ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00127/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.012101/2024-69

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO-GERAL DE INSTRUMENTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS CGITJ/DAT/SCC/GM/MINC

ASSUNTOS: EDITAL PARA FOMENTO À EXECUÇÃO DE AÇÕES CULTURAIS (APOIO DIRETO A PROJETOS)

 

 

EMENTA: Direito Administrativo. Minuta-modelo de Edital de Premiação cultural para uso pelos entes federados. Lei nº 14.399, de 08 de julho de 2022 (PNAB), Decreto nº 11.740, de 18 de outubro de 2023, Portaria MinC nº 80, de 27 de outubro de 2023 (Regulamentam a PNAB), Decreto nº 11.453, de 23 de março de 2023 (Decreto de Fomento).  Recomendações.

 

 

 

I - RELATÓRIO 

 

Por meio de Despacho ao final da Nota Técnica 11/2024 (SEI 1749518), o Diretor de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios solicita a esta Consultoria Jurídica análise e manifestação sobre minuta-modelo de Edital de Premiação cultural no âmbito da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB).

Para o que interessa à presente análise, os autos foram instruídos com a Nota Técnica 11/2024 (SEI 1749518), da Diretoria de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios - DAT/SCC/GM/MinC, que fornece a fundamentação técnica do ato, a minuta de Edital cuja análise é solicitada (SEI 1758362), e respectivos anexos (SEI 1758381 a 1758488).

É o relatório.

 

 

II - ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.

Nesse mister, a presente análise restringe-se a apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

Quanto aos aspectos de natureza técnica, parte-se da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração e quanto à operacionalidade do instrumento em análise, observando os requisitos legalmente impostos.

 

Dito isso, passo à análise da matéria submetida à consideração desta Consultoria Jurídica, ou seja, a minuta de Edital de Premiação cultural no âmbito da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), que será disponibilizada aos demais entes federados, considerando o disposto no  art. 23 do Decreto nº 11.740, de 18 de outubro de 2023.

A minuta de Edital em questão visa premiar agentes culturais que tenham prestado relevante contribuição ao desenvolvimento artístico ou cultural no âmbito do ente federativo que fará a seleção (item 2 do Edital). 

processo público de seleção (também denominado chamamento público ou chamada pública) é materializado por meio de um “edital”, que é instrumento jurídico proveniente do direito administrativo, pelo qual a Administração Pública leva ao conhecimento público determinado certame, fixando as condições de sua realização e convocando os interessados para apresentação de suas propostas/projetos.

Todo Edital, como ato administrativo, deve observar os princípios atinentes à administração pública descritos no art. 37, da Constituição Federal, em especial os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e ainda os princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público (art. 2º da Lei n. 9.784/1999). 

O Edital específico em análise tem seu fundamento precípuo na Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 215, imbuiu o Estado (Poder Público de todas as esferas) dos deveres de garantir o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional e de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais

Por outro lado, o art. 216-A da Constituição, que trata do Sistema Nacional de Cultura, estabeleceu como princípios deste a diversidade das expressões culturais, a universalização do acesso aos bens e serviços culturais, o fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais, e a cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural, entre outros (CF/88, art. 216-A, § 1º, incisos I a IV).

O Edital tem como normas de regência, ainda, a Lei nº 14.399, de 08 de julho de 2022 (PNAB), o Decreto nº 11.740, de 18 de outubro de 2023, a Portaria MinC nº 80, de 27 de outubro de 2023 (Regulamentam a PNAB), e o Decreto nº 11.453, de 23 de março de 2023 (Decreto de Fomento), das quais trataremos em seguida.

 

II.1 - DA POLÍTICA NACIONAL ALDIR BLANC DE FOMENTO À CULTURA - PNAB

 

A Lei nº 14.399, de 08 de julho de 2022, instituiu a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura - PNAB, baseada na parceria da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com a sociedade civil no setor da cultura, bem como no respeito à diversidade, à democratização e à universalização do acesso à cultura no Brasil.

