ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CÂMARA NACIONAL DE DIREITO ELEITORAL - CNDE/DECOR/CGU
PARECER n. 00001/2024/CNDE/CGU/AGU
NUP: 00688.000059/2020-78 (relativo ao NUP 00688.001541/2023-78).
INTERESSADO: DECOR.
ASSUNTO: Doação/cessão com encargo e o § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997.
ART. 73, § 10, DA LEI Nº 9.504/1997 – DOAÇÃO/CESSÃO COM ENCARGO – COMPLEMENTAÇÃO DO ENTENDIMENTO ADOTADO PELA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO SOBRE O TEMA.
I – A Advocacia-Geral da União, no âmbito do Parecer-Plenário 02/2016/CNU-Decor/CGU/AGU, explicitou o entendimento no sentido de que “a previsão de encargo nas doações e o fato de as cessões serem realizadas para determinada finalidade não afastam, por si sós, o caráter gratuito da outorga”, tendo ensejado a edição da Orientação Normativa CNU/CGU/AGU nº 002/2016, na qual se consignou que a vedação prevista no art. 73, §10, da Lei nº 9.504/1997, abrangeria as “doações com encargo e cessões”.
II – Com isso, neste opinativo, propõe-se a complementação ao referido posicionamento da Advocacia-Geral da União, de modo a se entender que, na doação/cessão com encargo, pode haver o afastamento da vedação contida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, desde que, diante da verificação dos elementos inerentes ao caso concreto: a) não se constate prejuízo à isonomia na disputa do pleito eleitoral; b) esteja presente o interesse público; e c) seja a contraprestação efetiva.
III – Recomenda-se que, em caso de hipotética realização de doação/cessão com encargo, no período de defeso eleitoral, não se realizem solenidades, cerimônias, eventos, reuniões públicas de divulgação ou qualquer outra forma de exaltação da respectiva transferência, de modo a evitar que se provoque ofensa à igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral.
IV – Proposta de edição de orientação normativa no âmbito da Advocacia-Geral da União, para conferir nova redação à Orientação Normativa CNU/CGU/AGU nº 002/2016, no sentido de complementar o respectivo entendimento.
Sra. Diretora do DECOR,
I – RELATÓRIO:
01. Trata-se de questão relativa à análise da incidência, ou não, da vedação eleitoral insculpida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 nas hipóteses de doação/cessão com encargo, frisando-se que o referido dispositivo proíbe, aos agentes públicos, no ano em que se realizar a eleição, a “distribuição gratuita” de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, nos seguintes termos:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
[...]
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)
[...] (Destacamos)
02. Sobre o tema, ao analisar a questão em 2016, a Advocacia-Geral da União, por meio do Parecer-Plenário nº 002/2016/CNU-Decor/CGU/AGU (Seq. 33 – NUP 59000.000294/2014-26), aprovado por Despacho do Advogado-Geral da União (Seq. 36 – NUP 59000.000294/2014-26), entendeu, em suma, que, a vedação prevista no art. 73, §10, da Lei nº 9.504/1997 abrange as “doações com encargo e cessões”, propondo-se, ao final, a edição da Orientação Normativa CNU/CGU/AGU nº 002/2016, nestes termos:
[...]
4. O entendimento aqui exposto alcança doações e cessões, sendo que o encargo ou finalidade da outorga não desnatura, por si só, seu caráter gratuito [...] 60. Observe-se, por fim, que, conforme apontado no Parecer nº 084/2012/DECOR/CGU/AGU as restrições da legislação eleitoral à transferência de bens abrangem não apenas as doações, mas também as cessões, especialmente aquelas que outorgam direitos reais aos seus beneficiários [...]
61. Por fim, é importante ressaltar que a previsão de encargo nas doações e o fato de as cessões serem realizadas para determinada finalidade não afastam, por si sós, o caráter gratuito da outorga. Afinal, o encargo e a finalidade dizem respeito, em geral, à aplicação do bem a atividade de interesse público desempenhada pelo donatário ou cessionário. Não se trata, via de regra, de uma efetiva contraprestação, com ganho para o doador ou cedente, mas sim de estabelecer o uso a ser dado ao bem, buscando-se, assim, garantir que ele cumpra sua função social [...]
63. Ante o exposto, propõe-se a edição da seguinte orientação normativa:
Orientação Normativa CNU/CGU/AGU nº 002/2016
A vedação prevista no art. 73, §10, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, dirige-se à distribuição gratuita e discricionária diretamente a particulares, incluídas as doações com encargo e cessões, não alcançando os atos vinculados em razão de direito subjetivo do beneficiário e as transferências realizadas entre órgãos públicos do mesmo ente federativo ou as que envolvam entes federativos distintos, observando-se neste último caso o disposto no inciso VI, alínea "a", do mesmo artigo, que veda transferências nos três meses anteriores ao pleito eleitoral. Em qualquer caso, recomenda-se a não realização de solenidades, cerimônias, atos, eventos ou reuniões públicas de divulgação, ou qualquer outra forma de exaltação do ato administrativo de transferência capaz de afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais.
Referências: Art. 73, inciso VI, alínea "a", e § 10, da Lei nº 9.507, de 30 de setembro de 1997. (Grifamos)
03. Depois, em 2018, após as considerações externadas pela Procuradoria-Geral da União no âmbito da Nota nº. 00145/2016/DEE/PGU/AGU (Seq. 124 – NUP 59000.000294/2014-26), o tema foi apreciando novamente na Consultoria-Geral da União, a qual, mediante o Parecer-Plenário nº 002/2018/CNU-Decor/CGU/AGU (Seq. 141 – NUP 59000.000294/2014-26), aprovado por Despacho do Consultor-Geral da União (Seq. 143 – NUP 59000.000294/2014-26), corroborou o seu entendimento, assim:
EMENTA: DIREITO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS PÚBLICOS FEDERAIS EM ANO ELEITORAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 73, § 10, DA LEI 9.504/97.
[...]
III - Não se pode confundir o caráter gratuito da transferência de domínio com a ausência de condições ou ônus para o adquirente. A doação pode ser pura ou condicionada com encargos, mas em todos os casos continua sendo um negócio jurídico gratuito, uma vez que o encargo assumido pelo donatário não consubstancia uma contraprestação em favor do doador que se possa equiparar a preço, embora deva ser cumprido.
IV - Se a doação possui encargo ou se constitui de forma pura, não se verifica razão suficiente para afastá-la desta vedação, já que a mens legis do dispositivo, quando conjugada com todo o art. 73 da Lei 9.504, de 1997 é o de evitar qualquer espécie de negócio jurídico que, direta ou indiretamente, possa acarretar vantagem ou fator de promoção pessoal de agentes públicos. Daí que se as transferências voluntárias estão abarcadas nessa espécie de vedação, por lógica interpretativa também devem ser inseridas as doações, sejam onerosas ou não, visto terem o mesmo elemento volitivo e semelhante impacto potencial na corrida eleitoral (o mesmo raciocínio já exposto no Parecer nº 3/2012/CGU/AGU), a fim de se preservar a teleologia da norma em comento, qual seja, estabelecer condições igualitárias, ou presumidamente igualitárias, entre os concorrentes.
