ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DAS MULHERES
GABINETE
INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL n. 00001/2024/GAB-CONJUR-MM/CONJUR-MM/CGU/AGU
NUP: 90790.000538/2024-33
INTERESSADOS: INGRAM MICRO BRASIL LTDA E OUTROS
ASSUNTOS: INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA
EMENTA:
I - Informação Jurídica Referencial - IJR. Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de
2022.
II - Prestação de subsídios jurídicos para a defesa da União em juízo em ações que buscam desobrigar as autoras e/ou seus representados de apresentarem o Relatório de Transparência Salarial e Critérios de Remuneração exigidos pela Lei de Igualdade Salarial, a Lei nº 14.611/2023, regulamentada pelo Decreto nº 11.795/2023 e Portaria nº 3.714/2023.
III - Processo de origem: 90790.000538/2024-33
IV - Órgão de destino da IJR: Órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União - PGU/AGU.
V - Validade: 2 (dois) anos, contados da data de aprovação destas Informações.
VI - Dê-se ciência dos termos destas informações à PGU e ao DEINF/CGU.
Por meio do OFÍCIO n. 00234/2024/CORESPAP/PRU1R/PGU/AGU, a Procuradoria-Regional da União da 1ª Região, encaminha para ciência e cumprimento, cópia da decisão proferida nos autos da ação 1020694-50.2024.4.01.3400 (NUP 00410.038537/2024-04) e seu parecer de força executória, ao tempo em que solicita o encaminhamento de subsídios à defesa da União, de fato e de direito, sobre os fundamentos constantes da petição inicial.
Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, COM TUTELA INIBITÓRIA E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, movida por INGRAM MICRO BRASIL LTDA (“IMB Barueri”), INGRAM MICRO BRASIL LTDA (“IMB SP”) e BR LINK COMÉRCIO DE PRODUTOS E SERVIÇOS DE INFORMÁTICA LTDA (“BR Link”), contra a UNIÃO FEDERAL, com o objetivo de suspender as obrigações instituídas pela Lei nº 14.611/2023, pelo Decreto nº 11.795/2023 e Portaria nº 3.714/2023, da publicação dos Relatórios de Transparência; da instituição de plano de ação para remediação de estatísticas do Relatório; convocação de sindicato para elaboração ou acompanhamento da execução do plano de ação e/ou de depositar cópia do plano de ação no sindicato; suspensão de quaisquer medidas de publicidade ou sancionatórias com base no Relatório de Transparência, como sua publicação em sites públicos ou aplicação de multas pela desatenção às obrigações legais e regulamentares, até o trânsito em julgado da ação.
O Juízo Federal deferiu a a tutela de urgência pleiteada, como informa o parecer de força executória.
Por meio do DESPACHO n. 00055/2024/GAB-CONJUR-MM/CONJUR-MM/CGU/AGU, esta CONJUR/MMulheres comunicou a decisão à área finalística responsável e ao Gabinete da Ministra de Estado das Mulheres.
Na sequência, conforme DESPACHO n. 00057/2024/GAB-CONJUR-MM/CONJUR-MM/CGU/AGU (seq. 37), instou a área finalística a apresentar os subsídios fáticos necessários para a elaboração de resposta à solicitação da PRU1/PGU.
Naquele expediente, foram tratados simultaneamente três pedidos de subsídios, que por tratarem de matéria similar deram origem a uma mesma solicitação.
Os subsídios fáticos foram juntados no sequencial 38 deste NUP.
A Portaria Normativa CGU/AGU nº 5, de 31 de março de 2022, instituiu a IJR, manifestação que objetiva a padronização e fixação de teses jurídicas a serem utilizadas como subsídios para a defesa da União em matérias idênticas e recorrentes, como define seu art. 8º:
art. 8º Informação Jurídica Referencial é a manifestação jurídica produzida para padronizar a prestação de subsídios para a defesa da União ou de autoridade pública.
§1º A IJR objetiva otimizar a tramitação dos pedidos e a prestação de subsídios no âmbito das Consultorias e Assessorias Jurídicas da Administração Direta no Distrito Federal, a partir da fixação de tese jurídica que possa ser utilizada uniformemente pelos órgãos de execução da Procuradoria-Geral da União.
§2º É requisito para a elaboração da IJR a efetiva ou potencial existência de pedido de subsídios de matéria idêntica e recorrente, que possa justificadamente impactar a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos.
Em observância do art. 8º, § 2º, c/c art. 9º, inciso II, passo a demonstrar que o elevado volume de processos que tratam de matéria idêntica pode prejudicar a celeridade das atividades desenvolvidas por este órgão consultivo e pelo órgão assessorado.
Paralelamente à tramitação deste NUP, a CONJUR/MMulheres recebeu mais quatro pedidos de subsídios sobre a mesma matéria, além de já ter prestado informações para subsidiar a atuação da AGU na ADI nº 7612, ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em face do disposto no artigo 3º, caput, e artigo 5º, caput, e §2º da Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023, e em seus regulamentos (Decreto 11.795/2023 e Portaria MTE 3.714/2023), que estabelecem medidas para garantir a Igualdade Salarial; e na ação civil pública n. 6008977-76.2024.4.06.3800 (NUP: 90790.000491/2024-16).
Além disso, como comprova a documentação juntada aos autos pelas autoras, há uma “chuva nacional de liminares”, contra a publicação do Relatório de Transparência Salarial (seqs. 4 e 11-34).
Destaque-se, ainda, que o art. 5º da Lei nº 14.611, de 2023, determina a publicação semestral do relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, já sendo de se esperar que a cada seis meses se repetirá a enxurrada de ações judiciais similares.
