ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
GABINETE DA CONSULTORIA JURÍDICA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS, BL. F, ED SEDE, SALA 551, CEP 70.059.900 - BRASÍLIA/DF
INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL n. 00002/2024/CONJUR-MTE/CGU/AGU
NUP: 00746.000924/2024-78
INTERESSADOS: CONFEDERACAO NACIONAL DA INDUSTRIA CNI E OUTROS
ASSUNTOS: SALÁRIO POR EQUIPARAÇÃO/ISONOMIA E OUTROS
I - INFORMAÇÃO JURÍDICA REFERENCIAL
A Advocacia-Geral da União (AGU) publicou, no dia 23 de maio de 2014, a Orientação Normativa nº 55, possibilitando a Manifestação Jurídica Referencial, bem como a Portaria Normativa CGU/AGU n.º 05, de 31 de março de 2022, que disciplina a manifestação Jurídica Referencial e institui a Informação Jurídica Referencial.
Ou seja, criou-se a figura da “Manifestação Jurídica Referencial” e da “Informação Jurídica Referencial”, cuja finalidade é promoção da celeridade em processos administrativos que possibilitem análise jurídica padronizada em casos repetitivos, bem como padronização da prestação de subsídios para a defesa da União ou de autoridade pública.
Tem-se, assim, como objetivo ainda dispensar da análise individualizada pelos órgãos consultivos de “processos que sejam objeto de manifestação jurídica referencial”.
Ora, seja a Manifestação Jurídica Referencial” ou a “Informação Jurídica Referencial” contribuem para a uniformização da atuação do órgão jurídico em matérias repetitivas, ou seja, idênticas e recorrentes, frequentemente submetidos à análise jurídica.
Nesse sentido, considerando a grande demanda na apreciação de solicitações de subsídios fáticos de jurídico que envolvem os atos normativos que tratam da política pública de igualdade salarial entre homens e mulheres, apresenta-se a presente Informação Jurídica Referencial que servirá de orientação jurídica completa e necessária para as demandas administrativas que tratam do tema. Com isto, será dado celeridade às demandas e diminuirá o fluxo processos repetitivos, o que se coaduna com o princípio da eficiência. Dessa forma, a dispensa da análise destes casos afetará diretamente no melhor funcionamento deste órgão de assessoramento jurídico, bem como da respectiva área técnica do MTE.
Importante anotar que as áreas técnicas competentes do Ministério do Trabalho e Emprego foram previamente consultados e contribuíram para a elaboração da presente Informação Referencial.
II – LEI DE IGUALDADE SALARIAL E REGULAMENTOS - FUNDAMENTAÇÃO LEGAL DA POLÍTICA PÚBLICA
Primeiramente, cumpre ressaltar que os citados normativos editados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que visam regulamentar a "Lei de Igualdade Salarial" - Lei 14.611, de 2023, atendem às disposições constitucionais, especialmente a prevista no inciso XXX do artigo 7 da CF, nesses termos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
Deveras, temos uma Constituição Federal cujo princípio basilar é a igualdade entre os cidadãos.
Ora o art. 5º, caput, da CF, é considerado “como isonomia formal para diferenciá-lo da isonomia material, traduzido no art. 7º, XXX e XXXI”. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001., p. 218). Ademais, é válido ressaltar que a Constituição Federal traz em seu bojo outras formas expressas de igualdade material, tais como o art. 3º, o art. 5º, I, XXXII, LXXIV, o art. 170, VII, art. 193, art. 196, art. 205 etc. Portanto, não basta a lei declarar apenas que todos são iguais, deve propiciar instrumentos e mecanismos eficazes para a construção da igualdade.
