ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


PARECER n. 00119/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.005365/2024-66

INTERESSADOS: ASSESSORIA ESPECIAL DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS AEAI/GM/MINC

ASSUNTOS: MEMORANDO DE ENTENDIMENTO

 

 

EMENTA: I. Direito internacional. Parceria com ente público estrangeiro. Minuta de Memorando de Entendimento. Instrumento não vinculante e não oneroso. II. Possibilidade jurídica. III. Recomendações

 

 

 

RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 2106/2024/GM/MinC (SEI  1755608), o Gabinete da Ministra solicita a esta Consultoria análise e manifestação sobre minuta de Memorando de Entendimento em matéria cultural a ser firmado por ocasião da visita do Presidente da República do Benim ao Brasil,  com o seguinte objetivo (SEI 1663704):

 

Artigo primeiro : Objeto
O presente Memorando de Entendimento determina o quadro jurídico e as modalidades para dinamizar a cooperação cultural, artística, turística, museológica, científica e patrimonial entre as Partes.

 

Para o que interessa à presente análise, além da minuta de Memorando de Entendimento (SEI 1663704), foi juntada aos autos a Nota Técnica nº 25/2024 (SEI 1745074), da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais - AEAI/GM/MinC,  o Ofício nº 1186/2024/GAB/PR-FCP, da Fundação Cultural Palmares (SEI 1741795), o Ofício nº 1/2024/SCDC/CODC/SCDC/GAB/SCDC/GM/MinC (SEI 1742677), da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural, e o Ofício Nº 6/2024/ASINPI/DPI-IPHAN (SEI 1752084), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que fornecem a fundamentação técnica do ato e o histórico da demanda.

 É o relatório.

 

ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.

Quanto aos aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade do ajuste, cabe à área técnica justificar e motivar o ato, atribuições que fogem à seara de competências desta Consultoria, como dito acima.

Nesse sentido, foi juntada aos autos a Nota Técnica nº 25/2024 (SEI 1745074), da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais - AEAI/GM/MinC, que fornece a fundamentação técnica do ato e o histórico da demanda, concluindo no seguinte sentido:

 

3.3. (...) "cabe destacar que a celebração do instrumento com o Benim está alinhada com as diretrizes de política externa do atual governo, que busca aproximação com países de África. A assinatura do Memorando de Entendimento, além de atualizar as bases para a cooperação bilateral, possibilitará o intercâmbio cultural entre Benim e Brasil, além de favorecer a promoção da diversidade cultural em ambos os territórios".

 

A Fundação Cultural Palmares, em seu Ofício nº 1186/2024/GAB/PR-FCP (SEI 1741795), por sua vez, afirma sobre o Memorando de Entendimento:

 
[...]
a) Os objetivos delineados no documento, assim como os domínios de cooperação propostos, denotam uma abordagem abrangente e em consonância com as exigências e interesses culturais de ambas as nações. As ações de cooperação delineadas na Minuta do Memorando, tais como o intercâmbio de expertise, a colaboração em projetos museográficos e o fomento do intercâmbio cultural e acadêmico, evidenciam um compromisso recíproco com a promoção e salvaguarda do patrimônio cultural compartilhado entre os dois países;
b) Benim e Brasil compartilham patrimônios históricos devido ao fato de que ambas as nações se formaram num contexto de violenta colonização europeia e ambas conquistaram sua independência muito tardiamente: o Brasil em 1822 e o Benim apenas em 1960. Há traços sociais, culturais e religiosos que interligam esses dois povos, havendo influência mútua que se manifesta na arquitetura, na celebração do carnaval de rua e em festas tradicionais promovidas pelos agudás (veja um artigo sobre isso). Assim, reconhecendo a importância da influência inter-religiosa encontrada em Benim e sua cultura, acreditamos que o estabelecimento de um entendimento cooperativo é muito salutar para esta FCP;
c) As menções nos arts. 1º, 2º e 3º da Minuta do desenvolvimento cooperativo para a gestão de museus, de ações educativo-culturais e de conservação, restauração e valorização dos patrimônio materiais e imaterias, demonstram que, no cerne do entendimento, estão previstas atividades importantes para a atuação institucional da FCP.
[...]
 

Ainda sobre os aspectos técnicos, a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural, por meio do Ofício nº 1/2024/SCDC/CODC/SCDC/GAB/SCDC/GM/MinC (SEI 1742677), opina:

 
[...]
Tendo em vista que o Brasil recebeu um grande fluxo de escravos vindos do Benin, que trouxeram consigo costumes e tradições que influenciaram fortemente a cultura brasileira, seja na língua, na culinária, nas danças, nas músicas e em algumas religiões, bem como em demais costumes dos diversos grupos vindos do continente africano, manifestamo-nos de forma favorável ao Memorando de Entendimento tal como proposto, uma vez que ele abarca nas ações de cooperação as áreas de ação cultural, patrimonial (material e imaterial) e a valorização das culturas afro-brasileiras.
[...]

