ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 40/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.002270/2024-91

INTERESSADA: Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural

ASSUNTO: Pronac. Denúncia de irregularidade na execução de projeto.

 

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À IMAGEM E DIREITOS DE AUTOR.
I - Programa Nacional de Apoio à Cultura – Pronac. Projeto cultural aprovado no mecanismo de incentivos fiscais. Denúncia de violação dos direitos de imagem de Elvis Presley.
II - Exorbita da competência do Ministério da Cultura resolver conflitos privados decorrentes de uso indevido de marca ou de violações de direitos autorais que não afetem direitos individuais homogêneos dos usuários de obras. Responsabilidade do proponente perante terceiros, em caso de eventuais demandas relativas a direitos sobre obras resultantes ou executadas em projetos culturais aprovados dentro dos parâmetros estabelecidos em regulamento.
III - Possibilidade de não aprovação ou interrupção de projeto em execução diante de fundadas evidências de violações à propriedade intelectual, exigindo-se prestação de contas do que houver sido executado com os recursos captados. Ausência de elementos no caso concreto.
IV - A mera utilização de nome e imagem de artista não caracteriza violação dos direitos de personalidade relacionados à honra, à identidade e à imagem, a menos que haja oposição expressa do titular ou se sua família, em caso de titular falecido, com demonstração de dano moral ou independente de tal demonstração, quando se tratar de utilização com fins comerciais.
V - Direitos autorais e conexos de imagem devem ser previamente ajustados com seus titulares, exceto no que se refere à execução pública de fonogramas e composições musicais, cujos direitos são de titularidade do Ecad e independem de autorização prévia, nos termos do art. 68, § 4º, da Lei nº 9.610/1998. Desnecessidade de comprovação prévia para aprovação do projeto junto ao Ministério da Cultura. Responsabilidade do proponente.
VI - Inaplicabilidade de direitos de propriedade industrial, inclusive marcas registradas, para fins de proteção de obras intelectuais protegidas por direitos autorais. Possibilidade de oposição de direitos marcários apenas em caso de efetiva utilização indevida de marcas associadas aos respectivos produtos ou serviços.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Cuidam os presentes autos de consulta formulada pela Diretoria de Fomento Indireto deste ministério por meio da Nota Técnica nº 8/2024 (SEI/MinC 1612971), na qual se questiona acerca do posicionamento a ser adotado pelo Ministério da Cultura diante da notificação extrajudicial (SEI/MinC 1615763) apresentada contra os produtores artísticos e a empresa proponente do projeto Pronac 22-2129, intitulado "O Rei do Rock". Tal notificação foi também comunicada à Funarte – unidade técnica de análise do MinC para o projeto em questão – para fins de ciência e cancelamento de qualquer autorização que já tenha sido dada à execução do projeto com recursos de incentivos fiscais da Lei Rouanet (SEI/MinC 1615750).

Segundo relatado na nota técnica, o projeto já passou pela fase de admissibilidade e captação de recursos, estando em fase final de aprovação da execução, quando é autorizada a liberação dos recursos captados ao proponente para execução do projeto. Nesta fase, compreendida pelas análises da unidade técnica vinculada (Funarte) e da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), houve o encaminhamento do comunicado da empresa norte-americana ABG EPE IP LLC informando que os proponentes haviam sido notificados extrajudicialmente para não realizarem o espetáculo objeto do projeto, o que suscita orientação jurídica quanto à postura a ser adotada pelo Ministério da Cultura quanto à liberação de execução do projeto.

Pelo teor da notificação extrajudicial, a insurgência da empresa notificante ABG EPE IP LLC contra a proponente se dá em razão de sua intenção de realizar, por meio do Pronac 22-2129, um espetáculo musical sobre a vida e obra do músico Elvis Presley, sendo que a notificante afirma ser "sucessora legal dos direitos sobre o uso do nome e da imagem do falecido artista".