A despeito da considerável participação feminina na força de trabalho, são por demais conhecidas as estatísticas e os estudos nos quais se demonstra sua marginalização no que se refere aos níveis salariais e ao acesso a cargos de mando. Ainda é patente a constante prática patronal de dispensas em razão do casamento ou da gravidez da trabalhadora. A mulher, com os ônus adicionais da maternidade e do serviço doméstico, está sujeita a maiores dificuldades de inserção no mercado de trabalho. Em decorrência, sua vulnerabilidade acentua-se na maior aceitação do descumprimento de seus direitos trabalhistas.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1951, se debruçando sobre a temática, editou a Convenção n° 100, incorporada à ordem interna pelo Decreto no 41.721/1957 e, posteriormente, consolidada no Decreto nº 10.088, de 2019. A norma estabelece a obrigação de cada Membro da Organização de estimular e assegurar a "Igualdade de Remuneração para a Mão de Obra Masculina e a Mão de Obra Feminina por um Trabalho de Igual Valor." Pela relevância, transcreve-se o art. 2º da citada convenção:
ARTIGO 2º
1. Cada Membro deverá, por meios adaptados aos métodos em vigor para a fixação das taxas de remuneração, incentivar e, na medida em que isto é compatível com os ditos métodos, assegurar a aplicação a todos os trabalhadores do princípio de igualdade de remuneração para a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor.
2. Êste princípio poderá ser aplicado por meio:
a) seja da legislação nacional;
b) seja de qualquer sistema de fixação de remuneração estabelecida ou reconhecido pela legislação;
c) seja de convenções coletivas firmadas entre empregadores e empregados;
d) seja de uma combinação dêsses diversos meios.
No ano de 1958, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou a Convenção nº 111, ratificada e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 62.150, de 1968 (consolidada no Decreto nº 10.088, de 2019), sobre a "Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão". Referida convenção assim define o termo "discriminação", em seu Artigo 1°, in verbis:
Artigo 1º
1. Para fins da presente convenção, o termo "discriminação" compreende:
a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;
b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.
2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação.
3. Para os fins da presente convenção as palavras "emprego" e "profissão" incluem o acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, bem como as condições de emprego".
A Organização das Nações Unidas (ONU) também abordou esse tema por meio da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), promulgada pelo Decreto nº 4.377, de 2002. A convenção determina que os Estados-Partes adotarão todas as medidas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, dentre outros, o direito ao trabalho, às mesmas oportunidades de emprego e à igual remuneração, inclusive benefícios, e igualdade de tratamento relativa a um trabalho de igual valor, assim como igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho.
A garantia da igualdade salarial entre homens e mulheres é um princípio historicamente consagrado na legislação brasileira, sendo prevista desde 1943 na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A CLT, como principal diploma normativo trabalhista do país, estabelece em diversos dispositivos a proibição de discriminação salarial com base no gênero, assegurando que homens e mulheres recebam remuneração igual para trabalho de igual valor. Nesse sentido, o Capítulo III da CLT é dedicado à proteção do trabalho da mulher (artigos 372 e seguintes) e o artigo 461, da CLT.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a igualdade salarial como um princípio fundamental ao determinar, em seu artigo 5º, inciso I, que "Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações". Além disso, o artigo 7º, inciso XX, da mesma Carta Magna, preconiza a proteção do mercado de trabalho da mulher, enquanto o inciso XXX do mesmo artigo proíbe a diferença de salários e critérios de admissão por motivo de sexo ou idade. Esses dispositivos constitucionais evidenciam a clara intenção do legislador constituinte originário em promover a igualdade salarial entre homens e mulheres, estabelecendo uma base legal sólida para combater qualquer forma de discriminação salarial com fundamento no gênero.
Apesar da existência dessas normas jurídicas que visam garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres, os dados mais recentes revelam persistentes disparidades nesse sentido. Mesmo com a legislação vigente, pesquisas e relatórios demonstram uma realidade onde as mulheres continuam recebendo salários inferiores em comparação aos homens, muitas vezes exercendo as mesmas funções ou realizando trabalho de igual valor. Essa disparidade salarial reflete não apenas uma questão de descumprimento das normas existentes, mas também evidencia desafios estruturais e culturais que persistem em nossa sociedade, exigindo uma revisão e reforço constante das políticas e medidas de combate à discriminação salarial com base no gênero.