V - Pela manutenção tanto do Parecer-Plenário nº. 002/2016/CNU-DECOR/CGU/AGU, de 30 de junho de 2016, como da Orientação Normativa nº 002/2016 [...] (Grifos nossos)
04. Inclusive, na Cartilha da Advocacia-Geral da União sobre Condutas Vedadas aos Agentes Públicos Federais em Eleições (edição de 2022), consta o entendimento contido no Parecer-Plenário 02/2016/CNU-Decor/CGU/AGU, aprovado pelo Advogado-Geral da União, no sentido de que “a vedação prevista no art. 73, §10, da Lei nº 9.504, de 30/09/1997, dirige-se à distribuição gratuita e discricionária diretamente a particulares, incluídas as doações com encargo e cessões”, nestes termos:
6.4.2 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS, VALORES OU BENEFÍCIOS
[...] OBSERVAÇÃO – Atos vinculados e transferências no mesmo âmbito federativo: No Parecer-Plenário 02/2016/CNU-Decor/CGU/AGU (28/6/2016), aprovado pelo Advogado-Geral da União, concluiu-se que a vedação prevista no art. 73, §10, da Lei nº 9.504, de 30/09/1997, dirige-se à distribuição gratuita e discricionária diretamente a particulares, incluídas as doações com encargo e cessões, não alcançando atos vinculados em razão de direito subjetivo do beneficiário, ou transferências entre órgãos públicos do mesmo ente federativo ou entre entes federativos distintos, observando-se neste último caso o disposto no inciso VI, alínea “a”, do mesmo artigo, que as veda nos três meses anteriores ao pleito eleitoral, e, em qualquer caso, a não realização de solenidades, cerimônias, atos, eventos ou reuniões públicas de divulgação, ou qualquer outra forma de exaltação do ato administrativo de transferência, capaz de afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais. (Grifamos)
05. No mais, especificamente, para o exercício financeiro de 2022 (estando o dispositivo, atualmente, com eficácia exaurida), o art. 81-A da Lei nº 14.194/2022 (LDO/2022), pelas redações dadas pela Lei nº 14.352/2022 e pela Lei nº 14.435/2022, preceituou que a doação de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, desde que com encargo para o donatário, não configuraria ofensa ao disposto no § 10, do art. 73, da Lei nº 9.504/1997, nestes termos:
Art. 81-A. A doação de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública a entidades privadas, desde que com encargo para o donatário, anterior a três meses que antecedem o pleito eleitoral, não se configura em descumprimento do§ 10 do art. 73 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.(Incluído pela Lei nº 14.352, de 2022)
***
Art. 81-A. A doação de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública a entidades privadas e públicas, durante todo o ano, e desde que com encargo para o donatário, não se configura em descumprimento do § 10, do art. 73, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. (Redação dada pela Lei nº 14.435, de 2022)
06. Aliás, em março de 2023, a Câmara Nacional de Direito Eleitoral (CNDE) enviou, a diversos órgãos da Administração Pública Federal, o OFÍCIO-CIRCULAR n. 00001/2023/CNDE/CGU/AGU (Seq. 03 – NUP 00688.001541/2023-78), solicitando que fossem encaminhadas, ao referido colegiado, “as manifestações elaboradas em 2022 pelas unidades consultivas coordenadas por Vossas Senhorias em matéria eleitoral”.
07. Dessa forma, em resposta, entre as manifestações jurídicas enviadas pelos órgãos, vale destacar tanto o PARECER n. 158/2022/NUCJUR/CJU-BA/CGU/AGU (Seq. 190 – NUP 00688.001541/2023-78), elaborado pela Consultoria Jurídica da União no Estado da Bahia (CJU/BA), quanto o PARECER n. 00535/2022/PGFN/AGU (Seq. 220 – NUP 00688.001541/2023-78), produzido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), os quais entenderam, por fundamentos diversos[1], que a contraprestação a cargo do beneficiário afastaria a gratuidade na distribuição de bens e, com isso, elidiria a vedação eleitoral contida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997.
08. Em acréscimo, constatou-se, outrossim, a existência do PARECER n. 00001/2019/CNPAT/CGU/AGU, aprovado pelo Consultor-Geral da União (Sequenciais 50, 63 e 64 – NUP 04962.003052/2018-58), no qual se exarou o entendimento no sentido de que “a cessão de uso onerosa e a cessão de uso em condições especiais, por envolverem contraprestação, não se sujeitam às vedações do ano eleitoral, por não se caracterizarem como uma distribuição gratuita”.
09. Ademais, acerca da questão, cumpre expor que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem proferido o entendimento, em diversos casos, no sentido de que a contrapartida (encargo) na doação tem o condão de descaracterizar o caráter gratuito na distribuição de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, de modo a afastar a incidência da vedação prevista no §10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997.
10. Assim, diante da existência de manifestações jurídicas dissonantes sobre a matéria no âmbito da Advocacia-Geral da União, da verificação de certo descompasso entre o entendimento adotado na AGU e o posicionamento proferido pelo TSE acerca do tema, bem como da recente alteração legislativa (com eficácia já exaurida) aplicável à matéria (art. 81-A da Lei nº 14.194/2021, com redações dadas pela Lei nº 14.352/2022 e pela Lei nº 14.435/2022), reacendeu-se a necessidade de nova apreciação do tema, no âmbito da AGU, no sentido de atribuir maior uniformidade e segurança jurídica no tratamento da matéria, de modo que a análise da incidência, ou não, da vedação eleitoral insculpida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 nas hipóteses de doação/cessão com encargo, foi destacado pela CNDE para apreciação, conforme consignado na ATA n. 00004/2023/CNDE/CGU/AGU (Seq. 171 – NUP 00688.000053/2020-78)[2].
11. É o relatório. Passa-se a opinar.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
12. Conforme exposto, o objeto central de análise neste opinativo diz respeito à incidência, ou não, da vedação eleitoral insculpida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 nas hipóteses de doação/cessão com encargo, frisando-se que o referido dispositivo proíbe, aos agentes públicos, no ano em que se realizar a eleição, a “distribuição gratuita” de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública.
13. Nessa perspectiva, faz-se necessário perquirir se a contraprestação na doação/cessão com encargo pode afastar a gratuidade na distribuição de bens, valores ou benefícios, mencionada no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, e, assim, elidir a respectiva vedação eleitoral insculpida no referido dispositivo.
14. Vale dizer que, acerca da questão, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem proferido o entendimento, em diversos casos, no sentido de que a contrapartida (encargo) na doação tem o condão de descaracterizar o caráter gratuito na distribuição de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, afastando, com isso, a incidência da vedação prevista no §10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997.
15. A título exemplificativo, podem ser mencionados os posicionamentos exarados pelo TSE nos seguintes feitos: i) REspe nº 34994; ii) AgR-REspe nº 79734; iii) REspe nº 4535; iv) REspe nº 282675; v) RO nº 171821; vi) AgR-RO nº 317348; vii) REspe nº 55547; viii) REspe nº 15297; ix) RO nº 1717231; e x) REspe nº 60149454.
16. Nas decisões proferidas pelo TSE nos feitos acima mencionados, constata-se que, além da questão da contraprestação na doação/cessão, outros aspectos foram suscitados nos respectivos casos concretos, no sentido de embasar o afastamento da vedação eleitoral insculpida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997.