No intento de demonstrar seus direitos, a notificante também informa que é titular dos registros das marcas "ELVIS", "ELVIS PRESLEY" e "KING OF ROCK'N ROLL" em território nacional, perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI.

Em resposta, a proponente – ANDARILHO FILMES LTDA-ME – informou ao Ministério da Cultura que o projeto consiste em um "espetáculo biográfico musical" com estreia prevista para 15/03/2024 em São Paulo, onde serão realizadas 72 apresentações. Como tal, encontrar-se-ia amparado pelas garantias fundamentais da liberdade de expressão, independente de autorização prévia, pelo lado dos exibidores, e do acesso à informação e à cultura, pelo lado dos espectadores.

Com relação aos direitos autorais sobre o projeto, esclarece que o texto do espetáculo teatral é de autoria do dramaturgo e ator Roberto Haderchpek Sargentelli Filho (Beto Sargentelli), o qual participa do espetáculo e já deu anuência para utilização da obra, atendendo à diligências da Funarte e cumprindo com os requisitos da IN nº 1/2022/MTur e da IN nº 11/2024/MinC. Quanto aos direitos incidentes sobre o repertório musical que será executado no espetáculo, a proponente ressalta que nenhuma das composições é de autoria de Elvis Presley, tratando-se de repertório autoral com arranjos e releituras exclusivas, e que, por se tratar e execução pública, os recolhimentos de direitos autorais sobre o repertório é feito diretamente ao ECAD (Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais), independentemente de anuência prévia de seus titulares.

Instada expressamente pela unidade técnica de análise da Funarte a se manifestar quanto à execução de fonogramas interpretados por Elvis Presley, a proponente assegurou que nenhum fonograma será executado no espetáculo, quer de Elvis Presley, quer de outros intérpretes. Com rrelação aos direitos do dramaturgo, que é produtor do espetáculo, anexou documento com firma reconhecida na qual este declara que sua remuneração será contemplada sob a rubrica "dramaturgista" e não pela rubrica "direitos autorais", assumindo integral responsabilidade pela regular execução do projeto e isentando o Ministério da Cultura em quaisquer questões atinentes aos direitos do espetáculo perante terceiros (docs. SEI/MinC 1615781 e 1615787).

É o relatório. Passo à análise.

Conforme entendimento já consolidado nesta Consultoria Jurídica[1], exorbita da competência deste ministério resolver conflitos privados decorrentes de violações de direitos autorais, especialmente se as condições de eventuais transferências de direitos não integram o projeto apresentado perante o ministério, não havendo interesse direto da União nos acertos estabelecidos entre as partes que não estejam diretamente relacionados à execução do projeto. Afinal, tais acertos não se sujeitam a prestação de contas perante este ministério, a menos que estejam efetivamente previstos nos custos do projeto. Além disso, independentemente de estarem os direito autorais incidentes sobre as obras resultantes de um projeto previstas em seu orçamento, é sempre do proponente a responsabilidade pelo devido pagamento de tais direitos aos seus titulares, independentemente da repercussão que possa haver na execução do projeto e sua prestação de contas perante o Ministério da Cultura.

No que diz respeito ao alegado uso indevido do nome de Elvis Presley há de se considerar que a Lei nº 9.610/1998 (art. 8º, inciso VI) exclui da tutela dos direitos autorais os nomes e títulos isoladamente considerados, especialmente quando vinculados a obra de gênero diverso com a qual a obra anterior não seja confundível. No caso em exame, os nomes que a notificante reclama (Elvis, Elvis Presley e Rei do Rock) sequer se relacionam com qualquer obra em específico que seja protegida por direito autoral, e portanto em nada se regulam por normas de direito autoral.