Nesse sentido, o mais recente relatório do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), de março de 2024, intitulado "Mulheres no mercado de trabalho? Desafios e desigualdades constantes”. O documento indica que o rendimento médio mensal das mulheres (R$ 2.562), no quarto semestre de 2023, foi 22,3% menor do que o auferido pelos homens (R$ 3.323). Destaca-se, ainda, que das mulheres que possuíam ocupação, 39,9% recebiam, no máximo, o valor correspondente a um salário mínimo, e entre as mulheres negras, metade (49,4%) recebia até esse valor, enquanto essa proporção era de 29,1% entre as não negras e de 29,8% entre os homens. Outro dado relevante da pesquisa é o fato de que: "quatro de cada dez pessoas (39,6%) ocupadas como diretoras ou gerentes eram do sexo feminino, mas quando se observa o rendimento de homens e mulheres nessa função, nota-se que elas (R$ 5.900) recebiam 29,5% a menos do que eles (R$ 8.363), no 4o trimestre de 2023."
É nesse contexto que se insere a política pública trazida pela Lei nº 14.611, de 2023, regulamentada no Decreto nº 11.795, de 2023 e na Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 3.714, de 2023. Os dados revelam a necessidade de se descer do plano da abstração, com a criação de mecanismos efetivos para a alteração dos dados impostos pela realidade. A obrigação de transparência salarial e planos de ação para mitigar desigualdades salariais surgem como resposta a esse cenário, e visa corrigir as disparidades salariais injustas e promover um ambiente de trabalho mais equitativo e inclusivo para homens e mulheres.
A política pública de igualdade salarial entre mulheres e homens se inscreve não apenas como um princípio ético de justiça social, mas como uma necessidade jurídica e política fundamental para o desenvolvimento sustentável e a democracia de qualquer sociedade. É um testemunho do progresso da humanidade na construção de um mundo mais justo, onde cada indivíduo tem a oportunidade de contribuir e prosperar, independentemente do gênero.
III . RESPEITO AOS LIMITES DO PODER REGULAMENTAR
A Lei nº 14.611, de 2023 estabelece a obrigatoriedade da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função. Nesse aspecto, esse instrumento normativo reafirma o quanto estabelecido no caput art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que determina:
Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.
A novidade trazida pela Lei nº 14.611, de 2023 consiste na introdução de mecanismos de fiscalização e transparência mais robustos, visando não apenas reiterar a legislação existente, mas também promover um avanço significativo na eliminação de desigualdades salariais no Brasil. Essa iniciativa legal pavimenta um caminho na direção de garantir que o trabalho de igual valor seja remunerado de forma igual, independentemente do gênero, contribuindo assim para a promoção da justiça e da igualdade de gênero no mercado de trabalho. Nesse sentido, no artigo 4º são enumeradas diversas medidas destinadas a conferir efetividade a essa norma. Vejamos o teor do dispositivo:
Art. 4º A igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens será garantida por meio das seguintes medidas:
I – estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios;
II – incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens;
III – disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial;
IV – promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com aferição de resultados; e
V – fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.
O artigo 5º da mesma Lei nos apresenta o cerne da política pública de igualdade salarial entre mulheres e homens. Essencialmente, introduz-se uma normativa de transparência salarial obrigatória para pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados. De acordo com esta disposição, resguardando as normas de proteção de dados estabelecidas pela Lei n.º 13.709, de 2018 (LGPD), as organizações devem divulgar, de forma semestral, relatórios que abrangem tanto a transparência salarial quanto os critérios utilizados para determinar a remuneração de seus empregados. A medida visa garantir que as práticas de remuneração estejam alinhadas com os princípios de igualdade e não discriminação, promovendo um ambiente de trabalho mais justo e equitativo, e possibilitando a fiscalização pela própria sociedade e, também, naturalmente pelos órgãos de fiscalização. Eis o que dispõe a regra:
Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei no 13.709. de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
§ 1º Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conterão dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico.
§ 2º Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.
§ 3º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput deste artigo, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.
3o
§ 4º O Poder Executivo federal disponibilizará de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), além das informações previstas no § 1º deste artigo, indicadores atualizados periodicamente sobre mercado de trabalho e renda desagregados por sexo, inclusive indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior e de serviços de saúde, bem como demais dados públicos que impactem o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres e que possam orientar a elaboração de políticas públicas.
Como se infere da leitura na norma, o parágrafo primeiro prevê requisitos específicos para a elaboração dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conforme estipulado pela Lei nº 14.611. Os relatórios devem conter dados anonimizados, ou seja, informações que não permitam a identificação individual dos trabalhadores. Além disso, é exigido que as informações fornecidas permitam uma comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia por mulheres e homens. Os relatórios também devem incluir informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades relacionadas a raça, etnia, nacionalidade e idade.
