ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE PARCERIAS E COOPERAÇÃO FEDERATIVA


PARECER n. 00142/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.006568/2024-70

INTERESSADOS: DIRETORIA DE FORMAÇÃO E INOVAÇÃO AUDIOVISUAL DFIA/SAV/GM/MINC

ASSUNTOS: MINUTA DE EDITAL DE INTERCÂMBIO CULTURAL – CIRCULAÇÃO E PARTICIPAÇÃO AUDIOVISUAL NO EXTERIOR

 

 

EMENTA:
I – Direito Administrativo. Seleção pública. Minuta de Edital. Bolsa Cultural de Intercâmbio para Circulação e Participação em eventos do setor audiovisual.
II - Lei nº 8.313/1991.  Decreto nº 11.453/202. Portaria n. 29/2009.
III - Recomendações. Parecer favorável.
 
 
 

I. RELATÓRIO

 

Por meio do Ofício nº 607/2024/SAV/GAB/SAV/GM/MinC, o Chefe de Gabinete da Secretaria do Audiovisual solicita análise e manifestação sobre minuta de EDITAL DE INTERCÂMBIO CULTURAL MINC – CIRCULAÇÃO E PARTICIPAÇÃO AUDIOVISUAL NO EXTERIOR, que tem como objetivo "a concessão de recursos financeiros, na modalidade de bolsa cultural, para a participação e circulação de profissionais dos diferentes elos da cadeia audiovisual, em eventos do setor realizados no exterior", no valor de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) oriundos do Fundo Nacional da Cultura (SEI 1768449).

A Secretaria do Audiovisual - SAv/MINC, por meio da Nota Técnica n. 8/2024 (SEI 1690643), apresentou o histórico da demanda e manifestou-se favorável quanto à pertinência e conformidade do Edital em questão, sob o ponto de vista técnico.

Além da referida Nota Técnica, para o que interessa à presente análise, instruem os autos a minuta de Edital cuja análise é solicitada (SEI 1666022e seus  respectivos Anexos (1763293 a 1763326).

Este é o relato do necessário.

 

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

A presente análise se dá com fundamento no art. 11 da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito da competência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.

Nesse mister, a presente análise restringe-se a apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, a quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

Quanto aos aspectos de natureza técnica, parte-se da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração e quanto à operacionalidade do instrumento em análise, observando os requisitos legalmente impostos.

Dito isso, passo à análise da matéria submetida à consideração desta Consultoria Jurídica, ou seja, a minuta de Edital de Intercâmbio Cultural – Circulação e Participação Audiovisual no Exterior.

A seleção em tela é destinada exclusivamente a pessoas físicas (item 8.1.1) e tem por objetivo "a concessão de recursos financeiros, na modalidade de bolsa cultural, para a participação e circulação de profissionais dos diferentes elos da cadeia audiovisual, em eventos do setor realizados no exterior" (item 1.1). Os eventos que permitem a participação no certame estão definidos no item 3 do Edital.

processo público de seleção (também denominado chamamento público ou chamada pública) é materializado por meio de um “edital”, que é instrumento jurídico proveniente do direito administrativo, pelo qual a Administração Pública leva ao conhecimento público determinado certame, fixando as condições de sua realização e convocando os interessados para apresentação de suas propostas/projetos.

Todo Edital, como ato administrativo, deve observar os princípios atinentes à administração pública descritos no art. 37, da Constituição Federal, em especial os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e ainda os princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público (art. 2º da Lei n. 9.784/1999). 

Por outro lado, no âmbito deste Ministério, a Portaria/MinC nº 29, de 21 de maio de 2009, que disciplina a elaboração e gestão de editais de seleção pública para apoio a projetos culturais e iniciativas culturais, em seu Anexo, art. 1º, estabelece que as seleções públicas de projetos e iniciativas culturais serão regidas pelos princípios da transparência; isonomia; legalidade; moralidade; impessoalidade; publicidade; eficiência; equilíbrio na distribuição regional dos recursos; e acesso à inscrição.

O Edital específico em análise tem seu fundamento precípuo na Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 215, imbuiu o Estado (Poder Público de todas as esferas) dos deveres de garantir o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional e de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais

Por outro lado, o art. 216-A da Constituição, que trata do Sistema Nacional de Cultura, estabeleceu como princípios deste a diversidade das expressões culturais, a universalização do acesso aos bens e serviços culturais, o fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais, e a cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural, entre outros (CF/88, art. 216-A, § 1º, incisos I a IV).

Além do fundamento constitucional, o presente Edital tem como normas de regência a Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991; a Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010, que institui o Plano Nacional de Cultura - PNC; a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (supletivamente); o Decreto n. 11.453, de 23 de março de 2023 (Decreto de Fomento à Cultura); e a Portaria/MinC n. 29 de 2009.

A seleção pública em análise, realizada com recursos do Fundo Nacional de Cultura - FNC, encontra fundamento legal no art. 3º, inciso V, alínea 'a', da Lei n. 8.313/1991, que dispõe

 
Art. 3° Para cumprimento das finalidades expressas no art. 1° desta lei, os projetos culturais em cujo favor serão captados e canalizados os recursos do Pronac atenderão, pelo menos, um dos seguintes objetivos:
(...)
V - apoio a outras atividades culturais e artísticas, mediante:
a) realização de missões culturais no país e no exterior, inclusive através do fornecimento de passagens;
(...)

 

Ademais, segundo informa a Nota Técnica n. 8/2024, a ação proposta encontra amparo nos objetivos do Plano Nacional da Cultura, Lei nº 12.343, de 2 dezembro de 2010, a saber:

 

 Art. 2o  São objetivos do Plano Nacional de Cultura: 
(...)
XV - ampliar a presença e o intercâmbio da cultura brasileira no mundo contemporâneo; 

 

Vale dizer, ainda, que o Ministério da Cultura é competente para a edição do certame,  nos termos do art. 21 da Lei n. 14.600, de 19 de junho de 2023, e do art. 1º Decreto n. 11.336, de 1º de janeiro de 2023, que dispõem em igual sentido:

 

Art. 21. Constituem áreas de competência do Ministério da Cultura:
I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
(...)
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
(...)

