ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 136/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.015026/2023-15

INTERESSADA: Secretaria-Executiva

ASSUNTO: Minuta de portaria ministerial.

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. 
I - Minuta de portaria ministerial. Alteração da Portaria nº 60/2023/MinC, que institui o Programa Territórios da Cultura.
II - Requisitos para celebração de instrumentos com transferência de recursos para entes subnacionais.
III - Caracterização das ações de implantação das modalidades de equipamentos culturais do Programa Territórios da Cultura como "ações sociais", para os fins de suspensão de restrições relativas a inadimplência de convenentes, na forma do art. 26 da Lei nº 10.522/2002.
IV - Competência da Ministra da Cultura para estabelecer em ato próprio as ações do ministério que se caracterizem como ação social para os fins do art. 26 da Lei nº 10.522/2002. Inteligência do Parecer nº 2/2020/CNCIC/CGU/AGU e do Parecer nº BBL-03/2021, do Advogado-Geral da União, aprovado pelo Presidente da República.
V - Parecer favorável, com ressaltas ao texto apresentado.

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Vêm os presentes autos a esta Consultoria Jurídica para fins de análise e parecer acerca de minuta de portaria ministerial destinada a acrescentar dispositivo à Portaria MinC nº 68, de 29 de setembro de 2023, que institui o Programa Territórios da Cultura.

A proposta consiste em incluir previsão expressa de que as ações do Programa Territórios da Cultura caracterizam-se como "ações sociais" para os fins do art. 26 da Lei nº 10.522/2002, isto é, para não sujeição de entes recebedores de recursos ao impedimento de transferência decorrente de registros de inadimplência no Cadin e no Siafi.

A minuta encontra-se juntada aos autos no doc. SEI/MinC 1765697 e vem acompanhada do Parecer Técnico nº 79/2024/COOPC/CGDP/SEEC/SE/MinC (doc. SEI/MinC 1765905), que apresenta as seguintes justificativas para o ato:

4. Por sua própria finalidade, objetivos e diretrizes, percebe-se que as ações culturais do Programa Territórios da Cultura podem ser consideradas como ações sociais. Entendimento este que a nosso viso corresponde à jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, exarada no julgado do REsp 1.527.308/CE, cujo trecho abaixo transcrevemos:
IV. Na forma da jurisprudência, "o termo 'ação social' presente na mencionada lei diz respeito às ações que objetivam o atendimento dos direitos sociais assegurados aos cidadãos, cuja realização é obrigatória por parte do Poder Público, como aquelas mencionadas na Constituição Federal, nos artigos 6º, 193, 194, 196, 201, 203, 205, 215 e 217 (alimentação, moradia, segurança, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, ordem social, seguridade social, saúde, previdência social, assistência social, educação, cultura e desporto)" (STJ, REsp 1.527.308/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/08/2015).
5. Contudo, ainda não resta formalmente reconhecido o caráter de ação social do Programa, o que afasta o benefício estabelecido pelo artigo 26 da Lei nº 10.522/2002.

É o breve relatório. Passo à análise.

Esta Consultoria Jurídica já tem consolidado, de longa data, o entendimento de que as ações do Ministério da Cultura, seja de fomento do acesso à cultura, seja de preservação do patrimônio cultural, seja de proteção ou promoção das diversas formas de expressão da cultura nacional, podem ser perfeitamente caracterizadas como ações sociais para os fins do art. 26 da Lei nº 10.522/2002, não havendo justificativa razoável para qualquer interpretação que restrinja a leitura do tal dispositivo legal ao recorte específico dado pelo art. 25, § 3º, da Lei de Responsabilidade Fiscal. Trata-se de entendimento já manifestado no Parecer nº 26/2018/CONJUR-MinC/CGU/AGU, assim ementado:

EMENTA: I - CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FINANCEIRO.
II - Transferências voluntárias. Requisitos para celebração. Suspensão de restrições relativas a inadimplência de convenentes. 
III - Alcance do significado da expressão "ações sociais" e "ações em faixa de fronteira", de que trata o art. 26 da Lei nº 10.522/2002. Cotejo com as disposições ao art. 25, § 3º, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).
IV - Caracterização dos direitos culturais como direitos fundamentais inseridos no contexto da Ordem Social de que trata o Título VIII da Constituição Federal, bem como no rol de garantias fundamentais elencadas nos arts. 5º, 6º, 7º, 215 e 217 do texto constitucional, entre outros.
V - Sendo a cultura um direito constitucional relacionado a direitos fundamentais, não é possível cogitar, sob o ponto de vista estritamente jurídico, que as ações de governo voltadas para sua preservação não sejam qualificadas como ações sociais.
VI - Ausência de justificativa razoável para uma interpretação que restrinja a leitura do art. 26 da Lei nº 10.522/2002 ao recorte específico dado pelo art. 25, § 3º, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
VII - Ausência de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária. Hipótese de lei posterior que revoga anterior, sem vício de constitucionalidade em virtude de reserva de lei complementar.
VIII - Desnecessidade de revisão do Parecer GM-27/2001. Competência de cada Pasta para, motivadamente e com base em norma interna ou análise em cada caso concreto, excepcionar os requisitos de adimplência com base no objeto da avença caracterizar-se ou não como ação social ou em faixa de fronteira.