Trata-se, portanto, de matéria com potencial de multiplicação, diante da irresignação de alguns setores e empresas com a edição da Lei de Igualdade Salarial, em especial da obrigação de publicação do Relatório, atraindo a possibilidade de utilização da Informação Jurídica Referencial – IJR.
Ademais, observa-se a repetição dos fundamentos jurídicos nas petições iniciais, que ao fim e ao cabo, reproduzem os argumentos da ADI 7612.
Diante de deste cenário, após levantamento prévio dos argumentos utilizados pelas empresas para se desobrigarem do cumprimento da Lei nº 14.611, de 2023, foram solicitados subsídios à área técnica.
Embora a elaboração da IJR se dê no âmbito desta NUP, a presente manifestação não envolve análise de caso concreto, mas apenas compila as informações fáticas e jurídicas para auxiliar à União na sua defesa em juízo.
A elaboração desta IJR se fundamenta na NOTA TÉCNICA Nº 7/2024/CGDM/SENAEC/MMULHERES (seq. 38).
Caso haja necessidade de informações complementares, relativas às especificidades do caso concreto, essa Consultoria Jurídica poderá ser instada a se manifestar no processo de maneira individualizada, prestando os subsídios jurídicos relativos à demanda.
A igualdade salarial entre mulheres e homens é prevista em diversos instrumentos internacionais, na Constituição e na Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, desde 1943.
No sistema internacional de direitos humanos e proteção do trabalho, ao menos desde 1919, há previsão de proteção da igualdade salarial. O Tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, internalizado pelo Decreto n. 13.990, de 12 de janeiro de 1920, além de criar a Organização Internacional do Trabalho (OIT), elencou dentre os métodos e princípios que deveriam reger as comunidades industriais para impedir que o trabalho fosse considerado simples mercadoria, o princípio da igualdade de salário, sem distinção de sexo, para um trabalho de igual valor (art. 427, 3º).
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas também vedou a discriminação em matéria salarial:
Artigo 23 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
Em 1998, foi adotada a Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que indica a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação dentre os valores que devem nortear a atuação dos Membros na seara trabalhista.
Sobre o tema objeto desta ação, têm relevo as Convenções nº 100 e 111 da OIT. A primeira, determina aos países Membros incentivar e, (...) assegurar a aplicação a todos os trabalhadores do princípio de igualdade de remuneração para a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor.
Pela Convenção nº 111, considerando, dentre outros, que a discriminação constitui uma violação dos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, os Membros se comprometem a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria.
No sistema constitucional, a não discriminação foi alçada a princípio fundamental do país, como declara o inciso IV do art. 3º:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A isonomia entre mulheres e homens é direito fundamental, nos termos do art. 5º, caput e inciso I:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
No âmbito laboral, o art. 7º, XXX, da Constituição proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
Na esfera infraconstitucional, o art. 461 da CLT já determinava a identidade de salário para funções idênticas e trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, destacando a impossibilidade de distinção de sexo.
Mencione-se, ainda, a Lei nº 9.029, de 1995, que em seu §1° proíbe a “a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.
A despeito da existência prévia de todo este arcabouço fundado em Tratados internacionais e legislação nacional, a realidade nas relações empregatícias desafia a normatização.
De acordo com a 3ª edição dos Indicadores Sociais das mulheres no Brasil, publicado pelo IBGE (2024), em 2022 as mulheres recebiam em média R$ 2.303, e homens R$ 2.920, o que representa uma diferença salarial de 21,1%.
Como destacado pela área finalística na NOTA TÉCNICA Nº 7/2024/CGDM/SENAEC/MMULHERES:
4.5. A Lei de Igualdade Salarial 14.611/2023, tem o objetivo de dar transparência aos esforços para conquista da igualdade salarial entre mulheres e homens. A legislação ao exigir apresentação de Relatório de Transparência Salarial, duas vezes ao ano, para empresas com 100 ou mais empregados/as busca mostrar a média salarial entre os sexos. Os dados explicitam que as mulheres estão em permanente desvantagem, na comparação com os homens, desde a sua contratação, permanência e progressão profissional. Ao explicitar essas diferenças e a sua continuidade ao longo do tempo espera enfrentar as raízes dessas desigualdades mobilizando esforços das empresas, do governo e do conjunto da sociedade para superação dessas diferenças.
4.6. Cabe destacar que apesar dos avanços das mulheres no mercado de trabalho na última década (14,8%), essa ampliação não vem ocorrendo de maneira uniforme e nem mesmo tem contribuído para reduzir as discrepâncias salariais. No grupo ocupacional que reúne gerentes e diretores, onde estão os maiores salários e cargos de maior valorização social, a presença das mulheres entre 2012 e 2023 reduziu em 23% (PNADC 2012 a 2023).
4.7. Em relação a remuneração média os avanços ainda são tímidos, as mulheres recebiam, em média, o equivalente a 83% dos rendimentos médios masculinos em 2012 e ampliaram para 89,0% em 2023. Para diretores e gerentes, em 2023 o rendimento das mulheres equivalia, em média, a 72% do rendimento dos homens. Quando se observa o comportamento do mercado de trabalho formal, objeto da Lei de transparência salarial, a remuneração média das mulheres em 2012 equivalia a 82,5% da remuneração masculina e para 2022 a diferença praticamente se manteve inalterada, 83,5% (RAIS 2012 a 2022). E, para as pessoas ocupadas com ensino superior completo em empregos formais, a diferença de remuneração é ainda maior, os rendimentos médios das mulheres equivaliam a 59% dos rendimentos médios masculinos (RAIS,2022).
A Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023, como consta de sua exposição de motivos, foi editada com o objetivo de atingir a igualdade de direitos no mundo do trabalho, preparando o País para a assunção de compromissos cada vez mais evidentes com o desenvolvimento social e o crescimento econômico, com a ampliação da igualdade entre mulheres e homens e com o combate à pobreza, ao racismo, à opressão sobre as mulheres, bem como à todas as formas de discriminação social que se refletem em desigualdades históricas.
Visando conferir maior efetividade aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da não discriminação, a Lei de Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios obriga a igualdade salarial entre mulheres e homens, estabelecendo mecanismos de transparência salarial e remuneratória, o incremento da fiscalização contra a discriminação, a aplicação de sanções administrativas e a facilitação de meios processuais para a garantia dos direitos das trabalhadoras.
Importante ressaltar que a inovação legislativa também mirou a observância da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Em 2015, a igualdade de gênero, ODS 5, e o trabalho decente e crescimento econômico, ODS 8, e a redução das desigualdades, ODS 10, foram eleitos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, impondo aos membros das Nações Unidas envidar esforços para superação dos entraves e alcance destes patamares civilizatórios.
A Lei nº 14.611, de 2023, visa, especialmente, o cumprimento das seguintes metas:
5.1 Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte; (...) 8.5 Até 2030, alcançar o emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor; (...) 10.2 Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra. (...) 10.4 Adotar políticas, especialmente fiscal, salarial e de proteção social, e alcançar progressivamente uma maior igualdade.
A política pública trazida pela Lei nº 14.611, de 2023, e regulamentada no Decreto nº 11.795, de 2023, e na Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 3.714, de 2023, insere-se neste contexto, sendo, portanto, fundamental, para aproximar a realidade social à promessa constitucional de igualdade salarial entre mulheres e homens.
Trata-se de argumento veiculado na ADI 7612, em que se questionou a constitucionalidade do §2º do art. 5º da Lei nº 14.611, de 2023, especialmente da expressão "independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943", para fins de apresentação e implementação do plano de ação.
O dispositivo diz o seguinte:
Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
(...)
§ 2º Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.
A previsão contida na CLT determina que "sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade" (art. 461, caput); sendo considerado trabalho de igual valor "o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos" (art. 461, §1º). Tais disposições não prevalecem"quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários" (art. 461, § 2º).
O dispositivo impugnado determina que, identificada desigualdade salarial no relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios, as empresas devem apresentar e implementar plano de ação para mitigar a desigualdade verificada.
O modelo de Relatório de transparência Salarial elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, é composto por duas seções, como estabelece o art. 3º da Portaria MTE 3714, de 2023. A primeira contempla dados já inseridos no eSocial e a segunda confere à empresa justamente a oportunidade de justificar eventuais diferenças salariais, pela inserção de informações no Portal Emprega Brasil:
Art. 3º O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios será composto por duas seções, contendo cada uma, as seguintes informações:
I - Seção I - dados extraídos do eSocial:
a) dados cadastrais do empregador;
b) número total de trabalhadores empregados da empresa e por estabelecimento;
c ) número total de trabalhadores empregados separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração mensal; e
d) cargos ou ocupações do empregador, contidos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO); e
II - Seção II - dados extraídos do Portal Emprega Brasil:
a) existência ou inexistência de quadro de carreira e plano de cargos e salários;
b) critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados;
c) existência de incentivo à contratação de mulheres;
d) identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção; e
e) existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares.
A elaboração e implementação do Plano de Ação apenas será exigida nas situações que não possam ser explicadas pelas políticas das empresas, constantes da seção II do Relatório, e que sejam indicativas de procedimentos discriminatórios em relação às mulheres, como o exercício de ocupações similares com remuneração diferente, ou avaliação de seu trabalho por critérios diferentes aos utilizados para avaliação do trabalho masculino, dificultando os processos de promoção ou de permanência no trabalho.
Como esclarecido no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho e Emprego - Perguntas frenquentes (https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes):
As informações relativas a possíveis explicações das diferenças, decorrentes de plano de cargos e salários, antiguidade e outros critérios objetivos são objeto do questionário que as empresas estão sendo demandadas a responder no Portal Emprega Brasil. As situações em que as diferenças de salários podem ser explicáveis são analisadas, e quando dentro do previsto em lei serão aceitas como explicações válidas, desde que representem critérios que podem ser atendidos por mulheres e homens.
Desta forma, uma vez constatadas diferenças salariais e de critérios remuneratórios injustificáveis, os estabelecimentos empresariais deverão propor e executar um plano de ação para mitigar tal situação.
Este argumento também costuma ser acompanhado de alegações que questionam o uso da utilização da Classificação Brasileira de Ocupações - CBO no relatório, o que "representaria uma distorção, porque (i) classifica cargos, não funções, e (ii) não reflete as funções desempenhadas pelos respectivos empregados e tampouco é capaz de medir desempenho técnico ou produtividade."
O uso dos grandes grupos da CBO visa a observância da anonimização de dados e comparação objetiva estabelecida pelo art. 5º, § 1º da Lei nº 14.611, de 2023. Por isso, o Relatório de Transparência Salarial divulgará a demonstração da diferença percentual dos valores pagos entre homens e mulheres, conforme cada um dos grandes grupos de CBO.