Note-se que a norma é clara quanto à obrigatória conformidade com a legislação de proteção de dados pessoais, garantindo a privacidade e a segurança das informações dos trabalhadores. Esse parágrafo visa garantir que os relatórios de transparência salarial forneçam informações relevantes e precisas sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres, bem como sobre outras formas de desigualdade no local de trabalho, ao mesmo tempo em que protegem a privacidade e os direitos dos trabalhadores.
O parágrafo segundo determina que, sempre que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, a pessoa jurídica de direito privado deve elaborar e implementar um plano de ação para mitigar essa desigualdade. Esse aspecto da norma tem sido objeto de grande incompreensão.
A desigualdade salarial proibida pela legislação é evidentemente aquela não justificada, aquela que ocorre apenas em razão da diferença de gênero. Dessa forma, não é toda e qualquer diferença salarial que implicará a obrigatoriedade de elaboração e implementação de um plano de mitigação. Assim, verificada uma discriminação salarial injustificada, elabora-se um plano, que deve incluir metas e prazos claros para a correção das diferenças salariais identificadas, proporcionando uma estrutura organizada para o processo de ajuste. Essa exigência representa uma oportunidade valiosa para as empresas corrigirem as desigualdades salariais e promoverem um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo. Além disso, é um compromisso tangível da empresa com a igualdade de gênero e a eliminação das disparidades salariais.
A norma assegura, ainda, a participação de representantes das entidades sindicais e dos próprios empregados na elaboração e implementação desse plano de ação. Isso promove a transparência e a democratização do processo, garantindo que as medidas adotadas sejam discutidas e acordadas com os trabalhadores afetados.
O parágrafo terceiro assinala que, na hipótese de descumprimento da obrigação legal de publicação do relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios, será aplicada uma multa de natureza administrativa. Trata-se de elemento coercitivo e pedagógico, importante para garantir a efetividade da lei. Ela visa desencorajar as empresas de descumprir suas obrigações legais, incentivando a conformidade com as normas estabelecidas. Portanto, a multa administrativa se revela importante para garantir que as empresas cumpram com as disposições da lei e para assegurar a eficácia das medidas de combate às disparidades salariais de gênero.
O parágrafo quarto informa a criação de uma plataforma digital de acesso público pelo Poder Executivo federal. Veja-se, mais uma vez, preocupação estatal com a proteção de dados pessoais, de que trata a Lei nº 13.709, de 2018. Essa medida é crucial para promover a transparência e a igualdade de gênero no mercado de trabalho, fornecendo dados e informações atualizadas que podem orientar a elaboração de outras políticas públicas voltadas para a promoção da equidade de gênero. Ao tornar essas informações acessíveis ao público em geral, o governo incentiva a conscientização e o engajamento da sociedade na busca por soluções para as disparidades de gênero no mercado de trabalho e na sociedade como um todo. Ela representa um verdadeiro compromisso ético em promover a igualdade de gênero e combater a discriminação e a violência contra as mulheres.
Por meio do Decreto nº 11.795, de 2023, a regulamentação da Lei nº 14.611, de 2023 deu-se em relação aos mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios, dispondo especificamente sobre o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios e o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens.
Nos termos do artigo 2º do citado Decreto, o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios tem por propósito a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos, contemplando informações sobre cargos ou a ocupações contidos na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO e informações sobre valor das remunerações, que inclui o salário contratual e diversas outras verbas que acabam por impactar significativamente a remuneração total do trabalhador. Eis o que dispõe a norma:
Art. 2º O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios de que trata o inciso I do caput do art. 1º tem por finalidade a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos e deve contemplar, no mínimo, as seguintes informações:
I - o cargo ou a ocupação contida na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, com as respectivas atribuições; e
II - o valor:
a) do salário contratual;
b) do décimo terceiro salário;
c) das gratificações;
d) das comissões;
e) das horas extras;
f) dos adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, dentre outros;
g) do terço de férias;
h) do aviso prévio trabalhado;
i) relativo ao descanso semanal remunerado;
j) das gorjetas; e
k) relativo às demais parcelas que, por força de lei ou norma coletiva de trabalho, componham a remuneração do trabalhador.
