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CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


PARECER n. 00121/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.016298/2023-24

INTERESSADOS: DIVISÃO DE PROTOCOLO/DIPRO/MINC.

ASSUNTOS: PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONVÊNIO.

 

EMENTA:
I. Consulta. Direito Administrativo. Convênio.
II. Prestação de contas. Alegação de caso fortuito/força maior posterior a entrega da documentação.
III. Instrução Normativa STN nº 1, de 15 de janeiro de 1997. Jurisprudência do Tribunal de Contas da União.

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de consulta realizada pela Secretaria-Executiva do Ministério da Cultura acerca da prestação de contas do Convênio nº 170/2003, face à alegação do convenente, que afirma que documentos solicitados para regularização da prestação de contas financeira do convênio não podem ser apresentados, em decorrência do incêndio que ocorreu na empresa contratada para guarda da documentação, e face ao PARECER n. 00097/2018/CONJUR-MINC/CGU/AGU, que analisou inicialmente o presente caso (SEI nº 0519735).

 

Narra a Coordenação-Geral de Análise de Prestação de Contas na Nota Técnica nº 12/2024 (SEI nº 1419783) que o Convênio nº 170/2003 foi firmado entre Ministério da Cultura e o Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM, objetivando o apoio ao projeto “Atividades MAM – 2003 – que visa: Continuidade das Atividades do MAM”, no valor de R$ 1.711.997,66, sendo R$ 1.540.797,90 relativo à parte do concedente e R$ 171.199,76 de contrapartida, conforme Termo de Convênio (SEI nº 0481182, p. 180).

 

Informa que a prestação de contas do convênio foi apresentada em 27/10/2006. Após uma primeira solicitação de complementação da documentação, a análise técnica da prestação de contas, quanto à execução física e à avaliação dos resultados do projeto, teria sido aprovada em 2010, seguindo os autos para análise financeira.

 

Na análise financeira, observou-se a ausência dos documentos fiscais que foram solicitados à entidade no ano de 2017. Em sequência, a convenente informou que não seria possível entregar os mencionados documentos, uma vez que "em 04 de setembro de 2011, a INTERFILE, empresa especializada na guarda de documentos, e que armazenava os documentos do Museu, sofreu um incêndio de grandes proporções, que destruiu completamente diversos arquivos, incluindo aqueles requisitados por este Ministério". 

 

Face à justificativa apresentada, a então Coordenação de Análise de Prestação de Contas elaborou a Nota Técnica nº 7/2018 (SEI nº 0488512), indagando a Consultoria Jurídica acerca de qual posicionamento deveria ser adotado, em resumo, reprovação das contas ou admissibilidade excepcional da falta dos documentos fiscais.

 

Em reposta, foi então emitido o PARECER n. 00097/2018/CONJUR-MINC/CGU/AGU (SEI nº 0519735) que concluiu que "diante de a impossibilidade, neste autos, de se verificar se o sinistro ocorrido no Museu de Arte Moderna de São Paulo se enquadra como caso fortuito ou força maior, bem como por sua omissão no decorrer de mais de 04 (quatro) anos em prestar as contas e, ainda, pela possibilidade de diligenciar cópias de aludidos documentos fiscais junto a fornecedores, recomendamos que seja concedido, mais uma vez, prazo para que o Proponente apresente os documentos fiscais - originais ou cópias - que comprovam as despesas realizadas na execução do ajuste, sob pena de "Reprovação integral da Prestação de Contas motivada pela falta dos documentos fiscais para comprovação das despesas do aludido convênio, na forma definida pelo art. 30 da IN/STN 01/1997".

 

Nesse cenário, diante do não encaminhamento dos documentos fiscais, novamente solicitados pela Pasta Ministerial, foi elaborado o Parecer Financeiro nº 337/2022/CAFTC/CGPC/SGFT/GSE (SEI nº 0927183) que concluiu pela reprovação das contas.

 

A entidade convenente apresentou recurso solicitando o reconhecimento do sinistro de incêndio como uma causa impeditiva de entrega dos documentos fiscais de modo que, a área técnica, após destacar o exposto no art. 64, §2º da Instrução Normativa MinC nº 11, de 30 de janeiro de 2024, indaga a esta Consultoria Jurídica:

 

 

É o relatório.

 

ANÁLISE JURÍDICA

 

A Consultoria Jurídica procede à análise com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, nos termos do Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU nº 7:

 

“A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento” (Manual de Boas Práticas Consultivas. 4.ed. Brasília: AGU, 2016, página 32).

