ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS

 

PARECER n. 00146/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.013091/2024-89

INTERESSADOS: CORREGEDORIA COREG/GM/MINC

ASSUNTOS: PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO

 

EMENTA: PAR – Processo Administrativo de Responsabilização. Cabimento nos casos de irregularidades praticadas no âmbito de PRONACs. Análise jurídica.
 
 

1. O Ofício nº 62/2024/COREG/GM/MinC (1765599), dirigido a esta Consultoria Jurídica, solicita o esclarecimento da seguinte dúvida jurídica: se o incentivo a projetos culturais previsto no art. 2º, inciso III, da Lei Rouanet, é uma das espécies dos “instrumentos congêneres” apontados no art. 184 da Lei nº 14.133, de 2021, a ponto de serem aplicáveis as penalidades previstas nesta Lei no caso de constatadas irregularidades na execução dos projetos.

 

2. Os autos foram instruídos com os seguintes documentos: (a) o Ofício nº 4815/2023/DIREP/SIPRI/CGU (1765218); (b) o Anexo e-PAD (1765249); e (c) o Ofício nº 62/2024/COREG/GM/MinC (1765599).

 

3. É o relatório.

 

II. ANÁLISE JURÍDICA

 

4. O art. 131 da Constituição Federal dispõe sobre a Advocacia-Geral da União - AGU, responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. E os incisos I e V do art. 11 da Lei Complementar n.º 73, de 1993 (Lei Orgânica da AGU), estabelecem a competência das Consultorias Jurídicas para assistir a autoridade assessorada no controle interno da constitucionalidade e legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados.[1]

 

5. Destaco que, nos termos do Enunciado nº 7 do Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU[2], essa Conjur não deve se manifestar quanto aos aspectos relativos à conveniência e à oportunidade dos atos administrativos (reservados à esfera discricionária do administrador público legalmente competente), tampouco examinar questões de natureza eminentemente técnica, administrativa e/ou financeira.

 

6. Desta forma, passa-se à análise da dúvida ora apresentada, nos termos do item 1 deste Parecer.

 

7. O Ofício nº 4815/2023/DIREP/SIPRI/CGU (1765218) narra que, no âmbito do Inquérito Civil nº 0430/2013-4 – SR/DPF/SC, relativo à Operação “República de Laguna”, foram apurados indícios de irregularidades na aplicação de recursos de convênios assinados com o governo do Estado de Santa Catarina, que tinham por objetivo a realização do evento “A República de Laguna”, no qual foram utilizados recursos públicos repassados pelo MinC, via PRONAC.

 

8. O Anexo e-PAD (1765249) esclarece a conduta a ser averiguada:

Nos termos da Nota Técnica n.º 1710/2015/CGU-R/SC (0348824), a pessoa jurídica teria supostamente praticado diversas irregularidades, na realização da encenação do espetáculo teatral “A República em Laguna” nos anos de 2007 a 2011, dentre elas: pagamentos em duplicidade em despesas com elenco, show pirotécnico e confecção de cartazes; serviços prestados antes da formalização do contrato; superfaturamento na locação de outdoors; superdimensionamento em evento comparado ao ano anterior; e omissão de receita de bilheteria.
Tais irregularidades teriam resultado em prejuízo potencial ao erário de pelo menos R$ 1.483.095,00. (grifamos)
 

9.  Desta forma, os autos foram encaminhados à Corregedoria do MinC, para análise de admissibilidade, com vistas à abertura de eventual Processo Administrativo de Responsabilização – PAR em face do proponente Grupo Teatral Terra.

 

10. A Lei nº 12.846, de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção, dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.

 

11. O art. 5º desta Lei estipula os atos sujeitos à apuração por meio de PAR, da seguinte forma:

Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º , que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV - no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

 

12. No que tange ao alcance do inciso IV do art. 5º da Lei nº 12.846, de 2023, o Manual de Responsabilização de Entes Privados da CGU[3] esclarece:

