ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


 

PARECER n. 00132/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.012098/2024-83

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO-GERAL DE INSTRUMENTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS CGITJ/DAT/SCC/GM/MINC

ASSUNTOS: EDITAL - SUBSÍDIO PARA MANUTENÇÃO DE ESPAÇOS, AMBIENTES E INICIATIVAS ARTÍSTICO-CULTURAIS

 

 

EMENTA: Direito Administrativo. Minuta-modelo de Edital de seleção de espaços, ambientes e iniciativas artístico-culturais para uso pelos entes federados. Lei nº 14.399, de 08 de julho de 2022 (PNAB), Decreto nº 11.740, de 18 de outubro de 2023, Portaria MinC nº 80, de 27 de outubro de 2023 (Regulamentam a PNAB), Decreto nº 11.453, de 23 de março de 2023 (Decreto de Fomento).  Recomendações.

 

 

 

I - RELATÓRIO   

 

Por meio de Despacho ao final da Nota Técnica n. 10/2024 (SEI 1749406), o Diretor de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios solicita a esta Consultoria Jurídica análise e manifestação sobre minuta-modelo de Edital de seleção de espaços, ambientes e iniciativas artístico-culturais para receberem subsídio para manutenção nas categorias descritas no Anexo I, com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura - PNAB transferidos aos demais Entes da Federação.

Para o que interessa à presente análise, os autos foram instruídos com a Nota Técnica n. 10/2024 (SEI 1749406), da Diretoria de Assistência Técnica a Estados, Distrito Federal e Municípios - DAT/SCC/GM/MinC, que fornece a fundamentação técnica do ato, a minuta de Edital cuja análise é solicitada (SEI 1760021), e respectivos anexos (SEI 1759926 a 1760010).

É o relatório.

 

 

II - ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.

Nesse mister, a presente análise restringe-se a apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

Quanto aos aspectos de natureza técnica, parte-se da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração e quanto à operacionalidade do instrumento em análise, observando os requisitos legalmente impostos.

Dito isso, passo à análise da matéria submetida à consideração desta Consultoria Jurídica, ou seja, a minuta de Edital de seleção de espaços, ambientes e iniciativas artístico-culturais (item 2 do Edital)com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura - PNAB, que será disponibilizada aos demais Entes Federados, considerando o disposto no  art. 23 do Decreto nº 11.740, de 18 de outubro de 2023.

processo público de seleção (também denominado chamamento público ou chamada pública) é materializado por meio de um “edital”, que é instrumento jurídico proveniente do direito administrativo, pelo qual a Administração Pública leva ao conhecimento público determinado certame, fixando as condições de sua realização e convocando os interessados para apresentação de suas propostas/projetos.

Todo Edital, como ato administrativo, deve observar os princípios atinentes à administração pública descritos no art. 37, da Constituição Federal, em especial os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e ainda os princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público (art. 2º da Lei n. 9.784/1999). 

O Edital específico em análise tem seu fundamento precípuo na Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 215, imbuiu o Estado (Poder Público de todas as esferas) dos deveres de garantir o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional e de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Por outro lado, o art. 216-A da Constituição, que trata do Sistema Nacional de Cultura, estabeleceu como princípios deste a diversidade das expressões culturais, a universalização do acesso aos bens e serviços culturais, o fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais, e a cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural, entre outros (CF/88, art. 216-A, § 1º, incisos I a IV).

O Edital tem como normas de regência, ainda, a Lei nº 14.399, de 08 de julho de 2022 (PNAB), o Decreto nº 11.740, de 18 de outubro de 2023, a Portaria MinC nº 80, de 27 de outubro de 2023 (Regulamentam a PNAB), e o Decreto nº 11.453, de 23 de março de 2023 (Decreto de Fomento), das quais trataremos em seguida.

 

 

II.1 - DA POLÍTICA NACIONAL ALDIR BLANC DE FOMENTO À CULTURA - PNAB

 

A Lei nº 14.399, de 08 de julho de 2022, instituiu a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura - PNAB, baseada na parceria da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com a sociedade civil no setor da cultura, bem como no respeito à diversidade, à democratização e à universalização do acesso à cultura no Brasil.

