ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 67/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.002351/2024-91

INTERESSADA: Assessoria Especial de Assuntos Internacionais

ASSUNTO: Minuta de decreto autônomo.

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DECRETO AUTÔNOMO.
I - Minuta de decreto presidencial que cria o Comissariado Brasileiro para o Bicentenário das Relações Brasil-Estados Unidos da América em 2024 e o Comissariado Brasileiro para a Temporada Cultural Brasil-França em 2025.
II - Competência presidencial para dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração federal, desde que não implique aumento de despesa ou criação de cargos ou órgãos públicos.
III - Necessidade de declarações de adequação orçamentária dos ministérios envolvidos.
IV - Necessidade de adequação da minuta aos requisitos do Decreto nº 9.191/2017.

 

Cuidam os autos em epígrafe de proposta de decreto presidencial com o objetivo de criar o Comissariado Brasileiro para o Bicentenário das Relações Brasil-Estados Unidos da América em 2024 e o Comissariado Brasileiro para a Temporada Cultural Brasil-França em 2025, que terão a incumbência de preparar pautas de programações e eventos em conjunto com as representações dos países parceiros.

A consulta foi-nos encaminhada por meio da Nota Técnica nº 8/2024 (SEI/MinC 1670915), na qual a Assessoria Especial de Assuntos Internacionais apresenta as justificativas técnicas para o ato, nos seguintes termos:

2.3. A celebração dos anos duais (Brasil-EUA e Brasil-França) é parte da diplomacia cultural e da dinamização das relações do Brasil com parceiros estratégicos. Em 2024, celebram-se 200 anos das Relações Brasil - Estados Unidos da América e, em 2025, 200 anos das relações do Brasil com a França.
2.4. Em fevereiro de 2023, durante a visita de Estado oficial do Presidente Lula aos Estados Unidos, os dois presidentes divulgaram comunicado em que se comprometeram a ampliar seu diálogo e buscar cooperação mais profunda em preparação para a celebração do bicentenário das relações diplomáticas Brasil-EUA em 2024.
2.5. Da mesma forma, em 2023, durante visita do Presidente Lula a Paris, foi anunciada a proposta de realização da temporada cultural do Brasil na França.
2.6. Ambas as iniciativas têm o potencial de ampliar a inserção do Brasil nesses países, incentivando trocas comerciais, intercâmbios culturais e estreitamento de laços entre as sociedades dos países.
2.7. Com o objetivo de estabelecer estrutura de trabalho e de coordenação para a realização das duas Temporadas, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil submeteu ao Ministério da Cultura minuta de Decreto Presidencial que cria o Comissariado Brasileiro para o Bicentenário das Relações Brasil-Estados Unidos da América em 2024 e o Comissariado Brasileiro para a Temporada Cultural Brasil-França em 2025 (SEI 1614309).
2.8. A proposta de Decreto Presidencial foi revisada por esta Assessoria, em diálogo com o Instituto Guimarães Rosa (IGR/MRE), resultando nas sugestões de alteração constantes no anexo SEI 1674260. A contraproposta final da minuta de Decreto foi anexada aos autos (SEI nº 1674277), já incorporando as sugestões do MinC.

O parecer de mérito, exigido para a propositura de decretos, foi elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) e encontra-se juntado aos autos no documento SEI/MinC 1614308. A minuta resultante da incorporação de sugestões do Ministério da Cultura sobre a proposta de iniciativa do MRE encontra-se juntada aos autos no doc SEI/MinC 1674277.

É o breve relatório. Passo à análise.

Conforme estabelecido no preâmbulo da minuta, a proposta em exame consiste em decreto autônomo do poder executivo, respaldado na competência presidencial privativa de que trata o art. 84, inciso VI, da Constituição Federal. Segundo tal dispositivo constitucional, compete ao Presidente da República, mediante decreto, independente de lei, dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal, desde que tal ato não resulte em aumento de despesa ou na criação de cargos ou órgãos públicos.

Do teor da minuta apresentada, particularmente de seu art. 8º, verifica-se que a proposta não cria cargos, mas remaneja 20 (vinte) cargos do Ministério da Gestão e da Inovação e Serviços Públicos (MGI) para o MRE, sendo nove para compor cada comissariado. Os remanejamentos serão por prazo determinado e os cargos retornarão à estrutura do MGI automaticamente ao término do prazo.

Em seu art. 3º (caput e § 1º), a minuta prevê que cada comissariado será integrado por quatro membros, sendo um Comissário-Geral e um Secretário-Executivo para cada comissariado, além de um representante do MinC e do MRE.

