ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA

 

PARECER n. 00079/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.025596/2023-13

INTERESSADOS: DIRETORIA DE PROMOÇÃO DAS CULTURAS POPULARES - DPCP/MINC

ASSUNTO: PROPOSTA DE DECRETO

 

 

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. 
I - Minuta de decreto presidencial que institui o Comitê Técnico Setorial para a elaboração do Plano Nacional de Culturas Populares e Tradicionais
II - A constituição de instância colegiada interministerial é matéria que se insere entre as competências do Presidente da República passível de regulamentação por meio de decreto autônomo, na medida em que não represente criação de órgão público, mas mera medida de organização administrativa de competências e funcionamento conjunto de órgãos existentes.
III - Inteligência do art. 84, inciso VI, da Constituição, e do art. 37 do Decreto nº 9.191/2017. Constitucionalidade e legalidade da proposta. Parecer favorável.

 

 

 

 

RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 1940/2024/GSE/GM/MinC, a Secretaria-Executiva/MINC solicita análise e parecer jurídico sobre minuta de Decreto que visa instituir o Comitê Técnico Setorial para a elaboração do Plano Nacional de Culturas Populares e Tradicionais, cuja finalidade consiste em sistematizar, fundamentar e integrar as ações e as atividades voltadas para as culturas populares e tradicionais no governo federal (SEI 1686936).

A presente proposta deriva de reivindicações recebidas de mestres e mestras da cultura popular durante a Conferência Temática das Culturas Populares e Tradicionais, ocorrida entre 15 e 17 de dezembro na Chapada dos Veadeiros, e durante a 4º Conferência Nacional de Cultura, realizada entre os dia 04 e 08 de março de 2024, em Brasília. 

Para o que interessa à presente análise, além da minuta de Decreto cuja análise se solicita (SEI 1686936), foram juntados aos autos a respectiva Exposição de Motivos (SEI 1687003) e o Parecer de Mérito n° 1/2024/DPCP/SCDC/MinC (SEI 1525203).

Quanto à motivação do ato, o Parecer de Mérito n° 1/2024/DPCP/SCDC/MinC (SEI 1525203) enfatiza o que segue:

 

15. A criação de um Plano Nacional dedicado às culturas populares e tradicionais proporciona a estruturação organizada para o apoio e desenvolvimento dessas manifestações culturais, podendo englobar uma variedade de iniciativas interministeriais, incluindo o financiamento de projetos culturais, a promoção de festivais e eventos, a preservação do patrimônio imaterial, o incentivo à pesquisa acadêmica e a educação cultural nas escolas. Este Plano teria um impacto significativo nas políticas culturais do Brasil, pois ajudaria a democratizar o acesso à cultura, ampliando as oportunidades para os agentes, grupos e coletivos culturais das comunidades menos privilegiadas. Além disso, ao promover a valorização das tradições populares, contribui para a construção de uma identidade cultural mais inclusiva e representativa, que reconhece a importância das diversas influências culturais que moldaram e enriquecem o país ao longo de sua história.
16. Ao mesmo tempo, um Plano Nacional de Culturas Populares e Tradicionais também agrega valor à política de preservação do patrimônio cultural do Brasil, de competência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), entidade vinculada a este Ministério. Isso porque, considerando a pluralidade de expressões culturais populares e tradicionais, o processo de registro como patrimônio imaterial ou reconhecimento não atende a múltipla e capilar diversidade do país. Ao mesmo tempo, tais manifestações estão em risco devido à urbanização, globalização, mudanças socioeconômicas, assim como preconceitos e diversas situações em que são expostas a vulnerabilidades sociais e culturais. Um Plano de caráter nacional dedicado a sistematizar, fundamentar e integrar as ações e as atividades voltadas para as culturas populares e tradicionais no governo federal pode implementar medidas unificadas de valorização e reconhecimento para proteger essas tradições para as gerações futuras, fortalecendo os laços de solidariedade e compreensão entre as diversas comunidades do Brasil.

 

É o breve relatório. 

 

 ANÁLISE JURÍDICA  

 

Preliminarmente, impende tecer breve considerações sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo em tela.

A Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a Advocacia Pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como de sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

 

Nesta esteira, o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), estabeleceu, no que concerne à atividade de assessoramento jurídico ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, que possui o seguinte teor:

 

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.
 

Vale notar, ainda, que a presente análise se dá por exigência do art. 30, inciso II, e art. 31 do Decreto nº 9.191/2017, que estabelece as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado.

 

Traçadas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta, que visa instituir o Comitê Técnico Setorial que terá, entre outras, a competência de elaborar o Plano Nacional de Culturas Populares e Tradicionais, com a finalidade de sistematizar, fundamentar e integrar as ações e as atividades voltadas para as culturas populares e tradicionais no governo federal (SEI 1624681).

   O art. 215 da Constituição Federal atribui ao Estado o dever de garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais, além de proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

Sob o aspecto material, portanto, observo que a minuta de Decreto encontra  o devido amparo jurídico constitucional.  

Quanto ao aspecto formal, observo que o art. 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição Federal, atribui ao Presidente da República a competência para expedir decretos autônomos para dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal, independentemente de lei, sempre que não impliquem aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.

Portanto, a via eleita é adequada, uma vez que a proposta consiste em medida de mera organização administrativa de competências, disciplinando o funcionamento conjunto de órgãos existentes nos ministérios proponentes. Ademais, conforme estabelecido no art. 37 do Decreto nº 9.191/2017, é vedada a criação de colegiados por meio de portaria interministerial, sendo necessário decreto para organização de estruturas administrativas que abranjam mais de uma Pasta.