 

Nesse sentido, não compete à Consultoria Jurídica a análise acerca do mérito do parecer de contas físico e financeiro, ou mesmo o quantitativo de valores que eventualmente devem ser devolvidos. A análise jurídica recairá sobre os efeitos da alegação de incêndio (caso fortuito/força maior) na prestação de contas do Convênio nº 170/2003 e da aplicabilidade ou não da Instrução Normativa MinC nº 11, de 30 de janeiro de 2024 ao presente caso.

 

O Convênio nº 170/2003 foi celebrado em 26 de dezembro de 2003, de modo que é regido pela Instrução Normativa STN nº 1, de 15 de janeiro de 1997.

 

Sobre a prestação de contas, a mencionada norma expressa:

 

Art. 28. O órgão ou entidade que receber recursos, inclusive de origem externa, na forma estabelecida nesta Instrução Normativa, ficará sujeito a apresentar prestação de contas final do total dos recursos recebidos, que será constituída de relatório de cumprimento do objeto, acompanhada de:
I - Plano de Trabalho - Anexo I - fls. 1/3, 2/3 e 3/3;
II - cópia do Termo de Convênio ou Termo Simplificado de Convênio, com a indicação da data de sua publicação - Anexo II;
III - Relatório de Execução Físico-Financeira - Anexo III;
IV - Demonstrativo da Execução da Receita e Despesa, evidenciando os recursos recebidos em transferências, a contrapartida, os rendimentos auferidos da aplicação dos recursos no mercado financeiro, quando for o caso e os saldos - Anexo IV;
V - Relação de Pagamentos - Anexo V;
VI - Relação de Bens (adquiridos, produzidos ou construídos com recursos da União) - Anexo VI;
VII - Extrato da conta bancária específica do período do recebimento da 1ª parcela até o último pagamento e conciliação bancária, quando for o caso;
VIII - cópia do termo de aceitação definitiva da obra, quando o instrumento objetivar a execução de obra ou serviço de engenharia;
IX - comprovante de recolhimento do saldo de recursos, à conta indicada pelo concedente, ou DARF, quando recolhido ao Tesouro Nacional.
X - cópia do despacho adjudicatório e homologação das licitações realizadas ou justificativa para sua dispensa ou inexigibilidade, com o respectivo embasamento legal, quando o convenente pertencer à Administração Pública.
§ 1º O convenente que integre a Administração Direta ou Indireta do Governo Federal, fica dispensado de anexar à prestação de contas os documentos referidos nos incisos V, VI, VII, IX e X deste artigo.
§ 2º O convenente fica dispensado de juntar a sua prestação de contas final os documentos especificados nos incisos III a VIII e X, deste artigo relativos às parcelas que já tenham sido objeto de prestação de contas parciais.
§ 3º O recolhimento de saldo não aplicado, quando efetuado em outro exercício, sendo a unidade concedente órgão federal da Administração Direta, será efetuado ao Tesouro Nacional, mediante DARF.
§ 4º A contrapartida do executor e/ou do convenente será demonstrada no Relatório de Execução Físico-Financeira, bem como na prestação de contas.
§ 5º A prestação de contas final será apresentada ao concedente até sessenta dias após o término da vigência do convênio, definida conforme disposto no inciso III do art. 7º desta Instrução Normativa. Redação alterada p/IN nº 2/2002
 
Art. 29. Incumbe ao órgão ou entidade concedente decidir sobre a regularidade, ou não, da aplicação dos recursos transferidos, e, se extinto, ao seu sucessor.
 
Art. 30. As despesas serão comprovadas mediante documentos originais fiscais ou equivalentes, devendo as faturas, recibos, notas fiscais e quaisquer outros documentos comprobatórios serem emitidos em nome do convenente ou do executor, se for o caso, devidamente identificados com referência ao título e número do convênio.
§ 1º Os documentos referidos neste artigo serão mantidos em arquivo em boa ordem, no próprio local em que forem contabilizados, à disposição dos órgãos de controle interno e externo, pelo prazo de 5 (cinco) anos, contados da aprovação da prestação ou tomada de contas, do gestor do órgão ou entidade concedente, relativa ao exercício da concessão.
§ 2º Na hipótese de o convenente utilizar serviços de contabilidade de terceiros, a documentação deverá ficar arquivada nas dependências do convenente, pelo prazo fixado no parágrafo anterior.
 