Por meio da referida Lei (art. 6º), a União entregará aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais), no primeiro exercício subsequente ao da entrada em vigor da Lei e nos 4 (quatro) anos seguintes. Este recurso será aplicado pelos demais entes em ações culturais conforme disposto na Lei, em especial, para o que interessa ao caso dos autos, na forma do  art. 7º, inc. I, alínea 'a', da Lei:

 

Art. 7º Os recursos a que se refere o art. 6º desta Lei serão executados da seguinte forma:      
I - 80% (oitenta por cento) em ações de apoio ao setor cultural por meio de:
a) editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, de espaços, de iniciativas, de cursos, de produções, de desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária, de produções audiovisuais, de manifestações culturais, bem como à realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas por meios telemáticos e digitais;
b) subsídio para manutenção de espaços artísticos e de ambientes culturais que desenvolvam atividades regulares de forma permanente em seus territórios e comunidades;
II - 20% (vinte por cento) em ações de incentivo direto a programas, a projetos e a ações de democratização do acesso à fruição e à produção artística e cultural em áreas periféricas, urbanas e rurais, bem como em áreas de povos e comunidades tradicionais.
 

Os artigos 5º e 12 da  Lei nº 14.399/2022 referem-se aos editais de prêmios nos seguintes termos:

 

Art. 5º Para o alcance dos objetivos previstos no art. 2º desta Lei, a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura apoiará as seguintes ações e atividades:
(...)
III - concessão de prêmios mediante seleções públicas
(...)
 
Art. 12. Os recursos destinados conforme o disposto no art. 6º desta Lei serão executados pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal por meio do Fundo Nacional da Cultura (FNC) mediante editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, de espaços, de iniciativas, de cursos, de produções, de desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária, de produções audiovisuais e de manifestações culturais, bem como à realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas por meios telemáticos e digitais.
 

A Lei nº 14.399/2022 foi regulamentada pelo Decreto n. 11.740, de 18 de outubro de 2023, que dispõe que o Ministério da Cultura produzirá material de orientação e padronização para os entes federativos:

 

Art. 23.  O Ministério da Cultura produzirá material de orientação e padronização de instrumentos técnicos e jurídicos para auxiliar na execução dos recursos de que trata este Decreto, sendo facultada aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a adoção de tais modelos.

 

A minuta de Edital em tela faz parte dessa empreitada de padronização dos instrumentos jurídicos para auxiliar na execução dos recursos da PNAB, sendo facultada aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a adoção de tais modelos. Portanto, a adoção da minuta-modelo não é obrigatória, ainda que recomendável. Tal questão consta da primeira nota explicativa da minuta. Vale observar, ainda, que o modelo proposto possui lacunas para preenchimento pelo próprio ente, destacadas na cor vermelha. A DAT/SCC acrescentou ainda algumas orientações, destacadas em amarelo, para melhor compreensão dos entes.

O Decreto nº 11.740/2023 dispõe sobre a necessidade de publicação de editais de fomento à cultura em formatos acessíveis e em linguagem simples, e sobre a necessidade de medidas de acessibilidade:

art. 9º (...)
§ 2º Os processos públicos de seleção serão pautados por procedimentos claros, objetivos, simplificados e acessíveis, e será dada preferência ao uso de linguagem simples e de formatos visuais que objetivem o acesso dos agentes culturais.
(...)
§ 5º O projeto, a iniciativa ou o espaço que concorra em seleção pública decorrente do disposto neste Decreto oferecerá medidas de acessibilidade compatíveis com as características do objeto e preverá medidas que contemplem e incentivem o protagonismo de agentes culturais com deficiência, nos termos do disposto na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência.

 

Quanto à linguagem simplificada, como visto, a Nota Técnica n. 11/2024 informa que utilizou-se da linguagem simples na construção dos procedimentos de seleção.

Quanto à questão da acessibilidade, a Nota Técnica n. 11/2024 informa que foram incluídas orientações quanto às vagas reservadas (item 5) em conformidade com a Instrução Normativa nº 10/2023.

Os artigos 10 e 19, inciso I, do Decreto n. 11.740/2023 atribuíram ao Ministério da Cultura a competência para estabelecer as diretrizes complementares de aplicação da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura por meio de atos específicos. Com base nessa competência, o Ministério da Cultura estabeleceu diretrizes complementares para solicitação e aplicação de recursos de que trata a Lei nº 14.399/2022, por meio da Portaria MINC nº 80, de 27 de outubro de 2023.