Um olhar menos atento poderia concluir que a norma determina a publicação das verbas indicadas no inciso II do art. 2º. Trata-se de equívoco na análise do dispositivo. As informações detalhadas sobre as verbas salariais são essenciais e tem por finalidade a comparação objetiva entre os salários de mulheres e homens. Essa comparação será realizada por meio da análise da razão entre esses valores, ou seja, da relação entre os salários recebidos por mulheres e os salários recebidos por homens para ocupações equivalentes ou para o desempenho de funções semelhantes. É essa razão que será apresentada no Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios. As informações sobre as verbas salariais dos empregados não serão divulgadas publicamente, garantindo a privacidade e a proteção dos dados pessoais dos trabalhadores. A forma como o relatório foi concebido não implica qualquer ofensa aos princípios da intimidade e da privacidade, estando em absoluta consonância com a Lei Geral de Proteção de Dados.
Em termos matemáticos/estatísticos, podemos ilustrar a questão da seguinte forma: seja Sm o salário médio das mulheres e Sh o salário médio dos homens para ocupações equivalentes, então a razão entre esses salários, denotada por R=Sm/Sh. Se a razão R for igual a 100 (em termos percentuais), significa que as mulheres ganham em média o mesmo que os homens para ocupações equivalentes. Se R for menor que 100, significa que as mulheres ganham em média menos do que os homens, e se R for maior que 100, significa que as mulheres ganham em média mais do que os homens. Pela demonstração, parece óbvio que, se estamos comparando os salários médios de homens e mulheres, a razão entre eles elimina a unidade de medida salarial, que na realidade brasileira é o real. Portanto, ao calcular a razão entre os salários de mulheres e homens, estamos interessados na relação relativa entre eles, sem nos preocuparmos com a unidade de medida específica. Isso torna a comparação mais útil e universal para o propósito da política pública de igualdade salário. Em outros palavras, não é salário de A ou B que será publicizado, mas tão somente a relação entre eles, em absoluto respeito à proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 2018.
A norma ainda, no artigo 2º do Decreto, por meio dos parágrafos 1º ao 4º, estabelece orientações para a elaboração e divulgação de Relatórios de Transparência Salarial pelas empresas. Coube ao Ministério do Trabalho e Emprego a definição do conteúdo, formato e procedimento de envio dessas informações, que devem incluir dados anonimizados para proteger a privacidade dos indivíduos, conforme a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Os relatórios são enviados usando ferramenta informatizada fornecida pelo próprio Ministério e devem ser publicados nos sites das empresas, redes sociais ou meios similares em março e setembro, assegurando ampla visibilidade aos empregados, colaboradores e ao público. Além disso, o MTE poderá solicitar informações adicionais às empresas para fins de fiscalização ou averiguação cadastral.
Veja-se que o examinado Decreto estabelece tão somente diretrizes para a elaboração e divulgação dos Relatórios de Transparência Salarial pelas empresas, atribuindo ao Ministério do Trabalho e Emprego a competência para operacionalizar a política pública, definindo as informações que devam constar no relatório, seu modelo padrão, o procedimento de envio dessas informações. Aspecto relevante é a obrigação da empresa de publicar os relatórios nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral. Essa obrigação decorre do que dispõe o artigo 5º da Lei nº 14.611, de 2023, segundo o qual: "fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei no 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais)."
Com a devida vênia, não se verifica qualquer inovação legal, apenas a especificação quanto ao local de publicação dos relatórios, em consonância com o espírito da norma que visa estabelecer mecanismos de transparência salarial. Rigorosamente, não há qualquer sentido em se produzir relatórios de transparência salarial e não os divulgar.
Ora, a transparência constitui-se num princípio fundamental para o funcionamento de uma sociedade que se pretende verdadeiramente democrática.
Outro mecanismo importante no combate à desigualdade salarial entre mulheres e homens, previsto no parágrafo 2º do artigo 5º da Lei nº 14.611, de 2023, foi regulamentado no artigo 3º do Decreto nº 11.795, de 2023 - o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios, nesses termos:
Art. 3º Verificada a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as empresas com cem ou mais empregados deverão elaborar e implementar Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, que deverá estabelecer:
I - as medidas a serem adotadas, as metas e os prazos; e
II - a criação de programas relacionados à:
a) capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho;
b) promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e
c) capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.