Ademais, observa-se que o objeto da proposta é lícito e possível, não havendo restrições de índole constitucional ou legal que impeçam a regulamentação da matéria. Por se tratar de decreto autônomo, não há legislação específica que vincule a proposta especificamente em seu objeto.

A justificativa do ato, bem como a finalidade a que se propõe, encontram-se evidenciadas na exposição de motivos e no parecer de mérito elaborado pela órgão competentes, no âmbito deste Ministério.

Quanto à competência, vale notar que o art. 22 do Decreto n. 9.191/2017 atribui aos Ministros de Estado a proposição de atos normativos, conforme as áreas de competências dos respectivos órgãos.

Nesse sentido, observo que a minuta de Decreto guarda pertinência com as atribuições legais desta Pasta Ministerial, fixadas no art. 21 da Lei n. 14.600/2023 e no art. 1o do Decreto nº 11.336/2023:

I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.

Ainda no que tange aos aspectos formais, observo que a minuta deve adequar-se às exigências do Decreto nº 9.191/2017, que estabelece as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado.

Quanto aos requisitos do art. 30 do Decreto nº 9.191/2017, observo que estes encontram-se atendidos pela documentação acostada aos autos, particularmente o Parecer de mérito, que apresenta as justificativas técnicas para a regulamentação em apreço, a minuta de Decreto e a Exposição de Motivos, além do presente Parecer jurídico, que complementa a instrução dos autos.

​Como se trata de ato normativo que cria comitê, deve-se atentar ainda ao disposto no art. 36 do Decreto nº 9.191/2017, que exige os seguintes requisitos:

 

Art. 36. O ato normativo que criar comissão, comitê, grupo de trabalho ou outra forma de colegiado indicará:
I - as competências do colegiado;  
II - a composição do colegiado e a autoridade encarregada de presidir ou coordenar os trabalhos; 
III - o quórum de reunião e de votação;
IV - a periodicidade das reuniões ordinárias e a forma de convocação das reuniões extraordinárias;        (Redação dada pelo Decreto nº 10.420, de 2020   (Vigência)
V - o órgão encarregado de prestar apoio administrativo;        (Redação dada pelo Decreto nº 10.420, de 2020   (Vigência)  
VI - quando necessário, a forma de elaboração e aprovação do regimento interno;        (Redação dada pelo Decreto nº 10.420, de 2020   (Vigência)
VII - quando os membros não forem natos, a forma de indicação dos membros e a autoridade responsável pelos atos de designação;        (Redação dada pelo Decreto nº 10.420, de 2020   (Vigência)
VIII - quando o colegiado for temporário, o termo de conclusão dos trabalhos;      
IX - quando for o caso, a necessidade de relatórios periódicos e de relatório final e a autoridade a quem serão encaminhados.    

 

Observo que os incisos I, II, V, VIII e IX foram atendidos, respectivamente, pelos art. 2º (inciso I), 3º (inciso II), 4º/5º (inciso V) e art. 8º (incisos VIII e IX) da minuta em análise.

Quanto ao órgão encarregado de prestar apoio administrativo (inciso V), no entanto, recomendo que o órgão consulente decida se esse órgão será indicado pela Presidência do Comitê (conforme dispõe o art. 4º da minuta) ou será a Diretoria de Promoção das Culturas Populares (conforme dispõe o art. 5º da minuta).

Ressalto que a minuta em tela não dispõe sobre os requisitos previstos nos incisos III, IV, VI e VII do art. 36 do Decreto n. 9.191/2017 (acima transcrito). Nesse sentido, recomendo ao órgão consulente que se manifeste sobre a necessidade de elaboração e aprovação do regimento interno, e inclua na minuta dispositivos que estabeleçam: ​ o quórum de reunião e de votação; a periodicidade das reuniões ordinárias e a forma de convocação das reuniões extraordinárias;   a forma de indicação dos membros e a autoridade responsável pelos atos de designação.

Observo que realizamos alguns ajustes, na forma da minuta anexa, cuja adoção é recomendável, a fim de aprimorar a redação do ato e adequá-lo ao disposto no Decreto n. 9.191/2017. Tais ajustes não incluem os itens indicados no parágrafo anterior, que ainda requerem avaliação e decisão pelo órgão técnico interessado. Tais ajustes poderão ser inseridos na minuta antes do encaminhamento para chancela presidencial, sem a necessidade de nova manifestação jurídica, salvo se houver dúvida jurídica específica devidamente identificada.

Por fim, ressalto que o Plano Nacional de Culturas Populares e Tradicionais a ser desenvolvido e apresentado pelo Comitê Técnico Setorial poderá ser oportunamente submetido a esta Consultoria Jurídica, a fim de avaliar a forma e procedimentos adequados à sua publicação.

 

 

CONCLUSÃO

 

Isso posto, concluo pela constitucionalidade e legalidade da proposta em apreço, considerando que não se identificam óbices de índole jurídica ao prosseguimento do feito, desde que observadas as recomendações constantes do presente Parecer, em especial nos itens 25 a 28.

Após os necessários ajustes na minuta, a proposta poderá ser submetida ao referendo da Ministra de Estado da Cultura e encaminhada via SIDOF (Sistema de Geração e Tramitação de Documentos Oficiais) à Presidência da República, para os trâmites pertinentes.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 17 de abril de 2024.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 


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