Art. 31. A partir da data do recebimento da prestação de contas final, o ordenador de despesa da unidade concedente, com base nos documentos referidos no art. 28 e à vista do pronunciamento da unidade técnica responsável pelo programa do órgão ou entidade concedente, terá o prazo de 60 (sessenta) dias para pronunciar-se sobre a aprovação ou não da prestação de contas apresentada, sendo 45 (quarenta e cinco) dias para o pronunciamento da referida unidade técnica e 15 (quinze) dias para o pronunciamento do ordenador de despesa.
§ 1º A prestação de contas parcial ou final será analisada e avaliada na unidade técnica responsável pelo programa do órgão ou entidade concedente que emitirá parecer sob os seguintes aspectos:
I - técnico - quanto à execução física e atingimento dos objetivos do convênio, podendo o setor competente valer-se de laudos de vistoria ou de informações obtidas junto a autoridades públicas do local de execução do convênio;
II - financeiro - quanto à correta e regular aplicação dos recursos do convênio.
§ 2º Recebida a prestação de contas final, o ordenador de despesa da unidade concedente deverá efetuar, no SIAFI, o registro do recebimento. § acrescido p/IN STN nº 1/2004
§ 2º-A - O descumprimento do prazo previsto no § 5º do art. 28 desta Instrução Normativa obriga o ordenador de despesa da unidade concedente à imediata instauração de tomada de contas especial e ao registro do fato no Cadastro de Convênios do SIAFI. § acrescido p/IN STN nº 1/2004
§ 3º Aprovada a prestação de contas final, o ordenador de despesa da unidade concedente deverá efetuar o devido registro da aprovação da prestação de contas no cadastro de convênios do SIAFI e fará constar, do processo, declaração expressa de que os recursos transferidos tiveram boa e regular aplicação. Redação alterada p/IN STN nº 1/2000
§ 4º Na hipótese de a prestação de contas não ser aprovada e exauridas todas as providências cabíveis, o ordenador de despesas registrará o fato no Cadastro de Convênios no SIAFI e encaminhará o respectivo processo ao órgão de contabilidade analítica a que estiver jurisdicionado, para instauração de tomada de contas especial e demais medidas de sua competência, sob pena de responsabilidade.
§ 5º O órgão de contabilidade analítica examinará, formalmente, a prestação de contas e, constatando irregularidades procederá a instauração da Tomada de Contas Especial, após as providências exigidas para a situação, efetuando os registros de sua competência.
§ 6º Após a providência aludida no parágrafo anterior, o respectivo processo de tomada de contas especial será encaminhado ao órgão de controle interno para os exames de auditoria previstos na legislação em vigor e providências subseqüentes.
§ 7º Quando a prestação de contas não for encaminhada no prazo convencionado, o concedente assinará o prazo máximo de 30 (trinta) dias para sua apresentação, ou recolhimento dos recursos, incluídos os rendimentos da aplicação no mercado financeiro, acrescidos de juros e correção monetária, na forma da lei, comunicando o fato ao órgão de controle interno de sua jurisdição ou equivalente.
§ 8º Esgotado o prazo, referido no parágrafo anterior, e não cumpridas as exigências, ou, ainda, se existirem evidências de irregularidades de que resultem em prejuízo para o erário, a unidade concedente dos recursos adotará as providências previstas no § 4º deste artigo.
§ 9º Aplicam-se as disposições dos §§ 5º, 6º e 7º deste artigo aos casos em que o convenente não comprove a aplicação da contrapartida estabelecida no convênio, bem como dos rendimentos da aplicação no mercado financeiro.
§ 10. Os atos de competência do ordenador de despesa da unidade concedente e assim como os de competência da unidade técnica responsável pelo programa, do órgão ou entidade concedente, poderão ser delegados nos termos dos artigos 11 e 12 do Decreto-Lei nº 200/1967.

 

Verifica-se que a norma acima indica o prazo para apresentação das contas (art. 28, §5º), que serão analisadas pelo órgão concedente (art. 29), sob aspecto técnico e financeiro (art. 31, §1º). 

 

A norma dispõe detalhadamente quais documentos devem ser apresentados (art. 28) e expressa claramente que as "despesas serão comprovadas mediante documentos originais fiscais ou equivalentes" (art. 30).

