ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA

 

PARECER n. 00072/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.007372/2024-01

INTERESSADOS: MINISTÉRIO DA CULTURA GABINETE DA MINISTRA GM/MINC

ASSUNTOS: MEMORANDO DE ENTENDIMENTO

 

 

EMENTA: I. Direito internacional. Parceria com ente público estrangeiro. Minuta de Memorando de Entendimento. Instrumento não vinculante e não oneroso. II. Possibilidade jurídica. III. Recomendações

 

 

 

RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 1530/2024/GM/MinC (SEI  1690128) o Gabinete da Ministra solicita a esta Consultoria análise e manifestação sobre minuta de Memorando de Entendimento em matéria cultural a ser firmado entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e o Ministério das Culturas, das Artes e dos Saberes da República da Colômbia, com o seguinte objeto (SEI 1675490):

 

Este Memorando de Entendimento tem por objeto proporcionar um marco propício para desenvolver atividades de coo​peração nas áreas de capacitação, desenvolvimento de habilidades e intercâmbio de informação e experiências relativas ao âmbito acadêmico, cultural e científico, assim como ações que promovam a cooperação artístico-cultural, e as relativas a programas de estudo e pesquisa, cursos, seminários, fóruns e outras atividades em suas respectivas instituições. Essas atividades envolverão intercâmbios, formação e circulação de artistas, mestres e gestores culturais; fomento, promoção e divulgação do cinema, meios audiovisuais e interativos, da literatura, das artes vivas e do patrimônio cultural, respeitando sempre os limites impostos pelos ordenamentos jurídicos dos signatários.

 

Para o que interessa à presente análise, além da minuta de Memorando de Entendimento (1675490) foi juntada aos autos a NOTA TÉCNICA Nº 13/2024 (1674788), da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais - AEAI/GM/MinC, que fornece a fundamentação técnica do ato e o histórico da demanda.

 É o relatório.

 

ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado n. 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU.

Vale lembrar, ainda, que as manifestações desta Consultoria Jurídica apresentam natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações apresentadas não se tornam vinculantes para o gestor público, o qual pode, de forma justificada, adotar orientação contrária ou diversa daquela emanada desta Consultoria Jurídica. 

Quanto aos aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade do ajuste, cabe à área técnica justificar e motivar o ato, atribuições que fogem à seara de competências desta Consultoria, como dito acima. Nesse sentido, foi juntada aos autos a NOTA TÉCNICA Nº 13/2024, da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, que fornece a fundamentação técnica do ato e o histórico da demanda, concluindo no seguinte sentido:

 

2.4. Em dezembro de 2023, o Brasil foi convidado a participar da 36ª edição da Feira Internacional do Livro de Bogotá (FILBo) na condição de país convidado de honra (SEI nº 1674511). No contexto de aceite do convite, esta pasta, por meio da Secretaria de Formação, Livro e Leitura (SEFLI) e da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais (AEAI), a Fundação Biblioteca Nacional (FBN) e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) iniciaram tratativas para a representação do Brasil no evento, que será realizado no período de 17 de abril a 2 de maio de 2024.
2.5. No escopo da agenda de viagem da sra. Ministra de Estado da Cultura a Bogotá por ocasião da FILBo, está prevista reunião com o Ministro das Culturas, das Artes e dos Saberes da Colômbia. Na oportunidade, espera-se que os Ministros firmem Memorando de Entendimento em matéria cultural, atualizando, assim, as bases da cooperação entre os dois países. A proposta de Memorando de Entendimento foi anexadas aos autos nas versões em português (SEI nº 1675490) e espanhol (SEI nº 1675494).
ANÁLISE
3.1. Do ponto de vista técnico, a minuta do Memorando de Entendimento contempla atividades relacionadas a setores culturais estratégicos para esta pasta e a assinatura do instrumento visa a estimular a troca de experiências e boas práticas sobre mecanismos de fomento à cultura, uso de equipamentos culturais e acervos digitais para garantir o acesso à cultura e o exercício da cidadania, além da defesa e da promoção das expressões artísticas e culturais de base comunitária, afrodiaspóricas e indígenas.
3.2. Destaca-se que o Memorando de Entendimento terá sua execução iniciada já na visita à Colômbia, a partir do próximo dia 16 de abril, mediante apresentação, pelo lado colombiano, do sistema de bibliotecas parque de Bogotá e Medellín à sra. Ministra de Estado da Cultura e à Subsecretária de Espaços e Equipamentos Culturais do MinC. 