Por meio da referida Lei (art. 6º), a União entregará aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais), no primeiro exercício subsequente ao da entrada em vigor da Lei e nos 4 (quatro) anos seguintes. Este recurso será aplicado pelos demais entes em ações culturais conforme disposto na Lei, em especial, para o que interessa ao caso dos autos, na forma do  art. 7º, inciso I, alínea 'b' da Lei:

 

Art. 7º Os recursos a que se refere o art. 6º desta Lei serão executados da seguinte forma:      
I - 80% (oitenta por cento) em ações de apoio ao setor cultural por meio de:
a) editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, de espaços, de iniciativas, de cursos, de produções, de desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária, de produções audiovisuais, de manifestações culturais, bem como à realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas por meios telemáticos e digitais;
b) subsídio para manutenção de espaços artísticos e de ambientes culturais que desenvolvam atividades regulares de forma permanente em seus territórios e comunidades;
II - 20% (vinte por cento) em ações de incentivo direto a programas, a projetos e a ações de democratização do acesso à fruição e à produção artística e cultural em áreas periféricas, urbanas e rurais, bem como em áreas de povos e comunidades tradicionais.
 

A Lei nº 14.399/2022 foi regulamentada pelo Decreto n. 11.740, de 18 de outubro de 2023, que dispõe que o Ministério da Cultura produzirá material de orientação e padronização para os entes federativos:

 

Art. 23.  O Ministério da Cultura produzirá material de orientação e padronização de instrumentos técnicos e jurídicos para auxiliar na execução dos recursos de que trata este Decreto, sendo facultada aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a adoção de tais modelos.

 

A minuta de Edital em tela faz parte dessa empreitada de padronização dos instrumentos jurídicos para auxiliar na execução dos recursos da PNAB, sendo facultada aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a adoção de tais modelos. Portanto, a adoção da minuta-modelo não é obrigatória, ainda que recomendável. Tal questão consta da primeira nota explicativa da minuta. Vale observar, ainda, que o modelo proposto possui lacunas para preenchimento pelo próprio ente, destacadas na cor vermelha. A DAT/SCC acrescentou ainda algumas orientações, destacadas em amarelo, para melhor compreensão dos entes.

O Decreto nº 11.740/2023 dispõe sobre a necessidade de publicação de editais de fomento à cultura em formatos acessíveis e em linguagem simples, e sobre a necessidade de medidas de acessibilidade:

art. 9º (...)
§ 2º Os processos públicos de seleção serão pautados por procedimentos claros, objetivos, simplificados e acessíveis, e será dada preferência ao uso de linguagem simples e de formatos visuais que objetivem o acesso dos agentes culturais.
(...)
§ 5º O projeto, a iniciativa ou o espaço que concorra em seleção pública decorrente do disposto neste Decreto oferecerá medidas de acessibilidade compatíveis com as características do objeto e preverá medidas que contemplem e incentivem o protagonismo de agentes culturais com deficiência, nos termos do disposto na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência.

 

Quanto à linguagem simplificada, a Nota Técnica n. 10/2024 informa que "o edital ora apresentado foi elaborado utilizando-se algumas técnicas de simplificação da linguagem, evitando-se o uso de jargões jurídicos e dividindo o texto em tópicos para facilitar a leitura".

Quanto à questão da acessibilidade, a Nota Técnica n. 10/2024 informa que o Edital (item 6.4) fundamenta-se na Lei Nacional nº 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) e reforça a obrigatoriedade de cumprir as medidas de acessibilidade, conforme determina o Decreto nº 11.740/2023, art. 9, § 5º, acima transcrito.

Os artigos 10 e 19, inciso I, do Decreto n. 11.740/2023 atribuíram ao Ministério da Cultura a competência para estabelecer as diretrizes complementares de aplicação da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura por meio de atos específicos. Com base nessa competência, o Ministério da Cultura estabeleceu diretrizes complementares para solicitação e aplicação de recursos de que trata a Lei nº 14.399/2022, por meio da Portaria MINC nº 80, de 27 de outubro de 2023. Ressalto que incumbe à SCC garantir o cumprimento do disposto nesta Portaria, no que diz respeito às suas competências.