Em se tratando da imagem do próprio músico Elvis Presley, a pretensão da notificante pode ser enfocada sob os seguintes aspectos: (i) o do direito à imagem enquanto direito de personalidade relacionado à identidade da pessoa protegida, que abrange a dimensão pessoal do nome da pessoa, sua honra, intimidade, privacidade e inviolabilidade física; e (ii) o dos direitos de imagem enquanto direitos conexos ao direitos de autor, e diretamente relacionados ao uso comercial de atividades - artísticas ou não - acessórias às obras autorais e necessárias à sua veiculação ao público. São direitos conexos, por exemplo, os direitos de intérpretes, cantores, atores, músicos, bailarinos, dubladores, radiodifusores, pela sua participação na execução, distribuição ou comunicação pública de obras autorais. Para além da questão da imagem, há ainda um terceiro aspecto suscitado, relativo ao (iii) registro de marcas associadas ao nome de Elvis Presley, e que não tem pertinência com títulos de obras ou com a imagem ou nome do músico em si, mas com a exploração comercial da propriedade intelectual dos nomes das marcas (Elvis, Elvis Presley e King of Rock'n Roll) associadas e produtos e serviços registrados no INPI.

 

- Do direito à imagem (direito de personalidade).

No que diz respeito ao direito à imagem do artista Elvis Presley, a legislação brasileira lhe dá tratamento de direito fundamental personalíssimo, nos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal. Por se tratar de direito personalíssimo, normalmente extingue-se com o falecimento do titular, não sendo possível a sua cessão ou extensão a terceiros, conforme previsto no art. 11 do Código Civil, exceto quando expressamente ressalvado em lei. O art. 12 e o art. 20 do mesmo código estabelecem as pessoas excepcionalmente legitimadas a exercer os direitos de personalidade em nome de pessoas falecidas, limitando tal prerrogativa ao cônjuge, ascendentes e descendentes, particularmente no que se refere à exposição ou utilização da imagem para fins comerciais, como é o caso ora em exame. Portanto, não sendo transferíveis a terceiros, não é possível à empresa notificante reivindicar tais direitos, os quais somente podem ser exercidos diretamente pela família de Elvis Presley.

É neste contexto dos direitos de personalidade que se insere a discussão acerca da liberdade de expressão para publicação de biografias, documentários e obras assemelhadas. Eventualmente, conforme as circunstâncias em que o nome ou imagem da pessoa falecida são utilizados, não é possível ao interessado ou sua família invocar o direito de impedir a exposição ou circulação de determinados conteúdos, quando não lhe atinjam a honra nem tenham repercussão comercial relevante, ou, ainda que isto ocorra, quando a divulgação atender a princípios maiores de ordem pública, como o direito à informação, à liberdade de expressão, ou mesmo o acesso à cultura, e houver resistência injustificada ou desmedida conforme o caso em concreto. Além do mais, pouco importa para tal questão a forma sob a qual o relato biográfico é concebido e veiculado: um espetáculo musical biográfico, especialmente para retratar a biografia de um músico, tem tanto valor documental quanto um livro ou filme documentário sobre o mesmo tema. Em qualquer caso, há ampla liberdade de expressão dos biógrafos, inclusive no que tange à liberdade artística. Por outro lado, os direitos dos consumidores podem ser encarado tanto pela perspectiva do direito à informação quanto do acesso à fontes de cultura.

Tais questões, todavia, não possuem maior relevância no presente caso diante da ausência de qualquer oposição por parte dos legítimos interessados nos direitos de personalidade do falecido artista, sendo certo que pessoa jurídica alguma pode ser titular de tais direitos. Portanto, não será por conta destes direitos que se impedirá a continuidade do projeto Pronac 22-2129, até porque os regulamentos do ministério, em consonância com a jurisprudência do STF consolidada no julgamento da ADI nº 4815, não exigem do proponente a apresentação prévia de comprovação do direito à imagem de pessoas representadas em projetos culturais, o que somente faz sentido exigir em caso de expressa oposição da pessoa interessada – ou sua família, quando se tratar de pessoa falecida – para que se possa analisar a questão conforme as especificidades de cada caso.

 

- Dos direitos conexos (direitos de imagem e voz do intérprete).

Diferente tratamento é dado, porém, aos direitos de imagem conexos aos direitos de autor, que encontram sua raiz constitucional no inciso XXVIII do art. 5º da Constituição Federal:

Art. 5º (...) 
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:                                      
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;                                                         
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas; (...)

