ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS

 

PARECER n. 00106/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.007248/2024-37

INTERESSADOS: GABINETE DA SECRETARIA DE ECONOMIA CRIATIVA E FOMENTO CULTURAL SECFC/GAB/SECFC/GM/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS. PRONAC 231723.

 

EMENTA: PRONAC 231723. Aircraft Museum. Concessão de incentivo a museu situado em condomínio privado fechado. Dúvida jurídica. Esclarecimentos.

 

1. O Ofício nº 570/2024/SECFC/GM/MinC (1679639) encaminhou os autos a essa Consultoria Jurídica, para análise e manifestação quanto à dúvida jurídica suscitada na Nota Técnica nº 17/2024/DFIND/SECFC/GM/MinC (1672835) - orientações quanto à documentação que efetivamente garantisse o funcionamento e o acesso irrestrito às dependências do museu, na forma da Lei, ou se há possibilidade de ajuste ou reforma da ata da reunião de condomínio que liberou o funcionamento do museu com essa finalidade garantidora.

 

2. Os autos foram instruídos com os seguintes documentos: (i) Nota Técnica nº 17/2024/DFIND/SECFC/GM/MinC (1672835); (ii) Recurso interposto pelo proponente (1674568); (iii) Ata da Reunião da CNIC (1674606); (iv) Ata de Assembleia Extraordinária da Associação Enstância Teimoso (1674703); (v) Estatuto Social do WS Aircraft Museum (1674724); e (vi) Apresentação do Aircraft Museum (1674747).

 

3. É o relatório. Passo à análise.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

4. O art. 131 da CF/88 dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. Além disso, o art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar n.º 73, de 1993 (Lei Orgânica da AGU), estabeleceu a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados[1].

 

5. Elaboradas essas considerações preliminares, passa-se à análise da dúvida jurídica suscitada nos autos, que consiste em orientações quanto à documentação que efetivamente garantisse o funcionamento e o acesso irrestrito às dependências do museu, na forma da Lei, ou se há possibilidade de ajuste ou reforma da ata da reunião de condomínio que liberou o funcionamento do museu com essa finalidade garantidora.

 

6. No que tange tento ao mérito tanto do PRONAC 231723, quanto das manifestações exaradas pelo Instituto Brasileiro de Museus – Ibram e pelos membros da CNIC, destaco que essa Conjur/MinC não deve se imiscuir em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público competente), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU[2].

 

7. Segundo consta nos autos, o Aircraft Museum será instalado dentro de um condomínio  privado fechado, pertencente à Associação Estância Teimoso.

 

8. Na Ata de Assembleia Extraodinária desta Associação, realizada no dia 25/05/2023 (1674703), consta: (i) a aprovação e a liberação por tempo indeterminado do funcionamento, operação, visitação e demais atividades necessárias às atividades do Aircraft Museum; e (ii) a informação de que a Associação Estância Teimoso, em conformidade com o seu Estatuto, tem o direito de realizar nova Assembleia para reavaliar as atividades, caso necessário.

 

9. Ou seja, e já respondendo a um dos questionamentos efetuados pela área técnica, a decisão de liberação do funcionamento e das atividades do Aircraft Museum pode ser revista, caso necessário, mediante convocação de nova Assembleia Extraordinária, nos termos do Estatuto Social da Associação Estência Teimoso.

 

10. Resta analisar a questão relativa ao funcionamento de um Museu dentro de um condomínio privado fechado, assim como o acesso irrestrito às suas dependências.

 

11. O funcionamento de um museu dentro de um condomínio privado fechado encontra-se sujeito às regras do direito da vizinhança, que prevê limitações ao uso pleno da propriedade, especialmente no que tange aos vizinhos, com o objetivo de reduzir eventuais conflitos. Tais regras encontram-se previstas nos arts. 1277 a 1313 do Código Civil.

 

12. O principal objetivo do Direito da Vizinhança é proibir o uso anormal da propriedade, nos termos do art. 1277 do Código Civil:

 

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança. (grifamos)

 

13. O artigo acima identifica os três principais bens tutelados pelo direito da vizinhança: a segurança, o sossego e a saúde.

 

14. É certo que o direito de vizinhança tutela a relação entre vizinhos de modo geral, ou seja, ele não se limita aos residentes de um condomínio privado fechado.

 

15. Todavia, no caso dos autos, e dada a possibilidade de revisão da decisão contida na Ata SEI 1674606, esse direito se mostra de especial importância.

 

16. Isso porque, na hipótese em que os demais residentes deste condomínio privado fechado entendam que as atividades do museu (caso aberto) estejam interferindo em seu sossego ou segurança, seria viável a convoação de nova Assembleia Extraordinária, com vistas à reavaliação da autorização para o funcionamento e atividades do Aircratf Museum.