 

II.2 - DO DECRETO N. 11.453/2023 (DECRETO DE FOMENTO)

 

O Decreto n. 11.453, de 23 de março de 2023 (Decreto de Fomento à Cultura), dispõe sobre os mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura e, em seu art. 8º, estabelece as modalidades de fomento direto à cultura, nos seguintes termos:

 

Art. 8º  Os recursos dos mecanismos de fomento direto poderão ser aplicados nas seguintes modalidades:
I - fomento à execução de ações culturais;
II - apoio a espaços culturais;
III - concessão de bolsas culturais;
IV - concessão de premiação cultural; e
V - outras modalidades previstas em ato do Ministro de Estado da Cultura.
Parágrafo único.  As modalidades de que tratam os incisos I a IV do caput poderão ser celebradas por quaisquer dos agentes culturais a que se refere o art. 4º, independentemente do seu formato de constituição jurídica.

 

No caso dos autos, a minuta de Edital em análise visa selecionar espaços, ambientes e iniciativas artístico-culturais para financiamento com recursos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura - PNAB, transferidos aos demais Entes Federativos. Trata-se, portanto, da modalidade "apoio a espaços culturais", nos termos do art. 8º, inciso II, do Decreto de Fomento à Cultura, acima transcrito.

A propósito, vale observar que o Decreto nº 11.453/2023  define "agentes culturais"  em seu art. 4º:

Art. 4º  Poderão ser agentes culturais destinatários do fomento cultural os artistas, os produtores culturais, os gestores culturais, os mestres da cultura popular, os curadores, os técnicos, os assistentes e outros profissionais dedicados à realização de ações culturais.
Parágrafo único.  Os agentes culturais poderão ser pessoas físicas ou pessoas jurídicas com atuação no segmento cultural.

 

item 2.5 da minuta em análise delimita o público-alvo que pode participar do certame e traduz a caracterização dos agentes culturais que podem participar em termos jurídicos:

(...) os agentes culturais podem ser:
I - Pessoa jurídica sem fins lucrativos (Ex.: Associação, Fundação, Cooperativa, etc);
II – Microempresas;
III - Coletivo/Grupo sem CNPJ representado por pessoa física
 

O Decreto n. 11.453/2023 trata especificamente da modalidade de apoio a espaços culturais com recursos da PNAB em seu art. 22, que remete ao Termo de Execução Cultural como instrumento pertinente para a realização da transferência de recursos aos agentes culturais:

 

Art. 22.  A modalidade de fomento à execução de ações culturais e a modalidade de apoio a espaços culturais poderão ser implementadas por meio da celebração dos seguintes instrumentos:
(...)
III - termo de execução culturalconforme os procedimentos previstos neste Decreto, para a execução de recursos de que trata a Lei nº 14.399, de 2022, e a Lei Complementar nº 195, de 2022; ou
(...)
§ 1º  A escolha do instrumento a ser utilizado deverá ser indicada pelo gestor público no processo administrativo em que for planejada a sua celebração, conforme os objetivos pretendidos, observados os princípios constitucionais da eficiência e da duração razoável do processo.
§ 2º  A administração pública poderá optar pela utilização dos instrumentos previstos na Lei nº 14.133, de 2021, nos casos em que necessitar adquirir bens ou contratar serviços, vedada a aplicação do disposto no art. 184 da referida Lei às hipóteses previstas no caput.
§ 3º  A vedação estabelecida no § 2º deste artigo não se aplica às hipóteses previstas nos incisos II e III do caput do art. 18.
§ 4º  Nas hipóteses de celebração dos instrumentos a que se referem os incisos I a III do caput, não será exigível a complementação de que trata o § 2º do art. 6º da Lei nº 8.313, de 1991, tendo em vista que a destinação dos recursos está especificada na origem.
(...)

 

O art. 23 do Decreto de Fomento define o termo de execução cultural nos seguintes termos: 

Art. 23.  O termo de execução cultural visa estabelecer as obrigações da administração pública e do agente cultural para o alcance do interesse mútuo de promover a realização de ações culturais ou apoiar espaços culturais, na implementação das modalidades a que se referem os incisos I e II do caput do art. 8º.

 

Em seu Capítulo II, Seção II (art. 9º a 21), o Decreto estabelece as regras gerais para chamamentos públicos das políticas culturais de fomento direto.

O art. 12 estabelece que o Chamamento é composto pelas fases de planejamento, processamento e celebração (art. 12).  O item 3 do Edital indica as etapas da seleção em termos compatíveis.