 

 

 

II.1 - DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

 

O item 10 da minuta de Edital em análise estabelece ações afirmativas, que visam garantir a representatividade e a diversidade étnico-racial do certame, nos seguintes termos:

 
10.1. As candidaturas selecionadas deverão assegurar que a proporção de pelo menos 30% dos recursos, seja destinada às pessoas negras (pretos ou pardos) ou indígenas, sendo:
a) 20% de pessoas negras (pretos ou pardas), no mínimo; 
b) 10% de pessoas indígenas, no mínimo; 

 

O dispositivo estabelece ainda a vedação de que a distribuição de recursos exceda o limite de 40% por região brasileira (item 10.2) e que as propostas de Pessoas com Deficiência - PCD, nos termos da Lei 13.146/2015, terão prioridade e serão analisadas antes das demais (item 10.3).

Vale notar, nesse sentido, que a Constituição Federal estabelece, em seu art. 3º, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, in verbis:

 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(...)
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

O princípio da igualdade que inspira os dispositivos recém-transcritos é novamente contemplado no art. 5º, não somente em seu caput, como também em diversos de seus incisos:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
(...)
 

Com base nos dispositivos constitucionais transcritos, infere-se a prevalência, na Carta Magna, da concepção de igualdade material (ou substancial) em detrimento da igualdade meramente formal. Assim, é possível concluir que a Constituição não só autoriza a ação afirmativa, como determina a sua instituição, como forma de alcançar a almejada igualdade substancial. Nas palavras de Carmem Lúcia Rocha: 

 

Somente a ação afirmativa, vale dizer, atuação transformadora, igualadora pelo e segundo o Direito possibilita a verdade do princípio da igualdade, para se chegar à igualdade que a Constituição brasileira garante como direito fundamental de todos. 
(ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação Afirmativa – O Conteúdo Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica. In Revista Trimestral de Direito Público nº 15/96)

 

Confere-se, assim, com amparo no princípio da isonomia, tratamento desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades. É o que nos ensina Joaquim Barbosa:

 

Essa, portanto, é a concepção moderna e dinâmica do princípio constitucional da igualdade, a que conclama o Estado a deixar de lado a passividade, a renunciar à sua suposta neutralidade e a adotar um comportamento ativo, positivo, afirmativo, quase militante na busca da concretização da igualdade substancial.
(GOMES, Joaquim B. Barbosa. A Recepção do Instituto da Ação Afirmativa pelo Direito Constitucional Brasileiro. In Revista de Informação Legislativa, ano 38, n 151, p. 129, 2001)

 

Por outro lado, os art. 3º, incisos II, VI e VIII, e art. 5º do Decreto n. 11.453/2023 reforçam os fundamentos dos aspectos afirmativos do Edital:

 

Art. 3º Os mecanismos de fomento cultural contribuirão para:
(...)
II - estimular a expressão cultural dos diferentes grupos e comunidades que compõem a sociedade brasileira;
(...)
VI - fomentar atividades culturais afirmativas para a promoção da cidadania cultural, da acessibilidade às atividades artísticas e da diversidade cultural;
(...)
VIII - fomentar o desenvolvimento de atividades artísticas e culturais pelos povos indígenas e pelas comunidades tradicionais brasileiras;
(...)
Art. 5º  As ações afirmativas e reparatórias de direitos poderão ser realizadas por meio de editais específicos, de linhas exclusivas em editais, da previsão de cotas, da definição de bônus de pontuação, da adequação de procedimentos relativos à execução de instrumento ou prestação de contas, entre outros mecanismos similares destinados especificamente a determinados territórios, povos, comunidades, grupos ou populações.

 

Vale notar, ainda, que o art. 8º, parágrafo único, do anexo à Portaria/MinC n. 29/2009 considera grupos étnicos e raciais, e o equilíbrio na distribuição geográfica como critérios válidos para condicionar a inscrição na seleção pública, além de outros de livre escolha da unidade gestora:

 

Art. 8º O edital de seleção pública estabelecerá os perfis de proponentes aptos a participarem da seleção pública, podendo também especificar os casos que serão objeto de indeferimento.
Parágrafo único. São considerados critérios válidos para condicionarem a inscrição na seleção pública, além de outros critérios de livre escolha da unidade gestora da seleção pública:
(...)
VII - proponentes de grupos étnicos e raciais específicos;
(...)
§ 3º Para promoção do equilíbrio na distribuição regional dos recursos, recomenda-se, sempre que necessário e indicado ao caso específico, a adoção de ao menos um dos seguintes mecanismos:
(...)
c) definição de um número mínimo de projetos a serem selecionadas em cada região, Estado, ou área geográfica, ou;
(...)

 

Portanto, as ações afirmativas estabelecidas pelo Edital em análise estão em sintonia com a legislação vigente. 

Ressalto que a ação afirmativa deve ser expressamente justificada pelo órgão proponente, sob o ponto de vista técnico, com base no diagnóstico da desigualdade que se pretende abordar, já que a possibilidade jurídica da ação, em tese, não se confunde com a motivação do ato. 

 

​​

II.2  - DO DECRETO N. 11.453/2023 (DECRETO DE FOMENTO À CULTURA)

 

O Decreto n. 11.453, de 23 de março de 2023, dispõe sobre os mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura,  e aplica-se ao caso em análise, no que couber.

O art. 8º do Decreto n. 11.453/2023 estabelece as modalidades de fomento direto à cultura, nos seguintes termos:

 

Art. 8º  Os recursos dos mecanismos de fomento direto poderão ser aplicados nas seguintes modalidades:
I - fomento à execução de ações culturais;
II - apoio a espaços culturais;
III - concessão de bolsas culturais;
IV - concessão de premiação cultural; e
V - outras modalidades previstas em ato do Ministro de Estado da Cultura.
Parágrafo único.  As modalidades de que tratam os incisos I a IV do caput poderão ser celebradas por quaisquer dos agentes culturais a que se refere o art. 4º, independentemente do seu formato de constituição jurídica.

 

De acordo com o art. 37 do Decreto n. 11.453/2023, a modalidade "bolsa cultural" deverá ser utilizada com as seguintes finalidades:

 

Art. 37.  A modalidade de concessão de bolsas culturais será utilizada para promover ações culturais de pesquisa, promoção, difusão, circulação, manutenção temporária, residência, intercâmbio cultural e similares.