No ponto, como esclareceu a subsecretária de estatísticas e estudos do Ministério de Trabalho e Emprego, Paula Montagner, muitas empresas declaram ocupação dos funcionários sem prestar atenção na classificação: “Elas falam que mulheres são profissional com classificação júnior e homens sênior. Mas não explicam por que muitas mulheres são juniores com 10 anos de casa”, (https://www.infomoney.com.br/carreira/transparencia-salarial-na-mira-da-justica-empresas-tem-ate-dia-31-para-mostrar-dados/).
Além disso, como visto, as demais informações constantes do Relatório de Transparência Salarial, a serem preenchidas pelas empresas no Portal Emprega Brasil, se destinam a explicar eventuais diferenças salariais.
Portanto, não há qualquer inconstitucionalidade no § 2º do art. 5º da Lei nº 14.611, de 2023, que busca dar efetividade ao direito fundamental à igualdade entre mulheres e homens (art. 5, caput, CF), bem como a garantia constitucional contida no art. 7º, inciso XXX, CF (proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil).
O plano de ação não é penalidade, mas configura verdadeiro instrumento de ESG (do inglês Environmental, Social and Governance). Ou seja, revela-se como instrumento de valorização da empresa, pelo que o argumento de que o Plano de Ação é uma penalidade é insustentável.
O plano de ação é verdadeiro instrumento para concretizar direitos fundamentais das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros, bem como permitir a identificação e execução de ações para alcançar também os compromissos internacionais assumidos pelo país".
As entidades e empresas autoras têm alegado que houve extrapolação do poder regulamentar por razões como as seguintes:
a) Lei não ordenou publicação em site e redes sociais.
b) Lei não previu uso de CBO para medir isonomia salarial.
c) Lei não previu formação de Comissão de Empregados nem envio de cópia do Plano de Ação para a entidade sindical.
d) Lei não previu publicação pelo MTE.
e) a Portaria MTE instituiu que a obrigação de divulgação dos relatórios deverá se dar por estabelecimento/CNPJ ao passo em que a Lei prevê a obrigação por pessoa de direito privado (ou seja, um relatório consolidado apenas).
f) A Portaria MTE 3.714/23 teria transbordou a Lei 14.611/23 quando impôs às empresas a obrigação deresponder ao questionário de informações complementares, cujas perguntas não avaliam o cumprimento denenhuma obrigação legal imposta às empresas.
É cediço que o poder regulamentar conferido ao Poder Exectivo, englobando a edição de decretos ou portarias, não admite a criação de normas contrárias à lei que buscam disciplinar, devendo estes explicitar aspectos técnicos e práticos que não cabem no conteúdo legislativo, justamente por serem operacionais.
O Decreto 11.795/2023 e a Portaria MTE 3.714/2023 apenas orientam a forma como deve ser cumprida a obrigação legal, em observância ao art. 84, caput, inciso IV, da Constituição.
Nesse sentido, a lei determinou a publicação semestral dos Relatórios, cabendo ao regulamento e portaria especificar a forma de operacionalização desta publicação (art. 5º, Lei 14;.611, de 2023).
O uso da CBO, como afirmado, objetiva assegurar a anonimização de dados e possibilitar a comparação objetiva preconizados pelo § º do art. 5º da Lei nº 14.611, de 2023.
A previsão de meios para garantir a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados, apenas favorece e elucida como se dará esta participação prevista na lei, assegurando-a e tornando-a operacional.
De mesma sorte, o depósito de cópia do Plano de Ação na entidade sindical representativa da categoria profissional não ofende qualquer direito ou princípio constitucional e contribui para a transparência das medidas de mitigação das desigualdades propostas no plano, o que deveria ser do interesse das empresas que pretendem aplicar a legislação da igualdade salarial e, em última instância, realizar o comando constitucional da isonomia. Se o sindicato participa da elaboração do plano, razoável que haja uma cópia ali depositada. A possibilidade de fiscalização do plano pelo sindicato, aventada pela autora como afronta ao princípio da legalidade, parece caminhar no sentido oposto à vontade de cumprimento do plano, querendo torná-lo documento inócuo. Trata-se, portanto, de obrigação subsidiária, para assegurar a observância da lei.
Nesse sentido, Carvalho Filho (2023, p 199) afirma que "é legítima ... a fixação de obrigações subsidiárias (ou derivadas) – diversas das obrigações primárias (ou originárias) contidas na lei – nas quais também se encontra imposição decerta conduta dirigida ao administrado."
A publicação pelo MTE tem previsão no art. 5º, § 4º da Lei nº 14.611, de 2023.
Sobre a publicação ser por CNPJ ou pela pessoa jurídica de direito privado, não existe a alegada contradição entre o art. 3º, I, b, da Portaria MTE 3.714/2023 e o art. 5º, § 2º da Lei nº 14.611, de 2023.
O art. 3º da Portaria MTE 3.714/2023 apenas especifica como serão prestadas e tratadas as informações. Para sanar eventuais duvidas na interpretação da Portaria, o MTE esclareceu nas "Perguntas Frequentes" em seu sítio eletrônico que "As informações por pessoa jurídica serão tratadas por CNPJ completo. Se a pessoa jurídica de direito privado com 100 empregados emais tem mais de um CNPJ completo, será necessário fornecer as informações para cada um deles" (https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes).
Por fim, o questionário de informações complementares, é obrigação subsidiária, que auxilia na demonstração de que as empresas estão agindo para mitigar a desigualdade salarial. Serve, ainda, para dar suporte à elaboração de políticas públicas antidiscriminatórias e de promoção da igualdade. Ainda, realiza o estabelecido no art. 4º da Lei nº 14.166/2023:
Art. 4º A igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens será garantida por meio dasseguintes medidas:
I – estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios;
II – incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens;
III – disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial;
IV – promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam acapacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres nomercado de trabalho, com aferição de resultados; e
V – fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado detrabalho em igualdade de condições com os homens.