A fase de planejamento (art. 13) é interna ao órgão que promoverá o procedimento de seleção e compõe-se das seguintes etapas:

 

I - preparação e prospecção;
II - proposição técnica da minuta de edital;
III - análise jurídica e verificação de adequação formal da minuta de edital; e
IV - assinatura e publicação do edital, com minuta de instrumento jurídico anexada.

 

Por sua vez, a fase de processamento é composta pelas seguintes etapas:

 

Art. 16.  Na fase de processamento do chamamento público, serão realizadas as seguintes etapas:
I - inscrição de propostas, preferencialmente por plataforma eletrônica, com abertura de prazo de, no mínimo, cinco dias úteis; (itens 2.4 e 4) 
II - análise de propostas pela Comissão de Seleção; (item 7)
III - divulgação de resultado provisório, com abertura de prazo recursal de, no mínimo, três dias úteis e, se necessário, dois dias úteis para contrarrazões; (item 7.5)
IV - recebimento e julgamento de recursos; e  (item 7.5)
V - divulgação do resultado final. (item 9.2)

 

A minuta de Edital em análise (SEI 1760021) contempla os requisitos da fase de processamento, conforme destacado em cada um dos incisos acima transcritos. 

A última fase do chamamento público é denominada, pelo Decreto n. 11.453/2023, de celebração, contendo as seguintes etapas:

 

Art. 19.  Na fase de celebração do chamamento público, serão realizadas as seguintes etapas:
I - habilitação dos agentes culturais contemplados no resultado final; (item 9)
II - convocação de novos agentes culturais para habilitação, na hipótese de inabilitação de contemplados; e 
III - assinatura física ou eletrônica dos instrumentos jurídicos com os agentes culturais habilitados. (item 10)
§ 1º  Os documentos para habilitação poderão ser solicitados após a divulgação do resultado provisório, vedada a sua exigência na etapa de inscrição de propostas. (item 9)
§ 2º  Os requisitos de habilitação serão compatíveis com a natureza do instrumento jurídico respectivo e não poderão implicar restrições que prejudiquem a democratização do acesso de agentes culturais às políticas públicas de fomento.
§ 3º  A comprovação de regularidade fiscal será obrigatória para a celebração de termos de execução cultural. (item 9.1)
§ 4º  O cadastro prévio poderá ser utilizado como ferramenta para dar celeridade à etapa de habilitação. (item 2.5 e nota explicativa ao item 4.1)
§ 5º  Eventual verificação de nepotismo na etapa de habilitação impedirá a celebração de instrumento pelo agente cultural que seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de servidor público do órgão responsável pelo edital, nos casos em que o referido servidor tiver atuado nas etapas a que se refere o caput do art. 20, sem prejuízo da verificação de outros impedimentos previstos na legislação específica ou no edital. (itens 2.6/VI e 7.2)
§ 6º A comprovação de endereço para fins de habilitação poderá ser realizada por meio da apresentação de contas relativas à residência ou de declaração assinada pelo agente cultural.   (item 9.1)
§ 7º  A comprovação de que trata o § 6º poderá ser dispensada nas hipóteses de agentes culturais:
I - pertencentes a comunidade indígena, quilombola, cigana ou circense;
II - pertencentes a população nômade ou itinerante; ou
III - que se encontrem em situação de rua.
§ 8º  Na hipótese de instrumento com obrigações futuras, sua celebração poderá ser precedida de diálogo técnico entre a administração pública e o agente cultural para definição de plano de trabalho. (item 9.1)
§ 9º  Na hipótese de decisão de inabilitação, poderá ser interposto recurso no prazo de três dias úteis. (item 9.2)
§ 10.  O agente cultural poderá optar por constituir sociedade de propósito específico para o gerenciamento e a execução do projeto fomentado.
 
Art. 20.  O edital preverá a vedação à celebração de instrumentos por agentes culturais diretamente envolvidos na etapa de proposição técnica da minuta de edital, na etapa de análise de propostas ou na etapa de julgamento de recursos.
Parágrafo único.  O agente cultural que integrar Conselho de Cultura poderá participar de chamamentos públicos para receber recursos do fomento cultural, exceto quando se enquadrar na vedação prevista no caput.  (item 2.6)

 

A minuta em análise segue quase todos os requisitos aplicáveis ao caso, na fase de celebração, conforme destacados acima.

