ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS

PARECER n. 00082/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.003918/2023-65

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ASSUNTOS PARLAMENTARES CPS MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

 

I - Análise e manifestação acerca de projeto de lei em fase de sanção presidencial.

II - Projeto de Lei nº 3.274/2021, de autoria da Deputada Federal Maria do Rosário, que “reconhece os blocos e bandas de carnaval como manifestação da cultura nacional”.

III – Manifestação favorável à sanção.

 

1. O Ofício Circular Nº 38/2024/SALEG/SAJ/CC/PR (1698615), dirigido a este Ministério da Cultura e outros, solicita manifestação sobre o Projeto de Lei nº 3.724/2021, de autoria da Deputada Federal Maria do Rosário, que "reconhece os blocos e bandas de carnaval como manifestação da cultura nacional”.

 

2. Os autos foram instruídos com os seguintes documentos: (i) o projeto de Lei nº 3.724/2021 (1040586); (ii) os formulários de posicionamento da FUNARTE e da SCDC/MinC (1667085, 1665425 e 1674095); e (iii) o autógrafo ao PL proposto (1698625).

 

3. É o relatório. Passo à análise.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

4. O art. 131 da CF/88 dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo.

 

5. O art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da AGU), estabeleceu a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados, da seguinte forma: 

 

Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

6. Esse controle interno da legalidade realizado pelas Consultorias Jurídicas não deve se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU[1].

 

7. Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da proposta, a qual já percorreu o trâmite legislativo no âmbito do Congresso Nacional, tendo sido enviado para sanção ou veto do Exmo. Presidente da República, nos termos do art. 66 da CF/88.

 

 8. O Projeto de Lei nº 3.724/2021 possui a seguinte redação:

 

Art. 1º São reconhecidos os Blocos e Bandas de Carnaval – seus desfiles, sua música, suas práticas, suas tradições – como manifestação da cultura nacional.
Art. 2º Compete ao Poder Público garantir a livre atividade dos Blocos e Bandas e a realização de seus desfiles carnavalescos.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação
 

9. A proposta visa reconhecer os blocos e bandas de carnavais como manifestação da cultura nacional, competindo ao poder público garantir a livre atividade e realização dos desfiles carnavalescos.

 

10. A respeito do PL, verifica-se o que segue na justificativa apresentada pela Deputada Federal Maria do Rosário:

 

Os blocos de carnaval, assim como as bandas, podem não ter a mesma visibilidade midiática dos desfiles, e tampouco sejam conhecidos ao redor do mundo na mesma proporção. Porém, sabemos que os desfiles ocorrem em diversas cidades do país arrastando multidões de foliões fantasiados cantarolando marchinhas, sambas autorais e sambas clássicos pelas ruas de diversos bairros, como na cidade Rio de Janeiro onde nasceu o Carnaval. No período do Carnaval o centro da cidade do Rio, reduto dos desfiles de Blocos Afros, Blocos de Embalo e Blocos de Enredo a alegria só termina na terça-feira. O município de Olinda onde o ritmo que predomina no Carnaval é o Frevo e o Maracatu. Salvador  ganhou notoriedade justamente graças aos seus blocos de carnaval com música baiana. Mas para além dessas já famosas localidades por seu carnaval, mais recentemente o Brasil tem visto em diversas de suas cidades uma enorme adesão popular aos blocos e bandas. Isso não tem ocorrido apenas em cidades tradicionalmente conhecidas pelo seu carnaval, tais como Salvador, Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo. Cidades como Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre e tantas outras localidades têm visto enorme crescimento de seu carnaval de rua, justamente pela adesão cada vez maior da população ao Blocos.
Nesse aspecto, vale lembrar que nos municípios menores os carnavais de rua geralmente realizam suas festas de carnaval a partir de blocos e bandas, que tomam conta de suas ruas e possibilitam uma imensa confraternização e alegria nessas comunidades. Basta nos referir aos famosos carnavais das cidades históricas de Minas Gerais as cidades de Tiradentes, São João Del Rei e Diamantina fazem a alegria dos foliões com as bandas tocando as tradicionais  marchinhas e a multidão fantasiada esbanjando alegria.

 

11. Além disso, nos autos, constam manifestações da FUNARTE e da SCDC/MinC, ambas favoráveis à sanção do PL ora analisado.