 

No presente caso concreto, observa-se que, aparentemente, a prestação de contas foi entregue inicialmente dentro do prazo estipulado pela legislação, todavia a documentação apresentada não foi suficiente para comprovar as despesas efetuadas. 

 

O órgão concedente até concedeu prazo para o convenente regularizar a situação, mas o convenente informa que, em função de um incêndio ocorrido no ano de 2011, não poderia apresentar documentos comprobatórios relacionados ao instrumento.

 

Verifica-se assim que a alegação de incêndio (caso fortuito/força maior) é posterior à apresentação das contas. 

 

É possível verificar também que o Capítulo VIII, Seção I, da Instrução Normativa STN nº 1, de 15 de janeiro de 1997, acima transcrita, não garante ao convenente um direito subjetivo para complementar a documentação apresentada.

 

A norma é clara ao estabelecer como são comprovadas as despesas e quais documentos devem ser apresentados a título de prestação de contas. 

 

Embora seja comum a Administração Pública Federal, enquanto órgão concedente, dispor de prazo adicional para os convenentes sanarem alguma irregularidade, esta possibilidade não é expressa no normativo, de modo que não se caracteriza um direito subjetivo do convenente.

 

Desta forma, a alegação de incêndio (caso fortuito/força maior) não pode impedir a regular análise pelo concedente das contas, visto que elas já foram apresentadas, embora e aparentemente, de forma insuficiente para comprovar todas as despesas.

 

Nesse cenário, não se pode impor uma onerosidade exclusiva ao órgão concedente, haja vista que cabia ao convenente, nos termos da legislação, apresentar toda a documentação, bem como a correta comprovação das despesas realizadas, no tempo hábil, sendo de sua responsabilidade a suficiência da documentação entregue, visando sua aprovação.

 

No mesmo sentido é o entendimento do Tribunal de Contas da União, que expressa que "contas não podem ser consideradas iliquidáveis quando o gestor não cumpre a obrigação de prestar contas na época apropriada ou, quando o faz, não apresenta toda a documentação necessária". É o exposto, por exemplo, no Acórdão nº 1499/2018- Plenário:

 

As contas não podem ser consideradas iliquidáveis quando o gestor não cumpre a obrigação de prestar contas na época apropriada ou, quando o faz, não apresenta toda a documentação necessária.
Excerto
Voto:
Aprecio o recurso de revisão interposto por [recorrente], ex-secretário municipal de Saúde, contra o Acórdão 4.937/2016-TCU-1ª Câmara (Rel. Min. Bruno Dantas) , que julgou irregulares as suas contas e as de outros responsáveis, condenou-os em débito, solidariamente, e aplicou-lhes multa, em razão de irregularidades na execução financeira dos recursos transferidos, na modalidade fundo a fundo, do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Municipal de Saúde de Santana/AP, no exercício de 2007.
[...]
3.Cabe rememorar que os fatos apurados nesta tomada de contas especial originaram-se de auditoria promovida pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) , em atendimento a solicitação do Ministério Público do Estado do Amapá.
4.Conforme anotado na instrução da Serur, no âmbito do processo judicial decorrente de ação de obrigação de fazer movida pelo recorrente, com a finalidade de obtenção de documentos de posse do município para subsidiar sua defesa, aquele deixou de receber a documentação disponibilizada pela edilidade, em fevereiro de 2018, tendo ignorado prazo de intimação judicial.
5.De se estranhar tal comportamento processual na medida em que, se o recorrente reputava tais documentos essenciais para exercício de seu direito de defesa, haveria tempo suficiente para tê-los obtido e formulado, se fosse o caso, pedido de suspensão de julgamento, adição recursal ou, diretamente, apresentado peça complementar que levasse em consideração aqueles elementos disponibilizados na demanda judicial.
6.Ainda que o responsável não tivesse tido acesso à documentação que aduz imprescindível à sua defesa no processo – como visto anteriormente não foi o que de fato ocorreu –, não lhe seria favorável a tese das contas iliquidáveis, porquanto, na condição de secretário de saúde municipal, deveria ter prestado contas das despesas no período em que esteve no cargo público e mantido os documentos em sua posse.
7.Como se vê, não se aplica tal disposição ao caso concreto ante a inexistência de caso fortuito ou de força maior, comprovadamente alheio à vontade do responsável (art. 20 da Lei 8.443/1992) .
8.Nesse sentido, transcrevo entendimento manifesto na jurisprudência deste Tribunal:
Só há contas iliquidáveis diante de fatos alheios à vontade do gestor. Se ele não cumpre a obrigação de prestar contas na época apropriada ou, quando o faz, não apresenta toda a documentação necessária, não pode alegar demora na instauração da tomada de contas especial para se eximir dos compromissos que contraiu ao assinar o convênio [...] (Acórdãos 293/2017 e 842/2017, do Plenário; Rel. Ministro Benjamim Zymler)
9.Dessa forma, uma vez que o recorrente não oferece elementos probatórios no intuito de efetivamente contrapor as razões pelas quais fora condenado, limitando-se a arguir dificuldade de obtenção de documentos – argumentação, como visto acima, improcedente –, nego provimento ao recurso, incorporando às minhas razões de decidir os fundamentos contidos na instrução da unidade técnica, com os quais também concordou o Ministério Público junto ao TCU.
Acórdão:
9.1. conhecer do presente recurso, com fundamento no art. 35, inciso III, da Lei 8.443, de 16 de julho de 1992, e, no mérito, negar-lhe provimento; e

