ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS

 

PARECER n. 00096/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.009350/2024-77

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ASSUNTOS PARLAMENTARES CPS MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

I - Análise e manifestação acerca do Projeto de Lei nº 1290/2024, de autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa.

II – Manifestação favorável à sanção, desde que cumpridas as exigências previstas no inciso II do art. 167 da CF/88, c/c o art. 16 da LRF.

 

1. O Ofício Circular Nº 42/2024/CAP/ASPAR/GM/MinC (1705943), dirigido a esta Consultoria Jurídica e outros, solicita manifestação sobre o Projeto de Lei nº 1290/2024 (1705940), de autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, que "Institui o mês de abril como mês nacional de valorização da cultura brasileira”.

 

2. Os autos foram instruídos com os seguintes documentos: (i) o projeto de Lei nº 1290/24; (ii) as manifestações provenientes  da DLLLB/MinC, Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Palmres, Instituto Brasileiro de Museus – Ibram, DIEFA/SEFLI/MinC e Fundação Casa de Rui Barbosa – FCRB.

 

3. É o relatório. Passo à análise.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

4. O art. 131 da CF/88 dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo.

 

5. O art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73/1993 (Lei Orgânica da AGU), estabeleceu a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados, da seguinte forma: 

 

Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
(...)
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

6. Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise do PL nº 1290/2024, que possui a seguinte redação:

 

Art. 1 º Esta Lei institui o mês de abril como Mês Nacional de Valorização da Cultura Brasileira, com o objetivo de propagar a conscientização e democratização da cultura nacional. 
Art. 2º Anualmente, durante o mês de abril, o poder público desenvolverá as seguintes atividades:
I - palestras e seminários;
II - debates públicos; 
III - atividades lúdicas; 
IV - apresentações culturais e artísticas.
Parágrafo único. As ações elencadas nos termos do caput serão, sempre que possível, veiculadas por meio de comunicação de âmbito nacional.
Art. 3º Os estabelecimentos das redes de ensino fundamental e médio oportunizarão a seus alunos a participação facultativa nas atividades elencadas no art. 2º, respeitada a autonomia do estudante. 
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

7. Verifica-se, no Relatório exarado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, o que segue:

 

É importante destacar que o conhecimento da cultura não apenas fortalece a valorização, mas também incentiva o desenvolvimento da região. Segundo Jonathan H. Turner, a cultura é um sistema de símbolos criado e utilizado por uma população para organizar-se, facilitando a interação e regulando o pensamento. Outro aspecto relevante é que, ao valorizar a cultura, abre-se espaço para o crescimento da contratação local, a promoção da arte da região e uma maior credibilidade da mídia. Isso ocorre porque a mídia desempenha um papel crucial ao promover a divulgação do trabalho regional e suas diversas expressões culturais.
Os meios escolhidos, ademais, são, de fato, capazes de lograr o efeito escolhido, o que é de interesse da sociedade.
 

8. Constam, nos autos, manifestações técnicas proferidas pela da DLLLB/MinC, Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Palmres, Instituto Brasileiro de Museus – Ibram, DIEFA/SEFLI/MinC e Fundação Casa de Rui Barbosa – FCRB.

 

9. A matéria se encontra dentro das atribuições do Ministério da Cultura, que, nos termos do inciso VII do art. 1º do Decreto nº 11.336/2023, tem competência para os assuntos relacionados ao desenvolvimento e a implementação de políticas e ações de acessibilidade cultural.

 

10. Quanto aos aspectos formais da minuta proposta, o PL foi proposto em acordo com as regras previstas na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da CF/88.

 

11. No que tange ao mérito da proposta, destaco que essa Conjur/MinC não deve se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU[1].

 

12. Superadas essas premissas, destaco o que segue abaixo.

 

13. O art. 2º do PL proposto prevê a realização de atividades anuais, nos meses de abril (palestras e seminários, debates públicos, atividades lúdicas e apresentações culturais e artísticas). Ou seja, o PL contém normas programáticas, dependentes de regulamentação posterior. Uma vez editado, carece da edição de atos posteriores que lhe confiram concretude, no que tange às ações a serem desenvolvidas, sob pena de ineficácia.

 

14. A par disso, a implementação de tais ações constituem despesas, em relação às quais não consta, nos autos, indicação de disponibilidade orçamentário-financeira.