 

Como dito, o ato em análise é um Memorando de Entendimento que se pretende celebrar entre este Ministério e o Ministério das Culturas, das Artes e dos Saberes da República da Colômbia, com o objetivo de "proporcionar um marco propício para desenvolver atividades de cooperação nas áreas de capacitação, desenvolvimento de habilidades e intercâmbio de informação e experiências relativas ao âmbito acadêmico, cultural e científico, assim como ações que promovam a cooperação artístico-cultural, e as relativas a programas de estudo e pesquisa, cursos, seminários, fóruns e outras atividades em suas respectivas instituições". 

A Nota técnica n. 13/2024, da Assessoria Internacional/MINC, informa que o presente Memorando de Entendimento fundamenta-se no Acordo de Intercâmbio Cultural firmado entre Brasil e Colômbia em 20 de abril de 1963 e promulgado pelo  Decreto nº 74.541, de 12 de setembro de 1974 (SEI   1675837 e 1675840).  Em seu Artigo I, este acordo estipula que as Partes se comprometem a promover o intercâmbio cultural entre brasileiros e colombianos, apoiando a obra que, em seu território, realizem as instituições culturais, consagradas à difusão do idioma e dos valores culturais e artísticos da outra Parte.

Dito isso, observo que é variada a denominação dada aos atos internacionais. Embora a denominação escolhida não influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo, convenção, protocolo e memorando de entendimento.

Memorando de Entendimento, especificamente, é a designação comum para atos redigidos de forma simplificada, destinados a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes nos planos político, econômico, cultural ou em outros. Conforme exposto no o Manual de Redação Oficial e Diplomática do Itamaraty:

 

Memorando de entendimento designa ato de forma bastante simplificada destinado a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as partes, em particular nos planos político, econômico, cultural, científico e educacional, bem como definir linhas de ação e áreas de cooperação. Em geral, a nomenclatura “memorando de entendimento” é usada para atos que prescindam de aprovação congressual e que possam entrar em vigor na data de sua assinatura.
 

Assim, os Memorandos de Entendimento são instrumentos ordinariamente utilizados para formalizar a intenção das Partes para a consecução de determinado objeto específico, sendo, em síntese, verdadeiros protocolos de intenções, sem força vinculante, vez que não criam obrigações ou direitos entre os celebrantes, tratando-se de articulação embrionária de avenças futuras e que ganham forma para dar maior solenidade às intenções manifestadas.

É da natureza do instrumento não definir qualquer obrigação entre as partes, quer no plano do direito internacional, quer no plano doméstico, o que lhe retira ao menos parcela de seu caráter operacional, limitando-se mais a estabelecer, assim, princípios gerais que nortearão futuras cooperações de interesse das instituições envolvidas, se for o caso.

Portanto, o Memorando de Entendimento não pode gerar, por si só, a obrigação de as partes pactuarem iniciativas de cooperação, já que não pode haver vinculação jurídica obrigacional neste tipo de instrumento. A base para estes futuros acordos deverá ser um Tratado assinado pelo Presidente da República ou outro agente plenipotenciário, incorporado ao ordenamento jurídico interno com decreto legislativo e posterior decreto presidencial de incorporação.