 

Em caso semelhante, cita-se, por exemplo, parte do Voto do Ministro Relator do TCU proferido no bojo do Acórdão n. 997, de 2007, 2 Câmara:

 

VOTO
incêndio ocorrido na Prefeitura de Pintópolis – MG se deu em 13.12.2000, consoante boletim de ocorrência acostado à fl. 144. A data final para a prestação de contas, nos termos da Cláusula Terceira do Convênio, era 10 de março de 1998. Portanto, se existe agora eventual impossibilidade material de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos, essa decorre de desídia do responsável, que não apresentou suas contas no tempo certo. Não pode ele, por conseguinte, esperar que a desídia opere em seu favor.
3.         Os recursos, no total de R$ 50.000,00, foram retirados da conta bancária em 02.03.1998, por meio de cheque nominativo à firma Auto-Oriente Ltda. Não existe, entretanto, qualquer elemento que possibilite estabelecer o nexo entre o referido pagamento e a entrega de veículos à prefeitura. Destarte, não vejo como se possa concluir que os veículos apresentados pelo responsável referiam-se, de fato, ao Convênio.
4.         Friso, aliás, que mesmo em relação a esses veículos foi detectada impropriedade, qual seja sua transferência a terceiros quando decorridos menos de dois anos da data em que alegadamente teriam sido adquiridos, demonstrando que o objetivo social pretendido – transporte de alunos – não foi atingido.
5.         Ademais, incorreu em falsidade o responsável quando alegou que a transferência de propriedade de um desses veículos teria sido objeto de autorização pela Câmara Municipal. Conforme constato no documento juntado à fl. 150, o veículo objeto da referida autorização, que teria sido motivo de sinistro, é da marca Volkswagen, ao passo que aqueles supostamente adquiridos para o Convênio seriam da marca Kia. Também a placa do referido veículo é distinta das constantes daqueles que pretendeu o responsável demonstrar terem sido objeto da avença.'

 

Em julgados mais recentes, podemos destacar:

 

ACÓRDÃO 8084/2023 - PRIMEIRA CÂMARA
(...)
15.11. Importa ressaltar também que na relação dos papéis apreendidos pela Polícia Federal não consta (peça 32) os documentos que seriam necessários para a prestação de contas desta TCE, em que pese a ressalva de que mesmo se tivessem sido apreendidos, isso não elidiria a irregularidade em questão, pois as contas deveriam ter sido prestadas antes da realização da busca e apreensão.
15.12. Nesse sentido é a vasta jurisprudência desta Corte, como o trecho reproduzido a seguir, extraído da "Jurisprudência Selecionada" constante do Portal do TCU, do Acórdão 6667/2016-TCU-Primeira Câmara, da relatoria do Ministro Benjamin Zymler:
Só há contas iliquidáveis diante de fatos alheios à vontade do gestor. Se ele não cumpre a obrigação de prestar contas na época apropriada ou, quando o faz, não apresenta toda a documentação necessária, não pode alegar demora na instauração da tomada de contas especial para se eximir dos compromissos que assumiu ao assinar o convênio.
15.13. Dessa forma, justamente pelo princípio da verdade material, viu-se que não ocorreram fatos alheios à vontade do responsável que pudessem justificar as irregularidades detectadas na prestação de contas desta TCE.
(...)
 