17. Nessa direção, foram sistematizados, na tabela abaixo, trechos de Ementas dos julgados exarados pelo TSE, contendo, de um lado, a passagem relativa ao posicionamento inerente à contraprestação na doação/cessão com encargo, e, do outro lado, os outros aspectos suscitados nos casos concretos, senão vejamos:
NÚMERO DO PROCESSO NO TSE: |
POSICIONAMENTO INERENTE À CONTRAPRESTAÇÃO NA DOAÇÃO/CESSÃO COM ENCARGO/ONEROSA: |
OUTROS ASPECTOS SUSCITADOS NO RESPECTIVO CASO CONCRETO: |
i) REspe nº 34994: |
[...] 1. A conduta vedada prevista no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97 - que veda aos agentes públicos, servidores ou não, "fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público" - não incide quando há contraprestação por parte do beneficiado. O contrato de doação de terras firmado traz previsão expressa de sua revogação, caso não atendidos os pressupostos que embasaram a sua concessão. A doação com encargo não configura "distribuição gratuita" [...] (REspe nº 34994. Relatora Min. Luciana Lóssio. Acórdão de 20/05/2014. Publicação DJE em 25/06/2014). (Destacamos)
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[...] 2. Não há uso promocional da doação quando o donatário do bem apenas manifestou apoio político ao candidato por ela responsável, em propaganda eleitoral gratuita, sem qualquer menção direta à aludida doação. 3. Na linha dos precedentes desta Corte, "para a configuração do inc. IV do art. 73 da Lei nº 9.504197, a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente. O elemento é fazer ou permitir uso promocional de distribuição gratuita de bens e serviços para o candidato, quer dizer, é necessário que se utilize o programa social - bens ou serviços para dele fazer promoção (AgRg-REspe n° 25130/SC, DJ de 23.9.2005, rei. Mm. Carlos Madeira)". (REspe n° 2826-75/SC, rei. Mm. Marcelo Ribeiro, DJE de 22.5.2012). (REspe nº 34994. Relatora Min. Luciana Lóssio. Acórdão de 20/05/2014. Publicação DJE em 25/06/2014). (Grifamos)
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ii) AgR-REspe nº 79734: |
[...] 2. O Tribunal Regional Eleitoral, analisando o conjunto probatório dos autos, afastou a captação ilícita e concluiu verificar-se na espécie a ressalva disposta no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, por entender que as doações de terrenos e o pagamento de aluguel de empresas em ano eleitoral como forma de implementação de política de incentivo à instalação de indústrias no município, além de ser prática comum na localidade, se deram mediante a imposição de encargos a serem cumpridos pelos donatários [...] (AgR-REspe nº 79734. Relator Min. Gilmar Mendes. Acórdão de 01/10/2015. Publicação DJE em 09/11/2015). (Grifamos)
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[...] 3. Diante da moldura fática do acórdão quanto ao afastamento da captação ilícita e ao enquadramento da conduta na ressalva do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, não merece reparo o acórdão regional, porquanto é possível depreender-se do assentado pelo TRE que já se encontrava em execução orçamentária de anos anteriores a política de incentivo à instalação de indústrias por meio de doações de terrenos e pagamento de aluguéis, bem como haver lei que autorizava a distribuição de bens, tratando-se de política de incentivo usual no município desde 2007. (...)” (AgR-REspe nº 79734. Relator Min. Gilmar Mendes. Acórdão de 01/10/2015. Publicação DJE em 09/11/2015). (Destacou-se)
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iii) REspe nº 4535: |
[...] 5 [...] especialmente quando se exigem contrapartidas das instituições contempladas com as verbas. Precedente: REspe 2826-75/SC, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 22.5.2012 [...] 9. Também não há dúvida de que a entrada franca em dois dos quatro dias não consistiu em distribuição de ingressos pela Prefeitura, mas sim em contrapartida que se exigiu do sindicato diante do patrocínio - parcial, reitere-se - do evento. 10 [...] a contrapartida exigida pela Prefeitura afastam o enquadramento da hipótese dos autos ao art. 73, § 10, da Lei 9.504/97. (...)” (REspe nº 4535. Relator Min. Jorge Mussi. Acórdão de 19/06/2018. Publicação DJE em 03/08/2018). (Destacou-se)
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6. O télos do § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97 é salvaguardar a lisura do pleito e a paridade de armas de programas assistenciais de cunho oportunista [...] 7. Trata-se da interpretação que melhor se coaduna com o texto legal, sob pena de se ampliar indevidamente as hipóteses de incidência de condutas vedadas, o que não se admite por se cuidarem de normas restritivas de direitos. Precedentes. 8. No caso, é inequívoco que a ExpoTiros representa tradicional festividade no Município de Tiros/MG, organizada pelo Sindicato dos Produtores Rurais de Tiros/MG há mais de 16 anos, contando com inúmeros shows artísticos e rodeios, extraindo-se dessas circunstâncias o seu aspecto cultural [...] 10. O aspecto cultural da festa [...] afastam o enquadramento da hipótese dos autos ao art. 73, § 10, da Lei 9.504/97. (...)” (REspe nº 4535. Relator Min. Jorge Mussi. Acórdão de 19/06/2018. Publicação DJE em 03/08/2018). (Grifos nossos)
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iv) REspe nº 282675: |
[...] 4 [...] sobretudo quando os instrumentos preveem a adoção de contrapartidas por parte das instituições [...] (REspe nº 282675. Relator Min. Marcelo Ribeiro. Acórdão de 24/04/2012. Publicação DJE em 22/05/2012). (Destaque nosso)
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[...] 4. A assinatura de convênios e o repasse de recursos financeiros a entidades públicas e privadas para a realização de projetos na área da cultura, do esporte e do turismo não se amoldam ao conceito de distribuição gratuita, previsto no art. 73, § 10, da Lei nº 9.5047/97 [...] (REspe nº 282675. Relator Min. Marcelo Ribeiro. Acórdão de 24/04/2012. Publicação DJE em 22/05/2012). (Destacamos)
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v) RO nº 171821: |
[...] 6. Ainda que se diga que a referida remissão tributária foi implementada somente no ano de 2014, ano este eleitoral, tal argumentação não se sustenta. Isso porque não se trata de benefício fiscal concedido gratuitamente, sem contrapartida [...] a concessão daquele benefício fiscal foi condicionada ao pagamento integral do IPVA e demais taxas devidas ao DETRAN/PB, relativos ao exercício financeiro de 2014, e ao pagamento de todas as multas de trânsito relacionadas às motocicletas e motonetas, ou seja, os benefícios fiscais em questão não foram concedidos por mera liberalidade do Governador aos eventuais contribuintes beneficiados. Em outras palavras, houve por parte do Gestor Público a estipulação de critérios objetivos à concessão do benefício fiscal, não atingindo a todos indistintamente, inclusive, condicionando a concessão do benefício à desistência de eventuais ações judiciais. Não há falar, portanto, em gratuidade da medida. 7. Desta forma, excluída a gratuidade do benefício, elemento normativo da conduta (gratuidade), afasta-se a ocorrência da conduta vedada prevista no § 10 do art.73 da Lei das Eleições [...] 11 [...] a validade ou não de lançamento de Programa de Recuperação Fiscal (REEIS) em face do disposto no art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 deve ser apreciada com base no quadro fático-jurídico extraído do caso concreto (Cta 368-15/DF, Rel. designado Min. GILMAR MENDES, DJe de 8.4.2015). 12. A renúncia de créditos tributários relativos a IPVA e taxas do DETRAN no ano de 2014, concedida pela MP 215/2013, convertida na Lei 10.312/2014, alterada pela MP 226/2014, não se subsume no conceito de distribuição gratuita exigido para caracterizar a conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97, que veda a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública no ano em que se realizar eleição [...] 13. O benefício fiscal quanto ao ICMS, advindo da MP 225/2014, não constituiu distribuição gratuita de benefícios, conforme exigido pelo § 10 do art. 73 da Lei 9504/97 para caracterizar a conduta vedada nele tipificada, mas, sim, decorrência do Convênio ICMS 39/2014, celebrado na 215ª Reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Portanto, o Governo do Estado da Paraíba atuou em estrita observância ao que prescrevem os dispositivos insertos na LC 24/75, a qual trata de convênios para a concessão de: isenção do ICMS, encontrando o devido respaldo na legislação que rege a matéria em comento. (RO nº 171821. Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Acórdão de 24/04/2018. Publicação DJE em 28/06/2018). (Destacou-se)
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[...] 9. A política similar já estava sendo realizada em gestões anteriores, tratando-se de políticas continuadas desenvolvidas pelos recorridos em prol da comunidade. Não há falar em prejuízo para a Administração Pública [...] 14. Não caracteriza conduta vedada a execução de Programa de Recuperação Fiscal decorrente de convênio celebrado em âmbito nacional pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, uma vez que tal ato não decorre da vontade exclusiva do Chefe do Poder Executivo local, mas de deliberação de todos os entes federados [...] 15. O Programa Gol de Placa foi instituído pela Lei 8.567/2008, e não por ato normativo de iniciativa do Governador no exercício de 2014 [...] verifica-se que a Lei 10.231/2013, que promoveu mudanças na Lei 8.567/08, não ensejou nova renúncia de receita do Estado, haja vista que tão somente alterou a forma como os valores arrecadados seriam aplicados. Concluiu-se que o referido programa do Governo da Paraíba efetivamente se amolda à regra de exceção prevista na parte final do§ 10 do art. 73 da Lei das Eleições, a qual permite ao Administrador Público, ainda que candidato à reeleição, dar continuidade aos programas já em execução nos anos anteriores. (RO nº 171821. Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Acórdão de 24/04/2018. Publicação DJE em 28/06/2018). (Destacamos)