Recomendo, apenas, que se estabeleça de forma expressa a possibilidade de convocação de novos agentes culturais para habilitação, na hipótese de inabilitação de contemplados, conforme determina o art. 19, inciso II.

O art. 19, § 2º, do Decreto de Fomento, determina que os requisitos de habilitação sejam compatíveis com a natureza do instrumento jurídico respectivo e não impliquem restrições que prejudiquem a democratização do acesso de agentes culturais às políticas públicas de fomento. 

No caso do presente Edital, a documentação complementar exigida na fase de habilitação consta do item 9.1,  além daqueles exigidos na fase de inscrição, conforme item 4.1 da minuta. Cabe ao órgão técnico avaliar a documentação exigida nos itens acima mencionados, confirmando que esta é compatível com a natureza do instrumento.

​Observo, ainda, que o item 13.1 da minuta está de acordo com o disposto no art. 18, § 2º, do Decreto n. 11.453/2023que trata da etapa de análise de propostas e determina:

 

§ 2º  As propostas que apresentem quaisquer formas de preconceito de origem, raça, etnia, gênero, cor, idade ou outras formas de discriminação serão desclassificadas, com fundamento no disposto ninciso IV do caput do art. 3º da Constituição, garantidos o contraditório e a ampla defesa.

 

Por fim, ressalto que o art. 11, § 4º, do Decreto n. 11.453/2023, estabelece que a previsão de contrapartida somente constará na minuta nas hipóteses em que houver expressa exigência na legislação. No caso do Edital em análise, o art. 10, § 2º, da Lei da PNAB estabelece:

 

§ 2º Os espaços, os ambientes e as iniciativas artístico-culturais, as empresas culturais e as organizações culturais comunitárias, as cooperativas e as instituições beneficiadas com o subsídio previsto na alínea “b” do inciso I do caput do art. 7º desta Lei ficam obrigados a garantir, como contrapartida, a realização, de forma gratuita, em intervalos regulares, de atividades destinadas aos alunos de escolas públicas ou de atividades em espaços públicos de sua comunidade, inclusive apresentações ao vivo com interação popular, podendo ser utilizados meios digitais, em cooperação e com planejamento definido com o ente federativo responsável pela gestão pública de cultura do local.

 

Portanto, é adequada a menção à contrapartida obrigatória, nos termos do item 6.3 da minuta de Edital.

 

 

II.4 - DA AÇÃO AFIRMATIVA

 

item 5 da minuta de Edital em tela estabelece as regras para a criação de cotas (ações afirmativas).

Vale notar, nesse sentido, que a Constituição Federal estabelece, em seu art. 3º, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, in verbis:

 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(...)
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

O princípio da igualdade que inspira os dispositivos recém-transcritos é novamente contemplado no art. 5º, não somente em seu caput, como também em diversos de seus incisos:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
(...)
 

Com base nos dispositivos constitucionais transcritos, infere-se a prevalência, na Carta Magna, da concepção de igualdade material (ou substancial) em detrimento da igualdade meramente formal. Assim, é possível concluir que a Constituição não só autoriza a ação afirmativa, como determina a sua instituição, como forma de alcançar a almejada igualdade substancial. Nas palavras de Carmem Lúcia Rocha: 

 

Somente a ação afirmativa, vale dizer, atuação transformadora, igualadora pelo e segundo o Direito possibilita a verdade do princípio da igualdade, para se chegar à igualdade que a Constituição brasileira garante como direito fundamental de todos. 
(ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação Afirmativa – O Conteúdo Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica. In Revista Trimestral de Direito Público nº 15/96)

 

Confere-se, assim, com amparo no princípio da isonomia, tratamento desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades. É o que nos ensina Joaquim Barbosa:

 

Essa, portanto, é a concepção moderna e dinâmica do princípio constitucional da igualdade, a que conclama o Estado a deixar de lado a passividade, a renunciar à sua suposta neutralidade e a adotar um comportamento ativo, positivo, afirmativo, quase militante na busca da concretização da igualdade substancial.
(GOMES, Joaquim B. Barbosa. A Recepção do Instituto da Ação Afirmativa pelo Direito Constitucional Brasileiro. In Revista de Informação Legislativa, ano 38, n 151, p. 129, 2001)