Não se verifica, portanto, extrapolação do Poder Regulamentar. Decreto e Portaria disciplinam os aspectos técnicose operacionais da previsão legal, viabilizando a efetivação da política pública que objetiva a redução das desigualdades salariais.
a) Da inocorrência de violação aos princípios da privacidade e proteção de dados
As entidades e empresas têm alegado que o Relatório de Transparência Salarial, na forma como desenhado pelo MTE não asseguraria a observância da LGPD, sendo possível a reversão da anonimização e identificação de salários, especialmente para os cargos de direção, gerência e chefia, uma vez que estariam mantidos, como obrigatórios dos relatórios de transparência, o valor dos salários e a classificação brasileira de ocupações respectiva.
A insurgência não se sustenta, já que as informações coletadas deverão ser divulgadas com observância da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), e com anonimização de dados, conforme art. 5º da Lein 14.611, de 2023.
O Decreto nº 11.795, de 23 de novembro de 2023, e a Portaria MTE nº 3.714, de 24 de novembro de 2023, trazem esclarecimentos sobre as informações que devem ser contempladas para fins de elaboração dos relatórios, para que estes possam atingir os fins a que se destinam, sempre observada a LGPD e a anonimização de dados.
A teor do art. 2º da Portaria MTE nº 3.714, de 2023, o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios será elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com base nas informações prestadas pelos empregadores ao Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas - eSocial e as informações complementares coletadas na aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios a ser implementada na área do empregador do Portal Emprega Brasil.
Como informa a NOTA TÉCNICA Nº 7/2024/CGDM/SENAEC/MMULHERES (seq. 38), na forma que segue:
4.10. Os dados informados no relatório são medidas estatísticas de dados agregados e não individualizados, não são divulgados dados pessoais, por isso não é possível identificar valores específicos de salários de trabalhadoras e trabalhadores, visando a garantia do sigilo das empresas e de seus funcionários, conforme pode ser visto no Relatório de Transparência Salarial (SEI nº 4225594). O salário contratual mediano, remuneração média, descontos, acréscimos e as informações complementares como os critérios remuneratórios, como já dito anteriormente, são agregados, para garantir a privacidade, e estão em acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018). Desse modo, o relatório não afronta o princípio da legalidade e não extrapola os limites da Lei nº 14.611/2023. Pelo contrário, o relatório constitui ferramenta de análise imprescindível para garantia da igualdade salarial entre mulheres e homens, visto que por meio dele é possível verificar os elementos que podem explicar as possíveis diferenças remuneratórias e, a partir disso, elaborar ações para diminuir as diferenças salariais e cumprir o objetivo da lei, isto é, a igualdade salarial.
(...)
A elaboração do relatório de transparência salarial possui metodologia transparente e está disponível na apresentação do relatório de transparência salarial (SEI nº 4225594).Os dados sobre remuneração, salários, empregadas (os) e grandes grupos ocupacionais foraminformados pelas empresas por meio do eSocial em 2022. Foram considerados os estabelecimentos do setor privado com 100 empregados e mais em 31/12/2022. Para evitar qualquer risco de identificação de empregados foram consideradas situações que envolvem pelo menos três mulheres e três homens.
Além disso, conforme modelo de Relatório disponibilizado pelo MTE, a publicação é da razão dos salários das mulheres em relação aos homens. Assim, se na média de cada grupo o salário médio das mulheres for igual ao dos homens, a razão apresentada será 1; se for o dobro, a razão será 2; se for metade, a razão será 0,5:
b) Do Grupo de Trabalho Interministerial sobre Igualdade Salarial entre Mulheres e Homens
Com o objetivo de elaborar o Plano Nacional de Igualdade Salarial e Laboral entre Mulheres e Homens foi criadoo Grupo de Trabalho Interministerial sobre Igualdade Salarial entre Mulheres e Homens, em 1º de maio de 2023, conforme Decreton. 11.514, de 2023.
Entre os dias 12 de setembro de 2023 e 20 de fevereiro de 2024, foram realizadas 9 (nove) reuniões desse GTI, das quais, 5 (cinco) foram do Grupo de Trabalho Interministerial, 3 (três) das Câmaras Técnicas e 1 (uma) com entidades empresariais ede trabalhadores, sobre o conteúdo do Relatório de Transparência Salarial. O GTI foi coordenado pelo Ministério das Mulheres, pormeio da Secretaria Nacional de Autonomia Econômica e Políticas de Cuidados, juntamente com o Ministério do Trabalho e Emprego.
A composição do GTI contou com a participação da Casa Civil da Presidência da República; Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania; Ministério daIgualdade Racial; Ministério do Trabalho e Emprego; Gabinete Pessoal do Presidente da República; Ministério da Fazenda; Ministério da Previdência Social; e Ministério das Mulheres. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e Ministério da Previdência Social não participam de nenhuma reunião. Também 2 participaram, como convidados, entidades empresariais e dos trabalhadores e convidados (as) de instituições públicas e Universidades.
Importante trazer que, segundo o relatório do GTI (doc. anexo), o colegiado contou com convidados permanentes, cujo intuito foi a paridade na participação, sendo sete representações patronais e sete centrais sindicais. Assim, na composição do GTI, para além dos ministérios, temos a participação, na condição de convidados permanentes.