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vi) AgR–RO nº 317348: |
[...] 18 [...] não há distribuição gratuita de bem ou serviço de caráter social, como no caso do Minha Casa Minha Vida, em que se exigem contrapartidas – inclusive financeiras – dos beneficiários (Lei 11.877/2009). (AgR–RO nº 317348. Relator Min. Jorge Mussi. Acórdão de 17/04/2018. Publicação DJE em 17/05/2018). (Destacou-se)
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[...] 18. Todavia, consoante a jurisprudência deste Tribunal, inexiste afronta ao inciso IV na hipótese em que não há distribuição gratuita de bem ou serviço de caráter social, como no caso do Minha Casa Minha Vida [...] (Lei 11.877/2009). (AgR–RO nº 317348. Relator Min. Jorge Mussi. Acórdão de 17/04/2018. Publicação DJE em 17/05/2018). (Destacamos)
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vii) REspe nº 55547: |
[...] 1. Na espécie, a distribuição de tablets aos alunos da rede pública de ensino do Município de Vitória do Xingu/PA, por meio do denominado programa "escola digital", não configurou a conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 pelos seguintes motivos: [...] d) a adoção de critérios técnicos previamente estabelecidos, além da exigência de contrapartidas a serem observadas pelos pais e alunos, também descaracterizam a conduta vedada em exame, pois não se configurou o elemento normativo segundo o qual "a distribuição de bens, valores ou benefícios" deve ocorrer de forma "gratuita". Precedentes. (REspe nº 55547. Relator Min. João Otávio de Noronha. Acórdão de 04/08/2015. Publicação DJE em 21/10/2015). (Destacou-se)
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[...] 1. Na espécie, a distribuição de tablets aos alunos da rede pública de ensino do Município de Vitória do Xingu/PA, por meio do denominado programa "escola digital", não configurou a conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 pelos seguintes motivos: a) não se tratou de programa assistencialista, mas de implemento de política pública educacional que já vinha sendo executada desde o ano anterior ao pleito. Precedentes. b) os gastos com a manutenção dos serviços públicos não se enquadram na vedação do art. 73, §10, da Lei 9.504/97. Precedentes. c) como os tablets foram distribuídos em regime de comodato e somente poderiam ser utilizados pelos alunos durante o horário de aula, sendo logo depois restituídos à escola, também fica afastada a tipificação da conduta vedada, pois não houve qualquer benefício econômico direto aos estudantes. Precedentes [...] (REspe nº 55547. Relator Min. João Otávio de Noronha. Acórdão de 04/08/2015. Publicação DJE em 21/10/2015). (Destacou-se)
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viii) REspe nº 15297: |
[...] 5. Concessão de direito real de uso Lotes. Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 e abuso de poder. O acórdão regional demonstrou que [...] iii) a simples leitura da Lei Municipal nº 740/2004 revela que há regramento específico a respeito da possibilidade de concessão de direito real de uso de modo oneroso, o que afasta de plano o art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, que pressupõe distribuição gratuita. (REspe nº 15297. Relator Min. Gilmar Mendes. Acórdão de 20/09/2016. Publicação DJE em 07/10/2016). (Grifou-se)
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[...] 4. Concessão de benefícios assistenciais. Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 e abuso de poder. O acórdão regional expressamente consignou que: i) a concessão de benefícios assistenciais estavam amparados em lei e em execução orçamentária no ano anterior; ii) o aumento das concessões não ocorrerá de forma abusiva; iii) existia critério na distribuição dos benefícios, padronizado desde 2009; iv) ausência de mínima prova indiciária acerca de conotação eleitoral, como pedido de votos, entre outras circunstâncias; v) o prefeito sequer participava da distribuição, mas apenas os servidores do município. Não há, pois, violação ao art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, valendo ressaltar o entendimento do TSE no sentido de que ‘o incremento do benefício (de 500 para 761 cestas básicas) não foi abusivo, razão pela qual não houve ofensa à norma do art. 73, § 10 da Lei nº 9.504/97’ [...] 5. Concessão de direito real de uso Lotes. Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 e abuso de poder. O acórdão regional demonstrou que: i) a distribuição de terrenos se dera em continuidade a programa social estabelecido em lei e em execução orçamentária no ano anterior ao da eleição; ii) não há provas de desvio de finalidade do programa, a ensejar o reconhecimento de abuso de poder; [...] 6. Inviável no caso concreto o novo enquadramento jurídico dos fatos, pois necessário seria o reexame das provas dos autos, o que não se coaduna com a via do recurso especial eleitoral. (REspe nº 15297. Relator Min. Gilmar Mendes. Acórdão de 20/09/2016. Publicação DJE em 07/10/2016). (Grifou-se)
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ix) RO nº 1717231: |
[...] 2. A assinatura de convênios e o repasse de recursos financeiros a entidades privadas para a realização de projetos na área da cultura, do esporte e do turismo não se amoldam ao conceito de distribuição gratuita, previsto no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97. [...] (RO nº 1717231. Relator Min. Marcelo Ribeiro. Acórdão de 24/04/2012. Publicação DJE em 06/06/2012). (Destaque nosso)
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[...] 2. A assinatura de convênios e o repasse de recursos financeiros a entidades privadas para a realização de projetos na área da cultura, do esporte e do turismo não se amoldam ao conceito de distribuição gratuita, previsto no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97. [...] (RO nº 1717231. Relator Min. Marcelo Ribeiro. Acórdão de 24/04/2012. Publicação DJE em 06/06/2012). (Destaque nosso)
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[...] 3. Consoante entende esta Corte, a incidência do art. 73, IV, da Lei 9.504/97 pressupõe três requisitos cumulativos quanto a essa conduta: [...] (b) há de ser gratuita, sem contrapartidas; [...] 7. Mesmo o caráter gratuito não se encontra atendido, pois a entrega das duas ambulâncias à municipalidade condicionou-se a uma série de contrapartidas, inclusive financeiras, tais como “manter o funcionamento ininterrupto da ambulância e seus equipamentos e assumir os custos operacionais decorrentes”; “efetuar manutenção corretiva e preventiva dos veículos”; “providenciar no prazo de 30 dias a transferência de titularidade dos veículos, custeando eventuais tributos e taxas necessários” e “providenciar o seguro total do veículo”. (Respe nº 60149454. Relator Min. Benedito Gonçalves. Acórdão de 15/03/2022. Publicação DJE em 11/04/2022). (Grifamos) |
4. Para as Eleições 2018, o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento unânime de que “‘não existe a conduta vedada prevista no inciso IV do art. 73 quando o Estado doa um bem – como uma ambulância ou um carro de bombeiros – a um município, para ser utilizado pela coletividade’, conforme se extrai do AgR-RO 1595-35/PR, Rel. Min. Rosa Weber, DJE de 26/2/2019” (AgR-RO 0601448-65/RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 12/5/2020). 5. No caso, consta do aresto regional que a conduta impugnada diz respeito à entrega de “dois veículos tipo ambulância, da Secretaria Estadual de Saúde para o Município de Santo Antônio/RN, uma para a base local do SAMU Estadual e outro para o Hospital Regional, ambos localizados naquela urbe”. 6. Ausente a entrega graciosa de bens ou serviços de natureza assistencialista, de forma direta à população, é incabível manter o édito condenatório com supedâneo no dispositivo em apreço, o que por si só enseja o afastamento da multa [...] 8. O caráter promocional do ato é no mínimo questionável, sendo inequívoco que o então Governador, já candidato à reeleição, não compareceu. Ademais, os mesmos fatos e provas foram objeto do RO 0601608-90, em que, se examinando de modo amplo a controvérsia, se afastou essa circunstância. (REspe nº 60149454. Relator Min. Benedito Gonçalves. Acórdão de 15/03/2022. Publicação DJE em 11/04/2022). (Destacamos) |
18. Assim, vislumbra-se que o TSE, a partir da análise dos respectivos casos concretos, vem adotando, sem que se verifique determinada sistematização das condicionantes necessárias, o entendimento no sentido de que a contrapartida (encargo) na doação tem a aptidão de descaracterizar o caráter gratuito na distribuição de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, afastando, com isso, a incidência da vedação prevista no §10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997.