ACÓRDÃO 5521/2023 - SEGUNDA CÂMARA
A ausência de caso fortuito ou de força maior, comprovadamente alheio à vontade do responsável, impede que as contas sejam consideradas iliquidáveis e ordenado o seu trancamento, conforme prescreve o art. 20 da Lei 8.443/1992. (Acórdão 848/2007-TCU-Primeira Câmara, relator Valmir Campelo)
A impossibilidade de verificação da efetiva existência de bens adquiridos com recursos de convênio, por fatos alheios à vontade do responsável, conduz ao julgamento das contas como iliquidáveis e ao consequente trancamento (artigos 20 e 21 da Lei 8.443/1992) . (Acórdão 7151/2014-TCU-Primeira Câmara, relator Augusto Sherman) .
Consideram-se iliquidáveis as contas, ordenando-se o seu trancamento e o consequente arquivamento dos autos (arts. 20 e 21 da Lei 8.443/1992) , quando, por fatores alheios à vontade do responsável, o longo transcurso de tempo entre a prática do ato e a citação comprometer o exercício regular da ampla defesa. (Acórdão 11936/2020-TCU-Segunda Câmara, relator Augusto Nardes) .
Só há contas iliquidáveis diante de fatos alheios à vontade do gestor. Se ele não cumpre a sua obrigação de prestar contas na época apropriada e, quando o faz, não apresenta toda a documentação necessária, não pode alegar demora na instauração da TCE para se eximir dos compromissos que contraiu ao assinar o convênio. (Acórdão 3845/2009-TCU-Primeira Câmara, relator Walton Alencar Rodrigues) .
(...)

 

No mesmo sentido, entendeu a Corte de Contas no seguinte acórdão de 2024:

 

ACÓRDÃO 3291/2024 - PRIMEIRA CÂMARA
(...)
6.5. Frise-se que a ocorrência de caso fortuito ou força maior não exime de responsabilidade gestores de recursos públicos que, tendo oportunidade de demonstrar na época certa prevista para a prestação de contas o correto emprego dos recursos sob sua gestão, não o tenham feito (art. 399 do Código Civil) - Acórdão 1040/2018-TCU-Primeira Câmara, rel. Ministro WALTON ALENCAR RODRIGUES. Nesse sentido, tem-se os Acórdão 2226/2014-TCU-Plenário, rel. Ministro WALTON ALENCAR RODRIGUES e 5644/2020-TCU-2ª Câmara, rel. Ministra ANA ARRAES.
6.6. Dessa forma, como Irineu Alves de Oliveira Júnior não demonstrou junto ao Denasus (na época certa prevista para a prestação de contas, período da auditoria - 13/1/2014 a 21/2/2014) o correto emprego dos recursos sob sua gestão, a ocorrência de caso fortuito ou força maior não o exime de responsabilidade.
6.7. As contas não podem ser consideradas iliquidáveis quando o gestor não cumpre a obrigação de prestar contas na época apropriada ou, quando o faz, não apresenta toda a documentação necessária. (Acórdão 1499/2018-TCU-Plenário, rel. Ministro AUGUSTO NARDES).
(...)

 

Em acréscimo, o PARECER n. 00097/2018/CONJUR-MINC/CGU/AGU (SEI nº 0519735), ao analisar o presente caso, destacou:

 

12.               Como se observa, o Proponente teve mais de 04 (quatro) anos, entre o fim da execução do convênio e a data do incêndio, para apresentar toda documentação necessária a comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos. Se não o fez, o que deveria ter feito em até um prazo de 60 (sessenta) dias, contados a partir de 31 de janeiro de 2007, não pode agora reclamar a incidência de força maior, evento ocorrido em junho de 2011, para justificar a impossibilidade de apresentar a documentação fiscal, repetimos, que deveria ter sido entregue até 01 de abril de 2007.
 
13.               Como se não bastasse, o evento, ocorrido nas dependências do Museu, não poderá ser, por si só, o motivo para fazer incidir a mitigação das obrigações ajustadas no Convênio, uma vez que, de posse da relação de pagamento e extratos bancários, atinentes a execução, poderia e deveria ter diligenciado, a tempo e a modo, junto as empresas fornecedoras dos serviços ou bens, cópias dos aludidos documentos fiscais.

 

 

Desta forma, seguindo a jurisprudência da Corte de Contas, como a prestação de contas já havia sido apresentada à época do incêndio, o alegado caso fortuito/força maior posterior não impede a regular análise das contas apresentadas pelo convenente.