No plano infraconstitucional, a Lei de Direitos Autorais (Lei  nº 9.610/1998), confere ao direitos dos intérpretes e executantes os mesmos direitos patrimoniais outorgados aos autores e compositores, particularmente em seu art. 90:

Art. 90. Tem o artista intérprete ou executante o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir:
I - a fixação de suas interpretações ou execuções;
II - a reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas;
III - a radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não;
IV - a colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem;
V - qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções.
§ 1º Quando na interpretação ou na execução participarem vários artistas, seus direitos serão exercidos pelo diretor do conjunto.
§ 2º A proteção aos artistas intérpretes ou executantes estende-se à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações.
(...)
Art. 92. Aos intérpretes cabem os direitos morais de integridade e paternidade de suas interpretações, inclusive depois da cessão dos direitos patrimoniais, sem prejuízo da redução, compactação, edição ou dublagem da obra de que tenham participado, sob a responsabilidade do produtor, que não poderá desfigurar a interpretação do artista.
[grifos nossos]

Pelo que se depreende da lei, e restringindo-nos às obras musicais de que trata a presente consulta, o intérpretes têm direitos conexos sobre as suas próprias interpretações de composições musicais, o que abrange interpretações fixadas (fonogramas), bem como reproduções e execuções públicas de suas interpretações fixadas.

No que tange a suas interpretações não fixadas, detém os intérpretes direitos sobre sua radiodifusão, mas não sobre outras formas de execução pública, até porque quando não fixadas, as interpretações consistem em mera apresentação pública que pode ou não ser remunerada diretamente como serviço, e quando realizada por terceiros, distinguem-se das interpretações originais, não estando a voz ou imagem do intérprete original associada à sua própria atuação.

De qualquer forma, seja para direitos de autor ou direitos conexos, os regulamentos do Ministério da Cultura sempre se alternaram entre exigir a comprovação prévia de autorização dos detentores de direitos em relação aos acervos, obras e imagens de terceiros como condição para utilizá-los no projeto, ou exigir declaração do proponente responsabilizando-se pela regularidade de tais direitos na execução do projeto, podendo ser instado a comprová-los ao longo de sua execução, se necessário.

A Instrução Normativa MinC nº 11/2024, atualmente em vigor, em seu Anexo II exige tal comprovação prévia para direitos autorais sobre espetáculos de artes cênicas, como é o caso do projeto em exame, cujo produto cultural é a realização de um espetáculo cênico-musical. Salvo melhor juízo, os direitos autorais relacionados a tal objeto relacionam-se diretamente com o roteiro ou argumento da peça teatral e com os direitos de sua representação pública, e, em segundo plano, com os direitos de execução pública das obras musicais que integram o repertório do espetáculo.

No que tange especificamente aos direitos de execução pública de obras musicais ou litero-musicais, em se tratando de espetáculo teatral não fixado em suporte audiovisual ou fonograma nem transmitido por radiodifusão, não são devidos direitos conexos sobre as interpretações (de músicos ou de atores) executadas durante o espetáculo, mas apenas os direitos dos autores sobre a própria execução pública das composições musicais durante o espetáculo, na forma do art. 68 da Lei nº 9.610/1998, tendo em vista tratar-se de local de frequência coletiva. Os atores e músicos intérpretes que atuam diretamente no espetáculo são remunerados por cachê artístico a título de prestação de serviços. Já com relação aos fonogramas que venham a ser executados no espetáculo, tanto autores como intérpretes fazem jus a direitos de autor e conexos por tal modalidade de uso, também nos termos do art. 68 da Lei de Direitos Autorais, conforme bem apontado pela Funarte em suas diligências ao longo do processo de aprovação do projeto. No entanto, conforme previsto no § 4º deste artigo, bem como no art. 99 da lei, a arrecadação destes direitos é atividade exclusiva do Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais (ECAD) e não depende de autorização, bastando o recolhimento dos valores devidos conforme os regulamentos do escritório central.