Ressalto que incumbe à SCC garantir o cumprimento dos critérios e diretrizes previstos na Portaria MINC nº 80/2023, no que diz respeito às suas competências.

 

 

II.2 - DO DECRETO N. 11.453/2023 (DECRETO DE FOMENTO)

 

O Decreto n. 11.453, de 23 de março de 2023 (Decreto de Fomento à Cultura), dispõe sobre os mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura e, em seu art. 8º, estabelece as modalidades de fomento direto à cultura, nos seguintes termos:

 

Art. 8º  Os recursos dos mecanismos de fomento direto poderão ser aplicados nas seguintes modalidades:
I - fomento à execução de ações culturais;
II - apoio a espaços culturais;
III - concessão de bolsas culturais;
IV - concessão de premiação cultural; e
V - outras modalidades previstas em ato do Ministro de Estado da Cultura.
Parágrafo único.  As modalidades de que tratam os incisos I a IV do caput poderão ser celebradas por quaisquer dos agentes culturais a que se refere o art. 4º, independentemente do seu formato de constituição jurídica.

 

No caso dos autos, a minuta de Edital em análise visa premiar agentes culturais que tenham prestado relevante contribuição ao desenvolvimento artístico ou cultural no âmbito do ente federativo que fará a seleção (item 2 do Edital). 

Trata-se, portanto, da modalidade concessão de premiação cultural, nos termos do art. 8º, inciso IV, do Decreto de Fomento à Cultura, acima transcrito.

A propósito, vale observar que o Decreto nº 11.453/2023  define "agentes culturais"  em seu art. 4º:

 

Art. 4º  Poderão ser agentes culturais destinatários do fomento cultural os artistas, os produtores culturais, os gestores culturais, os mestres da cultura popular, os curadores, os técnicos, os assistentes e outros profissionais dedicados à realização de ações culturais.
Parágrafo único.  Os agentes culturais poderão ser pessoas físicas ou pessoas jurídicas com atuação no segmento cultural.

 

item 2.5 da minuta em análise delimita o público-alvo que pode participar do certame e traduz a caracterização dos agentes culturais em termos jurídicos:

O agente cultural pode ser:
I - Pessoa física ou Microempreendedor Individual (MEI);
II- Pessoa jurídica com fins lucrativos (Ex.: empresa de pequeno porte, empresa de grande porte, etc);
III- Pessoa jurídica sem fins lucrativos (Ex.: Associação, Fundação, Cooperativa, etc);
IV- Coletivo/Grupo sem CNPJ representado por pessoa física.
 

O Decreto n. 11.453/2023 trata especificamente da modalidade premiação cultural em seus art. 41 e 42, que dispõem:

 

Art. 41.  A modalidade de concessão de premiação cultural visa reconhecer relevante contribuição de agentes culturais ou iniciativas culturais para a realidade municipal, estadual, distrital ou nacional da cultura, com natureza jurídica de doação sem encargo, sem estabelecimento de obrigações futuras.
§ 1º A inscrição de candidato em chamamento público de premiação cultural poderá ser realizada pelo próprio interessado ou por terceiro que o indicar.
§ 2º  O edital de chamamento público conterá seção informativa sobre incidência tributária, conforme legislação aplicável no ente federativo.
Art. 42.  O agente cultural premiado firmará recibo do pagamento direto realizado pela administração pública.
Parágrafo único.  As regras relativas à execução de recursos e à prestação de contas não se aplicam à modalidade de concessão de premiação cultural, dada a natureza jurídica de doação sem encargo.