 

Por outro lado, os art. 3º, incisos II, VI e VIII, e art. 5º do Decreto n. 11.453/2023 reforçam os fundamentos dos aspectos afirmativos do Edital:

 

Art. 3º Os mecanismos de fomento cultural contribuirão para:
(...)
II - estimular a expressão cultural dos diferentes grupos e comunidades que compõem a sociedade brasileira;
(...)
VI - fomentar atividades culturais afirmativas para a promoção da cidadania cultural, da acessibilidade às atividades artísticas e da diversidade cultural;
(...)
VIII - fomentar o desenvolvimento de atividades artísticas e culturais pelos povos indígenas e pelas comunidades tradicionais brasileiras;
(...)
Art. 5º  As ações afirmativas e reparatórias de direitos poderão ser realizadas por meio de editais específicos, de linhas exclusivas em editais, da previsão de cotas, da definição de bônus de pontuação, da adequação de procedimentos relativos à execução de instrumento ou prestação de contas, entre outros mecanismos similares destinados especificamente a determinados territórios, povos, comunidades, grupos ou populações.

 

A Lei n. 14.399/2022, em seu art. 8º, § 4º, também determina que, nos editais de que trata a Lei, os entes federativos recebedores dos repasses da União estabeleçam políticas de ação afirmativa.

Por fim, a Instrução Normativa MinC nº 10, de 28 de dezembro de 2023, estabelece as regras e os procedimentos para implementação das ações afirmativas e medidas de acessibilidade de que trata o Decreto nº 11.740/2023, que regulamenta a Lei nº 14.399/2022 (PNAB). A Nota Técnica n. 10/2024 informa que, quanto às vagas reservadas, foram incluídas orientações e critérios diferenciados de pontuação, como modalidade de ação afirmativa, em conformidade com a Instrução Normativa nº 10/2023.

Conclui-se, portanto, que a ação afirmativa estabelecida pelo Edital em análise está de acordo com a legislação vigente. Recomendo, no entanto, que as ações afirmativas de cada Edital sejam justificadas pelo órgão que administrará a seleção, sob o ponto de vista técnico, com base no diagnóstico da desigualdade que se pretende abordar, já que a possibilidade jurídica da ação, em tese, não se confunde com a motivação do ato.

 

 

II.5 - DA MINUTA DE EDITAL

 

Inicialmente, observo que, em grande medida, a minuta de Edital e seus anexos já incorporam as recomendações tecidas no Parecer n. 00123/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU (SEI 1249161), que se referia a Edital da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022), mas guarda muitas semelhanças com o Edital em análise, já que ambos visam a celebração do Termo de Execução Cultural instituído pelo Decreto n. 11.453/2023. Portanto, as recomendações constantes do Parecer n. 00123/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU são válidas no presente contexto.

Assim, uma vez abordados os requisitos previstos nas normas jurídicas que regem o processo seletivo e aspectos mais gerais deste, restam-nos alguns comentários pontuais sobre alguns aspectos do Edital e seus anexos, não necessariamente relacionados à legislação acima mencionada, na ordem em que aparecem na minuta.

item 2.3 do Edital menciona  a origem dos recursos orçamentários a serem empregados na seleção, em atenção à Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 16 da Lei Complementar nº 101/2000), que exige a comprovação de disponibilidade de recursos orçamentários, demonstrando, assim, a cobertura da despesa a ser gerada pela seleção. 

item 2.3  trata, ainda, da questão da incidência de impostos sobre os recursos recebidos. A este respeito faço algumas observações:

Quanto aos itens 2.5 e 6.2, recomendo que seja avaliada e explicitada a possibilidade (ou não) de se receber simultaneamente o benefício previsto no Edital em análise e nos Editais específicos da Política Nacional de Cultura Viva, considerando o esforço deste Ministério no sentido de evitar a concentração de recursos públicos, visando a equidade, abrangência territorial e ampliação do acesso da população brasileira às condições de exercício dos direitos culturais, conforme consta da Instrução Normativa Minc nº 12, de 28 de maio de 2024 (art. 50, 57 e 59).

item 12 trata do "Monitoramento e Avaliação". Neste tópico, a DAT/SCC informa que optou por apenas informar que devem ser observadas as normas do Decreto 11.453/2023 (Decreto de Fomento). Informações mais precisas sobre execução, monitoramento, avaliação e prestação de contas deverão ser inseridas pelo ente no Termo de Execução Cultural (Anexo IV). A opção é válida, tendo em vista que o Decreto de Fomento não traz muitos detalhes sobre como se dará o monitoramento, avaliação e prestação de contas. Assim, o ente público que lançará o Edital poderá estabelecer o procedimento, de acordo com suas rotinas administrativas e a legislação local aplicável.