Analisando as peculiaridades do caso em concreto, é importante ressaltar que o músico Elvis Presley nunca foi compositor e assim sendo, ao menos a princípio, não é detentor de direitos autorais sobre as composições musicais que executou. Seus direitos sobre suas gravações são em regra direitos conexos como intérprete, salvo na hipótese de eventual cessão de direitos por compositores que tenham escrito suas músicas. Portanto, ainda que o espetáculo objeto do projeto contemplasse em seu repertório a execução de fonogramas e gravações de Elvis Presley – o que não parece ser o caso, conforme declarado pela proponente – esta utilização lhe renderia apenas os eventuais direitos conexos de intérprete de tais obras, e não a totalidade dos seus direitos autorais, cuja distribuição está integralmente sob responsabilidade do ECAD, nos termos de seus regulamentos próprios.

Apenas neste contexto é que se pode, no caso em exame, considerar a possibilidade de pagamento de direitos de imagem e voz aos detentores dos direitos de Elvis Presley, isto é, enquanto  direitos conexos sobre os fonogramas e interpretações fixadas do artista que eventualmente sejam exibidas no espetáculo em apreço ou enquanto direitos autorais de composições que eventualmente tenham sido a ele cedidos e sejam executadas no espetáculo ao vivo ou em gravação. Em qualquer destas hipóteses, a quitação destes direitos se dá mediante recolhimento ao ECAD e repasses do escritório central aos titulares dos direitos conforme os regulamentos da entidade. Interpretações não fixadas, imitações e quaisquer recursos cênicos, musicais ou mesmo audiovisuais que não estejam diretamente associados às atuações do artista (execução de voz e imagem de performances protegidas por direitos autorais) ou obras e sua própria autoria não se encontram na esfera de direitos autorais ou conexos de Elvis Presley e não impõem condições de ordem patrimonial para a realização do espetáculo.

 

- Do registro marcário dos nomes Elvis, Elvis Presley e King of Rock'n Roll.

Com relação à alegação da empresa notificante de que é titular dos registros das marcas "ELVIS", "ELVIS PRESLEY" e "KING OF ROCK'N ROLL" no INPI, o que asseguraria à empresa o uso destas marcas em território nacional, é relevante observar que a marca é um sinal visual distintivo da atividade de uma pessoa física ou jurídica, e o seu registro na instituição competente é um direito que assegura à pessoa física ou jurídica a exclusividade no uso deste sinal distintivo em seu ramo de atividades, sejam elas com ou sem fins lucrativos, justamente para que este sinal mantenha a singularidade distintiva da pessoa em relação às demais que atuem na mesma atividade.

Trata-se de um direito de propriedade intelectual que não se relaciona com direitos autorais e conexos.

O art. 128, § 1º, da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) é claro ao estabelecer que só se pode requerer registro de marca para atividades efetivamente exercidas de forma lícita pelo requerente. E o art. 124 da mesma lei é claro ao estabelecer, em seu inciso XVII, que os conteúdos sujeitos a proteção pelo direito autoral não são registráveis como marca, o que afasta a proteção das marcas apresentadas pela notificante sobre os conteúdos que integram o objeto do projeto cultural em exame.

Com relação especificamente aos nomes registrados como marca (Elvis e Elvis Presley), os incisos XV, XVI e XVII do art. 124 da Lei de Propriedade Industrial estabelece que nomes civis, nomes de família, pseudônimos, apelidos, nomes artísticos, imagem (direito da personalidade) e títulos de obras não são registráveis como marca, salvo com consentimento do titular ou sucesores, o que reforça não se tratar de um direito imanentemente relacionado à pessoa ou sua obra, mas um direito economicamente explorável a partir de uma condição adquirida, qual seja, a distintividade de uma insígnia ou sinal utilizado pela pessoa (física ou jurídica) em suas atividades.