 

Estes dispositivos deverão ser observados pelos órgãos deste Ministério quando da realização de chamamentos públicos com essa finalidade.

item 2.3 do Edital trata da questão da incidência de impostos sobre os recursos recebidos, conforme § 2º acima transcrito, levando em consideração o exposto no Parecer nº 3702/2023/MF (SEI 1510966)

Aplicando-se a todas as formas de fomento cultural, o Decreto n. 11.453/2023 trata do chamamento público no Capítulo II, Seção II, com a ressalva de que o disposto nessa Seção aplica-se às bolsas e à premiação cultural somente no que for compatível com a natureza jurídica de doação. Assim dispõe o art. 9o, § 2º, do Decreto de Fomento:

 

Art. 9º  Os chamamentos públicos das políticas culturais de fomento observarão o disposto nesta Seção, exceto na hipótese de haver previsão de outro procedimento específico em regime jurídico aplicável ao instrumento escolhido pela administração pública.
§ 1º  Os processos seletivos a que se refere esta Seção se pautarão por procedimentos claros, objetivos e simplificados, com uso de linguagem simples e formatos visuais que orientem os interessados e facilitem o acesso dos agentes culturais ao fomento.
§ 2º  O disposto nesta Seção aplica-se às modalidades de concessão de bolsas culturais e de concessão de premiação cultural somente no que for compatível com a natureza jurídica de doação.

 

Por esse motivo, recomenda-se a leitura atenta de toda a Seção, a fim de verificar o que é compatível com a seleção pretendida

Vale notar, ainda, que o art. 9o, § 1º, do Decreto (acima transcrito), determinou a simplificação dos modelos de editais de seleção vigentes, "com uso de linguagem simples e formatos visuais que orientem os interessados e facilitem o acesso dos agentes culturais ao fomento".  

Nesse sentido, a Nota Técnica n. 11/2024 informa que "com o intuito de atuar em conformidade com tais entendimentos e iniciativas recentes, as quais devem nortear a atuação do serviço público para fins de comunicação com a sociedade e efetividade e execução das políticas públicas de forma aproximada com a sociedade, utilizou-se a linguagem simples na construção dos procedimentos de seleção para fins de parâmetro de utilização pelos entes federados".

O art. 12 do Decreto de Fomento estabelece que o Chamamento é composto pelas fases de planejamento, processamento e celebração (art. 12). 

A fase de planejamento (art. 13) é interna ao órgão que promoverá o procedimento de seleção e compõe-se das seguintes etapas:

 

I - preparação e prospecção;
II - proposição técnica da minuta de edital;
III - análise jurídica e verificação de adequação formal da minuta de edital; e
IV - assinatura e publicação do edital, com minuta de instrumento jurídico anexada.
 

O art. 15 do Decreto nº 11.453/2023 incentiva o órgão selecionador a promover a busca ativa de integrantes de grupos vulneráveis, adaptando as inscrições às suas peculiaridades:

 
Art. 15. O edital poderá prever a busca ativa de agentes culturais integrantes de grupos vulneráveis e admitir a inscrição de suas propostas por meio da oralidade, reduzida a termo escrito pelo órgão responsável pelo chamamento público.
Parágrafo único. Na hipótese de agentes culturais que atuem como grupo ou coletivo cultural sem constituição jurídica, será indicada pessoa física como responsável legal para o ato da assinatura do instrumento jurídico e a representação será formalizada em declaração assinada pelos demais integrantes do grupo ou coletivo.
 

Tais disposições refletem-se nos itens 4.1 (nota explicativa) e 2.5.

Por sua vez, a fase de processamento é composta pelas seguintes etapas:

 

Art. 16.  Na fase de processamento do chamamento público, serão realizadas as seguintes etapas:
I - inscrição de propostas, preferencialmente por plataforma eletrônica, com abertura de prazo de, no mínimo, cinco dias úteis; (itens 2.4 e 4) 
II - análise de propostas pela Comissão de Seleção; (item 6)
III - divulgação de resultado provisório, com abertura de prazo recursal de, no mínimo, três dias úteis e, se necessário, dois dias úteis para contrarrazões; (item 6.4)
IV - recebimento e julgamento de recursos; e  (item 6.4)
V - divulgação do resultado final. (item 6.4)

 

A minuta de Edital em análise (SEI 1758362) contempla os requisitos da fase de processamento, conforme destacado em cada um dos incisos acima transcritos. O item 3 do Edital indica as etapas da seleção em termos compatíveis.

