ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA

 

PARECER n. 00053/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.006090/2024-88

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ASSUNTOS PARLAMENTARES CPS MINC

ASSUNTOS: PROJETO DE LEI

 

EMENTA:
I - Análise e manifestação acerca de Projeto de Lei que “altera a Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas escolares nas instituições de ensino do País, para dispor sobre uma nova definição de biblioteca escolar e cria o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE).
II. Competências do Ministério da Cultura.
III. Constituição Federal. Lei Complementar nº 95, de 1998. 
IV. Viabilidade jurídica. Necessidade de manifestação técnica.

 

 

 

I. RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício-Circular nº 25/2024/CAP/ASPAR/GM/MinC​ (SEI 1662109), a Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares do Ministério da Cultura solicita análise e parecer sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 5656/2019 (PL 9484/2018 em sua casa de origem), que “altera a Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas escolares nas instituições de ensino do País, para dispor sobre uma nova definição de biblioteca escolar e cria o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE)”, de autoria da Deputada Laura Carneiro.

O pedido se dá frente ao Ofício Circular nº 16/2024/SALEG/SAJ/CC/PR, de 19 de março de 2024 (1662105), da Secretaria Adjunta de Assuntos Legislativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI).

Este é o sucinto relatório.

 

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

Preliminarmente, impende tecer breves considerações sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo.

A Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a Advocacia Pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como de sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

 

Nesta esteira, o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da AGU), estabeleceu, no que concerne à atividade de assessoramento jurídico ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU, que possui o seguinte teor:

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.
 

Por outro lado, observo que a apreciação ora empreendida cinge-se aos aspectos jurídico-formais da proposta de ato normativo, no que tange aos dispositivos que guardam pertinência com as atribuições legais desta Pasta Ministerial. Confiram-se as atribuições deste Ministério, fixadas no art. 21 da Lei n. 14.600/2023 e no art. 1o do Decreto nº 11.336/2023:

 

I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.

 

Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta.

Primeiramente, impende realçar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educaçãoculturaproteção e defesa da saúde,  proteção à infância e à juventude, entre outras matérias, nos termos do art. 24, incisos IX, XII e XV, da Constituição Federal.

art. 205 da Constituição, por sua vez, erige a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 

Já o art. 211, § 1º, da Constituição, estabelece que a União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. 

Por outro lado, nos termos do art. 215 da Constituição Federal, cabe ao Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais.

A minuta de projeto de lei remetida encontra, assim, o devido amparo constitucional, sob o aspecto material.

Quanto ao procedimento, observo que a proposta não está inserida no âmbito de iniciativa privativa do Presidente da República, nos termos do art. 61, § 1º, da Constituição, encontrando-se regular também nesse ponto, já que a iniciativa partiu da Câmara.

Adicione-se, ainda, que o PL ​já percorreu o trâmite legislativo no âmbito do Congresso Nacional, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República, nos termos do art. 66 da Constituição Federal, segundo informa a Assessoria Parlamentar deste Ministério.

Adentrando-se a leitura da proposta, verifica-se que esta visa alterar a Lei nº 12.244,  de 2010, para dispor sobre uma nova definição de biblioteca escolar e criar o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE).

A justificação anexa à proposta original [1] indica o que se segue quanto ao mérito e à motivação do ato:

Neste sentido é que estamos propondo algumas alterações na referida legislação, com vistas ao seu aperfeiçoamento, constante dos seguintes itens:
1) Um novo conceito de biblioteca escolar, uma vez que a mesma não pode ser confundida com um simples acervo ou depósito estático de livros e materiais, como dispõe o art. 1º da Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010;
2) Criação do Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE) que terá, entre suas principais funções, dar condições efetivas para que os sistemas de ensino dos estados e municípios possam implantar esse equipamento cultural em todas as escolas do país. O SNBE possibilitará, também, uma maior integração na medida que envidará esforços para conectar todas as bibliotecas escolares do país na rede mundial de computadores, de forma a facilitar o empréstimo de livros e publicações virtuais e troca de experiências entre as mesmas;
3) Ampliação do prazo de cumprimento para a universalização das bibliotecas escolares em todo o território nacional que passa a ser o da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que “aprova o Plano Nacional de  Educação- PNE e dá outras providências”. Assim, os sistemas de ensino terão até o ano de 2024 para cumprir esse dispositivo legal, sob pena de sofrerem sanções a serem definidas pelo órgão ou entidade do Poder Executivo Federal responsável pela implantação do Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE).

 

Não podemos privar as atuais e futuras gerações que hoje frequentam os bancos escolares do acesso à informação e à leitura. Face às condições de desigualdade e pobreza da grande maioria da população brasileira, a biblioteca escolar constitui um dos poucos e únicos espaços onde nossas crianças, adolescentes e jovens podem aprender e ter condições de competir, em condições de igualdade, para inserir-se num mundo cada vez mais globalizado, permeado de novos suportes de informação e tecnologia.

 

Observo que o PL em tela trata de matéria relacionada não somente à cultura, mas também à educação. Muito embora possa haver relações entre cultura e educação, aspectos mais específicos referentes à educação poderão ser melhor avaliados pelos órgãos técnicos e jurídicos do Ministério da Educação.

Quanto ao mérito do projeto, reitero a impossibilidade de o presente Parecer jurídico adentrar nessa seara, cabendo tal competência aos órgãos técnicos desta Pasta, que já foram instados pela Assessoria Parlamentar a manifestar-se sobre a proposta. 

Cumpre destacar, ainda, que a matéria pode ser objeto de veto com fundamento no §1º do art. 66 da Constituição, que permite o veto a projeto de lei contrário ao interesse público. Confira--se:  

 

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
(Negritou-se)

 

Assim, admite-se o veto de projeto de lei, parcial ou total, caso haja contrariedade ao interesse público, avaliação esta afeta ao mérito administrativo, não sujeito ao crivo desta Consultoria Jurídica.

Portanto, o Projeto de Lei deverá ser submetido aos órgãos técnicos competentes, no âmbito desta Pasta e do Ministério da Educação, para avaliação quanto ao interesse público incidente sobre o objeto da proposta.

Por fim, quanto aos aspectos estritamente formais, insta ponderar que ao Projeto de Lei se aplicam as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição. 

 

 

III. CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, conclui-se que, sob a ótica desta Pasta, não se vislumbram óbices de natureza jurídica à sanção presidencial do Projeto de Lei em tela, desde que confirmado pelos órgãos técnicos competentes o interesse público incidente sobre a matéria, sem prejuízo de recomendações técnicas e jurídicas oriundas do Ministério da Educação.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 21 de março de 2024.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 

 

 

Nota:

[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1639337&filename=PL%205656/2019%20(N%C2%BA%20Anterior:%20PL%209484/2018)

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400006090202488 e da chave de acesso 4ad56ead

 




Documento assinado eletronicamente por DANIELA GUIMARÃES GOULART, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1446611456 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): DANIELA GUIMARÃES GOULART, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 21-03-2024 17:03. Número de Série: 65437255745187764576406211080. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.