 

Portanto, a iniciativa proposta é passível de enquadramento sob o conceito de bolsa cultural (nos termos do Decreto de Fomento), modalidade esta que comporta diversas atividades formativas, entre elas o intercâmbio, a difusão, a circulação e similares.

Além do art. 37, os art. 38 a 40 do Decreto de Fomento tratam especificamente da bolsa cultural: 

 

Art. 38.  A modalidade de concessão de bolsas culturais será implementada em formato de doação com encargo, de acordo com:
I - o procedimento previsto neste Decreto;
II - o procedimento previsto na Lei nº 13.018, de 2014, e em ato do Ministro de Estado da Cultura, nas hipóteses em que o fomento enquadrar-se no escopo da Política Nacional de Cultura Viva; ou
III - regras específicas previstas na legislação de fomento cultural do Estado, do Distrito Federal ou do Município, quando o gestor público do ente federativo optar por não utilizar os procedimentos a que se referem os incisos I e II.
§ 1º  A concessão de bolsas com os recursos de que trata a Lei nº 14.399, de 2022, ou com os recursos previstos na Lei Complementar nº 195, de 2022, poderá ser realizada por meio de qualquer dos procedimentos a que se refere o caput, a critério do gestor público.
§ 2º  A escolha do procedimento a ser utilizado em cada caso será especificada pelo gestor público no processo administrativo em que for formalizado o edital, conforme os objetivos pretendidos, observados os princípios constitucionais da eficiência e da duração razoável do processo.
§ 3º  Nas hipóteses dos procedimentos de que trata este artigo, não será exigível a complementação de que trata o § 2º do art. 6º da Lei nº 8.313, de 1991, tendo em vista que a destinação dos recursos está especificada na origem.
Art. 39.  O chamamento público para a concessão de bolsas observará o disposto na Seção II, ressalvados os dispositivos relativos a plano de trabalho, análise de instrumento jurídico e demais regras não aplicáveis à natureza jurídica de doação com encargo.
Parágrafo único.  O edital de concessão de bolsas poderá prever a destinação de valores fixos, o pagamento de diárias, o ressarcimento de valores relativos a passagens aéreas, o pagamento de despesas com ações formativas ou qualquer outro formato adequado à implementação da modalidade.
Art. 40.  O cumprimento do encargo previsto no edital de concessão de bolsas será demonstrado no Relatório de Bolsista, vedada a exigência de demonstração financeira.
§ 1º  Conforme estabelecido em edital, o Relatório de Bolsista poderá conter diploma, certificado, relatório fotográfico, matérias jornalísticas ou quaisquer outros documentos que demonstrem o cumprimento do encargo, em formato adequado à natureza da atividade fomentada.
§ 2º  As regras relativas à execução de recursos e à prestação de contas não se aplicam à modalidade de concessão de bolsas culturais, em razão da natureza jurídica de doação com encargo.
§ 3º  Nos casos em que a bolsa resultar na materialização de produtos, o edital poderá prever a destinação ao acervo da administração pública ou outras destinações que garantam democratização de acesso.
§ 4º  O não cumprimento do encargo resultará em:
I - suspensão da bolsa;
II -  cancelamento da bolsa; ou
III - determinação de ressarcimento de valores.
 

De acordo com o art. 38, § 2º, o órgão gestor do Edital deve estabelecer o procedimento cabível para o chamamento público referente a bolsas culturais, conforme os objetivos pretendidos, expondo sua motivação no processo administrativo em que for formalizado o edital, observados os princípios constitucionais da eficiência e da duração razoável do processo. 

Por outro lado, o art. 39, parágrafo único, permite que o órgão gestor escolha o formato do benefício, de acordo com as características do objeto pretendido. Ou seja, o fomento pode se dar por destinação de valores fixos, pagamento de diárias, ressarcimento de valores relativos a passagens aéreas, pagamento de despesas com ações formativas ou qualquer outro formato adequado à implementação da modalidade.

No caso da seleção em tela, optou-se pelo estabelecimento de um valor fixo máximo, voltado para o custeio de itens como hospedagem, alimentação, passagens aéreas e deslocamento terrestre, levando-se em consideração o local de realização do evento, independentemente do período de permanência, na forma dos itens 7.1 e 7.4 do Edital:

 

7.1. Na modalidade CIRCULAÇÃO e PARTICIPAÇÃO, cada candidato (a)  receberá um valor fixo, levando-se em consideração o local de realização do evento, independentemente do período de permanência, conforme descrição abaixo: 
(...)
7.4. A concessão de bolsa cultural, no âmbito das ações de Circulação  e Participação, prevê a destinação de valores fixos, voltados para o custeio de itens como hospedagem, alimentação, passagens aéreas e deslocamento terrestre.
 

O item 4.3 estabelece, ainda, um valor adicional de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) para as candidaturas originárias de Estados da Amazônia Legal – Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso. Para fins didáticos, sugiro que os dispositivos sobre valores sejam todos agrupados em apenas uma seção do Edital.

Vale notar, ademais, que o art. 40, § 2ºdo Decreto n. 11.453/2023 (acima transcrito) estabelece que as regras relativas à execução de recursos e à prestação de contas não se aplicam à modalidade de concessão de bolsas culturais. Tal regra corrobora com o disposto nos §§ 1º e 3º, do mesmo artigo, que determinam que o Relatório de Bolsista poderá conter quaisquer "documentos que demonstrem o cumprimento do encargo, em formato adequado à natureza da atividade fomentada" e que "nos casos em que a bolsa resultar na materialização de produtos, o edital poderá prever a destinação ao acervo da administração pública ou outras destinações que garantam democratização de acesso".

Portanto, o órgão gestor deve estabelecer como se dará a comprovação de cumprimento do encargo (atividade proposta) sem detalhar a execução financeira (ou seja, não se trata de prestação de contas). 

No caso do Edital em tela, o encargo é a realização da atividade proposta (item 3.1.3), cuja comprovação se dará por meio da apresentação do Relatório de Bolsista, acompanhado de documentos comprobatórios, conforme consta do Anexo V.

O Edital de Bolsas deve mencionar, ainda, as sanções para o caso de descumprimento, previstas no art. 40, § 4º, do Decreto de Fomento, a saber:

 

§ 4º  O não cumprimento do encargo resultará em:
I - suspensão da bolsa;
II -  cancelamento da bolsa; ou
III - determinação de ressarcimento de valores.
 