Na fase de análise de propostas (art. 16, inciso II), deve ser observado o disposto no art. 18, § 2º, do Decreto n. 11.453/2023, que determina:

 

§ 2º  As propostas que apresentem quaisquer formas de preconceito de origem, raça, etnia, gênero, cor, idade ou outras formas de discriminação serão desclassificadas, com fundamento no disposto ninciso IV do caput do art. 3º da Constituição, garantidos o contraditório e a ampla defesa.
 

Recomenda-se a inclusão dessa questão no Edital.

A última fase do chamamento público é denominada, pelo Decreto n. 11.453/2023, de celebração, contendo as seguintes etapas:

 

Art. 19.  Na fase de celebração do chamamento público, serão realizadas as seguintes etapas:
I - habilitação dos agentes culturais contemplados no resultado final; (item 8)
II - convocação de novos agentes culturais para habilitação, na hipótese de inabilitação de contemplados; e 
III - assinatura física ou eletrônica dos instrumentos jurídicos com os agentes culturais habilitados. (item 9)
§ 1º  Os documentos para habilitação poderão ser solicitados após a divulgação do resultado provisório, vedada a sua exigência na etapa de inscrição de propostas. (item 8)
§ 2º  Os requisitos de habilitação serão compatíveis com a natureza do instrumento jurídico respectivo e não poderão implicar restrições que prejudiquem a democratização do acesso de agentes culturais às políticas públicas de fomento.
§ 3º  A comprovação de regularidade fiscal será obrigatória para a celebração de termos de execução cultural.
§ 4º  O cadastro prévio poderá ser utilizado como ferramenta para dar celeridade à etapa de habilitação. (Nota explicativa ao item 4.1)
§ 5º  Eventual verificação de nepotismo na etapa de habilitação impedirá a celebração de instrumento pelo agente cultural que seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de servidor público do órgão responsável pelo edital, nos casos em que o referido servidor tiver atuado nas etapas a que se refere o caput do art. 20, sem prejuízo da verificação de outros impedimentos previstos na legislação específica ou no edital. (itens 2.6/II e 6.2)
§ 6º  A comprovação de endereço para fins de habilitação poderá ser realizada por meio da apresentação de contas relativas à residência ou de declaração assinada pelo agente cultural.   (item 8.1)
§ 7º  A comprovação de que trata o § 6º poderá ser dispensada nas hipóteses de agentes culturais:
I - pertencentes a comunidade indígena, quilombola, cigana ou circense;
II - pertencentes a população nômade ou itinerante; ou
III - que se encontrem em situação de rua.
§ 8º  Na hipótese de instrumento com obrigações futuras, sua celebração poderá ser precedida de diálogo técnico entre a administração pública e o agente cultural para definição de plano de trabalho. (item 8.1)
§ 9º  Na hipótese de decisão de inabilitação, poderá ser interposto recurso no prazo de três dias úteis. (item 8.2)
§ 10.  O agente cultural poderá optar por constituir sociedade de propósito específico para o gerenciamento e a execução do projeto fomentado.
 
Art. 20.  O edital preverá a vedação à celebração de instrumentos por agentes culturais diretamente envolvidos na etapa de proposição técnica da minuta de edital, na etapa de análise de propostas ou na etapa de julgamento de recursos.
Parágrafo único.  O agente cultural que integrar Conselho de Cultura poderá participar de chamamentos públicos para receber recursos do fomento cultural, exceto quando se enquadrar na vedação prevista no caput.  (item 2.6)

 

Nem todos os dispositivos se aplicam à premiação, mas a minuta em análise segue quase todos os requisitos aplicáveis ao caso, na fase de celebração, conforme destacados acima. 

Recomendo, apenas, que se estabeleça de forma expressa a possibilidade de convocação de novos agentes culturais para habilitação, na hipótese de inabilitação de contemplados, conforme determina o art. 19, inciso II.

O art. 19, § 2º, do Decreto de Fomento, determina que os requisitos de habilitação sejam compatíveis com a natureza do instrumento jurídico respectivo e não impliquem restrições que prejudiquem a democratização do acesso de agentes culturais às políticas públicas de fomento. 

No caso do presente Edital, a documentação complementar exigida na fase de habilitação consta do item 8.1,  além daqueles exigidos na fase de inscrição, conforme item 4.1 da minuta. Cabe ao órgão técnico avaliar a documentação exigida nos itens acima mencionados, confirmando que esta é compatível com a natureza do instrumento.