 

No mesmo sentido se manifestou a Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Esporte no PARECER n. 00122/2023/CONJUR-MESP/CGU/AGU que concluiu ao analisar caso semelhante:

 

37. (...) entende-se que a alegação de incêndio (caso fortuito/força maior) não pode impedir a regular análise das contas apresentadas, visto que elas já haviam sido entregues na época do incidente, e não existe direito subjetivo à sua complementação, não se podendo impor ao órgão concedente este ônus posterior.
 
38. Desta forma, se com os documentos apresentados, após análise, o órgão técnico competente entender pela rejeição das contas, deve-se operar com as ordinárias consequências da rejeição, como é o caso do registro de inadimplemento.

 

Vale destacar que estas conclusões não determinam necessariamente a rejeição das contas apresentas, apenas demonstram que a argumentação do caso fortuito/força maior, no presente caso, não é suficiente, por si só, para garantir a aprovação das contas ou exclusão de eventual dano.

 

Se determinados documentos não podem ser apresentados, a onerosidade não recai sobre o Ministério da Cultura. Caberá ao órgão concedente verificar a prestação de contas com os documentos apresentados quando da prestação de contas e futuras complementações que foram permitidas, decidindo, sob sua responsabilidade, pela aprovação, rejeição total ou parcial, bem como eventuais valores a serem ressarcidos.

 

Como já mencionado no início desta manifestação, a análise técnica/física e a análise financeira da prestação de contas não compete à Consultoria Jurídica, em outras palavras, se a Consultoria Jurídica determina a aprovação ou reprovação de contas estará avançando em aspectos técnicos, decidindo sobre algo que não tem competência e, consequentemente, desrespeitando a Instrução Normativa STN nº 1, de 15 de janeiro de 1997.

 

Nesse sentido, quando o PARECER n. 00097/2018/CONJUR-MINC/CGU/AGU (SEI nº 0519735) destacou a possibilidade de "Reprovação integral da Prestação de Contas", tal posicionamento deve ser compreendido em relação a toda a sistemática da Instrução Normativa STN nº 1, de 15 de janeiro de 1997.

 

A não entrega de uma documentação em específico pode ocasionar uma reprovação total, parcial, ou até mesmo uma aprovação, com ou sem ressalvas. O próprio art. 30 da Instrução Normativa cita, de forma exemplificada, uma série de documentos que podem ser apresentados "faturas, recibos, notas fiscais e quaisquer outros documentos comprobatórios".

 

Novamente, diante deste caso, caberá ao órgão concedente analisar a prestação de contas com os documentos entregues quando da apresentação da prestação de contas e das futuras complementações que foram permitidas, decidindo conclusivamente sobre as contas do convênio.

 

Por fim, a área técnica menciona a possibilidade de "decidir com discricionariedade pela aprovação das contas com base no § 2º, do art. 64, da Instrução Normativa MinC nº 11, de 30 de janeiro de 2024".

 

Discricionariedade é a margem de escolha que permite uma apreciação subjetiva da Administração Pública para escolher a forma mais adequada de realizar o interesse público. Definir entre iniciar um Edital para seleção de livros ou de roteiros de peças de teatro é um ato discricionário, que será efetivado pelo gestor pensando no melhor interesse público.

 

A análise de prestação de contas não é ato discricionário. O órgão concedente não pode decidir por uma aprovação pensando no bem da entidade recebedora dos recursos ou mesmo com fundamento no interesse público. A análise da prestação de contas é uma análise técnica (que difere da pura discricionariedade) e que deve ser fundamentada nas normas que disciplinam a prestação de contas, que não podem ser afastadas pelo servidor.

 

Por sua vez, a transferência de recursos através de convênios é regulamentada de maneira uniforme entre todos os órgãos da União. A competência para disciplinar convênios é conjunta do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, do Ministério da Fazenda e da Controladoria-Geral da União (art. 26, I, Decreto nº 11.531, de 2023).

 

As balizas de prestação de contas a serem observadas pelo Ministério da Cultura são as mesmas a serem observadas por todos os demais órgãos da Administração Pública Federal. No caso dos autos, pela data de celebração do convênio, a Instrução Normativa STN nº 1, de 1997.

 

A Instrução Normativa MinC nº 11, de 30 de janeiro de 2024 e, consequentemente seu art. 64, §2º, não se aplicam ao presente caso. A mencionada norma se aplica aos procedimentos administrativos do mecanismo de incentivo fiscal, não aos convênios que, como visto, possuem regras específicas e autoridades específicas para regulamentar suas etapas, como a prestação de contas. 