19. Nessa perspectiva, neste opinativo, em que se aprecia a questão abstratamente (sem a verificação dos elementos inerentes aos respectivos casos concretos), com vistas a exarar uma orientação jurídica, em tese, no âmbito da Administração Pública Federal, extrai-se que a adoção do posicionamento, de forma genérica, no sentido de que, por si só, “a doação com encargo não configura distribuição gratuita”, pode provocar implicações negativas quanto à preservação da finalidade do § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, de coibir condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos aos pleitos eleitorais.
20. Por sua vez, a manutenção, sem ressalvas, do entendimento atualmente adotado na Advocacia-Geral da União acerca da questão, no sentido de que a vedação prevista no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 abrangeria as “doações com encargo e cessões”, além de se apresentar oposta ao posicionamento do TSE acerca da questão, pode constituir um obstáculo, no período de defeso eleitoral, à realização de condutas, por parte do Estado, que representem ações de interesse público, sem que ensejem, na prática, qualquer benefício eleitoral a determinado candidato.
21. Nesse contexto, a solução jurídica que se mostra mais acertada no que tange à questão em apreço é o “meio-termo”, no sentido de se entender que a contraprestação na doação/cessão com encargo pode afastar o caráter gratuito na distribuição de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública e, com isso, elidir a vedação contida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, desde que atendidas, no respectivo caso concreto, as condições necessárias para tanto.
22. Cumpre expor que o estabelecimento, neste opinativo, das condições necessárias para que a contraprestação na doação/cessão com encargo possa elidir a vedação eleitoral em tela, ocorre ao se realizar a interpretação do § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, bem como ao se objetivar, no âmbito de tal exercício interpretativo, preconizar contornos para se preservar, na maior medida possível, a finalidade contida no referido dispositivo, sem, por outro lado, inviabilizar condutas estatais que se mostrem favoráveis ao interesse público, de modo que se fundamenta, em especial, nos incisos X e XI do art. 4º da Lei Complementar nº 73/1993, os quais preveem o seguinte:
Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:
[...]
X - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal;
XI - unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal;
[...] (Destacou-se)
23. Inclusive, cumpre expor que o caput do art. 22 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (LINDB), com redação incluída pela Lei nº 13.655/2018, preceitua que “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”.
24. Dito isso, convém externar que o art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, visa, precipuamente, a coibir condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos aos pleitos eleitorais, no sentido de se alcançar a isonomia na disputa eleitoral, conforme ensina a doutrina, desta forma:
As eleições em um regime verdadeiramente democrático devem ser pautadas pela igualdade de oportunidades entre todos os candidatos em disputa. A garantia da lisura das eleições no Brasil está calcada na ideia de cidadania, de origem popular do poder e no combate à influência do poder econômico ou político nas eleições. Com efeito, na Constituição Federal de 1988 há diversos dispositivos voltados ao tema, dentre os quais se podem elencar, a título meramente exemplificativo: a) a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático e tem como um de seus fundamentos a cidadania (art. 1º, inc. II); e b) todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (art. 1º, parágrafo único); e c) Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (art. 14, § 9º, com redação dada pela ECR nº 4/94) [...] É vedado a todo agente público, servidor ou não, a seguinte conduta tendente a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: “distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa”. Essa conduta vedada em razão da conexão existente, foi acima examinada com a hipótese contida no inc. IV do art. 73 da Lei das Eleições, que dispõe sobre a vedação do uso promocional de bens ou de serviços públicos por agentes públicos. (ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de Direito Eleitoral. JusPodivm. 12ª edição. 2018. Páginas 61 e 577). (Destaques nossos)
25. Aliás, a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais decorre de diversos dispositivos constitucionais, podendo-se mencionar, por exemplo, o art. 1º, caput e inciso II, da Constituição Federal (que preconiza que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus fundamentos a cidadania), o art. 1º, parágrafo único, da CF (o qual preceitua que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos), o art. 5º, caput, da CF (que prevê o direito à igualdade), além do art. 14, caput e § 9º, da CF (que estabelece tanto que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal quanto que lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, com o objetivo de proteger, entre outros aspectos a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta), senão vejamos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
II - a cidadania;
[...]
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
***
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
***
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
[...]
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)
26. Desse modo, extrai-se que, para que a doação/cessão com encargo possa, eventualmente, extirpar a vedação eleitoral prevista no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, é necessário que, a partir da verificação dos elementos inerentes ao respectivo caso concreto, não se constate prejuízo à isonomia na disputa do pleito eleitoral, de modo a se preservar a finalidade da norma.
28. Dessa forma, na mesma toda, entende-se que, eventualmente, mesmo nas hipóteses em que as doações/cessões com encargo afastem a vedação eleitoral insculpida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, deve-se preservar a finalidade inerente à norma em apreço, no sentido de se resguardar a isonomia do pleito eleitoral.
29. Inclusive, no mesmo compasso, convém registrar que, mutatis mutandis, esta Câmara Nacional de Direito Eleitoral (CNDE), por meio do PARECER n. 00014/2022/CNDE/CGU/AGU (Seq. 15 – NUP 08004.000698/2022-59), aprovado por DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO (Seq. 18 – NUP 08004.000698/2022-59), ao realizar a interpretação do caput do art. 13 da Lei nº 13.756/2018 em cotejo com o disposto no art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504/1997, entendeu, por meio do ‘diálogo das fontes’, que “o caput do art. 13 da Lei nº 13.756/2018 elide a vedação contida no art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504/1997, caso a transferência voluntária de recursos da União a outro ente federativo, para garantir a segurança pública, a execução da lei penal e a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, durante o período de defeso eleitoral ("nos três meses que antecedem o pleito"), não afete a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral”, nestes termos:
30. Desse modo, a solução jurídica que se apresenta mais plausível para o caso é a que viabiliza, por meio da utilização da teoria do “diálogo das fontes”, a aplicação conjunta e harmônica do disposto no art. 13 da Lei nº13.756/2018 e do contido no art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504/1997 [...]