Observo, por fim, que o art. 42, parágrafo único, do Decreto de Fomento (acima transcrito) determina que as regras relativas à execução de recursos e à prestação de contas não se aplicam à modalidade de concessão de premiação cultural, dada a natureza jurídica de doação sem encargo. Nesse sentido, o beneficiário deverá firmar unicamente recibo do pagamento recebido, não havendo instrumento com obrigações futuras. Tal regra reflete-se no Edital, especialmente em seu item 9 e Anexo V.

 

 

II.4 - DA AÇÃO AFIRMATIVA

 

O item 5 da minuta de Edital em tela estabelece as regras para a criação de cotas (ações afirmativas).

Vale notar, nesse sentido, que a Constituição Federal estabelece, em seu art. 3º, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, in verbis:

 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(...)
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

O princípio da igualdade que inspira os dispositivos recém-transcritos é novamente contemplado no art. 5º, não somente em seu caput, como também em diversos de seus incisos:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
(...)
 

Com base nos dispositivos constitucionais transcritos, infere-se a prevalência, na Carta Magna, da concepção de igualdade material (ou substancial) em detrimento da igualdade meramente formal. Assim, é possível concluir que a Constituição não só autoriza a ação afirmativa, como determina a sua instituição, como forma de alcançar a almejada igualdade substancial. Nas palavras de Carmem Lúcia Rocha: 

 

Somente a ação afirmativa, vale dizer, atuação transformadora, igualadora pelo e segundo o Direito possibilita a verdade do princípio da igualdade, para se chegar à igualdade que a Constituição brasileira garante como direito fundamental de todos. 
(ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação Afirmativa – O Conteúdo Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica. In Revista Trimestral de Direito Público nº 15/96)

 

Confere-se, assim, com amparo no princípio da isonomia, tratamento desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades. É o que nos ensina Joaquim Barbosa:

 

Essa, portanto, é a concepção moderna e dinâmica do princípio constitucional da igualdade, a que conclama o Estado a deixar de lado a passividade, a renunciar à sua suposta neutralidade e a adotar um comportamento ativo, positivo, afirmativo, quase militante na busca da concretização da igualdade substancial.
(GOMES, Joaquim B. Barbosa. A Recepção do Instituto da Ação Afirmativa pelo Direito Constitucional Brasileiro. In Revista de Informação Legislativa, ano 38, n 151, p. 129, 2001)

 

Por outro lado, os art. 3º, incisos II, VI e VIII, e art. 5º do Decreto n. 11.453/2023 reforçam os fundamentos dos aspectos afirmativos do Edital:

 

Art. 3º Os mecanismos de fomento cultural contribuirão para:
(...)
II - estimular a expressão cultural dos diferentes grupos e comunidades que compõem a sociedade brasileira;
(...)
VI - fomentar atividades culturais afirmativas para a promoção da cidadania cultural, da acessibilidade às atividades artísticas e da diversidade cultural;
(...)
VIII - fomentar o desenvolvimento de atividades artísticas e culturais pelos povos indígenas e pelas comunidades tradicionais brasileiras;
(...)
Art. 5º  As ações afirmativas e reparatórias de direitos poderão ser realizadas por meio de editais específicos, de linhas exclusivas em editais, da previsão de cotas, da definição de bônus de pontuação, da adequação de procedimentos relativos à execução de instrumento ou prestação de contas, entre outros mecanismos similares destinados especificamente a determinados territórios, povos, comunidades, grupos ou populações.

 

A Lei n. 14.399/2022, em seu art. 8º, § 4º, também determina que, nos editais de que trata a Lei, os entes federativos recebedores dos repasses da União estabeleçam políticas de ação afirmativa.

Por fim, a Instrução Normativa MinC nº 10, de 28 de dezembro de 2023, estabelece as regras e os procedimentos para implementação das ações afirmativas e medidas de acessibilidade de que trata o Decreto nº 11.740/2023, que regulamenta a Lei nº 14.399/2022 (PNAB). A Nota Técnica n. 11/2024 informa que, quanto às vagas reservadas, foram incluídas orientações e critérios diferenciados de pontuação, como modalidade de ação afirmativa, em conformidade com a Instrução Normativa nº 10/2023.