 

 

CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, ressalvados os aspectos de conveniência e oportunidade, não sujeitos ao crivo desta Consultoria Jurídica, entende-se que a alegação de incêndio (caso fortuito/força maior) não pode impedir a regular análise das contas apresentadas, visto que elas já haviam sido entregues na época do incidente, e não existe direito subjetivo à sua complementação, não se podendo impor ao órgão concedente este ônus posterior.

 

Em relação às perguntas específicas elaboras, cabe destacar:

 

a) Mediante a documentação encaminhada em fase de Pedido de Revisão e das novas informações apresentadas, permanece a posição manifestada no PARECER n. 00097/2018/CONJUR-MINC/CGU/AGU (SEI 0519735)?

A análise técnica/física e a análise financeira da prestação de contas não compete à Consultoria Jurídica, em outras palavras, se a Consultoria Jurídica determina a aprovação ou reprovação de contas estará avançando em aspectos técnicos, decidindo sobre algo que não tem competência e, consequentemente, desrespeitando a Instrução Normativa STN nº 1, de 15 de janeiro de 1997.

Logo, da mesma forma, não compete a este órgão determinar qual a sorte da prestação de contas com base nos documentos encaminhados no pedido de revisão.

Nesse cenário, quando o PARECER n. 00097/2018/CONJUR-MINC/CGU/AGU (SEI nº 0519735) destacou a possibilidade de "Reprovação integral da Prestação de Contas", tal posicionamento deve ser compreendido em relação a toda a sistemática da Instrução Normativa STN nº 1, de 15 de janeiro de 1997.

A não entrega de uma documentação em específico pode ocasionar uma reprovação total, parcial, ou até mesmo uma aprovação, com ou sem ressalvas. O próprio art. 30 da Instrução Normativa cita, de forma exemplificada, uma série de documentos que podem ser apresentados "faturas, recibos, notas fiscais e quaisquer outros documentos comprobatórios".

Novamente, diante deste caso, caberá ao órgão concedente analisar a prestação de contas com os documentos entregues quando da apresentação da prestação de contas e das futuras complementações que foram permitidas, decidindo conclusivamente sobre as contas do convênio.

 

b) Diante de situações excepcionais, tal como a ocorrida com o convenente Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM e a ocorrência de caso fortuito, fora da alçada de atuação deste, considerando ainda tempo decorrido, comprovação de cumprimento do objeto e os princípios reguladores da atuação da Administração Pública, a área técnica pode decidir com discricionariedade pela aprovação das contas com base no § 2º, do art. 64, da Instrução Normativa MinC nº 11, de 30 de janeiro de 2024? 

A análise de prestação de contas não é ato discricionário. O órgão concedente não pode decidir por uma aprovação pensando no bem da entidade recebedora dos recursos ou mesmo com fundamento no interesse público. A análise da prestação de contas é uma análise técnica (que difere da pura discricionariedade) e que deve ser fundamentada nas normas que disciplinam a prestação de contas, que não podem ser afastadas pelo servidor.

Por sua vez, a transferência de recursos através de convênios é regulamentada de maneira uniforme entre todos os órgãos da União. A competência para disciplinar convênios é conjunta do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, do Ministério da Fazenda e da Controladoria-Geral da União (art. 26, I, Decreto nº 11.531, de 2023).

As balizas de prestação de contas a serem observadas pelo Ministério da Cultura são as mesmas a serem observadas por todos os demais órgãos da Administração Pública Federal. No caso dos autos, pela data de celebração do convênio, aplica-se a Instrução Normativa STN nº 1, de 1997.

A Instrução Normativa MinC nº 11, de 30 de janeiro de 2024 e, consequentemente seu art. 64, §2º, não se aplicam ao presente caso. A mencionada norma se aplica aos procedimentos administrativos do mecanismo de incentivo fiscal, não aos convênios que, como visto, possuem regras especificas e autoridades específicas para regulamentar suas etapas, como a prestação de contas. 

 

 

Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam encaminhados à Secretaria-Executiva do Ministério da Cultura, para as providências cabíveis.

 

Brasília, 22 de maio de 2024.

 

 

(assinatura eletrônica)

GUSTAVO ALMEIDA DIAS

Advogado da União

 

 


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