No caso dos autos, o órgão técnico optou por estabelecer apenas uma sanção (a restituição de recursos) que consta do item 20.

​Aplicando-se a todas as formas de fomento cultural, o Decreto n. 11.453/2023 trata do chamamento público no Capítulo II, Seção II (art. 9º  a 21), com a ressalva de que o disposto na referida Seção aplica-se às bolsas (e à premiação cultural) somente no que for compatível com a natureza jurídica de doação. Assim, recomenda-se a leitura atenta de toda a Seção, a fim de verificar o que é compatível com a seleção pretendida (tal regra repete-se, com outras palavras, no caput do art. 39, do Decreto de Fomento, acima transcrito). Assim dispõe o art. 9º do Decreto de Fomento:

 
Art. 9º  Os chamamentos públicos das políticas culturais de fomento observarão o disposto nesta Seção, exceto na hipótese de haver previsão de outro procedimento específico em regime jurídico aplicável ao instrumento escolhido pela administração pública.
§ 1º  Os processos seletivos a que se refere esta Seção se pautarão por procedimentos claros, objetivos e simplificados, com uso de linguagem simples e formatos visuais que orientem os interessados e facilitem o acesso dos agentes culturais ao fomento.
§ 2º  O disposto nesta Seção aplica-se às modalidades de concessão de bolsas culturais e de concessão de premiação cultural somente no que for compatível com a natureza jurídica de doação.

 

Vale notar que o art. 9º, § 1º, do Decreto determinou a simplificação dos modelos de editais de seleção vigentes, "com uso de linguagem simples e formatos visuais que orientem os interessados e facilitem o acesso dos agentes culturais ao fomento". Nesse sentido, ressalto que incumbe ao órgão técnico a avaliação da complexidade dos termos utilizados no edital, considerando as peculiaridades do público beneficiário.

Cabe, ainda, ao órgão técnico garantir que os conceitos expostos no Edital sejam compreensíveis pelo público em geral, não somente o público-alvo, mas também a população e os órgãos de controle que o examinarão, o que está diretamente relacionado com a transparência e a moralidade do procedimento e a amplitude do acesso à inscrição.

Observo que o art. 11 do Decreto de Fomento permite que os chamamentos públicos das políticas culturais de fomento se deem sob dois formatos distintos e alternativos - o fluxo contínuo e o fluxo ordinário, assim definidos:

 

Art. 11.  Os chamamentos públicos poderão ser:
I - de fluxo contínuo, nos casos em que for possível a celebração de instrumentos à medida que as propostas forem recebidas; ou
II - de fluxo ordinário, nos casos em que a administração pública optar pela concentração do recebimento, da análise e da seleção de propostas em período determinado.

 

No caso do Edital em tela, o item 11.1 estabelece que "as inscrições estarão abertas, em regime de fluxo contínuo, a partir da publicação deste edital e até às 18h (dezoito horas) do dia 31 de outubro de 2024, ou até o fim dos recursos disponibilizados, ocasião em que as inscrições serão suspensas". Trata-se, portanto, de Edital de fluxo contínuo, nos termos do art. 11 do Decreto de Fomento.

De acordo com  o art. 12 do  Decreto de Fomento, o chamamento público é composto pelas fases de planejamento, processamento e celebração e, nos casos de chamamentos públicos de fluxo contínuo, os procedimentos poderão ser adaptados de acordo com o cronograma e com a sistemática de celebração dos instrumentos:

 

Art. 12.  As fases do chamamento público serão:
I - planejamento;
II - processamento; e
III - celebração.
Parágrafo único.  Nos casos de chamamentos públicos de fluxo contínuo, os procedimentos poderão ser adaptados de acordo com o cronograma e com a sistemática de celebração dos instrumentos.

 

A fase de planejamento (art. 13) compõe-se das seguintes etapas:

 

I - preparação e prospecção;
II - proposição técnica da minuta de edital;
III - análise jurídica e verificação de adequação formal da minuta de edital; e
IV - assinatura e publicação do edital, com minuta de instrumento jurídico anexada.

 

Por sua vez, a fase de processamento é composta pelas seguintes etapas:

 

Art. 16.  Na fase de processamento do chamamento público, serão realizadas as seguintes etapas:
I - inscrição de propostas, preferencialmente por plataforma eletrônica, com abertura de prazo de, no mínimo, cinco dias úteis; (item 11)
II - análise de propostas pela Comissão de Seleção; (item 14)
III - divulgação de resultado provisório, com abertura de prazo recursal de, no mínimo, três dias úteis e, se necessário, dois dias úteis para contrarrazões; (itens 14.9 e 15)
IV - recebimento e julgamento de recursos; e  (item 15)
V - divulgação do resultado final. (item 16)

 

A minuta de Edital em análise (SEI 1666022) contempla os requisitos da fase de processamento, conforme destacado após cada um dos incisos acima transcritos. 

Quanto ao prazo para contrarrazões (art. 16, inciso III), observo que o Edital em análise não o estabelece. 

A este respeito, vale notar que as contrarrazões, no processo civil, são a resposta ofertada pela parte contrária àquela que interpôs recurso (CPC art. 1.030). 

No caso dos Editais regidos pela Lei n. 13.019/2014 e pelo Decreto n. 8.726/2016 (MROSC) embora o Decreto nº 8.726/2016 não preveja, expressamente, a apresentação de contrarrazões, a Câmara Nacional de Convênios e Instrumentos Congêneres - CNCIC/AGU recomenda a adoção do prazo para contrarrazões, conforme exposto em Nota Explicativa da respectiva minuta de Edital:

 
Julga-se fundamental que seja oferecido prazo para contrarrazões, pois o acolhimento dos recursos pode alterar a ordem de classificação e, nesta hipótese, o §4º do art. 18 dispõe que não caberá novo recurso. Ou seja, a entidade mais bem classificada pode deixar de ser “a mais bem classificada” sem ser ouvida, com ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Saliente-se que a Lei nº 9.784, de 1999 (Lei do Processo Administrativo Federal) e a Lei nº 14.133, de 2021, todas elas garantem prazo para apresentação de contrarrazões (ou alegações) pelos interessados.
[https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/modelos/conveniosecongeneres/chamamento-publico-termo-de-fomento-marco-2024.pdf]

 

No mesmo sentido, o art. 62 da Lei n. 9.784/1999 (que regula o processo administrativo) estabelece que, interposto o recurso, o órgão competente deverá intimar os demais interessados para que, no prazo de cinco dias úteis, apresentem alegações.

