ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA

 

PARECER n. 00092/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.004156/2023-14

INTERESSADOS: GABINETE DA MINISTRA - GM/MINC

ASSUNTOS: DIREITO INTERNACIONAL. ACORDO DE COPRODUÇÃO TELEVISITA​.

 

 

EMENTA: I. Acordo de Coprodução Televisiva entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China. II. Direito Internacional. III. Possibilidade jurídica. Recomendações.

 

 

RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 1627/2024/GM/MinC (SEI 1698964), o Gabinete da Ministra solicita análise e manifestação sobre Acordo de Coprodução Televisiva entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China, celebrado em Pequim, em 14 de abril de 2023 (SEI 1676879).

O Acordo tem por objetivo promover o intercâmbio cultural e a cooperação televisiva, em conformidade com a legislação nacional e as regulamentações em vigor nos dois países, e por meio de negociações amigáveis.​

Segundo informa o Parecer Técnico n. 237/2024/DPDA/SAV/GM (SEI 1676440), as negociações para celebração do Acordo tiveram impulso em maio de 2017, quando a China apresentou a primeira proposta de Acordo de Coprodução Televisiva. Após entraves no processo negociador, a National Radio and Television Administration (NRTA) aceitou contraproposta brasileira como renovada base para as negociações, que foram concluídas no início de 2023. Por ocasião de visita presidencial à China, o acordo foi celebrado, em 14/04/2023, e está em processo de internalização no ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, o texto deverá ser encaminhado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República ao Congresso Nacional.

A Exposição de Motivos Interministerial - EMI nº 00057/2024 MRE MinC (SEI 1647485), destaca que a assinatura do referido Acordo está em consonância com os objetivos de integração e desenvolvimento do setor audiovisual brasileiro e cooperação entre o Brasil e outros países, visando tanto à excelência técnico-artística quanto à internacionalização das obras audiovisuais brasileiras. Ademais, as obras coproduzidas nos termos do Acordo receberão tratamento nacional em ambos os territórios e, por conseguinte, poderão se beneficiar dos mecanismos de incentivo ao setor tanto no Brasil quanto na China, como financiamento público, tributação mais vantajosa e cotas de exibição (cota de tela), entre outros.

Observo que a proposta foi anteriormente analisada pelo PARECER n. 00024/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU (NUP 01400.003768/2023-90) desta Consultoria Jurídica, e também pela Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Relações Exteriores, via PARECER n. 00016/2024/CGDI/CONJUR-MRE/CGU/AGU (SEI 1647485).

Sob o ponto de vista técnico, a proposta havia sido avaliada pela Nota Técnica nº 2/2023 (NUP 01400.003768/2023-90) e  foi recentemente objeto do Parecer Técnico (de Mérito) n. 237/2024/DPDA/SAV/GM (SEI 1676440), da Secretaria do Audiovisual. Por sua vez, o Parecer de Mérito da Divisão de Ações de Promoção da Cultura Brasileira (DCULT/MRE) também concluiu pela aprovação do ato, conforme mencionado no PARECER n. 00016/2024/CGDI/CONJUR-MRE/CGU/AGU (SEI 1647485).

Este é o relato do necessário.

 

 

ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU nº 7:

 

“A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento” (Manual de Boas Práticas Consultivas. 4.ed. Brasília: AGU, 2016, página 32).

 

Assim, cumpre esclarecer que não compete a esta Consultoria Jurídica a análise do mérito administrativo do instrumento que se pretende celebrar, cabendo à autoridade administrativa competente sopesar a conveniência e/ou oportunidade na edição do mencionado ato. Às consultorias jurídicas compete apenas a aferição do aspecto jurídico-legal das minutas cuja análise lhe são submetidas.

Com relação ao mérito, a proposta foi recentemente analisada pela Secretaria do Audiovisual, por meio do Parecer Técnico n. 237/2024/DPDA/SAV/GM (SEI 1676440), que apresenta o contexto histórico em que a proposta se insere e avalia aspectos relacionados à conveniência e oportunidade do ajuste.

Observo, ainda, que o Acordo envolve atribuições da  Agência Nacional do Cinema -  ANCINE. Com efeito, a ANCINE foi designada como autoridade competente pela República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1/3 do instrumento (SEI 1676879).

Assim, a ANCINE também deverá se manifestar sobre o Acordo, tendo em vista o histórico de participação no processo de negociação e acompanhamento técnico da matéria, além de sua competência para aprovar e controlar a execução de projetos de coprodução atribuída pelo art. 7º, inciso XI, da Medida Provisória 2228-1 de 06 de setembro de 2001.

Como visto, o ato em análise é um de Acordo de Coprodução Televisiva celebrado com o Governo da República Popular da China, em 14 de abril de 2023, com o objetivo de promover o intercâmbio cultural e a cooperação televisiva, em conformidade com a legislação nacional e a regulamentação em vigor nos dois países, e por meio de negociações amigáveis.​

Observo inicialmente que o tema tratado se insere no espectro de análise do Ministério da Cultura, em razão de sua competência para gerir a política nacional de cultura, nos termos do art. 21 da Lei nº 14.600/2023 e do art. 33 do Decreto n. 11.336/2023.