 

15. Destaco, abaixo, o conteúdo dos art. 167 da CF/88, e o art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF:

 

Constituição Federal - Art. 167. São vedados:
I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
LRF - Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:        
I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;
II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
§ 1o Para os fins desta Lei Complementar, considera-se:
I - adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício;
II - compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições.
§ 2o A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas.
§ 3o Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias. (grifos nossos)

 

16. Ressalto, ainda, o Acórdão TCU n° 1907/2019 (Plenário), que  traduz o entendimento consolidado da Corte de Contas sobre o ponto ora levantado:

 

CONSULTA FORMULADA PELO ENTÃO MINISTRO DA FAZENDA RELATIVAMENTE À INTERPRETAÇÃO A SER DADA NO CASO DE CONFLITO DE NORMAS DECORRENTE DA APROVAÇÃO DE LEIS SEM A DEVIDA ADEQUAÇÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA E EM INOBSERVÂNCIA AO QUE DETERMINA A LEGISLAÇÃO SOBRE A MATÉRIA, EM ESPECIAL O ART. 167 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, O ART. 113 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS - ADCT, OS ARTS. 15, 16 e 17 DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL - LRF, E O ART. 112 da LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS - LDO. CONHECIMENTO. RESPOSTA AO CONSULENTE. - As disposições constantes do art. 167 da Constituição Federal, do art. 113 do ADCT, dos arts. 15, 16 e 17 da LRF, e dos dispositivos pertinentes da LDO em vigor revelam a preocupação do legislador, tanto o constitucional quanto o ordinário, com a higidez das finanças públicas, razão pela qual buscou elaborar normas de disciplina fiscal, com a imposição de regras que cobram responsabilidade e prudência não apenas do gestor público, mas também do próprio legislador, quando da edição de novas leis. - Elevada importância dessas normas constitucionais e legais de disciplina fiscal para a efetivação de direitos fundamentais, porquanto, conforme reconhecido pela doutrina, "não existe almoço grátis" e os direitos têm custos que implicam ônus financeiro ao Estado para a sua realização, cujo suporte depende de uma atuação fiscal responsável, sob pena de as promessas constitucionais serem indefinidamente frustradas por razões financeiras. - Medidas legislativas aprovadas sem a devida adequação orçamentária e financeira, e em inobservância ao que determina a legislação vigente são inexequíveis, porquanto embora se trate de normas que, após a sua promulgação, entram no plano da existência e no plano da validade, não entram, ainda, no plano da eficácia, justamente por não atenderem ao disposto no art. 167 da CF/88, art. 113 do ADCT, arts. 15, 16 e 17 da LRF, e na respectiva LDO. - Resposta ao consulente no sentido de que medidas legislativas que forem aprovadas sem a devida adequação orçamentária e financeira, e em inobservância ao que determina a legislação vigente, especialmente o art. 167 da Constituição Federal, o art. 113 do ADCT, os arts. 15, 16 e 17 da LRF, e os dispositivos pertinentes da LDO em vigor, somente podem ser aplicadas se forem satisfeitos os requisitos previstos na citada legislação. (grifamos)
 

17. A única exceção às regras acima transcritas encontra-se no p. 3º do art. 16 da LRF, que permite a criação de ação governamental sem a estimativa do impacto orçamentário-financeira quando se tratar de despesa irrelevante, nos termos do art. 173 da Lei nº 14.791, de 2023:

 

Art. 173. Para fins do disposto no art. 16 da Lei Complementar nº 101, de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal:
(...)
II - no que se refere ao disposto no § 3º do art. 16 da Lei Complementar nº 101, de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, entendem-se como despesas irrelevantes aquelas cujo valor não ultrapasse, para bens e serviços, os limites previstos nos incisos I II do caput do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021;

 

18. Todavia, não há nos autos informações acerca da tramitação do PL proposto. Dessa forma, não há como se inferir acerca de eventual análise (ou não) do impacto orçamentário-financeiro das ações elencadas no art. 2º do PL, o que se revela imprescindível, dado o conteúdo do art. 167, inciso II da CF/88, c/c o art. 16 da LRF.

 

19. Por último, o art. 3º do PL proposto trata de matéria relativa ao campo da educação, de forma que entendo necessária a oitiva prévia do Ministério da Educação - MEC, que, nos termos do inciso II do art. 1º do Decreto nº 11.691, de 5  de setembro de 2023, tem como área de competência a educação em geral, compreendidos educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, educação de jovens e adultos, educação profissional e tecnológica, educação especial e educação à distância, exceto ensino militar.

 

III. CONCLUSÃO 

 

20. Diante do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade, alheios ao crivo dessa Consultoria Jurídica, manifesto-me de forma de forma favorável ao texto proposto, desde que devidamente cumpridas as exigências previstas no inciso II do art. 167 da CF/88, c/c o art. 16 da LRF.

 

21. É o Parecer.

 

Brasília, 02 de maio de 2024.

 

                        Larissa Fernandes Nogueira da Gama

                        Advogada da União

 

 


[1] A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400009350202477 e da chave de acesso 1c8c2105

 




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