Todavia, a minuta não avança em maiores detalhes da organização e do funcionamento dos comissariados. Não há qualquer dispositivo sobre as funções que caberão aos cargos a serem remanejados do MGI, tampouco sobre os cargos que caberão a cada uma das funções estabelecidas no caput e no § 1º do art. 3º. Não é possível que tal regramento seja delegado aos Ministros de Estado das Relações Exteriores e da Cultura, como proposto no art. 4º da minuta, tratando-se de competência privativa do Presidente da República.

A despeito da possibilidade de que ato inferior a decreto venha a tratar de normas regimentais específicas sobre o funcionamento dos comissariados, o detalhamento da sua forma de organização faz-se necessário no ato em exame até mesmo para afastar possíveis controvérsias sobre a natureza dos colegiados. Afinal, não é possível a criação de órgão público por meio de decreto autônomo, ainda que os cargos que venham a integrar tal orgão estejam sendo apenas remanejados de outro órgão.

Se os cargos estão sendo remanejados para o MRE, mas não integrarão a estrutura regimental do ministério, então pode-se inferir que um órgão novo estaria sendo criado, com toda uma estrutura de cargos ainda sem atribuições claramente definidas, o que não seria viável por meio de decreto autônomo. Por outro lado, se os comissariados serão estruturados sob a forma de órgãos colegiados, então é necessário que o decreto atenda aos requisitos estabelecidos no art. 36 do Decreto nº 9.191/2017, o que abrange, especialmente, a especificação das autoridades às quais tais comitês se reportarão. Estabelecer tal hierarquia, com detalhamento das unidades organizacionais do MRE ou do MinC à qual cada comissariado responde, é essencial para que os cargos remanejados não sejam tratados como plexos de competências autônomos em relação aos órgãos instituídos por lei. 

Para tanto, é necessário que o decreto avance na especificação das atribuições que caberão aos cargos remanejados, estabelecendo que posição ocuparão nos comissariados e nos próprios ministérios. Em se tratando de órgãos colegiados, o art. 36 do Decreto nº 9.191/2017 estabelece a necessidade de que o ato de criação disponha sobre sua composição sobre a autoridade encarregada de presidi-los ou coordená-los. Além disso, é necessário que a minuta também preveja seu quórum de funcionamento e deliberação e a periodicidade de suas reuniões.

Considerando que há previsão de remanejamento de cargos em comissão para compor o comissariado, é necessário ainda que se preveja a dedicação exclusiva de seus ocupantes às atividades do comissariado, independentemente da periodicidade das reuniões entre seus integrantes. A forma de exercício de tais atribuições em regime de exclusividade poderá ser objeto de regimento interno a ser aprovado pelos Ministros de Estado.

Por fim, é necessário que os autos sejam instruídos com minuta de exposição de motivos interministerial que acompanhe a minuta do decreto e, para além as justificativas já apresentadas no parecer de mérito, também ateste a disponibilidade orçamentária dos ministérios envolvidos, não apenas para o custeio das despesas relacionadas à constituição dos comissariados, como também para a pauta de eventos que por meio deles se pretende executar. Embora não haja criação de cargos, a investidura de servidores nos cargos remanejados implica despesa que, se não estiver compatível com a previsão orçamentária do ministério responsável por sua remuneração, inviabilizará a edição do decreto. Da mesma forma, se não houver rubrica orçamentária do MRE ou do MinC que seja compatível com a programação cultural estimada do trabalho dos comissariados, sua atividade finalística estará inviabilizada, comprometendo a sua própria criação. É necessário, portanto, que o custo da remuneração total dos integrantes dos comissariados nos períodos de sua vigência seja estimado no parecer de mérito ou na exposição de motivos, bem como um custo estimado dos eventos pretendidos que seja compatível com suas fontes de custeio.

Diante de todo o exposto, conclui-se que a proposta em apreço não se encontra em condições de prosseguimento e encaminhamento à Presidência da República sem os ajustes recomendados no presente parecer, sendo de bom alvitre o restabelecimento das consultas entre os ministérios interessados (MRE, MinC e MGI) para aperfeiçoamento de seu texto, bem como de elaboração de uma minuta de exposição de motivos interministerial que incorpore as justificativas do parecer de mérito, da consideranda presente no preâmbulo da minuta de decreto, bem como da estimativa de impacto orçamentário da proposta e da correspondente previsão orçamentária para que a proposta seja viável por meio de decreto autônomo. Esta Consultoria Jurídica permanece à disposição para eventual contribuição nesse processo de elaboração normativa.

 

À Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, para ciência e ajustes necessários na minuta apresentada.

 

Brasília, 8 de abril de 2024.

 

 

(assinado eletronicamente)

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Consultor Jurídico

Interino

 


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