Portanto, resta evidente que a marca, assim como as patentes e outra formas de propriedade industrial, consiste em categoria de propriedade intelectual diversa dos direitos de autor e conexos, não sendo possível invocar a propriedade industrial para fins de proteção de criações do espírito – obras intelectuais protegidas por direitos autorais na forma do art. 7º da Lei de Direitos Autorais independente de qualquer condição atrelada a utilidade, uso ou atividade.

Para valer-se das marcas registradas em seu nome, a empresa notificante teria que demonstrar que a proponente notificada, ao apresentar seu projeto perante o Ministério da Cultura, ou ao realizar os espetáculos a ele relacionados, estaria indevidamente utilizando os nomes registrados para atuar em ramos de atividade que o registro de marca somente permitiria ao titular da marca utilizá-los. Definitivamente não é o caso.

Em uma rápida pesquisa na base de dados do INPI na internet, verifica-se que as marcas registradas de propriedade da notificante (ELVIS, ELVIS PRESLEY e KING OF ROCK'N ROLL) não estão relacionadas com o ramo de produção artística musical, e mesmo que estivessem, a proponente não está a utilizá-las na realização do espetáculo em questão. O próprio nome do espetáculo, que poderia ser eventualmente relacionado a um uso de marca, já foi modificado para não conter qualquer elemento destas marcas nem ser com elas possivelmente confundido. Quanto ao conteúdo artístico do espetáculo, por tudo que já foi até aqui exposto, sequer se encontra no âmbito de proteção do direito marcário.

Em outras palavras, seria possível a oposição de direitos marcários apenas em caso de efetiva utilização indevida de marcas associadas aos respectivos produtos ou serviços para os quais o registro da marca foi concedido. Por exemplo, a marca ELVIS encontra-se registrada para a ABG EPE IP LLC para uso no ramo de aparelhos e instrumentos musicais; logo, ela poderia reivindicar o uso indevido da marca ELVIS se a proponente estivesse a comercializar instrumentos musicais com este nome, inclusive com repercussão no projeto apresentado ao Pronac se de alguma forma este uso comercial ocorresse no bojo da execução do projeto. Evidentemente não é o que se verifica no caso em exame. A marca KING OF ROCK'N ROLL, por seu turno, encontra-se registrada para utilização pela empresa notificante no ramo de comércio de discos, discos compactos, disquetes, fitas cassete revistas em quadrinhos, itens de papelaria, roupas e calçados; não guardando qualquer relação com os direitos em disputa.

Por fim, reitere-se: ainda que se admita a possibilidade de violações de marcas e patentes não identificadas até o momento pelos documentos trazidos aos autos, não competiria ao Ministério da Cultura exercer a fiscalização sobre o correto uso de propriedade intelectual registrada junto ao INPI, não caracterizada propriamente como direito autoral. Nesta hipótese, seria inteiramente da proponente qualquer responsabilidade por tais violações, mesmo que eventualmente produzam algum impacto na futura realização do projeto.

 

- Conclusão.

Diante de todo o exposto, esta Consultoria Jurídica opina no sentido da ausência de justa causa que impeça a aprovação do projeto Pronac 22-2129, intitulado "O Rei do Rock", no que tange especificamente ao teor da notificações expedidas pela empresa ABG EPE IP LLC à proponente ANDARILHO FILMES LTDA-ME, ao produtor cultural Beto Sargentelli e à Funarte no processo de aprovação do referido projeto, tendo em vista a inexistência de quaisquer indícios de violação de direitos autorais ou conexos, de direitos de propriedade industrial ou de direitos da personalidade relativos à imagem do músico Elvis Presley.

À consideração superior.

 

Brasília, 28 de fevereiro de 2024.

 

 

(assinado eletronicamente)

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 

 


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Notas

  1. ^ Vide Parecer nº 268/2013/CONJUR-MinC/CGU/AGU (Processo nº 01400.000105/2013-41) e Parecer nº 719/2014/CONJUR-MinC/CGU/AGU (Processo nº 01400.059419/2014-31).



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