ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA

 

PARECER n. 00081/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.043942/2015-27

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ASSUNTOS PARLAMENTARES - CAP/MINC

ASSUNTOS: PROJETO DE LEI

 

 

EMENTA:
I - Análise e manifestação acerca de Projeto de Lei que “acrescenta dispositivo à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para atribuir medida especial de proteção ao trabalho realizado em arquivos, em bibliotecas, em museus e em centros de documentação e memória.
II. Competências do Ministério da Cultura.
III. Constituição Federal. Lei Complementar nº 95, de 1998. 
IV. Viabilidade jurídica. Necessidade de manifestação técnica.
 

 

I. RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício-Circular nº 35/2024/CAP/ASPAR/GM/MinC (SEI 1698976), a  Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos do Ministério da Cultura solicita análise e parecer sobre o Projeto de Lei nº 5009/2019 (PL nº 1511/2015 em sua casa de origem), que “acrescenta dispositivo à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para atribuir medida especial de proteção ao trabalho realizado em arquivos, em bibliotecas, em museus e em centros de documentação e memória”, de autoria do Deputado Uldurico Junior.

O pedido se dá frente ao ofício-SEI nº 35/2024/CAP/SALEG/SAJ/CC/PR , de 12 de abril de 2024 (1698599), da Secretaria Adjunta de Assuntos Legislativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI).

Este é o sucinto relatório.

 

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

Preliminarmente, impende tecer breve considerações sobre a competência desta Consultoria Jurídica para manifestação no processo em tela.

A Constituição de 1988 prevê as funções essenciais à Justiça em seu Título IV, Capítulo IV; contemplando na Seção II a Advocacia Pública. Essa essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão, estando compreendidas no conceito de essencialidade todas as atividades de orientação, fiscalização e controle necessárias à defesa dos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

O art. 131 da Constituição, ao instituir em nível constitucional a Advocacia-Geral da União - AGU, destacou como de sua competência as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, in verbis:

 

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

 

Nesta esteira, o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), estabeleceu, no que concerne à atividade de assessoramento jurídico ao Poder Executivo junto aos Ministérios, a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados. Nesse sentido, veja-se:

 

Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

Ressalte-se, por oportuno, que o controle interno da legalidade realizado por este órgão jurídico não tem o condão de se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que estão reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente, tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, conforme se extrai do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da Advocacia-Geral da União, que possui o seguinte teor:

A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

Por outro lado, observo que a apreciação ora empreendida cinge-se aos aspectos jurídico-formais da proposta de ato normativo, no que tange aos dispositivos que guardam pertinência com as atribuições legais desta Pasta Ministerial. Confiram-se as atribuições deste Ministério, fixadas no art. 21 da Lei n. 14.600/2023 e no art. 1o do Decreto nº 11.336/2023:

 

I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.

 

Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta.

Como dito, o Projeto de Lei em análise visa acrescentar dispositivo à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para atribuir medida especial de proteção ao trabalho realizado em arquivos, em bibliotecas, em museus e em centros de documentação e memória. A proposta acrescenta ao art. 200 da CLT o inciso IX, com a seguinte redação:

 
Art. 200 - Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:   
........................................................................................................................
IX - trabalho realizado em arquivos, em bibliotecas, em museus e em centros de documentação e memória, exposto a agentes patogênicos.
 

Primeiramente, impende realçar que compete privativamente à União, legislar sobre direito do trabalho e outras matérias, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal:

 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

 

Outrossim, observo que a proposta não está inserida no âmbito de iniciativa privativa do Presidente da República, nos termos do art. 61, § 1º, da Constituição, encontrando-se regular também nesse ponto, já que a iniciativa partiu da Câmara dos Deputados. 

Adicione-se, ainda, que o PL ​já percorreu o trâmite legislativo no âmbito do Congresso Nacional, tendo sido enviado para sanção ou veto do Presidente da República, nos termos do art. 66 da Constituição Federal, segundo informa a Assessoria Parlamentar deste Ministério.

A justificação do Projeto de Lei em tela remete ao fato de os trabalhadores que laboram em arquivos, bibliotecas, museus e centros de documentação e memória encontrarem-se expostos a agentes nocivos causadores de graves doenças, principalmente respiratórias.

Entretanto, o Ministério do Trabalho e Emprego - responsável pela edição das Normas Regulamentadoras nesse campo - ainda não atribuiu a esses profissionais o direito à percepção do adicional de insalubridade, o que torna, segundo o autor, necessária a edição da presente proposição legislativa.

O Direito do Trabalho teve sua origem relacionada diretamente à proteção da saúde do trabalhador, a partir da concretização do direito fundamental a um meio ambiente de trabalho saudável (art. 200, VIII e 225, da Constituição Federal de 1988), sendo considerados como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7°, XXII, da Constituição) e o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas (art. 7º, XXIII, da Constituição).

No plano infraconstitucional, a proteção ao meio ambiente laboral encontra respaldo na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que dedica o Capítulo V à segurança e medicina do trabalho. Por outro lado, as normas expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego possuem como principal objetivo estipular obrigações, direitos e deveres a serem cumpridos tanto pelos empregadores, quanto pelos trabalhadores, para garantir um trabalho seguro e saudável, prevenindo a ocorrência de doenças e acidentes do trabalho.

 Nessa esteira, é dever do Poder Público a adoção de medidas eficazes para assegurar a efetividade de um meio ambiente de trabalho saudável, dentre elas a regulamentação das atividades que apresentem algum grau de risco aos trabalhadores.

A minuta de projeto de  lei remetida encontra, assim, o devido amparo constitucional, sob o aspecto material.

Observo que o PL em tela trata de matéria mais estritamente relacionada às competências do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE. Assim, aspectos mais específicos da proposta poderão ser melhor avaliados pelos órgãos técnicos e jurídico do MTE.

No entanto, conforme mencionado pela Funarte no respectivo Formulário de Posicionamento (SEI 1687343), a matéria é de especial interesse para o Ministério da Cultura, que tem centenas de profissionais da área de acervo lotados em suas entidades vinculadas enquadrados nessa situação.

Quanto ao mérito do projeto, no entanto, reitero a impossibilidade de o presente Parecer jurídico adentrar nessa seara, cabendo tal competência aos órgãos técnicos desta Pasta. 

Cumpre destacar, ainda, que a matéria pode ser objeto de veto com fundamento no art. 66, § 1º, da Constituição, que permite o veto a projeto de lei contrário ao interesse público. Confira--se:  

 

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
 

Assim, admite-se o veto de projeto de lei, parcial ou total, caso haja contrariedade ao interesse público, avaliação esta afeta ao mérito administrativo, não sujeito ao crivo desta Consultoria Jurídica.

Portanto, o Projeto de Lei deverá ser submetido ao órgão técnico competente, no âmbito desta Pasta e do MTE, para avaliação quanto ao interesse público incidente sobre o objeto da proposta.

Por fim, quanto aos aspectos estritamente formais, insta ponderar que ao Projeto de Lei se aplicam as regras encartadas pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição. 

 

 

III. CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, conclui-se que não se vislumbram óbices de natureza jurídica à sanção presidencial do Projeto de Lei em tela, desde que confirmado pelo órgão técnico competente o interesse público incidente sobre a matéria, sem prejuízo de recomendações técnicas e jurídicas oriundas de outras Pastas afetas ao tema.

 

Brasília, 16 de abril de 2024.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 


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