ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS

PARECER n. 00129/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.012489/2024-06

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO DE ASSUNTOS PARLAMENTARES - CAP/MINC

ASSUNTOS: PROJETO DE LEI. ANÁLISE JURÍDICA.

 

EMENTA: I - Análise e manifestação acerca do Projeto Substitutivo ao PL nº 1.324, de 2023, de autoria do Deputado Capitão Augusto.  II – Manifestação contrária ao PL.
 

 

1. O Ofício Circular nº 60/2024/CAP/ASPAR/GM/MinC (1756070), dirigido a esta Consultoria Jurídica e outros, solicita manifestação sobre o Projeto Substitutivo ao PL nº 1.324, de 2023 (1755977), de autoria do Deputado Capitão Augusto, que dispõe sobre a possibilidade de recomendação pelo Ministério Público de suspensão de realização de eventos.

 

2. Os autos foram instruídos com os seguintes documentos: (a) o Projeto de Lei nº 1.324 e respectivo substitutivo (1755972 e 1755977); (b) o Ofício Circular nº 60/2024/CAP/ASPAR/GM/MinC (1756070); e (c) manifestação da SCDC/MinC (1759792).

 

3. É o relatório.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

4. O art. 131 da Constituição Federal dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. E os incisos I e V do art. 11 da Lei Complementar n.º 73, de 1993 (Lei Orgânica da AGU), estabelecem a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados.[1]

 

5. Destaco que, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU[2], essa Conjur não deve se manifestar quanto aos aspectos relativos à conveniência e à oportunidade dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira.

 

6. Desta forma, passa-se à análise do substitutivo ao PL nº 1.324, de 2023, que possui a seguinte redação:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas sobre a possibilidade de recomendação pelo Ministério Público, da suspensão de eventos.
Art. 2º A recomendação de proibição da realização de eventos por membros do Ministério Público poderá ser feita desde que com prazo inferior a 7 (sete) dias corridos de antecedência à data de realização do evento, salvo em casos de comprovada ameaça à segurança pública, dos participantes ou da sociedade.
§ 1º A recomendação de proibição de realização de eventos prevista no caput deste artigo somente será admitida quando:
I - houver comprovação documental de irregularidades relativas a questões de saúde, higiene, segurança, acessibilidade, meio ambiente, direitos autorais ou outros aspectos que coloquem em risco o evento ou seus participantes;
II - o organizador do evento for notificado com antecedência mínima de 7 (sete) dias corridos e receber a oportunidade de apresentar defesa ou sanar as irregularidades apontadas;
III - a recomendação de proibição for fundamentada e expedida por autoridade competente do Ministério Público.
§ 2º Nos casos de comprovada ameaça à segurança pública, aos participantes ou à sociedade, a recomendação de proibição da realização do evento poderá ser efetivada com prazo inferior a 7 (sete) dias corridos de antecedência à data de realização do evento.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
 

7. Verifica-se no Relatório exarado pela Comissão de Cultura:

A proposição em tela visa alcançar o equilíbrio entre o poder de fiscalização e controle dos órgãos responsáveis, a preservação das prerrogativas da Administração e os direitos e interesses dos empresários e participantes de eventos culturais.
(...)
Diante do exposto, do ângulo do mérito cultural, o voto é favorável ao Projeto de Lei nº 1.324, de 2023, nos termos do anexo Substitutivo.

 

8. A matéria se encontra dentro das atribuições do Ministério da Cultura, que, nos termos dos incisos II e VI do art. 1º do Decreto nº 11.336, de 2023, tem competência para os assuntos relacionados à proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural, e o desenvolvimento econômico da cultura e a política de economia criativa.

 

9. Quanto à redação do texto da minuta SEI 1755977, foram respeitadas as regras previstas na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e a consolidação das leis, nos termos do p. único do art. 59 da Constituição Federal.

 

10. Superadas essas premissas, destaco o que segue abaixo.

 

11. A realização de eventos tem como pressuposto a obtenção prévia de alvará (uma licença). Ou seja, é necessária uma autorização temporária, que deve ser concedida pelo poder público competente, para garantir a segurança dos participantes, do patrimônio público e da sociedade como um todo.

 

12. Nos termos dos incisos I e IX do art. 30 da Constituição Federal, a competência para a emissão deste alvará é do respectivo município:

Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

 

13. Caso o evento ocorra em local tombado, também é necessária a consulta prévia ao órgão responsável pelo tombamento.

 

14. Assim, a realização de um evento pressupõe uma análise administrativa prévia, que pode ser feita tanto pelo município quanto pelo órgão responsável pelo tombamento, quando for o caso. Dessa forma, compete ao organizador do evento ter a atenção e planejamento necessários, no sentido de solicitar a documentação requerida à realização de seu evento com a antecedência cabível ao caso, para que os órgãos competentes tenham tempo hábil para analisar a viabilidade do evento.

 

15. Nas hipóteses em que o Ministério Público não concorde com a realização de um determinado evento, ele pode emitir uma recomendação ao órgão competente, com pedido de suspensão do evento, ou ingressar com a respectiva ação judicial, inclusive cautelar, quando couber. Neste caso, a decisão pela suspensão (ou não) do evento fica a cargo do Poder Judiciário.