Nesse ponto, a norma apenas detalha e especifica a obrigação contida no artigo 5º da Lei nº 14.611, de 2023, definindo procedimentos, critérios, padrões e requisitos que devem ser seguidos para cumprir os objetivos da política pública de igualdade salarial.
É a diferença salarial não explicada por variáveis legítimas que deverá ser objeto de correção. O procedimento fiscalizatório é detalhado por meio da Portaria MTE nº 3.714, de 2023, que apresenta regras importantes para a formulação do plano.
Não é demais reafirmar que a elaboração e implementação de Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens decorre da verificação de uma desigualdade salarial ilegal. É a desigualdade salarial não explicada por variáveis legítimas que deverá ser objeto de correção. Além disso, a elaboração do plano não constitui punição, mas uma oportunidade de retorno à legalidade, uma vez que a discriminação salarial entre mulheres e homens é proibida na legislação brasileira desde 1943 (art. 461 da CLT)
Da análise do arcabouço normativo que constitui a Política Pública de Igualdade Salarial entre Mulheres e Homens verifica-se que não decorrem as violações apontadas na petição inicial.
O argumento de violação à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal quanto à publicação do relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios não se sustenta. Como restou demonstrado, a divulgação do relatório não possui caráter punitivo, mas informativo, decorrente de um dever de transparência fundamental à democracia. Igualmente, as supostas violações à intimidade, à proteção de dados, à livre iniciativa, à livre concorrência e à proporcionalidade não guardam aderência com os fatos. É que o relatório não expõe um único dado pessoal.
Também não se sustenta o argumento de que o decreto e a portaria trazem inovações quanto à participação dos representantes das entidades sindicais e dos empregados nos locais de trabalho, tanto na formulação quanto na implementação do plano de ação para mitigar a desigualdade salarial. É importante destacar que a Lei nº 14.611, de 2023 já assegura expressamente essa participação de representantes sindicais e dos empregados na elaboração e execução do plano de mitigação.
A participação abrange, naturalmente, desde a criação até a fiscalização das obrigações estabelecidas no plano, o que justifica, inclusive, a exigência de que as empresas entreguem uma cópia do plano de ação ao sindicato representativo. Não há, portanto, qualquer tipo de extrapolação tanto pelo Decreto quanto pela Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego. Esses instrumentos normativos simplesmente detalham a previsão contida na Lei nº 14.611/2023.
A inclusão das entidades sindicais e dos representantes dos empregados favorece a transparência e a democratização do processo, assegurando que as medidas adotadas sejam discutidas e acordadas com os trabalhadores, o que, por sua vez, potencializa a eficácia dos resultados desejados.
Por outro lado, a obrigação de elaborar um Plano de Mitigação da Desigualdade Salarial não viola nenhuma das regras e princípios apontados pelo autor. A notificação para a elaboração de um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens representa, em verdade, uma oportunidade de regularização de situações contrárias à lei. A lei oferece à empresa a possibilidade de regularizar a situação antes de uma eventual sanção administrativa.
O plano representa um mecanismo de prevenção. A legislação brasileira, desde 1943, garante a igualdade salarial entre mulheres e homens. Assim, a Auditoria-Fiscal do Trabalho ao constatar uma infração à legislação trabalhista, na hipótese discriminação salarial em razão de gênero, poderia desde logo lavrar um auto de infração trabalhista, dando início ao processo administrativo para a apuração da irregularidade, e ao final aplicar a penalidade prevista na norma. Entretanto, o que os normativos preveem é uma oportunidade para a empresa de identificar e corrigir desigualdades salariais. Isso se alinha com princípios de governança corporativa e responsabilidade social corporativa, que incentivam as empresas a adotarem práticas éticas e sustentáveis, se inserindo nas práticas ESG (Environmental, Social and Governance), bastante conhecidas no mundo corporativo. Trata-se de uma medida de natureza preventiva. Ele reflete um compromisso essencial com a justiça social, a equidade de gênero e a conformidade legal. O plano permite a análise e correção de disparidades salariais injustificadas dentro das organizações, promovendo um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo.