Este parecer foi confirmado pelo Parecer nº 82/2028/CONJUR-MinC/CGU/AGU, também da Consultoria Jurídica, a assim ementado:

EMENTA: Consulta sobre o alcance e interpretação do termo “ações sociais”, constante do art. 26 da Lei nº 10.522/2002. Manutenção da exegese apresentada no Parecer GM-27, aprovado pelo Exmo. Presidente da República. Compreensão da cultura como direito humano fundamental. Historicidade dos direitos humanos e do papel do Estado na promoção de tais direitos. Necessidade de observância da evolução doutrinária da interpretação constitucional. Existência de compromissos internacionais firmados pela República Federativa do Brasil que condicionam a atuação do Poder Público. Interpretação de atos infraconstitucionais não pode amesquinhar obrigações firmadas pelo país no plano externo e interno. Princípio da vedação ao retrocesso em matéria de direitos fundamentais. Impossibilidade de dissociar os direitos culturais do conceito de direitos sociais. Defesa da interpretação de que as ações relacionadas à cultura, por integrarem o Capítulo Constitucional da Ordem Social, devem ser consideradas como ações sociais para os fins do art. 26 da Lei nº 10.522/2002. Aplicação de métodos interpretativos constitucionais modernos. Ausência de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária. A regra prevista no §3º do art. 25 da Lei Complementar nº 101/2000 não pode restringir o alcance do art. 26 da Lei nº 10.522/2002, sob pena de se esvaziar o conceito de ação social derivado da própria Constituição. Necessidade de manutenção do entendimento firmado no Parecer GM-27.

Levada a questão à Consultoria-Geral da União em razão de divergência com outros órgãos de assessoramento jurídico, tal entendimento foi ratificado pelo Parecer nº 2/2020/CNCIC/CGU/AGU (doc. Sapiens/AGU 469389155), da Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres, no qual ficou assentada a tese segundo a qual  possível que os Ministérios definam, através de ato normativo, quais ações são consideradas "ações sociais" para efeito do disposto no art. 26 da Lei nº 10.522/02, dentro das atribuições e competências das matérias tratadas e políticas públicas executadas no âmbito de cada Pasta"

A partir do entendimento firmado em tal parecer, construiu-se a tese de que o conceito de ações sociais, para os fins do art. 26 da Lei nº 10.522/2002, pressupõe as seguintes premissas: (i) a ação “deve objetivar o atendimento de um direito social”; e (ii) “deve ter caráter obrigatório para o Poder Público”, sendo que esta segunda premissa explica a excepcionalidade da norma.

Atendidas estas premissas, a União não pode deixar de executar determinadas ações necessárias para a realização de direitos fundamentais simplesmente a pretexto de se tratar de transferência voluntária para execução indireta por partícipe com registro de inadimplência, pois isto equivaleria a "punir os cidadãos pela desídia de administradores, postura que certamente não encontra respaldo constitucional", conforme aventado desde o Parecer nº GM-27/AGU.

Estes reiterados pareceres jurídicos foram ao final aprovados, não apenas no âmbito da Consultoria-Geral da União, mas também pelo próprio Advogado-Geral da União, por meio do Parecer BBL-3/2021, posteriormente chancelado pelo Presidente da República na forma do art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73/1993, vinculando toda a Administração Pública Federal, direta e indireta.

A proposta ora em exame atende à finalidade específica de estabelecer normativamente ações do Programa Territórios da Cultura como ações sociais para fins de não sujeição de entes subnacionais parceiros às restrições decorrentes de eventuais registros de inadimplência no Cadin e no Siafi. Motivação e finalidade, portanto, estão devidamente caracterizadas e congruentes na proposta apresentada, conferindo impessoalidade e transparência aos critérios para eventuais suspensões de restrições a entes que venham a celebrar instrumentos com transferência de recursos para execução dos equipamentos culturais de que trata a Portaria nº 68/2023/MinC.

Com relação à competência, a Ministra da Cultura é autoridade competente para o ato, seja no que tange à regulamentação do programa em si quanto no que se refere particularmente à normatização das ações sociais que não se sujeitam aos impedimentos referidos no art. 26 da Lei nº 10.522/2002.

No que tange às exigências do Decreto nº 9.191/2017 e do Decreto nº 10.139/2019, encontra-se a minuta adequada aos requisitos formais estabelecidos para atos normativos inferiores a decreto, inclusive no que tange à entrada em vigor na data de sua publicação, conforme justificativa apresentada no § 13 do Parecer Técnico nº 79/2024/COOPC/CGDP/SEEC/SE/MinC (doc. SEI/MinC 1765905). Ademais, ainda que não houvesse justificativa razoável para a urgência, observa-se que o Decreto nº 10.139/2019 perderá sua vigência em 01/06/2024, por força do Decreto nº 12.002/2024, deixando de ser exigível o período mínimo de vacância nele estabelecido a partir de tal data.

Com relação ao texto da minuta, recomendamos a seguinte redação, a fim de conferir ao texto maior clareza e concisão:

Art. 1º  A Portaria MinC nº 68, de 29 de setembro de 2023, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo:
Art. 9º-A  Os equipamentos culturais enquadrados nas modalidades de que trata o art. 5º desta Portaria são reconhecidos como ações sociais para os fins do art. 26 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, no que se refere à celebração de instrumentos de parceria firmados pelo Ministério da Cultura com órgãos ou entidades de Estados, Distrito Federal e municípios.

Para o preâmbulo da minuta, recomenda-se não citar a Portaria MinC nº 68/2023, tendo em vista tratar-se da portaria que será alterada, e não propriamente de fundamento jurídico para a alteração. Para melhor fundamentação da norma, recomenda-se acrescentar referência ao art. 26 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, e ao Parecer nº BBL-03/2021, do Advogado-Geral da União.

E, sendo estas as considerações de cunho jurídico cabíveis, opino favoravelmente à proposta apresentada, observadas as recomendações dos §§ 14 e 15 deste parecer, nada obstando o prosseguimento do feito junto ao Gabinete da Ministra de Estado da Cultura, com vistas à publicação do ato.

 

À consideração da Consultora Jurídica.

 

Brasília, 28 de maio de 2024.

 

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


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