 

Por sua vez, o IPHAN, por meio do Ofício Nº 6/2024/ASINPI/DPI-IPHAN (SEI 1752084), informa:

 

Entendemos que, no formato atual, o texto já contempla o interesse deste Instituto, manifesto em articulações anteriores que visavam um projeto de cooperação específico com o Benin, em tratar das temáticas dos legados afro-diásporicos no Brasil e das influências dos afro-brasileiras no Benin por meio dos "retornados", descendentes de mercadores de escravos e ex-escravos libertos no Brasil (afro-brasileiros) que retornaram ao Benin entre os séculos XVIII e XIX.

 

Como dito, o ato em análise é um Memorando de Entendimento que se pretende celebrar entre o Brasil e o Benim, com o objetivo de determinar "o quadro jurídico e as modalidades para dinamizar a cooperação cultural, artística, turística, museológica, científica e patrimonial entre as Partes". 

O instrumento encontra amparo jurídico no Acordo Cultural firmado entre Brasil e Benim (então denominado Daomé) em Cotonou, em 11 de julho de 1972, aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 32/1973 e promulgado por meio do Decreto n. 74.506/1974 [1].

Dito isso, observo que é variada a denominação dada aos atos internacionais. Embora a denominação escolhida não influencie o caráter do instrumento, ditada pelo arbítrio das partes, pode-se estabelecer certa diferenciação na prática diplomática, decorrente do conteúdo do ato e não de sua forma. As denominações mais comuns são tratado, acordo, convenção, protocolo e memorando de entendimento.

Memorando de Entendimento, especificamente, é a designação comum para atos redigidos de forma simplificada, destinados a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes nos planos político, econômico, cultural ou em outros. Conforme exposto no o Manual de Redação Oficial e Diplomática do Itamaraty:

 

Memorando de entendimento designa ato de forma bastante simplificada destinado a registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as partes, em particular nos planos político, econômico, cultural, científico e educacional, bem como definir linhas de ação e áreas de cooperação. Em geral, a nomenclatura “memorando de entendimento” é usada para atos que prescindam de aprovação congressual e que possam entrar em vigor na data de sua assinatura.

 

Assim, os Memorandos de Entendimento são instrumentos ordinariamente utilizados para formalizar a intenção das Partes para a consecução de determinado objeto específico, sendo, em síntese, verdadeiros protocolos de intenções, sem força vinculante, vez que não criam obrigações ou direitos entre os celebrantes, tratando-se de articulação embrionária de avenças futuras e que ganham forma para dar maior solenidade às intenções manifestadas.

É da natureza do instrumento não definir qualquer obrigação entre as partes, quer no plano do direito internacional, quer no plano doméstico, o que lhe retira ao menos parcela de seu caráter operacional, limitando-se mais a estabelecer, assim, princípios gerais que nortearão futuras cooperações de interesse das instituições envolvidas, se for o caso.

Portanto, o Memorando de Entendimento não pode gerar, por si só, a obrigação de as partes pactuarem iniciativas de cooperação, já que não pode haver vinculação jurídica obrigacional neste tipo de instrumento. A base para estes futuros acordos deverá ser um Tratado assinado pelo Presidente da República ou outro agente plenipotenciário, incorporado ao ordenamento jurídico interno com decreto legislativo e posterior decreto presidencial de incorporação.

Nesse sentido é a definição encartada pelo Manual de Gestão da Cooperação Técnica Sul-Sul da Agência Brasileira de Cooperação:

 

Os Memorandos de Entendimento (MdE) e as Declarações Conjuntas são atos redigidos de forma genérica e simplificada, destinados a registrar a intenção das Partes (que podem ser Governos ou organizações internacionais) em estabelecer iniciativas de cooperação técnica Sul-Sul, definidas em amplas linhas de ação. O Memorando de Entendimento é um documento de função meramente política e não pode gerar obrigações de qualquer espécie e tampouco prever o empenho de recursos. Em vista disso, o MdE não faz referência a valores orçamentários e não inclui termos referentes a mecanismos ou arranjos de execução ou implementação das futuras iniciativas. Para o Governo brasileiro, o Memorando de Entendimento não oferece respaldo jurídico a iniciativas de cooperação. Este instrumento não requer ratificação pelo Congresso Nacional e, na medida em que não criem compromissos gravosos para a União, podem entrar em vigor na data da assinatura.(destacamos) Disponível em: http://www.abc.gov.br/Content/ABC/docs/Manual_SulSul_v4.pdf. Acesso em 22.04.2020

 

Nessa esteira, eventuais ajustes futuros que concretizem esta intenção de cooperação inicial deverão se basear nos Tratados assinados com os partícipes e, a depender do caso, a aplicação do Decreto nº 5.151, de 22 de julho de 2004, sempre com a participação da ABC na formalização do instrumento.