Assim, sugere-se ao órgão gestor do certame que avalie a possibilidade de se estabelecer prazo para contrarrazões, observando o disposto na Lei n. 9.784/1999, a fim de garantir a observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

 

Os art. 17 e 18 do Decreto de Fomento contemplam, respectivamente, as fases de recebimento de inscrições e análise das propostas, nos seguintes termos:

 

Art. 17.  Na etapa de recebimento de inscrição de propostas, a administração pública poderá utilizar estratégias para ampliar a concorrência e para estimular a qualidade técnica das propostas, como:
I - implantar canal de atendimento de dúvidas;
II - realizar visitas técnicas ou contatos com potenciais interessados para divulgar o chamamento público, com o respectivo registro no processo administrativo;
III - realizar sessões públicas para prestar esclarecimentos; e
IV - promover ações formativas, como cursos e oficinas de elaboração de propostas, com ampla divulgação e abertas a quaisquer interessados.
Parágrafo único.  O cadastro prévio poderá ser utilizado como ferramenta para dar celeridade à etapa de inscrição de propostas.
 
Art. 18.  A etapa de análise de propostas poderá contar com o apoio técnico de especialistas:
I - convidados pela administração pública para atuar como membros da Comissão de Seleção, em caráter voluntário;
II - contratados pela administração pública para atuar como membros da Comissão de Seleção, por inexigibilidade de licitação, mediante edital de credenciamento ou caracterização como serviço técnico especializado, conforme o disposto na Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021; e
III - contratados pela administração pública para emitir pareceres técnicos que subsidiem as decisões da Comissão de Seleção, por inexigibilidade de licitação, mediante edital de credenciamento ou caracterização como serviço técnico especializado, conforme o disposto na Lei nº 14.133, de 2021.
§ 1º  A análise de propostas poderá utilizar critérios quantitativos ou critérios qualitativos adequados à especificidade da produção artística e cultural, tais como originalidade, inventividade artística, singularidade, promoção de diversidade, coerência da metodologia em relação aos objetivos descritos, potencial de impacto ou outros parâmetros similares, conforme estabelecido no edital.
§ 2º  As propostas que apresentem quaisquer formas de preconceito de origem, raça, etnia, gênero, cor, idade ou outras formas de discriminação serão desclassificadas, com fundamento no disposto no inciso IV do caput do art. 3º da Constituição, garantidos o contraditório e a ampla defesa. 

 

Os dispositivos recém-transcritos contêm diretrizes a ser observadas pelo órgão responsável pela seleção quando da elaboração do Edital. Especificamente o disposto no § 2º do art. 18 reflete-se no item 9.2.4 do Edital.

 

A última fase do chamamento público, de acordo com o Decreto n. 11.453/2023, é a fase de celebração, contendo as seguintes etapas:

 

Art. 19.  Na fase de celebração do chamamento público, serão realizadas as seguintes etapas:
I - habilitação dos agentes culturais contemplados no resultado final; 
(item 17 e Anexo I)
II - convocação de novos agentes culturais para habilitação, na hipótese de inabilitação de contemplados; (item 13.2) e
III - assinatura física ou eletrônica dos instrumentos jurídicos com os agentes culturais habilitados. (item 17.6)
§ 1º  Os documentos para habilitação poderão ser solicitados após a divulgação do resultado provisório, vedada a sua exigência na etapa de inscrição de propostas.  (item 17)
§ 2º  Os requisitos de habilitação serão compatíveis com a natureza do instrumento jurídico respectivo e não poderão implicar restrições que prejudiquem a democratização do acesso de agentes culturais às políticas públicas de fomento.
§ 3º  A comprovação de regularidade fiscal será obrigatória para a celebração de termos de execução cultural.
§ 4º  O cadastro prévio poderá ser utilizado como ferramenta para dar celeridade à etapa de habilitação.
§ 5º  Eventual verificação de nepotismo na etapa de habilitação impedirá a celebração de instrumento pelo agente cultural que seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de servidor público do órgão responsável pelo edital, nos casos em que o referido servidor tiver atuado nas etapas a que se refere o caput do art. 20, sem prejuízo da verificação de outros impedimentos previstos na legislação específica ou no edital. (itens 9.1 e 14.7)
§ 6º  A comprovação de endereço para fins de habilitação poderá ser realizada por meio da apresentação de contas relativas à residência ou de declaração assinada pelo agente cultural.  (Anexo I)
§ 7º  A comprovação de que trata o § 6º poderá ser dispensada nas hipóteses de agentes culturais:  (item 17.3)
I - pertencentes a comunidade indígena, quilombola, cigana ou circense;
II - pertencentes a população nômade ou itinerante; ou
III - que se encontrem em situação de rua.
§ 8º  Na hipótese de instrumento com obrigações futuras, sua celebração poderá ser precedida de diálogo técnico entre a administração pública e o agente cultural para definição de plano de trabalho.  
§ 9º  Na hipótese de decisão de inabilitação, poderá ser interposto recurso no prazo de três dias úteis.
§ 10.  O agente cultural poderá optar por constituir sociedade de propósito específico para o gerenciamento e a execução do projeto fomentado.

 

​Verifica-se que o Edital atende em linhas gerais ao disposto no art. 19 do Decreto n. 11.453/2023 por meio dos itens destacados acima.

Observo que não está evidente no Edital a distinção entre as fases de processamento (art. 16) e habilitação (art. 19). Não obstante, apesar de não ter a denominação "habilitação", aparentemente esta etapa está contemplada no item 17, que trata dos procedimentos posteriores à "qualificação". No entanto, observo que o Edital se refere em outros momentos à habilitação (itens 13.3 e 14.8) e no item 14 parece confundir os dois momentos (análise de propostas e habilitação). Assim, recomendo que a minuta seja revista (especialmente os itens 13, 14 e 17), a fim de refletir a sistemática do Decreto de Fomento e uniformizar o Edital com os demais instrumentos de seleção publicados pelo Ministério da Cultura.