32. Nessa perspectiva, como dito, o art. 13 da Lei nº 13.756/2018, com vistas a garantir a continuidade e a previsibilidade na destinação de recursos relacionados à segurança pública, preconiza o afastamento da incidência de eventual vedação legal na realização de transferência voluntária de recursos da União a outros entes da Federação, especificamente, em relação a montantes destinados a garantir a segurança pública, a execução da lei penal e a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
33. Por outro lado, o art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504/1997, com o objetivo de resguardar a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao respectivo pleito eleitoral, preconiza a proibição, nos três meses que antecedem o pleito, da realização de transferência voluntária de recursos da União aos demais entes federativos.
34. Portanto, diante (i) do fato de os bens juridicamente tutelados nos referidos dispositivos possuírem assento constitucional, (ii) dos princípios aplicáveis à interpretação da Constituição Federal, (iii) da constatação de que o critério da especialidade não se mostra apto a resolver o conflito normativo em apreço de modo seguro e (iv) da viabilidade de utilização da teoria do “diálogo das fontes”, entende-se que o caput do art. 13 da Lei nº 13.756/2018 elide a vedação contida no art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504/1997, caso a transferência voluntária de recursos da União a outro ente federativo, para garantir a segurança pública, a execução da lei penal e a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, durante o período de defeso eleitoral ("nos três meses que antecedem o pleito"), não afete a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral.
35. Com isso, por meio do diálogo entre as fontes normativas envolvidas, de um lado, preserva-se a eficácia do caput do art. 13 da Lei nº 13.756/2018, de modo a viabilizar a continuidade e a previsibilidade na destinação de recursos relacionados à segurança pública, e, do outro, garante-se a finalidade insculpida no art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504/1997, no sentido de resguardar a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral.
36. Desse modo, em caso de transferência voluntária de recursos da União a outros entes federativos para “garantir a segurança pública, a execução da lei penal e a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. 13, caput, da Lei nº 13.756/2018), durante o período do defeso eleitoral ("nos três meses que antecedem o pleito"), não se aplica a presunção[2] de potencialidade lesiva da conduta à igualdade de oportunidades entre os candidatos às eleições, relativa ao art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504/1997, de modo a se aferir, em cada caso, que a transferência de recursos atinente ao caput do art. 13 da Lei nº 13.756/2018 não afeta a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral [...]
42. Logo, conclui-se que o caput do art. 13 da Lei nº 13.756/2018 afasta a vedação contida no art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504/1997, caso a transferência voluntária de recursos da União a outro ente federativo, para garantir a segurança pública, a execução da lei penal e a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, durante o período de defeso eleitoral ("nos três meses que antecedem o pleito") , não afete a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral [...]
55. Ante o exposto, conclui-se que: a) o caput do art. 13 da Lei nº 13.756/2018 elide a vedação contida no art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504/1997, caso a transferência voluntária de recursos da União a outro ente federativo, para garantir a segurança pública, a execução da lei penal e a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, durante o período de defeso eleitoral ("nos três meses que antecedem o pleito"), não afete a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral [...] (Destacamos)
30. Com isso, em relação à questão em apreço, outrossim, devem ser constatados, no caso concreto, elementos objetivos que afastem a existência de prejuízo à isonomia do pleito eleitoral.
31. Nessa perspectiva, a título exemplificativo, a partir das decisões proferidas pelo TSE sobre o tema, podem ser extraídos alguns parâmetros de situações que denotariam, hipoteticamente, a ausência de prejuízo à isonomia da disputa do pleito eleitoral, mencionando-se, por exemplo, as circunstâncias atinentes aos fatos de (i) a respectiva política pública ter sido realizada em outros exercícios financeiros e/ou em gestões anteriores, de (ii) haver lei amparando a realização da ação estatal, bem como de (iii) não se configurar programa de “cunho oportunista”, senão vejamos:
. “[...] já se encontrava em execução orçamentária de anos anteriores a política de incentivo à instalação de indústrias por meio de doações de terrenos e pagamento de aluguéis, bem como haver lei que autorizava a distribuição de bens, tratando-se de política de incentivo usual no município desde 2007 [...]” (AgR-REspe nº 79734. Relator Min. Gilmar Mendes. Acórdão de 01/10/2015. Publicação DJE em 09/11/2015). (Destacamos)
***
. “[...] No caso, é inequívoco que [...] representa tradicional festividade no Município [...] há mais de 16 anos, contando com inúmeros shows artísticos e rodeios”. (REspe nº 4535. Relator Min. Jorge Mussi. Acórdão de 19/06/2018. Publicação DJE em 03/08/2018). (Destaque nosso)
***
. “[...] A política similar já estava sendo realizada em gestões anteriores, tratando-se de políticas continuadas desenvolvidas pelos recorridos em prol da comunidade [...] 13. O benefício fiscal quanto ao ICMS, advindo da MP 225/2014, não constituiu distribuição gratuita de benefícios, conforme exigido pelo § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97 para caracterizar a conduta vedada nele tipificada, mas, sim, decorrência do Convênio ICMS 39/2014, celebrado na 215ª Reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Portanto, o Governo do Estado da Paraíba atuou em estrita observância ao que prescrevem os dispositivos insertos na LC 24/75, a qual trata de convênios para a concessão de isenção do ICMS, encontrando o devido respaldo na legislação que rege a matéria em comento [...]”. (RO nº 171821. Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Acórdão de 24/04/2018. Publicação DJE em 28/06/2018). (Destacou-se)
***
. “[...] a) [...] implemento de política pública educacional que já vinha sendo executada desde o ano anterior ao pleito; b) os gastos com a manutenção dos serviços públicos não se enquadram na vedação do art. 73, §10, da Lei 9.504/97 [...]”. (REspe nº 55547. Relator Min. João Otávio de Noronha. Acórdão de 04/08/2015. Publicação DJE em 21/10/2015). (Grifamos)
***
. “[...] 4. Concessão de benefícios assistenciais. Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 e abuso de poder. O acórdão regional expressamente consignou que: i) a concessão de benefícios assistenciais estavam amparados em lei e em execução orçamentária no ano anterior; ii) o aumento das concessões não ocorrerá de forma abusiva; iii) existia critério na distribuição dos benefícios, padronizado desde 2009 [...] 5. Concessão de direito real de uso Lotes. Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 e abuso de poder. O acórdão regional demonstrou que: i) a distribuição de terrenos se dera em continuidade a programa social estabelecido em lei e em execução orçamentária no ano anterior ao da eleição; [...]”. (REspe nº 15297. Relator Min. Gilmar Mendes. Acórdão de 20/09/2016. Publicação DJE em 07/10/2016). (Grifo nosso)
***
. “[...] O télos do § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97 é salvaguardar a lisura do pleito e a paridade de armas de programas assistenciais de cunho oportunista [...]” (REspe nº 4535. Relator Min. Jorge Mussi. Acórdão de 19/06/2018. Publicação DJE em 03/08/2018). (Destaque nosso)
32. Avançando, para que a doação/cessão com encargo possa afastar a vedação eleitoral prevista no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 deve, outrossim, apresentar-se em sintonia com o interesse público.
