ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS
PARECER n. 00075/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU
NUP: 01400.004687/2024-98
INTERESSADOS: COORDENAÇÃO-GERAL DE TRANSFERÊNCIAS INTERFEDERATIVAS CGTIN/DFD/SECFC/GM/MINC
ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS
EMENTA: I. Consulta oriunda da Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural. II. Dúvida quanto à possibilidade de prorrogar o prazo de adequação orçamentária previsto na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo). III - Ausência de autorização legal.
I - RELATÓRIO
Cuida-se de consulta oriunda da Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural, referente à demanda da prefeitura do Município de São Gabriel da Cachoeira/AM quanto à possibilidade de prorrogar o prazo de adequação orçamentária previsto na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).
O referido pedido municipal fundamentou-se no enfrentamento de problemas climáticos na região, que culminaram com a declaração de situação de emergência, e que teria impossibilitado a observância do referido prazo.
De acordo com o órgão consulente, o município em questão recebeu o recurso em 21/07/2023, tendo, consequentemente, até o dia 17/01/2024 para publicar a devida incorporação do recurso ao seu orçamento. Contudo, conforme conta do documento SEI 1642065, a publicação ocorreu apenas em 26/02/2024.
Dessa forma, solicita a esta Consultoria Jurídica manifestação quanto à possibilidade de incidência de prorrogação do prazo para adequação orçamentária previsto no art. 11 da LC 195/2022 e no art. 20 do Decreto 11.525/2023.
É o breve relatório.
II - EXAME
Registre-se, inicialmente, que a presente manifestação apresenta natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações estabelecidas não se tornam vinculantes para o gestor público, que poderá, de forma justificada, adotar orientação contrária ou diversa daquela emanada por esta Consultoria Jurídica.
Saliente-se, ademais, que análise desta Consultoria Jurídica restringe-se aos aspectos eminentemente jurídicos do caso, nos limites da consulta elaborada pelo órgão consulente, em imiscuir-se em questões de conveniência e oportunidade.
A dúvida suscitada pelo órgão consulente refere-se à possibilidade de prorrogação do prazo de adequação orçamentária previsto na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo), de modo a atender a pedido do Município de São Gabriel da Cachoeira/AM, fundamentado na ocorrência de problemas climáticos na região, que culminaram com a declaração de situação de emergência, e que teria impossibilitado a observância do referido prazo.
Com efeito, o referido Diploma Legal, que dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas em decorrência dos efeitos econômicos e sociais da pandemia da covid-19, assim determina em seu art. 11:
Art. 11. Dos recursos repassados aos Municípios na forma prevista nesta Lei Complementar, aqueles que não tenham sido objeto de adequação orçamentária publicada no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data da descentralização, deverão ser automaticamente revertidos aos respectivos Estados.
No mesmo sentido, reza o art. 20 do Decreto nº 11.525, de 11 de maio de 2023, que regulamenta a citada Lei Complementar:
Art. 20. Os recursos repassados aos Municípios, incluídos os redistribuídos, que não tenham sido objeto da adequação orçamentária de que trata o art. 9º no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de recebimento do primeiro repasse, serão revertidos aos respectivos Estados.
Verifica-se, portanto, que, nos termos das normas acima citadas, em caso de descumprimento do prazo de adequação orçamentária previsto na Lei Complementar nº 195/2022, os recursos transferidos pela União aos municípios deverão ser automaticamente revertidos aos respectivos Estados.
Em que pese a gravidade da situação emergencial enfrentada pelo município requerente, que fundamenta seu pedido, não se vislumbra na legislação de regência, autorização legal para a concessão da pretendida prorrogação de prazo.
Ora, por força do art. 37, caput, da Constituição Federal, a Administração Pública submete-se ao princípio da legalidade, de modo que sua atuação depende de expressa previsão legal. Trata-se do princípio de estrita legalidade.
Nesse contexto, a Administração deve se limitar aos ditames da lei, não podendo por simples ato administrativo, conceder direitos, criar obrigações ou impor vedações. Para tanto, depende de autorização legal.
Sobre o tema, leciona o Mestre Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005):
“A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
(...)
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”.
De todo modo, necessário registrar que uma vez transferidos, a União não tem mais governança sobre os recursos decorrentes do mecanismo instituído pela Lei Paulo Gustavo, uma vez que sua participação limita-se ao repasse de tais valores aos entes federativos subnacionais, consoante regras estabelecidas na citada Lei Complementar nº 195/2022.
De acordo com tais normas, a realização das ações emergenciais destinadas ao setor cultural durante o estado de calamidade pública decorrente da Pandemia do Covid-19 deverá seguir uma lógica de descentralização, cabendo ao ente UNIÃO tão somente transferir os recursos aos entes federativos subnacionais, para que estes efetivamente adotem as medidas concretas para auxiliar o setor cultural atingido pela paralisação econômica decorrente da pandemia. Nesse sentido, dispõe o citado diploma legal:
Art. 1º Esta Lei Complementar dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas em decorrência dos efeitos econômicos e sociais da pandemia da covid-19.
Parágrafo único. As ações executadas por meio desta Lei Complementar serão realizadas em consonância com o Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, conforme disposto no art. 216-A da Constituição Federal, notadamente em relação à pactuação entre os entes da Federação e a sociedade civil no processo de gestão dos recursos oriundos desta Lei Complementar.
Art. 2º Fica autorizada a utilização dos recursos originalmente arrecadados e destinados ao setor cultural identificados como superávit financeiro apurado em balanço das fontes de receita vinculadas ao Fundo Nacional da Cultura (FNC) para os fins desta Lei Complementar.
Art. 3º A União entregará aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios R$ 3.862.000.000,00 (três bilhões, oitocentos e sessenta e dois milhões de reais) para aplicação em ações emergenciais que visem a combater e mitigar os efeitos da pandemia da covid-19 sobre o setor cultural.
§ 1º Os recursos destinados ao cumprimento do disposto no caput deste artigo serão executados de forma descentralizada, mediante transferências da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. (grifou-se)
Diante desse quadro normativo, portanto, considerando que a União não mais possui ingerência sobre os recursos transferidos, recomenda-se que o Município requerente verifique junto ao Estado do Amazonas a possibilidade de formalizar algum ajuste que permita a aplicação dos recursos revertidos no próprio Município de São Gabriel da Cachoeira/AM, a fim de beneficiar o setor cultural local.
III - CONCLUSÕES E ENCAMINHAMENTOS
Por todo o exposto, esta Consultoria Jurídica opina no sentido de que não há autorização legal para a concessão da pretendida prorrogação de prazo, para adequação orçamentária previsto na Lei Complementar nº 195/2022 (Lei Paulo Gustavo).
São estas as considerações a serem encaminhadas, se aprovadas, à Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural, via SEI, em atenção ao DESPACHO Nº 1679116/2024.
À consideração do Sr. Consultor Jurídico.
GUSTAVO NABUCO MACHADO
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400004687202498 e da chave de acesso 1ad32290