Por fim, verifica-se  que o item 17 não prevê a possibilidade de recurso na fase de habilitação, conforme determina o § 9º, do art. 19, do Decreto de Fomento (acima destacado), o que deve ser revisto ou justificado.

 

 

II.3 -  DA PORTARIA/MINC N. 29/2009

 

A Portaria/MinC nº 29/2009 dispõe sobre a elaboração e gestão de editais de seleção pública para apoio a projetos culturais e para concessão de prêmios a iniciativas culturais no âmbito do Ministério da Cultura. Esta Portaria, apesar de anterior ao Decreto n. 11.453/2023, permanece vigente, devendo ser observada naquilo que não conflite com o disposto na legislação hierarquicamente superior ou específica.

O art. 4º da Portaria/MinC nº 29/2009 estabelece que os editais de seleção pública deverão ser elaborados conforme o “Manual de Orientação para Elaboração e Gestão de Editais de Seleção Pública de Projetos e Iniciativas Culturais”, que consta no Anexo da Portaria. Muito embora não seja necessário mencionar no Edital todas as regras previstas na Portaria, estas devem ser observadas durante todo o processo seletivo.

O art. 2º do Manual de Orientação (Anexo à Portaria) estabelece as etapas a serem observadas na seleção pública dos projetos e iniciativas de que trata, e é compatível com as disposições dos art. 12 a 19 do Decreto nº 11.453, de 2023, já transcritos nesta manifestação jurídica.

Quanto às fases iniciais que antecedem o lançamento e divulgação do Edital (art. 2o, incisos I a IV do Anexo à Portaria n. 29/2009), cabe ao gestor apresentar o diagnóstico da demanda, justificar o valor estipulado para o apoio e demonstrar a alocação de recursos financeiros e organizacionais para a tomada da decisão de lançamento do Edital. 

Nesse sentido, a Nota Técnica nº 08/2024 (SEI 1690643) da Diretoria de Preservação e Difusão Audiovisual- DPDA/SAv apresentou a motivação da seleção proposta,  o contexto e diagnóstico da demanda. Recomendo à SAv apenas que explicite a justificativa para os valores estabelecidos para as bolsas, para fins de controle e registro da motivação do ato.

 

Quanto à previsão orçamentária, o art. 6º do Anexo da Portaria nº 29/2009, dispõe:

 

Art. 6º O edital de seleção pública deverá trazer expresso o valor total dos recursos previstos para repasse e para os custos administrativos do processo seletivo, bem como a fonte desses recursos.
§ 1º Em caso de recursos orçamentários, indicar-se-á a ação na Lei Orçamentária e o valor empenhado ou estimado para a seleção pública.
§ 2º Em caso de parceria com órgãos ou entidades, indicar-se-á o instrumento legal pelo qual a parceria foi firmada, com o valor do repasse.

 

Por outro lado, o art. 6º da Portaria determina que, caso o edital pretenda usar recursos do Fundo Nacional de Cultura - FNC, a Comissão do FNC deverá se pronunciar previamente e submeter o encaminhamento à homologação da Ministra da Cultura. Tal disposição encontra reflexo no art. 6º, parágrafo único, do Decreto n. 11.453/2023, que dispõe:

 

Parágrafo único.  A gestão de recursos do Fundo Nacional da Cultura observará as diretrizes recomendadas pela Comissão do Fundo Nacional da Cultura, responsável por atividades de formulação e avaliação técnica, cujas regras de organização e funcionamento serão estabelecidas em ato do Ministro de Estado da Cultura.

 

Dito isso, verifica-se que o item 4.1 da minuta de Edital informa que os recursos a serem empregados no certame são oriundos do Fundo Nacional de Cultura:

 

4.1. Os recursos necessários ao desenvolvimento das ações de que trata este Edital serão advindos do Fundo Nacional da Cultura – FNC, na Ação Orçamentária 20ZF denominada “Cultura: Promoção e Fomento à Cultura Brasileira”, para a concessão de auxílio financeiro, na forma de bolsa cultural, com aporte no exercício de 2024 de R$1.000.000,00 (um milhão de reais).

 

Observo que deve ser juntado aos autos o comprovante de disponibilidade orçamentária, conforme determina o art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar n. 101/2000) segundo o qual, a destinação de recursos a pessoas físicas ou jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais. 

Como o Edital envolve recursos do FNC, recomenda-se também que seja juntada aos autos a decisão da Comissão do Fundo Nacional de Cultura correspondente ao uso dos recursos necessários à execução do certame.

Com relação aos custos administrativos necessários ao processo seletivo, atendendo ao disposto no caput do art. 6º do Anexo da Portaria nº 29/2009 (acima transcrito), o item 4.2 do Edital informa que, caso existam, esses "ocorrerão às expensas do orçamento da Secretaria do Audiovisual - SAv, respeitando o limite de até R$100.000,00 (cem mil reais), a depender de dotação orçamentária".

O art. 9º do Anexo da Portaria nº 29/2009, recomenda que o Edital indique se vedará, ou não, a participação de propostas ou proponentes já contemplados em edições anteriores e, caso seja permitido, que estes proponentes sejam submetidos a avaliação específica, que leve em consideração os resultados apresentados anteriormente. Recomendo que a SAv manifeste-se sobre a questão, se for o caso.

Por fim, observo que o art. 1º § 2º, e o art. 28 do Anexo à Portaria MINC n. 29/2009 estabelecem que a seleção se dará segundo critérios técnicos objetivos, transparentes e isonômicos, expressos no Edital. Tal regra vem ao encontro dos princípios administrativos da impessoalidade e da moralidade, mencionados anteriormente neste Parecer.

Os critérios de seleção  ("enquadramento e habilitação") foram estabelecidos no item 14.1 do Edital. Observo que esta é questão de índole eminentemente técnica, incumbindo ao órgão consulente garantir que a seleção seja objetiva, transparente e isonômica, conforme determina a Portaria n. 29/2009. A este respeito, com base nas recomendações dos órgãos de controle dirigidas ao Ministério da Cultura em outros Editais, esta Consultoria tem recomendado aos órgãos gestores de editais:

a) criar indicadores que possam ser relacionados a critérios mensuráveis, aos quais se atribuirá pontuação específica, objetivamente quantificável (ou fundamentar tecnicamente a escolha dos critérios indicados);

b) a revisão de conceitos que possam indicar um grau de subjetividade tendente a propiciar decisões arbitrárias por parte da Comissão de Seleção, fragilizando o resultado da seleção.