33. Nesse ponto, convém salientar que a função típica da administração pública é concretizar direitos por meio de políticas públicas, de modo que a transferência de bens e valores do Estado para os particulares consubstancia a materialização do cumprimento de uma das funções constitucionais atribuídas ao Poder Executivo.
34. Assim, não se verificando prejuízo à isonomia eleitoral, a vedação prevista no § 10 art. 73 da Lei nº 9.504/1997 não deve ter o condão de constituir empecilho à atividade típica da administração pública, sob pena de se poder causar a paralisação de relevantes políticas públicas à coletividade a cada pleito eleitoral, em detrimento do interesse público.
35. Nesse cenário, aliado ao fato de se preservar a finalidade insculpida no § 10 art. 73 da Lei nº 9.504/1997, mostra-se relevante viabilizar-se a prestação de bens ou serviços que se apresentem em plena sintonia com o interesse público, com o atendimento de necessidades da coletividade.
36. Nessa toada, o TSE, em seus julgados sobre o tema, destaca a relevância das respectivas políticas públicas à coletividade, desta forma:
. “[...] para as Eleições 2018, o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento unânime de que ‘não existe a conduta vedada prevista no inciso IV do art. 73 quando o Estado doa um bem – como uma ambulância ou um carro de bombeiros – a um município, para ser utilizado pela coletividade’, conforme se extrai do AgR-RO 1595-35/PR, Rel. Min. Rosa Weber, DJE de 26/2/2019” (AgR-RO 0601448-65/RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 12/5/2020) [...]”. (REspe nº 60149454. Relator Min. Benedito Gonçalves. Acórdão de 15/03/2022. Publicação DJE em 11/04/2022). (Destacamos)
***
. “[...] tratando-se de políticas continuadas desenvolvidas pelos recorridos em prol da comunidade [...]”. (RO nº 171821. Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Acórdão de 24/04/2018. Publicação DJE em 28/06/2018). (Destacou-se)
37. Aliás, nas próprias hipóteses ressalvadas pelo § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 (“nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”), extrai-se que a norma em apreço almeja tutelar o interesse público.
38. Logo, por meio do entendimento consignado neste opinativo, busca-se, de um lado, viabilizar-se a adoção de políticas públicas relevantes à coletividade, em atenção ao interesse público, e, do outro, garantir-se a preservação da finalidade insculpida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, no sentido de resguardar a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral.
39. Prosseguindo, na doação/cessão com encargo, diante do termo “distribuição gratuita”, contida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, para se afastar a vedação eleitoral em tela, a contraprestação deve ser efetiva, de modo que ela não pode ser irrelevante ou fictícia, sob pena de se burlar o dispositivo em questão.
40. Com isso, deve haver uma contrapartida real em favor do doador/cedente e/ou em prol da coletividade, salientando-se que não se está a exigir que a respectiva contraprestação deva, necessariamente, ter valor equivalente ao da doação/cessão do respectivo bem, valor ou benefício.
41. Até porque, além de a questão em apreço envolver relações entre a Administração Pública e o administrado (em que há, em muitas situações, verticalidade entre as partes abrangidas), a doutrina ensina que a ausência de sinalagma é inerente à doação com encargo, de modo que a correspondência entre os montantes envolvidos na doação e na contraprestação configuraria uma figura contratual atípica, in verbis:
Aliás, mesmo na doação onerosa (doação com encargo e doação remuneratória), a característica da unilateralidade continua presente, uma vez que o ônus que se impõe ao donatário não tem o peso da contraprestação exigida, a ponto de desnaturar a avença. Isto porque, mesmo a doação onerosa carece de sinalagma, uma vez que não há reciprocidade de direitos e obrigações. Não há, pois, linha de equivalência entre a doação e o encargo imposto ao beneficiário. Se, por ventura, o peso da contraprestação imposta ao beneficiário for de tal modo significativo, já não se tratará mais de doação, uma vez que restará superado o caráter de liberalidade. Nesse caso, haverá uma outra figura contratual atípica. (FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Direito dos Contratos – Volume 4. JusPodivm. 2ª Edição. 2012). (Destacamos)
42. Sobre o assunto, parte considerável da doutrina entende que, mesmo não havendo sinalagma, a doação com encargo consiste em negócio jurídico oneroso, assim:
Em relação à doação modal ou com encargo, há polêmica. Isso porque há quem entenda que o contrato é bilateral, eis que o encargo é um dever a ser cumprido pelo donatário. Todavia, entende-se que o contrato é unilateral imperfeito. Isso porque o encargo não constitui uma contraprestação, um dever jurídico a fazer com que o contrato seja sinalagmático. Constitui sim um ônus, que, não atendido, traz consequências ao donatário. De qualquer forma, o contrato é oneroso, mesmo sendo unilateral imperfeito. (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume Único. 2ª Edição. Método). (Destaque nosso)
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A doação é contrato, em regra, gratuito, unilateral e formal ou solene. Gratuito, porque constitui uma liberalidade, não sendo imposto qualquer ônus ou encargo ao beneficiário. Será, no entanto, oneroso, se houver tal imposição. Unilateral, porque cria obrigação para somente uma das partes. Contudo, será bilateral, quando modal ou com encargo [...] (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Contratos e Atos Unilaterais – Volume 3. 9ª Edição. 2012. Saraiva). (Destaque nosso)
43. Nessa direção, o TSE, em seus julgados, em nenhum momento, exige a necessidade de equivalência da contraprestação como condição para o afastamento da vedação eleitoral prevista no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997.
44. De qualquer modo, a fim de se preservar o espírito da norma e de se coibir a prática de que condutas que, eventualmente, burlem o teor do dispositivo em apreço, mostra-se necessário que a contraprestação, na doação/cessão com encargo, seja efetiva, no sentido de representar encargo real, o qual não deve ser irrelevante ou fictício.
45. Portanto, vê-se que, na doação/cessão com encargo, pode haver o afastamento da vedação contida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, desde que, diante da verificação dos elementos inerentes ao caso concreto:
a) não se constate prejuízo à isonomia na disputa do pleito eleitoral;
b) esteja presente o interesse público; e
c) seja a contraprestação efetiva.
46. Vale reforçar que, diante da enorme variedade de situações atinentes à matéria, conforme se extrai dos próprios julgados citados do TSE, o estabelecimento de condições neste opinativo ocorre de forma genérica, devendo-se analisar as respectivas circunstâncias de cada caso concreto, no sentido tanto de preservar a finalidade insculpida na referida norma quanto de privilegiar o interesse público.
47. No mais, a fim de balizar a atuação do agente público no sentido de se preservar a isonomia das eleições, recomenda-se que se observem os cuidados sugeridos no âmbito do Parecer-Plenário nº 002/2016/CNU-Decor/CGU/AGU (28/06/2016), aprovado pelo Advogado-Geral da União, no qual, ao se tratar da interpretação do § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, externou-se o seguinte:
EMENTA: DIREITO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS PÚBLICOS FEDERAIS EM ANO ELEITORAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 73, § 10, DA LEI 9.504/97.
5. Deve-se orientar o gestor a observar o princípio básico de vedação de condutas dos agentes públicos, de forma a não afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, sugerindo-se que a divulgação do ato seja a mínima necessária ao atendimento do princípio da publicidade formal – divulgação na Imprensa Oficial -, não sendo recomendada a realização de qualquer solenidade, tais como celebração de cerimônias simbólicas, atos públicos, eventos, reunião de pessoas para fins de divulgação, enfim, qualquer forma de exaltação do ato administrativo, sob pena de responsabilização do agente público que assim proceder [...]