Os setores patronais representados pelas:
a) Federação Brasileira de Bancos (Febraban);
b) Confederação Nacional do Turismo (CNTUR) – que recusou participação;
c) Confederação Nacional do Transporte (CNT);
d) Confederação Nacional de Saúde (CNS);
e) Confederação Nacional da Indústria (CNI);
f) Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA); e
g) Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Representando o setor dos trabalhadores, participaram a União Geral dos Trabalhadores (UGT); Central Única dos Trabalhadores (CUT); Força Sindical (FS); Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST); Central dos Trabalhadores eTrabalhadoras do Brasil (CTB); Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e Central da Classe Trabalhadora (Intersindical).
c) Da inexistência de ofensa aos princípios da livre iniciativa e concorrência
Sobre a suposta ofensa aos princípios da livre iniciativa e concorrência, enquanto componentes da proteção à ordem econômica, cabe recordar que esta deve ser fundada na valorização do trabalho humano e tem por fim assegurar a todos existência digna, tendo também como princípio estruturante a função social da propriedade, que relativiza o caráter individual de liberdade da propriedade privada, em nome da igualdade social. Todos estes princípios estão amparados no art. 170 constitucional.
As empresas e entidades têm alegado que "as práticas de remuneração são elemento fundamental de estratégia de negócios comercial, com impactos no mercado, como o preço final de um produto ou serviço". Questionam as informações que devem ser inseridas no Portal Emprega Brasil, supostamente, "questões afetas à organização interna da empresa e que, deste modo, compõem o modelo de negócio da parte autora.”
Como já pontuado, não há possibilidade de identificação individual de salários.
Além disso, como dispõe a Portaria MTE nº 3.714, de 2023, e como se observa no modelo acima reproduzido, o Relatório contém campo específico que apresenta os critérios de remuneração e ações para garantir a diversidade, na forma do art. 3º da Portaria.
A Seção II do Relatório traz justamente as possíveis explicações objetivas para eventuais diferenças salariais. Quando a empresa não declara a existência de qualquer critério, há, de fato, possibilidade de que as diferenças salariais sejam discriminatórias. E o objetivo da Lei é justamente reduzir a ocorrência de desigualdades salariais injustificadas, baseadas emestereótipos de gênero que dificultam o acesso, permanência e ascenção profissional das mulheres.
Em ponderação de valores constitucionais, não estão contrapostos os princípios da privacidade (direitos da autodeterminação informativa, da intimidade e da proteção dos dados pessoais), e os valores da ordem econômica da livre iniciativa e livre concorrência ao princípio constitucional da isonomia salarial, simplesmente.
Os princípios que são colocados no outro lado da balança são valores fundantes de nossa democracia. Trata-se da igualdade de direitos entre homens e mulheres, trata-se de decidir como serão garantidos os direitos das trabalhadoras brasileiras. De promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. De assegurar a dignidade das trabalhadoras empregadas.
d) Da não violação ao princípio da proporcionalidade
Sobre a alegação de ofensa ao princípio da proporcionalidade, também não se sustenta.
A publicação de relatórios de transparência salarial, como o previsto no art. 5º da Lei nº 14.611, de 2023, é a principal inovação legislativa e a que tem maior possibilidade de efetivo impacto na redução da discriminação salarial de gênero.
Trata-se de um dos instrumentos de política pública melhor vocacionados, na atualidade, para promoção da igualdade salarial entremulheres e homens.
É o que se extrai do relatório Reporting Gender Pay Gaps in OECD Countries: Guidance for Pay Transparency Implementation, Monitoring and Reform[1], elaborado pela OCDE, que apresenta uma avaliação aprofundada do que se refere comoa medida de transparência salarial mais comumente exigida para empresas do setor privado nos países da OCDE: relatórios sobredisparidades salariais entre homens e mulheres.
De acordo com o documento, mais de metade dos países da OCDE (21 de 38, ou 55%) exigem agora que ose mpregadores do setor privado analisem os seus dados salariais e reportem informações salariais desagregadas por gênero às partesinteressadas, como os trabalhadores, os representantes dos trabalhadores, o governo e/ou o público.
O relatório informa, ainda, que 10 (dez) países da OCDE (Canadá, Finlândia, França, Islândia, Irlanda, Noruega,Portugal, Espanha, Suécia e Suíça) implementaram processos abrangentes de auditoria da igualdade salarial, que exigem análises adicionais de dados de gênero e normalmente propõem estratégias de acompanhamento para resolver as desigualdades.
E acrescenta que quase metade dos países da OCDE divulgam os relatórios de transparência para o público em geral. Na maioria destes países, os resultados devem ser partilhados de uma forma que permita a identificação deempregadores individuais. Esta abordagem permite que o conhecimento público seja utilizado como uma ferramenta de pressão social e, idealmente, para promover a igualdade de gênero
Como evidenciam as experiências internacionais, apenas com a efetiva transparência, e consequente fiscalização, poderá ser possível atingir o patamar mínimo civilizatório de pagamento de igual remuneração para trabalho de igual valor, sem qualquer forma de discriminação.
A divulgação de relatórios de transparência, portanto, é medida adequada, orientada pela OCDE, e que vem sendo adotada em diversos países com fins de promover a igualdade de gênero. É necessária, uma vez que as prescrições internacionais, constitucionais e legais, não foram capazes de assegurar a efetividade do direito das mulheres à igualdade salarial. É proporcional em sentido estrito, pois não se excede na publicação de dados, que se dá em observância da anonimização de dados e da LGPD.
Ademais, enquanto política pública, possibilita o controle externo de seus resultados pela sociedade civil, e fomentaa prática de governança ambiental, social e corporativa (ESG) e de adoção de medidas antidiscriminatórias pelas empresas.