 

16. Ou seja, o Ministério Público não tem competência para determinar a suspensão de eventos.

 

 17. O substitutivo ao PL nº 1.324, de 2023, em síntese, estabelece limitações à atuação do Ministério Público, no que tange à emissão de recomendações para a suspensão de eventos.

 

   18. No entanto, o art. 128 da Constituição Federal estabelece:

Art. 128. O Ministério Público abrange:
I - o Ministério Público da União, que compreende:
II - os Ministérios Públicos dos Estados.
§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público (...)

 

  19.  Neste sentido, destaco o inciso XX do art. 6º da Lei Complementar nº 75, de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União:

 Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais:
 XX - expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.

 

20. Como visto, a Constituição Federal, no p. 5º do art. 128, estipula que lei complementar deve estabelecer as atribuições e o estatuto do Ministério Público. No que tange à União, o art. 7º da Lei Complementar nº 75, de 1993, prevê a atribuição ao Ministério Público da União para expedir recomendações, sempre que necessário.

 

21. Dessa forma, eventuais limitações às atribuições dos Ministérios Públicos, no tocante à expedição de recomendações, somente podem ser estabelecidas mediante alterações nas respectivas leis complementares, e não por meio de lei ordinária.

 

22. Ou seja, a matéria é reservada à lei complementar, de forma que somente esta circunstância já seria suficiente para manifestarmo-nos pela inconstitucionalidade formal do substitutivo analisado, por violação ao p. 5º do art. 128 da Constituição Federal.

 

23. No que tange ao aspecto material, as limitações impostas à emissão de recomendações pelo Ministério Público são tanto de ordem formal (expedição por autoridade competente do MP), temporal (prazo de sete dias corridos da data do evento, salvo ameaça à segurança pública, participantes ou sociedade; e prazo de sete dias corridos para notificação e defesa do organizador do evento) e material (comprovação de irregularidades relativas à saúde, higiene, segurança, acessibilidade, meio ambiente, direitos autorais ou risco ao evento e seus participantes).

 

24. A limitação formal imposta pelo PL (expedição por autoridade competente do MP) é desnecessária, uma vez que a competência é um dos elementos dos atos administrativos.

 

25. Quanto às restrições temporais impostas na minuta (prazo de sete dias corridos da data do evento, salvo ameaça à segurança pública, participantes ou sociedade; e prazo de sete dias corridos para notificação e defesa do organizador do evento), destaco, em primeiro lugar, que ambos são inconciliáveis do ponto de vista fático.

 

26. Isso porque, nos termos do item 14, a recomendação é dirigida a um órgão público (do município ou ao órgão responsável pelo tombamento), devendo fixar prazo razoável para a adoção de providências. Assim, após a devida análise, o órgão pode (ou não) decidir pela suspensão do evento. Caso decida pela suspensão, notificará o organizador do evento.

 

27. Dessa forma, ainda que o MP emita uma recomendação no prazo previsto no art. 2º (sete dias corridos antes da data do evento), não haveria como o órgão receptor analisar o pedido, decidir pela suspensão e notificar o organizador do evento com a antecedência mínima de sete dias corridos, concedendo-lhe a oportunidade para apresentação de defesa e resolução das irregularidades apontadas (inciso II do p. 1º).

 

28. Além disso, essa limitação temporal pode acarretar em ofensa ao princípio da supremacia do interesse público, que rege a administração pública.

 

29. Não há dúvidas que os interesses e direitos dos organizadores de evento devem ser respeitados. Contudo, a essência deste princípio reside na razão de ser da administração, que deve atuar voltada aos interesses da coletividade. Desta forma, caso verificada uma situação de conflito entre um interesse de um particular e o interesse público, este último deve prevalecer.

 

 30. Por último, o inciso I do p. 1º do PL admite a emissão de recomendação somente nas hipóteses de irregularidades relativas à saúde, higiene, segurança, acessibilidade, meio ambiente, direitos autorais e risco ao evento e participantes.

 

  31. No entanto, os arts. 127 e 129 da Constituição Federal estabelecem uma série de funções institucionais ao MP, entre elas a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, a proteção ao patrimônio público e social e outros interesses difusos. Dessa forma, a limitação à expedição de recomendações somente às hipóteses do inciso I do p. 1º do PL viola os arts. 127 e 129 da Constituição, na medida em que a expedição de recomendações deve ser permitida aos membros do MP, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais.

             

III. CONCLUSÃO 

 

32. Diante do exposto, sem adentrar nos valores de conveniência e oportunidade, manifesto-me de forma de contrária ao substitutivo do PL nº 1.324, de autoria do Deputado Capitão Augusto, uma vez que foram detectadas inconstitucionalidades de ordem formal (ofensa ao p. 5º do art. 128 da CF) e material (ofensa aos arts. 127 e 129 da CF) na minuta SEI 1755977.

 

33. É o Parecer.

 

Brasília, 24 de maio de 2024.

 

 

LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA

ADVOGADO DA UNIÃO

 


[1] Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:

I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;

(...)

V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

[2] A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400012489202406 e da chave de acesso 57674c83

 




Documento assinado eletronicamente por LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1509957718 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 24-05-2024 21:23. Número de Série: 65437255745187764576406211080. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.