 

12. No entanto, ainda não foi juntado aos autos a manifestação técnica do IPHAN, a quem compete, nos termos do inciso II do art. 1º do Decreto nº 3.351, de 2000, o registro de bens culturais imateriais que constituem o patrimônio cultural brasileiro. Embora, a princípio, não tenha detectado eventual conflito entre o conteúdo do PL proposto e o processo de registro, entendo que, quanto a este ponto específico, revela-se imprescindível a oitiva prévia do IPHAN.

 

13. No que tange ao denominado direito à folia, o Professor Gulherme Rosa Varella[2] nos esclarece:

 

A festa carnavalesca brasileira se distingue dos carnavais de outros países por algumas características que, combinadas, tornam-se um conjunto exclusivo: a amplitude e a onipresença territoriais, em razão da ocorrência dos festejos em praticamente toda a continental extensão brasileira, em todos os estados do País; a persistência no tempo, repetição ininterrupta e perenidade, desde o período colonial, conformando uma tradição ancorada não apenas na antiguidade, como na renomada afeição popular (QUEIROZ, 199, p. 74); a diversidade estética e artística, com inúmeras linguagens, dinâmicas de representação simbólica e formas de organização, mutuamente influenciadas, formando muitos planos de um mesmo carnaval, conforme Da Matta (1997, p. 90), em uma “fantástica unidade dramática”; a ocupação predominante das capitais e grandes cidades – diferentemente de outros países, em que os festejos de mantiveram nas vilas e cidades secundárias; e a tomada da agenda política central do País, tornando-se o imperativo político e o maior fato social no mês de fevereiro, ocupando (ou desocupando) predominantemente as instituições políticas e econômicas, os centros urbanos e a rotina dos grupos sociais. Neste último sentido, talvez mais do que em qualquer país, o carnaval se apresenta como um grande “fato social total”, na acepção maussiana.
No que tane à dimensão interna, pode-se  dizer que há uma identificação popular em torno do carnaval. O carnaval brasileiro, em seu processo de conformação social, se constitui de um complexo processo de proposição, resistência, ressignificação, apropriação e reconhecimento de elementos culturais de todas as suas matrizes étnicas (europeia, indígena, africana), por meio das expressões dos diferentes extratos sociais. O resultado disso foi a cristalização de um modelo brasileiro de carnaval, que, esteticamente, reflete essa herança multicultural e, sociologicamente, torna-se, de alguma forma, “pertencente” a todo o povo, e não a grupos sociais específicos. O carnaval brasileiro, assim, consolida-se como um carnaval intra e intersetores sociais, perpassando todas as classes. O “povo” se apresenta como elemento agregador do processo cultural do carnaval e seu agente gerador de identificação. Assim, como plataforma de identificação popular, o carnaval passa a ser reconhecido como fenômemo representativo da identidade cultural brasileira.

 

14. A matéria se encontra dentro das atribuições do Ministério da Cultura, que, nos termos dos incisos I e II do art. 1º do Decreto nº 11.336/2023, tem competência para os assuntos relacionados à política nacional de cultura e das artes, assim como a proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural.

 

15. Quanto aos aspectos estritamente formais da minuta proposta, destaco que o PL foi proposto de acordo com as regras previstas na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da CF/88.

 

III. CONCLUSÃO 

 

16. Diante do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade, alheios ao crivo dessa Consultoria Jurídica, não vislumbro óbices de natureza material e/ou formal à sanção do PL nº 3.724/2021, da Deputada Federal Maria do Rosário, que reconhece os blocos e bandas de carnaval como manifestação da cultura nacional.

 

17. É o Parecer.

 

Brasília, 18 de abril de 2023.

 

                        Larissa Fernandes Nogueira da Gama

                        Advogada da União

 

 


[1] A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 

[2] Direito à folia: o direito ao carnaval e a política pública de carnaval de rua na cidade de São Paulo. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2021. Ps. 69/70. Disponível em https://acrobat.adobe.com/id/urn:aaid:sc:VA6C2:aa380ebd-55a4-4054-8ff6-7e3464417279?viewer%21megaVerb=group-discover. Acesso em 18.04.2024.

 

 


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