Os Anexos do Edital  são os seguintes:

 

Anexo I - Categorias de apoio -1759926

Anexo II - Formulário de Inscrição/Plano de Trabalho - 1760011

Anexo III - Critérios de seleção - 1759988

Anexo IV - Termo de Execução Cultural - 1759995

Anexo V - Relatório de Execução do Objeto - 1760006

Anexo VI - Declaração de representação de grupo ou coletivo - 1760007

Anexo VII - Declaração étnico-racial - 1760008

Anexo VIII – Declaração PCD - 1760009

Anexo IX – Formulário de interposição de recurso - 1760010

 

Quanto aos Anexos, além do que já foi mencionado nos itens anteriores deste Parecer, observo o que se segue:

Os Anexos I, II, III e V  tratam de questões técnicas/operacionais, que não cabe a esta Consultoria Jurídica avaliar.

Observo que o Plano de Trabalho (Anexo II) é documento eminentemente técnico que deve seguir o disposto no art. 24 do Decreto nº 11.453/2023. Recomendo que o órgão técnico verifique o atendimento de todos os requisitos constantes desse dispositivo (o cronograma de execução, por exemplo, não consta do documento).

Anexo III dispõe sobre os critérios de seleção e as pontuações adicionais. A DAT/SCC/MINC informa que optou por escolher "critérios mais genéricos que se aplicam a qualquer projeto cultural, sem prejuízo de alteração, acréscimos ou supressões pelos entes federativos". Por outro lado, o órgão informa que foram incluídos critérios diferenciados de pontuação, como modalidade de ação afirmativa, em atendimento ao disposto na Instrução Normativa 10/2023.

Por se tratar de questão de índole técnica, recomenda-se que os critérios de avaliação sejam objetivos, transparentes e isonômicos. Nesse sentido, e com base em recomendações dos órgãos de controle, esta Consultoria Jurídica tem recomendado que os critérios de avaliação sejam estabelecidos de acordo com as seguintes diretrizes:

Anexo IV constitui a minuta do instrumento jurídico a ser firmado pela Administração Pública local com o agente cultural selecionado no Edital, ou seja, o Termo de Execução Cultural - TEC instituído pelo Decreto n. 11.453/2023 (Decreto de Fomento à Cultura), conforme mencionado anteriormente neste Parecer.

A minuta de TEC deve seguir, no que couber, as recomendações traçadas por esta Consultoria Jurídica no Parecer​ n. 00123/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU (SEI 1249161), que se referia a Edital da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022), mas se aplica também às transferências da PNAB, que utiliza o mesmo instrumento, nos termos do art. 22, inciso III, do Decreto n. 11.453/2023.

Os Anexos VI, VII, VIII e IX são documentos simples, com alguma repercussão jurídica, e não há o que se opor à redação proposta. 

Por fim, antes da publicação do Edital, recomenda-se a revisão geral das minutas de Edital e Anexos, inclusive da numeração e remissões internas.

 

 

III - CONCLUSÃO

 

Face ao exposto, e tendo em vista a manifestação técnica favorável, de lavra da DAT/SCC/MinC, concluo que a minuta de Edital em tela é coerente com a legislação aplicável e com os objetivos pretendidos, podendo ser divulgada para uso pelos entes federados, conforme estabelece o art. 23 do Decreto nº 11.740/2023, desde que observado o disposto no presente Parecer.

Por fim, nos termos do Enunciado nº 05 do Manual de boas Práticas Consultivas da AGU (4ª edição), ressalto que não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.

Isso posto, submeto o presente Parecer à consideração superior, sugerindo que, após aprovação, os autos sejam encaminhados à DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA A ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS, para ciência e providências cabíveis.

 

 

Brasília, 3 de junho de 2024.

 

 

(assinatura eletrônica)

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 


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