ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE

 

PARECER n. 00050/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.005529/2024-55

INTERESSADOS: MINISTÉRIO DA CULTURA GABINETE DA MINISTRA GM/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

EMENTA: Minuta de Decreto Presidencial que "Institui a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiro e o seu Comitê Gestor”. Exposição de Motivos. Parecer de Mérito. Observação dos requisitos dispostos no Decreto nº 9.191, de 2017. Pela viabilidade jurídica.

 

 

I - DO RELATÓRIO

 

Trata-se de expediente encaminhado a esta Consultoria Jurídica pelo Gabinete da Ministra (Ofício-Circular nº 54/2024/GM/MinC) por conduto do qual requer a análise e emissão de parecer sobre proposta de Decreto Presidencial que ""Institui a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiro e o seu Comitê Gestor. Nos termos do referido ofício:

 

Refiro-me à Exposição de Motivos Interministerial 00002/2024 MIR MinC MJSP MDH (1657327) que trata acerca da minuta do Decreto que institui a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiro (PNPMAT), e cria o Comitê Gestor da PNPMAT. A matéria está em consonância com as competências dos Ministérios da Igualdade Racial (MIR), da Cultura (MINC), dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e encaminho-lhes o presente processo para avaliação e emissão de parecer técnico e parecer jurídico, com a urgência que o caso requer.

 

2. Ao que interessa a presente análise, o processo encontra-se instruído com:

 

(i) Exposição de Motivos Interministerial e Minuta de Decreto - SEI nº 1657327; e

(ii) Parecer de Mérito ( Parecer Técnico nº 189/2023/APSD/GM  SEI nº 1657462).

 

3.  É o sucinto relatório. Passa-se à análise.

 

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

 

4. Preliminarmente, impende tecer breve consideração sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo in casu.

 

5. Sabe-se que a Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a advocacia pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

 

6. O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
 

7. Nesta esteira, o art. 11, inciso I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 - Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União -, estabeleceu, no que concerne à atividade de consultoria ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
 

8. Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, que possui o seguinte teor:

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 

9. Elaboradas essas considerações preliminares, adentra-se à análise da proposta, quanto aos aspectos materiais e formais.

 

10. Sabe-se que, nos termos do art. 215 da Constituição Federal, é dever do Estado garantir a todos "o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional", além de que lhe incumbe apoiar e incentivar "a valorização e a difusão das manifestações culturais." Ainda nos termos do texto Constitucional:

 

Art. 215 caput
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

 

11. Nessa seara, compete ao Ministério da Cultura, em conformidade com a Lei nº 14.600, de 2023, "proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural" além da "proteção e promoção da diversidade cultural" (art. 21, II e V).

 

12 Da leitura da proposta de Decreto, verifica-se que seu teor se insere no âmbito de competência dos Ministérios da Igualdade Racial (MIR), da Cultura (MINC), dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e da Justiça e Segurança Pública (MJSP)​. Objetiva, em síntese, disciplinar a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiro e o seu Comitê Gestor. 

 

13. A medida vai ao encontro, ainda, do antevisto na Lei nº  14.519, de 5 de janeiro de 2023, que "Institui o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé a ser comemorado anualmente no dia 21 de março", constituindo-se, ainda, fruto do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), instituído pelo Decreto nº 11.446, de 21 de março de 2023, com a finalidade de apresentar proposta para o desenvolvimento de Programa de Enfrentamento do Racismo Religioso e Redução da Violência e Discriminação contra Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Povos de Terreiros no Brasil, coordenado pelo Ministério da Igualdade Racial, em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e o Ministério da Cultura.

 

14. Nos termos da Exposição de Motivos (EMI nº 00002/2024 MIR MinC MJSP MDH): 

 

O reconhecimento do direito à cidadania plena aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro é o primeiro passo para garantir sua dignidade e bem-estar. Uma proposta concreta para enfrentar esses desafios é a implementação de uma política pública que leve em consideração os princípios da transversalidade e da intersetorialidade. Isso significa que as políticas não devem ser fragmentadas, mas sim abordadas de maneira integrada, envolvendo diferentes áreas do governo federal. Para tanto, consideramos fundamental que essa política priorize o acesso a direitos.
O Comitê Gestor para a Política Nacional de Proteção dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiro (PNPMAT) desempenhará um papel fundamental como instrumento de governança e de gestão na efetivação da intersetorialidade. Este Comitê será responsável por coordenar e articular ações entre diferentes setores e esferas governamentais, e será composto pelo Ministério da Igualdade Racial, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Ministério da Cultura e Ministério da Justiça.
Ante o exposto, evidencia-se que a finalidade desta PNPMAT reside em estimular e assegurar os direitos e promover o desenvolvimento desses povos e comunidades. A política visa, de maneira concreta, fortalecimento da atuação das instituições para garantir os direitos dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiros e combater a violência, a melhoria da qualidade de vida desses povos, além da promoção da justiça climática, garantia do acesso a serviços básicos, como saúde e educação, e promover sua participação ativa na tomada de decisões que os afetam.
A proposta da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiro possui atributo estruturante na perspectiva de contribuir para a redução das desigualdades sociais, especialmente, aquelas vivenciadas pelos povos de matriz africana e de terreiro. Da mesma forma, denota-se a importância da referida iniciativa para favorecer as ações de promoção de acesso a Direitos, enfrentamento ao racismo religioso e fortalecimento territorial e inclusão produtiva.