O Acordo proposto está em consonância com a missão Constitucional deste Ministério na medida em que incentiva a valorização e a difusão das manifestações culturais brasileiras (art. 215, caput, da Constituição Federal de 1988 – CF/88). 

Por outro lado, o art. 216-A da Constituição, estabeleceu como princípios do Sistema Nacional de Cultura, a diversidade das expressões culturais, a universalização do acesso aos bens e serviços culturais, o fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais, entre outros (CF/88, art. 216-A, § 1º).

Passando à análise jurídica do ato, observo que é variada a denominação dada aos atos internacionais. Embora a denominação escolhida não influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo, convenção, protocolo e memorando de entendimento.

No Brasil, os tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, após firmados, devem ser remetidos à apreciação e aprovação pelo Congresso Nacional, em cumprimento à determinação contida no art. 49, I, combinado com o artigo 84, VIII, da Constituição Federal, que dispõem:

 

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
(...)
 

Assim, em atenção aos dispositivos recém-transcritos, os instrumentos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional deverão ser encaminhados ao Congresso Nacional, a fim de que este delibere sobre o ajuste, uma vez que é da sua competência "resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional".

É importante destacar, ainda, o entendimento doutrinário de que cabe ao Congresso Nacional avaliar a existência de encargos ou compromissos gravosos. Nesse sentido, leciona o professor Tarciso Dal Maso Jardim [1]:

 
(...) A informação, sobre acordos executivos celebrados pelo Brasil, deve ser remetida ao Congresso Nacional como rotina e obrigação, até mesmo para o controle parlamentar da classificação feita pelo Executivo de certo tratado como não acarretando “encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. Cabe ao Congresso Nacional essa análise, pois sua competência de referendar tratados é ampla e, se a considerarmos restrita, ela diz respeito a termos fluidos, que é o fato de acarretar encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. A competência do Legislativo de aprovar tratados não pode ser usurpada pela interpretação do Poder Executivo, o que na prática ocorre. (...)
(sem grifos no original)

 

Vale notar, ademais, que a assinatura de instrumento que acarrete encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, quando for o caso, deve ser realizada pelo Presidente da República ou por autoridade com plenos poderes para tanto, na forma do artigo 7, parágrafo 2, item 'a', da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (promulgada pelo Decreto nº 7.030/2009), que dispõe:

Plenos Poderes
1. Uma pessoa é considerada representante de um Estado para a adoção ou autenticação do texto de um tratado ou para expressar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado se:
a) apresentar plenos poderes apropriados; ou
b) a prática dos Estados interessados ou outras circunstâncias indicarem que a intenção do Estado era considerar essa pessoa seu representante para esses fins e dispensar os plenos poderes.
2. Em virtude de suas funções e independentemente da apresentação de plenos poderes, são considerados representantes do seu Estado:
a) os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado;
b) os Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão acreditados;
c) os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou órgão.
 

Assim, um ajuste celebrado entre dois Países (sujeitos de Direito Internacional Público) deve ser assinado por representantes plenipotenciários de cada uma das Partes, nos termos do art. 7º da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, promulgada pelo Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009.

Ressalto, ainda, que deve ser observado o disposto no Decreto nº 9.191/2017, que atualmente estabelece as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado. Tal Decreto encontra-se vigente até 31/05/2024, quando entra em vigor o Decreto nº 12.002, de 22 de abril de 2024.

Com efeito, os autos foram instruídos com os documentos de que tratam os art. 29, 30 e 31 do Decreto n. 9.191/2017. O parecer de mérito foi atualizado recentemente, e os órgãos técnico e jurídico do Ministério das Relações Exteriores também se manifestaram, conforme mencionado no Relatório deste Parecer, restando apenas providenciar a manifestação atualizada da ANCINE.

 

 

CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, e considerando a manifestação favorável da Secretaria do Audiovisual, conclui-se que não se vislumbram óbices ao prosseguimento do feito, desde que observado o exposto no presente Parecer.

Vale ressaltar que o instrumento ainda carece de manifestação da ANCINE, visto que esta foi designada como autoridade competente pela República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1/3 do Acordo (SEI 1676879) e considerando suas competências sobre a matéria, nos termos do art. 7º, inciso XI, da Medida Provisória 2228-1/2001.

Assim, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo, na sequência, o encaminhamento ao Gabinete da Ministra para ciência e providências necessárias.

 

Brasília, 29 de abril de 2024.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 

 

Nota:

[1] https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/agenda-legislativa/capitulo-13-condicionantes-impostas-pelo-congresso-nacional-ao-executivo-federal-em-materia-de-celebracao-de-tratados

 

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400004156202314 e da chave de acesso fbc60edb

 




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