Nesse sentido é a definição encartada pelo Manual de Gestão da Cooperação Técnica Sul-Sul da Agência Brasileira de Cooperação:

 

Os Memorandos de Entendimento (MdE) e as Declarações Conjuntas são atos redigidos de forma genérica e simplificada, destinados a registrar a intenção das Partes (que podem ser Governos ou organizações internacionais) em estabelecer iniciativas de cooperação técnica Sul-Sul, definidas em amplas linhas de ação. O Memorando de Entendimento é um documento de função meramente política e não pode gerar obrigações de qualquer espécie e tampouco prever o empenho de recursos. Em vista disso, o MdE não faz referência a valores orçamentários e não inclui termos referentes a mecanismos ou arranjos de execução ou implementação das futuras iniciativas. Para o Governo brasileiro, o Memorando de Entendimento não oferece respaldo jurídico a iniciativas de cooperação. Este instrumento não requer ratificação pelo Congresso Nacional e, na medida em que não criem compromissos gravosos para a União, podem entrar em vigor na data da assinatura.(destacamos) Disponível em: http://www.abc.gov.br/Content/ABC/docs/Manual_SulSul_v4.pdf. Acesso em 22.04.2020

 

Nessa esteira, eventuais ajustes futuros que concretizem esta intenção de cooperação inicial deverão se basear nos Tratados assinados com os partícipes e, a depender do caso, a aplicação do Decreto nº 5.151, de 22 de julho de 2004, sempre com a participação da ABC na formalização do instrumento.

Vale notar que o Artigo 5 da Minuta de Memorando dispõe:

 

O presente Memorando de Entendimento não tem por objeto a criação de nenhum direito ou obrigação legal vinculante e de exclusividade. Todas as atividades que dele se derivem estarão sujeitas à disponibilidade de orçamento e de pessoal dos signatários e se decidirão de comum acordo, em conformidade com a legislação em vigor para cada um.

 

Portanto, o instrumento não envolve transferência de recursos e não gera vínculos jurídicos entre as Partes. Assim, caso venha a ser necessário o financiamento de qualquer despesa de uma parte por outra, recomenda-se a celebração de novo instrumento com essa finalidade específica, seguindo os ritos oficiais específicos.

De fato, o Memorando de Entendimento, por si só, não implica compromisso de transferência de recursos do Estado brasileiro ou atividades gravosas ao patrimônio nacional, de modo que não precisa ser submetido ao Congresso Nacional.

Vale notar que somente os atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional devem ser aprovados pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal, bem como ser celebrados pelo Presidente da República ou agente plenipotenciário natos, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional, como determina o art. 84, VIII da Constituição Federal, senão vejamos:

 

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

 

Assim, o fato de o instrumento não trazer compromissos ou vinculações jurídicas ao País no plano internacional, faz com que também não precise ser obrigatoriamente subscrito pelo Presidente da República, pelo Ministro das Relações Exteriores e/ou outra autoridade plenipotenciária ou agente com carta de plenos poderes, sem prejuízo de que  se dê ciência de sua celebração ao Ministério das Relações Exteriores, nos termos do art. 44 da Lei n 14.600/2023.

Observo, ainda, que, considerando a natureza jurídica das partes  e o objeto do ajuste, o presente Memorando de Entendimento não se sujeita à disciplina do Decreto nº 11.531/2023 ou da Portaria Interministerial nº 33/2023, que dispõem sobre transferência e descentralização de recursos da União mediante convênios, contratos de repasse e termos de execução descentralizada, tampouco à Lei nº 14.133/2021 ou à Lei nº 13.019/2014.

Com relação à minuta ora ​submetida à análise desta Consultoria (SEI 1675490), observo que  esta contém os dispositivos necessários e suficientes para a finalidade a que se destina. Apenas recomendo a revisão geral da minuta, em especial a numeração, tradução e correção gramatical.

Por fim, no que diz respeito à competência para assinar o instrumento, como este indica a Ministra como signatária, não há o que se opor, já que a Ministra representa a Pasta no exercício das competências que lhe foram atribuídas pelo Decreto nº 11.336, de 1º de janeiro de 2023.

 

CONCLUSÃO

Ante o exposto, ressalvados os aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade na efetivação do ajuste, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, e ainda considerando-se a manifestação favorável do órgão técnico competente, cumpre opinar pela regularidade do procedimento, e pela aprovação da minuta submetida à apreciação desta Consultoria Jurídica.

Por fim, vale lembrar que, de acordo com o Enunciado nº 05 do Manual de boas Práticas Consultivas da AGU, não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.

Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam, na sequência, encaminhados ao GABINETE DA MINISTRA, para as providências cabíveis.

 

Brasília, 09 de abril de 2024.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 


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