 

15. No mesmo sentido, o parecer de mérito, em sua conclusão, faz menção ao exposto pela Fundação Cultural Palmares, fundação vinculada a esta Pasta Ministerial:

 

“6.6.Nesse contexto, considerando tanto a missão institucional da Fundação Cultural Palmares, quanto do Ministério da Cultura que busca promover e fomentar a cultura brasileira em suas diversas manifestações, entendemos que a criação de um programa de enfrentamento ao racismo religioso é um passo significativo na valorização e preservação da diversidade cultural do país.
6.7. A proposta de decreto visa garantir a proteção dessas manifestações culturais afro-brasileiras, reconhecendo os terreiros como patrimônio material e imaterial e promovendo o respeito e valorização das práticas culturais dos povos tradicionais. Além disso, busca-se a promoção da igualdade racial e da liberdade religiosa, princípios fundamentais para a preservação da cultura e identidade dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro.
6.8. Em síntese, o programa proposto alinha-se perfeitamente com a missão da Fundação Cultura Palmares e do Ministério da Cultura, pois reconhece a importância da diversidade cultural para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A proteção e promoção das manifestações culturais afro-brasileiras são essenciais para a preservação da identidade e memória do povo brasileiro, contribuindo para a construção de uma cultura de paz e respeito mútuo.
6.9. O programa de enfrentamento ao racismo religioso representa uma iniciativa crucial para proteger, reconhecer, valorizar, promover, o patrimônio cultural brasileiro, de modo a garantir a preservação das expressões culturais afro-brasileiras e o respeito à diversidade religiosa e étnica do país.”

 

16. Adentrando-se ao teor da proposta de Decreto propriamente, verifica-se que o documento conta com 30 (trinta) artigos, divididos em 5 (cinco) capítulos, a saber:

 

I - POLÍTICA NACIONAL PARA POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA E DE TERREIRO - com previsão da finalidade da Política; os órgãos e entidades integrantes, além da previsão de possibilidade de adesão pelos Estados, Distrito Federal e Municípios; traz, ainda, algumas definições; 
II - PRINCÍPIOS E DIRETRIZES, 
III - DOS EIXOS ESTRUTURANTES E DOS OBJETIVOS;
IV - DO COMITÊ GESTOR, instituído no âmbito do Ministério da Igualdade Racial, com a finalidade de monitorar e de avaliar a implementação da Política; referido Capítulo traz, ainda, as competências do Comitê, sua composição e regras de sua organização;
V - DISPOSIÇÕES FINAIS, com realce para as possíveis fontes orçamentárias para custear a implementação da Política. 

 

17. Sobressai-se, da leitura do ato, que resta prevista a execução de ações destinadas à melhoria das condições de vida e à ampliação do acesso a bens e serviços públicos à população dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiro no País. Trata-se aplicação, em última instância, do princípio constitucional da igualdade, ou, mais precisamente, da igualdade material.

 

18. No que se refere aos aspectos formais, verifica-se a legítima competência do Exmo. Presidente da República para dispor, mediante Decreto, sobre organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos (art. 84, VI, "a", da Constituição).

 

19. Nos termos do Decreto nº 9.191, de 2017, consta rol de documentos que devem acompanhar a exposição de motivos - os quais já constam no processo, conforme enumerado no parágrafo 2 supra, a saber: 

 

Documentos que acompanham a exposição de motivos
Art. 30. Serão enviados juntamente à exposição de motivos, além de outros documentos necessários à sua análise:
I - a proposta do ato normativo;
II - o parecer jurídico;
III - o parecer de mérito; e
IV - os pareceres e as manifestações aos quais os documentos de que tratam os incisos II e III façam remissão.    

 

20. Ademais, insta ponderar a aplicação das regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõem sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis.

 

 

III - CONCLUSÃO

 

21. Em razão do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade na criação de mecanismos institucionais, não sujeitos ao crivo desta CONJUR, é de se concluir pela constitucionalidade, legalidade e atendimento à técnica legislativa da proposta de Decreto Presidencial que ""Institui a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiro e o seu Comitê Gestor, encontrando-se a Exposição de Motivos apta a ser assinada pela Exma. Ministra de Estado da Cultura, após o que os autos podem seguir via SIDOF à consideração da Presidência da República. 

 

22. À Coordenação Administrativa, para encaminhamento dos autos ao Gabinete da Ministra. 

 

 

Brasília, 18 de março de 2024.

 

 

(assinado eletronicamente)

SOCORRO JANAINA M. LEONARDO

Advogada da União

Consultora Jurídica

 

 


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