 

 

II.4 - DA MINUTA DE EDITAL

 

Quanto à minuta juntada aos autos (SEI n. 1666022), observo que esta reúne os seguintes itens essenciais mencionados no art. 3º da Portaria/MinC n. 29/2009, a saber:

 

Art. 3º Os editais de seleção pública deverão contemplar os seguintes itens:

I - preâmbulo; (presente na minuta)

II - objeto;  (item 1)

III - recursos orçamentários; (item 4.1)

IV - prazo de vigência; (item 5)

V - condições para participação; (item 8.1)

VI - valor do apoio/prêmio; (item 7.1)

VII - prazo e condições para inscrição; (item 11)

VIII - etapa de habilitação; (item 17 - vide observação a este respeito acima)

IX - forma e constituição da comissão de seleção (item 14.5);  

X - avaliação; (item 14)

XI - documentação complementar; (item 17 e Anexo I)

XII - obrigações e prestação de contas/relatório; (item 13.4 e Anexo V) e

XIII - disposições gerais. (item 21)

 

Dito isso, passo a tecer comentários pontuais sobre os itens do Edital, na ordem em que aparecem na minuta.

Quanto ao preâmbulo, este deverá indicar o órgão responsável pela iniciativa da seleção pública e as leis e os instrumentos legais aos quais a seleção está subordinada, incluindo a Portaria n. 29/2009, conforme disposto no art. 4º do Anexo desta. O preâmbulo da minuta em análise atende ao dispositivo em questão.

Tendo em vista o disposto no item 6.14 do Edital, vale notar que qualquer alteração que modifique as condições de concorrência, ou seja, que afete a formulação de propostas, requer nova publicidade e abertura de novo prazo, para que todos os interessados tenham a possibilidade de conhecer a alteração e participar do processo em igualdade de condições com os demais. Caso não haja alteração das condições de concorrência, não é necessária a reabertura do prazo de inscrições. É o que dispõe o art. 55, § 1º, da Lei n. 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos):

 

§ 1º Eventuais modificações no edital implicarão nova divulgação na mesma forma de sua divulgação inicial, além do cumprimento dos mesmos prazos dos atos e procedimentos originais, exceto quando a alteração não comprometer a formulação das propostas.

 

A Comissão de Seleção foi disciplinada nos itens 14.4 e seguintes do Edital. Ressalto que o funcionamento da Comissão de Seleção deve observar o disposto nos art. 22 a 27 da Portaria n. 29/2009.

item 9 trata das vedações de inscrição, em consonância com o art. 30, § 2o, da Lei n. 8.313/1991, o art. 19, § 5º do Decreto de Fomento, os art. 11 e 12 da Portaria/MinC n. 29/2009 e outras situações consideradas pelo órgão técnico como incompatíveis com o recebimento do recurso. 

 

documentação exigida no presente Edital é mencionada nos itens 11 (fase de inscrições) e 17 e no Anexo I  do Edital (fase de "habilitação").

Nesse sentido, observo que, de acordo com o art. 1º, § 4º, do Anexo à Portaria n. 29/2009, as exigências documentais, sem prejuízo da segurança jurídica, devem ser postergadas para fases posteriores da seleção pública e, se possível, somente incidindo sobre os proponentes já selecionados, na forma de documentação complementar, com vistas a facilitar e aumentar as inscrições.

​Por outro lado, o art. 19, § 2º, do Decreto de Fomento (acima transcrito), determina que os requisitos de habilitação sejam compatíveis com a natureza do instrumento jurídico respectivo e não impliquem restrições que prejudiquem a democratização do acesso de agentes culturais às políticas públicas de fomento.​

Assim, cabe ao órgão técnico avaliar a documentação exigida, garantindo a adequação desta ao art. 1º, § 4º, do Anexo à Portaria n. 29/2009 e art. 19, § 2º, do Decreto de Fomento.

Para fins de clareza e simplificação do procedimento, sugiro, ainda, que o órgão técnico avalie a conveniência de se mencionar os documentos necessários no próprio Edital, sem a necessidade de um Anexo com a exclusiva finalidade de indicar a lista de documentos. 

 

Os art. 34, 38, 40, 44 e 47 a 54 da Portaria nº 29/2009 devem ter previsão expressa no Edital, a saber:

 

Art. 34. Caberá pedido de reconsideração à comissão de seleção, quando poderá ser solicitada reavaliação do projeto ou iniciativa, com apresentação de justificativa. (item 15)
§ 1º O disposto neste artigo deverá estar expresso no edital.
§ 2º A comissão de avaliação designará, entre seus membros, aqueles que farão o julgamento dos pedidos de reconsideração e, caso sejam procedentes, a reavaliação. (item 15.3)
(...)
Art. 38. Os itens que compõem a documentação complementar deverão estar expressos no edital, que recomendará ao proponente a consulta à sua regularidade jurídica, fiscal e tributária de modo a resolver eventuais pendências e problemas. (item 17 e Anexo I)
Parágrafo único. A exigência da documentação complementar deverá ser aludida na lista dos selecionados e na comunicação por ofício, fax ou e-mail aos proponentes selecionados.
​(...)
Art. 40. O apoio/prêmio aos selecionados está condicionado à existência de disponibilidade orçamentária e financeira, caracterizando a seleção como expectativa de direito do proponente. (item 17.8)
Parágrafo único. O disposto neste artigo deverá vir expresso no corpo do edital. ​
(...)
Art. 44. É obrigatória a inserção da logomarca do Ministério da Cultura nas peças promocionais, conforme Manual de Identidade Visual do Ministério da Cultura, bem como menção ao apoio recebido em entrevistas e outros meios de comunicação disponíveis ao beneficiado.  (item 18.5)
§ 1º As peças promocionais deverão ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, e não poderão trazer nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal. (item 18.6)
§ 2º O disposto neste artigo deverá estar expresso no corpo do edital.
(...)
Art. 47. O edital deverá definir se o apoio concedido poderá ser acumulado com recursos captados por meio de leis de incentivo fiscal e outros programas e/ou apoios federais, estaduais e municipais. 
Art. 48. O edital deverá indicar e-mail e, preferencialmente, número de telefone para esclarecimento de dúvidas. (item 6.6)
Art. 49. O ato de inscrição implica o conhecimento e a integral concordância do proponente com as normas e com as condições estabelecidas no edital.  (item 18.1)
Art. 50. Os materiais encaminhados não serão devolvidos, cabendo à unidade gestora da seleção pública seu arquivamento ou destruição. 
Art. 51. Os projetos e iniciativas inscritos, selecionados ou não, passarão a fazer parte do cadastro do Ministério da Cultura para fins de pesquisa, documentação e mapeamento da produção cultural brasileira. (item 21.6)
Art. 52. Eventuais irregularidades relacionadas aos requisitos de participação, constatadas a qualquer tempo, implicarão a inabilitação da inscrição. (item 12.8)
Art. 53. Os casos omissos serão resolvidos pela comissão de seleção, durante as reuniões para avaliação e para julgamento dos pedidos de reconsideração. (item 21.14)
​Art. 54. O proponente será o único responsável pela veracidade da proposta e documentos encaminhados, isentando o Ministério da Cultura de qualquer responsabilidade civil ou penal.  (item 12.1)
Art. 55. O disposto nos arts. 49 a 54 deverá estar expresso no corpo do edital.