53. De todo modo, é necessário assegurar que o procedimento administrativo não seja maculado por desvio de finalidade, o que poderia configurar a prática de conduta vedada. Para tanto, deve-se orientar o gestor a observar o princípio básico de vedação de condutas dos agentes públicos, deforma a não afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, sugerindo-se que a divulgação do ato seja a mínima necessária ao atendimento do princípio da publicidade formal. Assim, basta que os atos pertinentes sejam publicados na Imprensa Oficial, conforme orienta a legislação, não sendo recomendada a realização de qualquer solenidade, tais como celebração de cerimônias simbólicas, atos públicos, eventos, reunião de pessoas para fins de divulgação, enfim, qualquer forma de exaltação do ato administrativo, sob pena de responsabilização do agente público que assim proceder [...]
Orientação Normativa CNU/CGU/AGU nº 002/2016 - A vedação prevista no art. 73, §10, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 [...] Em qualquer caso, recomenda-se a não realização de solenidades, cerimônias, atos, eventos ou reuniões públicas de divulgação, ou qualquer outra forma de exaltação do ato administrativo de transferência capaz de afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais. Referências: Art. 73, inciso VI, alínea "a", e § 10, da Lei nº 9.507, de 30 de setembro de1997. (Destacamos)
48. Desse modo, sem prejuízo da adoção de outras medidas de cautela que se mostrarem aplicáveis no sentido de se preservar a isonomia das eleições, recomenda-se que, em caso de hipotética realização de doação/cessão com encargo, no período de defeso eleitoral, com a observância das respectivas condições, não se realizem solenidades, cerimônias, eventos, reuniões públicas de divulgação ou qualquer outra forma de exaltação da respectiva transferência de recursos, de modo a evitar que se provoque qualquer ofensa à igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral, salientando-se o disposto no inciso IV do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, o qual veda, aos agentes públicos, “fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público”.
49. Por último, vale esclarecer que o entendimento contido neste opinativo não constitui revisão do posicionamento exarado pela Consultoria-Geral da União no Parecer-Plenário nº 002/2016/CNU-Decor/CGU/AGU (aprovado por Despacho do Advogado-Geral da União, que gerou a Orientação Normativa CNU/CGU/AGU nº 002/2016), corroborado pelo Parecer-Plenário nº 002/2018/CNU-Decor/CGU/AGU.
50. Até porque, ao se fundamentar tal entendimento, externou-se que “a previsão de encargo nas doações e o fato de as cessões serem realizadas para determinada finalidade não afastam, por si sós, o caráter gratuito da outorga”, de modo que este opinativo estabelece condições para que a contraprestação na doação/cessão com encargo possa elidir a vedação inerente ao § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997.
51. Assim, percebe-se que este opinativo exara entendimento no sentido de complementar o entendimento da Advocacia-Geral da União sobre o tema, de modo que continua vigorando o entendimento no sentido de que o encargo na doação/cessão não elide, por si só, a gratuidade na distribuição de bens, frisando-se que, em complemento, diante do posicionamento consignado no presente parecer, a contraprestação na doação/cessão com encargo, desde que atendidas as condições estabelecidas neste opinativo, pode afastar a vedação eleitoral contida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997.
III – CONCLUSÃO:
52. Ante o exposto, conclui-se que:
i) na doação/cessão com encargo, pode haver o afastamento da vedação contida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, desde que, diante da verificação dos elementos inerentes ao caso concreto: a) não se constate prejuízo à isonomia na disputa do pleito eleitoral; b) esteja presente o interesse público; e c) seja a contraprestação efetiva; e
ii) em acréscimo, recomenda-se que, em caso de hipotética realização de doação/cessão com encargo, no período de defeso eleitoral, com a observância das condições, não se realizem solenidades, cerimônias, eventos, reuniões públicas de divulgação ou qualquer outra forma de exaltação da respectiva transferência de recursos, de modo a evitar que se provoque ofensa à igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral.
53. Sendo assim, propõe-se a edição de orientação normativa no âmbito da Advocacia-Geral da União, para conferir nova redação à Orientação Normativa CNU/CGU/AGU nº 002/2016, no sentido de complementar o respectivo entendimento, incluindo-se os seguintes trechos (em negrito):
Orientação Normativa nº XX, de XX de XXXXX de XXXX:
I - A vedação prevista no art. 73, §10, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, dirige-se à distribuição gratuita e discricionária diretamente a particulares, incluídas as doações com encargo e cessões (com a ressalva do disposto no item II abaixo), não alcançando os atos vinculados em razão de direito subjetivo do beneficiário e as transferências realizadas entre órgãos públicos do mesmo ente federativo ou as que envolvam entes federativos distintos, observando-se neste último caso o disposto no inciso VI, alínea "a", do mesmo artigo, que veda transferências nos três meses anteriores ao pleito eleitoral;
II - Na doação/cessão com encargo, pode haver o afastamento da vedação contida no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, desde que, diante da verificação dos elementos inerentes ao caso concreto: a) não se constate prejuízo à isonomia na disputa do pleito eleitoral; b) esteja presente o interesse público; e c) seja a contraprestação efetiva; e
III - Em qualquer caso, recomenda-se a não realização de solenidades, cerimônias, atos, eventos ou reuniões públicas de divulgação, ou qualquer outra forma de exaltação do ato administrativo de transferência capaz de afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais.
Referências: Art. 73, inciso VI, alínea "a", e § 10, da Lei nº 9.507, de 30 de setembro de 1997.
À consideração superior.
Brasília, 29 de fevereiro de 2024.
RENATO DO REGO VALENÇA
Advogado da União
Relator
DANILO BARBOSA DE SANT'ANNA
Advogado da União
Relator
De acordo com os Relatores:
DANIELA DE OLIVERA RODRIGUES
Advogada da União
ISABELA MARQUES SEIXAS
Advogada da União
IZABEL VINCHON NOGUEIRA DE ANDRADE
Advogada da União
JOSÉ AFFONSO ALBUQUERQUE NETTO
Advogado da União
MARIA HELENA MARTINS ROCHA PEDROSA
Advogada da União
RAFAEL ROSSI DO VALLE
Advogado da União
[1] Vale registrar que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no PARECER n. 00535/2022/PGFN/AGU, suscitou o disposto no art. 81-A da LDO/2022.
[2] No mesmo sentido, vale expor que o tema foi analisado em outro contexto no início de 2023 pela CNDE, no âmbito do NUP 08664.008522/2022-71, em que o ponto fulcral era perquirir acerca da aplicação, ou não, do princípio da anualidade (art. 16 da CF) no que tange ao art. 81-A da LDO/2022, ocasião em que o colegiado entendeu, por maioria, pela perda do objeto “ante o exaurimento dos efeitos do artigo 81-A da Lei nº 14.194/2021”, ocasião em que se suscitou “a necessidade de analisar-se, em momento oportuno e de forma conclusiva, o enquadramento das doações com encargo à luz da vedação contida no artigo 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997” (conforme se vê no “item 1” da ATA n. 00001/2023/CNDE/CGU/AGU, contida no Seq. 118 do NUP 00688.000059/2020-78), frisando-se, em acréscimo, nessa direção, o disposto na ATA n. 00003/2023/CNDE/CGU/AGU (Seq. 138 do NUP 00688.000059/2020-78), na qual se explicitou “a necessidade de que a questão referente à doação com encargo seja enfrentada por esta CNDE antes da atualização definitiva da Cartilha”.
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000059202078 e da chave de acesso 87c003c2