Ainda sobre as hipóteses de atos lesivos elencadas pelas alíneas do inciso IV do art. 5º, não se pode perder de vistas que seu alcance é mais amplo do que ilícitos praticados em licitações e contratos tipicamente regidos pela Lei nº 8.666/93 e congêneres. Cabe destacar que a Administração Pública realiza diversos outros atos que possuem igualmente natureza contratual, mas que não se enquadram nas espécies de que trata a Lei nº 8.666/93. É o caso, por exemplo, de contratos de financiamento sub- sidiados com recursos públicos por parte de bancos estatais de fomento. Caso haja prática de fraude no contexto de tais contratos, vislumbra-se igualmente aplicação da Lei Anticorrupção. As hipóteses de aplicação de tal inciso serão tratadas em ponto específico deste Manual.
Para além das normas de licitações e contratos públicos, mão se pode ainda ignorar a existência de legislações outras que preveem sanções administrativas aos entes privados. A título de exemplo, se tem a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso a Informação – LAI), que, em seu art. 33, versa sobre a imputação de sanções à pessoa física ou à entidade privada que detiver informações em virtude de vínculo de qualquer natureza com o poder público e deixar de observar o disposto na- quele diploma normativo.
Do mesmo modo, o art. 38 da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991 (Lei Rouanet), determina que, na hipótese de dolo, fraude ou simulação, inclusive no caso de desvio de objeto, será aplicada, ao doador e ao beneficiário (pessoas físicas ou jurídicas), multa correspondente a duas vezes o valor da vantagem recebida indevidamente. (grifos nossos)

 

13. Desta forma, o entendimento da CGU é no sentido de que o inciso IV do art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013, alcança não apenas os ilícitos praticados em licitações e contratos, mas em todos os demais atos que também possuem natureza contratual.

 

14. Isso porque há outras legislações, que não a Lei nº 14.133, de 2021, que estipulam sanções administrativas a entres privados, que, caso cometidas, também atraem a incidência da Lei Anticorrupção, entre elas a Lei Rouanet, cujo art. 38 determina:

Art. 38.  Na hipótese de dolo, fraude ou simulação, inclusive no caso de desvio de objeto, será aplicada, ao doador e ao beneficiário, multa correspondente a duas vezes o valor da vantagem recebida indevidamente. (grifamos)

 

15. Esse entendimento da CGU é ratificado nos comentários do Manual de Responsabilização de Entes Privados[4] ao art. 5º, inciso IV da Lei nº 12.846, de 2013:

É importante destacar que o inciso engloba não só os contratos públicos regidos pela Lei nº 8.666/93 e normas congêneres. Uma leitura superficial do dispositivo poderia fazer acreditar que os contratos ali mencionados são somente os decorrentes de procedimento licitatório (ou de sua dispensa ou inexigibilidade). Todavia, percebe-se um especial cuidado do legislador de não vincular os dois instrumentos ao longo das alíneas elencadas pelo inciso IV.
 Essa preocupação é especialmente demonstrada ao se comparar a redação empregada na alínea ‘d’, com as constantes das alíneas ‘e’, ‘f’ e ‘g’. Enquanto a alínea ‘d’adota expressamente a concepção “contrato decorrente de licitação pública”, os demais dispositivos não o fizeram. Portanto, os atos lesivos ali tipificados aplicam-se inclusive para outros instrumentos contratuais firmados pela Administração Pública, como é o caso de financiamentos públicos concedidos por bancos de fomento, utilizando-se de recursos constitucionais com essa finalidade. Interpretação diversa acabaria por advogar em favor de não responsabilizar fraudes perpetradas em instrumentos firmados pela Administração Pública em diversas outras searas que não a de contratação de obras e prestação de serviços. (grifamos)
 

16. Dessa forma, forneço desde já resposta ao questionamento formulado, nos seguintes termos: o presente processo foi enviado à Corregedoria do MinC, para análise de admissibilidade, com vistas à eventual abertura de PAR, não por força do art. 184 da Lei nº 14.133, de 2021, mas sim porque o entendimento da CGU é no sentido de que o inciso IV do art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013, alcança não apenas os ilícitos praticados em licitações e contratos, mas em todos os demais atos que também possuem natureza contratual, incluído o mecanismo de incentivo fiscal previsto no art. 2º, inciso III da Lei Rouanet, tendo-se em vista a regra prevista em seu art. 38.

 

17. É o Parecer. 

 

Brasília, 10 de junho de 2024.

 

                       

LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA

ADVOGADA DA UNIÃO

                                   


[1] Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:

I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;

(...)

V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

 

[2] A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.

 

[3] Controladoria-Geral da União. Manual de Responsabilização de Entes Privados. 2022, p. 25. Disponível em <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.gov.br/corregedorias/pt-br/assuntos/painel-de-responsabilizacao/responsabilizacao-entes-privados/manual_de_responsabilizao_de_entes_privados-2022.pdf>. Acesso em 10 junho 2024.

 

[4] Idem, p. 61.

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 01400013091202489 e da chave de acesso 4a158d5f

 




Documento assinado eletronicamente por LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br), de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 1520269922 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): LARISSA FERNANDES NOGUEIRA DA GAMA, com certificado A1 institucional (*.agu.gov.br). Data e Hora: 10-06-2024 17:06. Número de Série: 65437255745187764576406211080. Emissor: Autoridade Certificadora do SERPRO SSLv1.