 

Estes itens foram inseridos no Edital conforme apontamentos realizados após cada um dos artigos transcritos acima, salvo pelo art. 47, o que deverá ser revisto e corrigido.

Quanto ao disposto no art. 34, observo que o Edital em tela estabelece "recurso ou pedido de reconsideração" no item 15. A diferença entre o pedido de reconsideração e o recurso é que o primeiro é dirigido à própria autoridade que proferiu a decisão (no caso, a Comissão de Avaliação) e o segundo à autoridade superior. Portanto, recomendo a revisão do Edital nesse sentido, inclusive quanto à verificação da coerência do emprego dos dois termos no item 15. 

Quanto à previsão do art. 50, esta parece estar desatualizada com a nova realidade de autos digitais, onde os documentos são encaminhados eletronicamente.

​No que se refere à incidência tributária (item 21.5), deve ser observado o exposto no Parecer nº 455/2010-CONJUR/MinC (NUP 01400.023413/2009-69), e no Parecer n. 3702/2023/MF (SEI 1510966), no que couber.

Antes da publicação do Edital, recomenda-se verificar a operacionalidade  dos links, sites e e-mails mencionados no chamamento, bem como a revisão geral das minutas de Edital e Anexos, incluindo remissões internas e aspectos gramaticais, sugerindo-se, ainda, a consideração das seguintes questões:  

a) Os itens 4.6 e 21.2 parecem tratar do mesmo tema (disponibilidade orçamentária) e podem ser fundidos.

b) Para fins de organização e transparência do procedimento, os itens 6 (das informações gerais) e 21 (das disposições gerais) podem ser fundidos, reorganizados e dispostos de forma lógica/cronológica, ao final do Edital, lembrando que, de acordo com o art. 46 da Portaria MINC n. 29/2009, nas "Disposições Gerais" deverão vir os itens que não puderam ser inseridos nas demais seções do Edital. Assim, alguns dispositivos do item 6 podem ser agregados ao item 11 (da inscrição), enquanto outros podem ser fundidos com o item 21.

c) Sugiro que o conteúdo do item 19 (da contrapartida) seja inserido entre as obrigações do candidato (item 18), a fim de não confundir a contrapartida com o encargo, que é a realização da atividade proposta (participação em evento audiovisual).

 

Os Anexos do Edital em análise são os seguintes:

 

I - FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO

II - AUTODECLARAÇÃO ÉTNICO-RACIAL

III - DECLARAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

IV - FORMULÁRIO DE RECURSO / PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO 

V - RELATÓRIO DE BOLSISTA 

VI - TERMO DE COMPROMISSO

VII - DECLARAÇÃO DE AGÊNCIA E CONTA BANCÁRIA

 

Quanto aos Anexos, observo o que se segue:

 

a) Os Anexos I, V e VII são documentos de conteúdo técnico/operacional/fático, que não cabe a esta Consultoria Jurídica avaliar.

b) Os Anexos II, III, IV e VI são documentos com alguma repercussão jurídica, e não há o que se opor à redação proposta.

 

Quanto ao Anexo VI (minuta de Termo de Compromisso), para fins didáticos, sugiro que sejam expressamente mencionadas no Termo de Compromisso as disposições do item 20.1 do Edital, quanto às sanções aplicáveis em caso de descumprimento do encargo, considerando a relevância da questão.  

 

Por fim, ​quanto à competência para assinatura do Edital, deve ser observado o disposto na Portaria/MinC n. 18/2023, quando pertinente. Como a minuta de Edital indica a assinatura da Ministra de Estado da Cultura, juntamente com a Secretária do Audiovisual, não há dúvidas quanto à adequação da autoridade competente.

 

 

III. CONCLUSÃO

 

Isso posto, respeitado o juízo de conveniência e oportunidade apreciado exclusivamente pelo gestor público, opina-se pela possibilidade de prosseguimento do feito, desde que observadas as recomendações constantes do presente Parecer, em especial nos itens 37, 56, 61, 62, 67, 71, 72, 74, 81, 87, 90, 93, 96 e 97.

 

Destaca-se que, em sendo atendidas as recomendações, o feito não requer o retorno dos autos, conforme Enunciado nº 05, do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU, segundo o qual “Ao órgão Consultivo que em caso concreto haja exteriorizado juízo conclusivo de aprovação de minuta de edital ou contrato e tenha sugerido as alterações necessárias, não incumbe pronunciamento subsequente de verificação do cumprimento das recomendações consignadas”. Assim, não é necessário o retorno dos autos a esta Consultoria, salvo se subsistir dúvida de cunho jurídico.

Isto posto, submeto o presente processo à consideração superior, sugerindo que os autos sejam encaminhados à Secretaria do Audiovisual,  para as providências cabíveis.

 

Brasília, 8 de junho de 2024.

 

 

(assinatura eletrônica)

DANIELA GUIMARÃES GOULART

Advogada da União

 

 


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