Outro argumento frequentemente observado é que o preenchimento do formulário junto ao Portal Emprega Brasil não permite que as empresas justifiquem suas práticas, expliquem ou justifiquem determinados salários adotados, o que ofenderia o contraditório e a ampla defesa.
Aduz-se, ainda, que os dados em análise são sensíveis e sua publicação representa potenciais riscos para a imagem empresarial, “criando uma espécie de “lista suja” sem a garantia do contraditório e ampla defesa” e violando o direito à imagem e a honra da empresa.
Por tudo o até aqui exposto, o argumento não prospera. O preechimento do formulário no Portal Emprrega Brasil objetiva justamente justificar desigualdades salariais identificadas nos dados do eSocial, permitindo às empresas demonstrarem que atuam em prol da equidade salarial.
Como relembra a NOTA TÉCNICA Nº 7/2024/CGDM/SENAEC/MMULHERES (seq. 38):
Além disso, é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, mediante procedimentos objetivos, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão cumprindo seu dever quanto à transparência ativa, art. 5º da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). Ressaltando que também é dever do Estado o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018).
O art. 5º da Lei n. 14.611, de 2023, assim como a regulamentação prevista nesse aspecto no Decreto n. 11.795, de 2023 e na Portaria MTE n. 3.171, de 2023, abordam a transparência e igualdade salarial, além de critérios remuneratórios entre mulheres e homens que exercem trabalho de igual valor ou atuam na mesma função. As medidas se aplicam às empresas com 100 ou mais empregados e que tenham sede, filial ou representação no Brasil.
A regulamentação prevê que as empresas divulguem em suas páginas na internet e redes sociais um Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios – que deverá ser disponibilizado para seus empregados, colaboradores e público em geral.
Os relatórios deverão conter pelo menos o cargo ou ocupação das trabalhadoras e dos trabalhadores e os valores de todas as remunerações: salário contratual; 13° salário; gratificações; comissões; horas extras; adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, entre outros; terço de férias; aviso prévio trabalhado; descanso semanal remunerado; gorjetas; e outras remunerações previstas em norma coletiva de trabalho.
Além disso, os dados e informações divulgados nos relatórios deverão ter caráter anônimo, estar de acordo com as leis de proteção de dados pessoais e devem ser enviados por meio de ferramenta digital do Ministério do Trabalho e Emprego. A publicação dos relatórios deve ser feita nos meses de março e setembro.
Para fins de fiscalização e averiguação cadastral, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) pode solicitar às empresas informações complementares àquelas que constam no relatório.
Caso o MTE identifique alguma desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, as empresas deverão elaborar e implementar o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens.
Este plano deve apresentar as medidas a serem adotadas, assim como as metas e os prazos. Também prevê a criação de programas de capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. A promoção da diversidade e inclusão, capacitação e formação de mulheres para o ingresso, permanência e ascensão no mercado de trabalho são outros pontos que também devem constar no plano.
Outro item garante a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados na elaboração e implementação do Plano de Ação.
O MTE fica responsável por disponibilizar a ferramenta digital para que as empresas façam o envio dos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios. Na ferramenta, serão divulgados os relatórios e outros dados e informações sobre o acesso ao emprego e à renda das mulheres.
A pasta também deverá notificar as empresas quando for verificada, por meio da Auditoria-Fiscal do Trabalho, desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres. As empresas notificadas terão 90 dias para elaborar o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens.
É do Decreto n. 11.795, de 2023:
Art. 3º Verificada a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as empresas com cem ou mais empregados deverão elaborar e implementar Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, que deverá estabelecer:
I - as medidas a serem adotadas, as metas e os prazos; e
II - a criação de programas relacionados à:
a) capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho;
b) promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e
c) capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.
O Plano de Ação configura verdadeiro instrumento de ESG (do inglês Environmental, Social and Governance). Ou seja, revela-se como instrumento de valorização da empresa, pelo que o argumento de que o Plano de Ação é uma penalidade trazido na petição inicial é insustentável. Vejamos.
ESG representa a sustentabilidade ambiental, social e governança corporativa nas empresas. O objetivo de tal compromisso é mais do que apenas evitar deterioração de recursos, conjugando ações para políticas sociais e a falta de uma gestão íntegra.
A sigla ESG surgiu pela primeira vez em 2004, em um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) intitulado “Who Cares Wins” (“Ganha quem se importa”, em tradução livre). Com 20 instituições financeiras, de nove países, o documento foi criado para estabelecer diretrizes que incluíssem as questões ambientais, sociais e de governança para o mercado financeiro.
Além disso, o relatório apontou que empresas que se preocupam com esses três valores podem, além de trazer benefícios para a sociedade, agregar valor aos negócios, visto que tais princípios são cada vez mais primordiais para o investidor moderno.
Apesar do seu início no mercado de investimentos, o conceito de ESG foi, ao longo dos anos, ganhando notoriedade em outros setores da economia. Em 2015, o movimento ganhou ainda mais força com a Agenda 2030 da ONU e o Acordo de Paris. Ambos focados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O plano de ação é verdadeiro instrumento para concretizar direitos fundamentais das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros, bem com permitir a identificação e execução de ações para alcançar também os compromissos internacionais assumidos pelo país.
Aventar interpretação no sentido de que a elaboração de um plano de ação voltado à igualdade salarial é uma "penalidade" e poderia gerar risco reputacional para alguma empresa é uma completa dissociação dos valores jurídicos fundamentais previstos na Constituição Brasileira e nos compromissos internacionais assumidos pelo país.