 

17. Ou seja, o cotejo da Ata Sei 1674703 com as regras do direito de vizinhança  nos leva à conclusão de que, caso o Museu venha a ser incentivado, e havendo ofensa às normas previstas nos arts. 1277 a 1313 do Código Civil, revela-se viável a reavaliação da autorização para funcionamento e atividades do Museu, mediante a convocação de nova Assembleia Extraordinária da Associação Estância Teimoso.

 

18. Essa afirmação deve ser devidamente ponderada, como subsídio, para a tomada de decisão da CNIC.

 

19. Superado este ponto, resta analisar a questão relativa ao acesso irrestrito às dependências do museu.

 

20. Quanto a este ponto, a presente análise será realizada com base nas informações apresentadas nos itens 5.1. da Nota Técnica nº 17/2024/DFIND/SECFC/GM/MinC (1672835), onde afirma-se que “não foi esclarecido se a utilização do novo acesso é condicionante para a liberação do museu, e nem se esse acesso leva a uma via pública ou a uma via interna, privativa do condomínio”.

 

21. O p. 2º do art. 2º da Lei Rouanet estabelece:

§ 2o  É vedada a concessão de incentivo a obras, produtos, eventos ou outros decorrentes, destinados ou circunscritos a coleções particulares ou circuitos privados que estabeleçam limitações de acesso.   
 

22. Em primeiro lugar, destaco que a decisão quanto ao enquadramento de um condomínio privado fechado como sendo um circuito privado é de cunho técnico, e não jurídico.

 

23. Assim sendo, e tendo a a área técnica entendido que um condomínio privado fechado caracteriza um circuito privado, revela-se fundamental que não haja nenhuma limitação de acesso ao museu. Ou seja, desde a entrada do condomínio até a entrada do museu, o acesso deve ser livre.

 

24. Desde já, esclareço que a decisão tomada na Ata SEI 1574703 garante, apenas, o funcionamento e demais atividades relativas ao museu, decisão essa que, inclusive, pode ser reavaliada. Ou seja, ela não garante o livre acesso às dependências do museu.

 

25. O proponente, em seu Recurso (1674568), alega que “um novo acesso será disponibilizado de forma exclusiva aos visitantes do WS, que serão recebidos no portão pela equipe do espaço”.

 

26. Do ponto de vista jurídico, essa simples afirmação do proponente (“um novo acesso será disponibilizado”), não á apta a conferir a segurança jurídica necessária a viabilizar a concessão de incentivo.

 

27. A meu ver, e em tese[3], somente o estabelecimento de uma servidão seria apto a viabilizar, com segurança jurídica e mediante interpretação analógica (posto que estamos tratando de um condomínio) o livre acesso do público da entrada do condomínio até as dependências do museu.

 

28. A servidão é prevista no art. 1.378 do Código Civil:

 

Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis.
 

29. A servidão constitui um direito real de uso, e estabelece uma relação entre dois prédios distintos (no caso, o lote do proponente e a área do condomínio), que, se o conjunto fático permitir, poderia assegurar o livre acesso do público, desde a entrada do condomínio até as dependências do museu - cumprindo-se, dessa forma, a exigência contida no p. 2º do art. 2º da Lei Rouanet.

 

III. CONCLUSÃO 

 

30. Diante do exposto, manifesto-me da seguinte forma: (i) a deliberação contida na Ata SEI 1674703 - liberação do funcionamento, operação, visitação e demais atividades e demais atividades do Aircraft Museum pode ser revista, caso necessário, mediante convocação de nova Assembleia Extraordinária, nos termos do Estatuto Social da Associação Estância Teimoso. Ou seja, embora se trate de uma liberação por tempo indeterminado, ela é passível de revisão, sobretudo frente às regras do direito de vizinhança previstas nos arts. 1277 a 1.313 do Código Civil; e (ii) a simples afirmação do proponente, no sentido de que “um novo acesso será disponibilizado de forma exclusiva aos visitantes do WS, que serão recebidos no portão pela equipe do espaço”, não atende à exigência prevista no p. 2º do art. 2º da Lei Rouanet.

 

31. É o Parecer.

 

Brasília, 09 de maio de 2024.

 

                        Larissa Fernandes Nogueira da Gama

                        Advogada da União

 

 


[1] Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:

I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;

(...)

V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

[2] A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 

[3] A expressão “em tese” consta no texto porque, pelas informações trazidas aos autos, e dada a ressalva contida no item itens 5.1. da Nota Técnica nº 17/2024/DFIND/SECFC/GM/MinC (1672835), não há como se afirmar com certeza sobre a viabilidade de sua instituição.

 

 


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