto nº 11.531 de 2023, art. 11, §3º, que estabelece as cláusulas necessárias aos convênios e contratos de repasse, descartando-se, desde já, as cláusulas que dispõem sobre transferência de recursos financeiros e questões referentes ao plano de trabalho:

Art. 11. (...)
§ 3º  São cláusulas necessárias no convênio ou no contrato de repasse, no mínimo:
I - o objeto e os seus elementos característicos, em conformidade com o plano de trabalho, que integrará o termo celebrado independentemente de transcrição;
II - a vigência, fixada de acordo com o prazo previsto para a consecução do objeto e em função das metas estabelecidas;
III - a forma e a metodologia de comprovação da consecução do objeto;
IV - a descrição dos parâmetros objetivos que servirão de referência para a avaliação do cumprimento do objeto;
V - as obrigações dos partícipes; e
VI - a titularidade dos bens remanescentes.
 

Conforme mencionado, a Advocacia Geral da União – AGU aprovou minuta padrão de Protocolo de Intenções a ser utilizada por entes públicos para estabelecer um vínculo cooperativo ou de parceria entre si, e disponibilizou-a aos órgãos assessorados no sítio eletrônico da instituição[1].

Vale lembrar que, em decorrência da necessidade de parametrização e uniformização da Administração Pública e visando a agilização dos procedimentos, as minutas padronizadas publicadas pela AGU devem ser utilizadas por toda Administração Pública, nos termos do Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU nº 6:

A atuação consultiva na análise de processos de contratação pública deve fomentar a utilização das listas de verificação documental (check lists), do Guia Nacional de Licitações Sustentáveis e das minutas de editais, contratos, convênios e congêneres, disponibilizadas nos sítios eletrônicos da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
No intuito de padronização nacional, incumbe aos Órgãos Consultivos recomendar a utilização das minutas disponibilizadas pelos Órgãos de Direção Superior da AGU, cujas atualizações devem ser informadas aos assessorados.
Convém ainda que os Órgãos Consultivos articulem-se com os assessorados, de modo a que edições de texto por estes produzidas em concreto a partir das minutas-padrão sejam destacadas, visando a agilizar o exame jurídico posterior pela instância consultiva da AGU.
 

Dito isso, observo que a minuta em análise segue, em linhas gerais, a minuta-modelo de Protocolo de Intenções da AGU, com as adaptações necessárias, que foram devidamente justificadas pela SEEC/MINC na Nota Técnica n. 9/2024.

Quanto à autoridade signatária por parte deste Ministério, deve ser observado o disposto no art. 5º da Portaria/MINC n. 18, de 10 de abril de 2023. No entanto, nada impede a avocação da competência pela Ministra de Estado da Cultura, nos termos do art. 15 da Lei n. 9.784/1999.

Por fim, frise-se que, na presente hipótese, não há que se exigir a regularidade fiscal, já que tal exigência da Lei Complementar nº 101/2000 é destinada para os instrumentos em que há transferência de recursos.

 

CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, e ressalvados os aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade na efetivação do ajuste, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, cumpre opinar pela possibilidade de prosseguimento dos trâmites.

Vale lembrar que, de acordo com o Enunciado nº 05 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU,  não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.

Isso posto, submeto os autos à consideração superior, sugerindo que sejam, na sequência, encaminhados à Subsecretaria de Espaços e Equipamentos Culturais, para as providências cabíveis.

 

Brasília, 21 de fevereiro de 2024.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

Notas

[1] https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/modelos/conveniosecongeneres/minuta-de-protocolo-de-intencoes-atualizada-a-vista-do-decreto-n-11-531-de-2023.pdf 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400002451202417 e da chave de acesso 3fbcefd2

 




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