Conclui-se, portanto, a ação afirmativa estabelecida pelo Edital em análise está de acordo com a legislação vigente. Recomendo, no entanto, que as ações afirmativas de cada Edital sejam justificadas pelo órgão que administrará a seleção, sob o ponto de vista técnico, com base no diagnóstico da desigualdade que se pretende abordar, já que a possibilidade jurídica da ação não se confunde com a motivação do ato.

 

 

II.5 - DA MINUTA DE EDITAL

 

Inicialmente, observo que a minuta de Edital e seus anexos já incorporam as recomendações tecidas no Parecer n. 00130/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU (SEI 1254748), que se referia a Edital da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022), mas guarda muitas semelhanças com o Edital em análise. 

Assim, uma vez abordados os requisitos previstos nas normas jurídicas que regem o processo seletivo e aspectos mais gerais deste, restam-nos alguns comentários pontuais sobre alguns aspectos do Edital e seus anexos, não necessariamente relacionados à legislação acima mencionada, na ordem em que aparecem na minuta.

item 2.3 menciona  a origem dos recursos orçamentários a serem empregados na seleção, em atenção à Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 16 da Lei Complementar nº 101/2000), que exige a comprovação de disponibilidade de recursos orçamentários, demonstrando, assim, a cobertura da despesa a ser gerada pela seleção. 

 

Os Anexos do Edital  são os seguintes:

 

Anexo I - Categorias (SEI nº1758381

Anexo II -  Formulário de Inscrição (SEI nº 1758423

Anexo III-  Critérios de seleção e bônus de pontuação (SEI nº 1758442

Anexo IV -  Declaração de representação de grupo ou coletivo (SEI nº 1758453

Anexo V -  Recibo de premiação cultural (SEI nº1758467

Anexo VI - Declaração étnico-racial (SEI nº 1758469

Anexo VII - Declaração PCD (SEI nº 1758480

Anexo VIII - Formulário de interposição de recurso (SEI nº 1758488)

 

Quanto aos Anexos, além do que já foi mencionado nos itens anteriores deste Parecer, observo o que se segue:

Os Anexos I, II e III  tratam de questões técnicas/operacionais, que não cabe a esta Consultoria Jurídica avaliar.

Anexo III dispõe sobre os critérios de seleção e as pontuações adicionais. A DAT/SCC/MINC informa que optou por escolher "critérios mais genéricos que se aplicam a agentes culturais, sem prejuízo de alteração, acréscimos ou supressões pelos entes federativos". Por outro lado, o órgão informa que foram incluídos critérios diferenciados de pontuação, como modalidade de ação afirmativa, em atendimento ao disposto na Instrução Normativa 10/2023.

Por se tratar de questão de índole técnica, recomenda-se que os critérios de avaliação sejam objetivos, transparentes e isonômicos. Nesse sentido, e com base em recomendações dos órgãos de controle, esta Consultoria Jurídica tem recomendado que os critérios de avaliação sejam estabelecidos de acordo com as seguintes diretrizes:

 

Os Anexos IV, V, VI, VII e VIII são documentos simples, com alguma repercussão jurídica, e não há o que se opor à redação proposta. 

Por fim, antes da publicação do Edital, recomenda-se a revisão geral das minutas de Edital e Anexos, inclusive da numeração e remissões internas.

 

 

III - CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, e tendo em vista a manifestação técnica favorável, de lavra da DAT/SCC/MinC, concluo que a minuta de Edital em tela é coerente com a legislação aplicável e com os objetivos pretendidos, podendo ser divulgada para uso pelos entes federados, conforme estabelece o art. 23 do Decreto nº 11.740/2023, desde que observado o disposto no presente Parecer.

Por fim, nos termos do Enunciado nº 05 do Manual de boas Práticas Consultivas da AGU (4ª edição), ressalto que não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.

Isso posto, submeto o presente Parecer à consideração superior, sugerindo que, após aprovação, os autos sejam encaminhados à DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA A ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS, para ciência e providências cabíveis.

 

Brasília, 24 de maio de 2024.

 

 

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 


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