E as manifestações jurídicas lançadas pela CONJUR do MTE, foram todas favoráveis à edição dos referidos atos, não traz qualquer óbice jurídica, conforme se depreende do NUP 19955.103017/2023-61 (Parecer 00182/2023 que analisou o Projeto de Lei), NUP 19955.200819/2024-08 (Parecer 0052/2024 que analisou a minuta de Decreto) e o NUP 19955.201311/2023-38 (Parecer 00345/2023 que analisou a minuta de Portaria).
Cabe ressaltar que NÃO haverá divulgação dos salários dos empregados de uma empresa, mas tão somente a demonstração da diferença percentual dos valores pagos entre mulheres e homens inseridos em cada um dos grandes grupos de CBO – classificação brasileira de ocupações.
Por fim, ressalta-se que a livre iniciativa está insculpida ao lado de valor social do trabalho, tanto como fundamento da República Federativa do Brasil como da ordem econômica, de maneira que a liberdade empresarial é limitada naturalmente por princípios caros à sociedade. A igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens é desdobramento da igualdade material e formal para todos os trabalhadores, independentemente de seu gênero.
Cabe lembrar, nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 37ª edição. Barueri/SP: Atlas, 2023, p 195) que:
“Poder regulamentar, portanto, é a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e permitir a sua efetiva aplicação. A prerrogativa, registre-se, é apenas para complementar a lei; não pode, pois, a Administração alterá-la a pretexto de estar regulamentando. Se o fizer, cometerá abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do Legislativo. Por essa razão, o art. 49, V, da CF, autoriza o Congresso Nacional a sustar atos normativos que extrapolem os limites do poder de regulamentação.”
Assim, diante de tudo que foi exposto, resta demonstrado que o Decreto nº 11.795 e a Portaria MTE nº 3.714 não extrapolaram a Lei nº 14.611, todos normativos do ano de 2023.
IV – MANIFESTAÇÕES DAS ÁREAS TÉCNICAS DO MTE
Em todo o momento da preparação da política pública pelas áreas técnicas responsáveis do MTE, houve a preocupação com o respeito à legalidade, bem como à integridade da Lei Geral de Proteção de dados (LGPD), conforme se depreende dos documentos juntados ao NUP 00746.000827/2024-85 (SEQ. 3 - subsídios fáticos já apresentados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho e Secretaria Executiva do MTE.)
V - SOBRE A LIVRE CONCORRÊNCIA E AO SIGILO DE EMPRESA - NOTA TÉCNICA CADE
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica-CADE publicou, em sua página institucional, no dia 15.03.2024, Nota de esclarecimento sobre a notícia veiculada no jornal Folha de São Paulo sobre a suposta recomendação do CADE para que o Governo recuasse na política de igualdade salarial. O documento pode ser encontrado no sítio www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/nota-a-imprensa-3. (documento)
Ou seja, não houve até o momento qualquer manifestação do CADE acerca das consequências dessa política pública no âmbito de sua atuação.
VI – MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – INTEGRAÇÃO DA LIDE
Recomenda-se que o Ministério Público do Trabalho participe das eventuais lides acerca da matéria – na qualidade de custos iuris, considerando a relevância social da matéria em discussão e tendo em vista a manifestação favorável do órgão acerca da defesa da constitucionalidade da Lei n.º 14.611, de 2023 (documento)
VII – CONCLUSÃO
São essas as Informações Jurídica Referencial sobre o tema Igualdade Salarial entre homens e mulheres, e, assim, nos termos da Portaria Normativa CGU/AGU n.º 05, de 31 de março de 2022, solicita-se, após a devida aprovação pelas autoridades:
Por fim, excepcionalmente, sendo verificada a presença de eventual dúvida técnica ou jurídica sobre o assunto tratado, "igualdade salarial", o processo administrativo deverá ser encaminhado à Conjur/MTE, para, dentro de sua competência, análise e emissão de manifestação pelas áreas competentes do Ministério do Trabalho e Emprego.
Brasília, 24 de abril de 2024.
RICARDO AUGUSTO PANQUESTOR NOGUEIRA
PROCURADOR FEDERAL
CONSULTOR JURÍDICO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00746000924202478 e da chave de acesso bf36e33c