Vale notar que os Artigos 6 e 10 da Minuta de Memorando dispõem:

 

Artigo 6 : Modalidades financeiras de execução
Cada Parte assume os custos relacionados à sua participação na implementação do presente Memorando de Entendimento, salvo acordos em contrário entre as Partes.
A Parte que hospeda uma reunião no âmbito do presente Memorando de Entendimento arca com os custos relacionados à sua organização.
 
Artigo 10 : Aplicação e abrangência
As Partes agem de boa-fé na implementação do presente Memorando de Entendimento, porém não assumem qualquer obrigação legal nesse sentido.
 

Portanto, o instrumento não envolve transferência de recursos e não estabelece obrigação legal entre as Partes. Assim, caso venha a ser necessário o financiamento de qualquer despesa de uma parte por outra, deve ser celebrado novo instrumento com essa finalidade específica, seguindo os ritos oficiais específicos.

De fato, o Memorando de Entendimento é um instrumento não-vinculante, que não implica compromisso de transferência de recursos do Estado brasileiro ou atividades gravosas ao patrimônio nacional, de modo que não precisa ser submetido ao Congresso Nacional.

Vale notar que somente os atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional devem ser aprovados pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal, bem como ser celebrados pelo Presidente da República ou agente plenipotenciário natos, sujeitos ao referendo do Congresso Nacional, como determina o art. 84, VIII da Constituição Federal, senão vejamos:

 

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

 

Assim, o fato de o instrumento não trazer compromissos ou vinculação jurídica ao País no plano internacional, faz com que também não precise ser obrigatoriamente subscrito pelo Presidente da República, pelo Ministro das Relações Exteriores e/ou outra autoridade plenipotenciária ou agente com carta de plenos poderes.

No que diz respeito à competência para assinar o instrumento, como a minuta indica o Ministro das Relações Exteriores como signatário, não há o que se opor, já que este é autoridade plenipotenciária, nos termos do artigo 7, parágrafo 2, item 'a', da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (promulgada pelo Decreto nº 7.030/2009), que dispõe:

 

Plenos Poderes 
1. Uma pessoa é considerada representante de um Estado para a adoção ou autenticação do texto de um tratado ou para expressar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado se: 
a)apresentar plenos poderes apropriados; ou 
b)a prática dos Estados interessados ou outras circunstâncias indicarem que a intenção do Estado era considerar essa pessoa seu representante para esses fins e dispensar os plenos poderes. 
2. Em virtude de suas funções e independentemente da apresentação de plenos poderes, são considerados representantes do seu Estado: 
a) os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado; 
b) os Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão acreditados; 
c)os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou órgão.

 

Observo que o Artigo 7 indica o Ministério da Cultura como uma das autoridades responsáveis pela implementação do presente Memorando de Entendimento:

 
Artigo 7 : Autoridades competentes
As autoridades responsáveis pela implementação do presente Memorando de Entendimento são:
- para a República do Benin: o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério do Turismo, Cultura e Artes;
- para a República Federativa do Brasil: o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Cultura.

 

A este respeito, não há dúvidas quanto à competência do Ministério para tratar do tema, tendo em vista o disposto no art. 21 da Lei n. 14.600/2023, e no art. 1º do Decreto nº 11.336/2023.

​Sobre a prorrogação (renovação) automática, prevista no Artigo 15, observo que, dada a natureza jurídica não vinculante e não onerosa do instrumento, a autoridade signatária possui discricionariedade para avaliar a oportunidade e conveniência de celebrá-lo por prazo indeterminado ou determinado, com sucessivas prorrogações automáticas.

Observo, ainda, que, considerando a natureza jurídica das partes  e o objeto do ajuste, o presente Memorando de Entendimento não se sujeita à disciplina do Decreto nº 11.531/2023 ou da Portaria Interministerial nº 33/2023, que dispõem sobre transferência e descentralização de recursos da União mediante convênios, contratos de repasse e termos de execução descentralizada, tampouco à Lei nº 14.133/2021 ou à Lei nº 13.019/2014.

Por fim, com relação à minuta ora ​submetida à análise desta Consultoria (SEI 1663704), observo que  esta contém os dispositivos necessários e suficientes para a finalidade a que se destina.

 

 

CONCLUSÃO

Ante o exposto, ressalvados os aspectos técnicos e de conveniência e oportunidade na efetivação do ajuste, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, e ainda considerando-se a manifestação favorável do órgão técnico competente, cumpre opinar pela regularidade do procedimento, e pela aprovação da minuta submetida à apreciação desta Consultoria Jurídica, sem prejuízo de eventuais recomendações advindas da Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Relações Exteriores.

Por fim, vale lembrar que, de acordo com o Enunciado nº 05 do Manual de boas Práticas Consultivas da AGU, não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.

Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam, na sequência, encaminhados ao GABINETE DA MINISTRA, para as providências cabíveis.

 

Brasília, 20 de maio de 2024.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 

Notas:

[1] https://concordia.itamaraty.gov.br/detalhamento-acordo/2039?tipoPesquisa=2&TituloAcordo=daom%C3%A9&TipoAcordo=BL,TL,ML

 


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