Ao elaborar um Plano de Ação voltado para garantir igualdade salarial e de critérios remuneratórios, os estabelecimentos estarão em verdade auferindo verdadeiro ganho reputacional por se mostrarem conformes ao direito constitucional de igualdade entre mulheres e homens, adotando medidas concretas para sanar quaisquer desigualdades injustificadas.
Algumas entidades e empresas alegam a ausência de clareza na metodologia do relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios.
Como visto, o procedimento de elaboração e publicação do Relatório estão detalhados no Decreto n. 11.795, de 2023 e na Portaria MTE n. 3.171, de 2023.
Além disso, para fins de esclarecer dúvidas frequentemente observadas, o MTE publicou FAQ em seu sítio eletrônico (https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes).
Na elaboração das políticas públicas, cabe à Administração cotejar, dentre outros elementos, o contexto social e o orçamento disponível para a execução do objetivo almejado, a urgência e a adequação das etapas em conformidade com as implementações sistêmicas disponíveis e adequadas, conforme processos de escolha que não se dá de forma aleatória, mas é fruto de pesquisa e estudo de viabilidade.
As políticas públicas de transparência salarial precisam ser elaboradas tendo em consideração um cenário mais amplo, que vai além das nomenclaturas de cargos e funções constantes no âmbito de cada empresa, sob pena de restar impossibilitada comparação objetiva dos resultados e a anonimização de dados.
De acordo com a NOTA TÉCNICA Nº 7/2024/CGDM/SENAEC/MMULHERES (seq. 38):
(...) a elaboração do relatório de transparência salarial possui metodologia transparente e está disponível na apresentação do relatório de transparência salarial (SEI nº 4225594). Os dados sobre remuneração, salários, empregadas (os) e grandes grupos ocupacionais foram informados pelas empresas por meio do eSocial em 2022. Foram considerados os estabelecimentos do setor privado com 100 empregados e mais em 31/12/2022. Para evitar qualquer risco de iden@ficação de empregados foram consideradas situações que envolvem pelo menos três mulheres e três homens
Nesse sentido, às críticas ao uso de médias ou medianas dentro de grandes grupos do CBO se mostra como tentativa dos setores refratários à nova legislação de igualdade salarial de desqualificar este importante passo no sentido da mitigação de desigualdades entre homens e mulheres.
Algumas petições iniciais mencionam Nota Técnica nº 3/2024/DEE/CADE, elaborada pelo Departamento de Estudo Econômicos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - DEE/CADE, que daria suporte a sua tese.
Ocorre que mencionada Nota Técnica, publicada na Folha de São Paulo, foi objeto de esclarecimento institucional publicado em 15/03/2024, por meio de Nota à imprensa, pelo Cade, em seu site oficial (https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/nota-a-imprensa-3). Na notícia, intitulada "Cade esclarece informações publicadas por veículo de imprensa", constam os seguintes esclarecimentos:
Considerando a recente nota da Folha de São Paulo, publicada ontem, em 14 de março de 2024, intitulada “Cade recomenda que governo recue sobre equidade salarial”, é importante ressaltar que algumas informações apresentadas estão imprecisas:
1. O Cade, diferentemente do que diz a matéria, não recomendou que o governo recuasse sobre equidade salarial.
2. O presidente do Cade, Alexandre Cordeiro Macedo, não determinou a elaboração do referido estudo.
3. Nenhuma diretoria do Cade se manifestou sobre o tema e, sim, um órgão interno da autarquia.
O Cade esclarece que a Câmara Brasileira da Economia Digital (Câmara-e.net) protocolou perante esta instituição documento solicitando a manifestação do órgão a respeito do tema.
Conforme procedimento adotado pelo Cade usualmente, todas petições protocoladas pela sociedade devem ser devidamente tratadas e respondidas. Dessa forma a petição foi encaminhada para a área técnica competente.
O Departamento de Estudos Econômicos do Cade elaborou uma Nota Técnica sugerindo a alteração de um ponto específico do Decreto 11.795/2023, que é o §3° do artigo 2º, e jamais recomendou que o governo recuasse sobre igualdade salarial.
Ademais, é importante ressaltar que Nota Técnica do Departamento de Estudos Econômicos, órgão interno do Cade, não reflete necessariamente a posição oficial do Tribunal do Cade ou da Superintendência-Geral do Cade. A referida manifestação ainda será discutida internamente por outras áreas técnicas e pelo Tribunal, com a intenção de contribuir para o debate em prol da política pública.
Por fim, o Cade não tem competência para tratar de política trabalhista. Sua competência é transversal na economia brasileira, contudo restrita as questões concorrenciais, conforme consta da Lei de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/2011.
Diante do exposto, sugiro a adoção da presente manifestação como Informação Jurídica Referencial, nos termos da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022.
Em atenção ao art. 9º, inciso III, alínea "a", da Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 31 de março de 2022, sugiro conferir prazo de 2 (dois) anos à presente Informação Jurídica Referencial - IJR.
Ainda conforme Portaria Normativa CGU/AGU nº 05, de 2022, em caso de aprovação desta manifestação deverá ser providenciado (a) o encaminhamento do processo à Procuradoria-Geral da União e à PRU 1ª Região, que solicitou os subsídios, com registro de que se trata de IJR; e (b) o encaminhamento do processo ao Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas- DEINF.
À consideração superior.
JOSIANE MORAIS DIAS
ADVOGADA DA UNIÃO
PATRÍCIA ALVES DE FARIA
CONSULTORA JURÍDICA ADJUNTA
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 90790000538202433 e da chave de acesso 2183e8b6
Notas