ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
GABINETE

PARECER n. 00153/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.014770/2024-75

INTERESSADOS: SECRETARIA-EXECUTIVA - SE/MEC, MINISTÉRIO DA CULTURA (MINC)

ASSUNTOS: MEDIDAS PROVISÓRIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

 

I – Proposta de Medida Provisória dispondo sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura do território do estado do Rio Grande do Sul, em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 36, de 2024.
II - Análise jurídica circunscrita exclusivamente às disposições pertinentes às competências do Ministério da Cultura
III – EMI e Parecer de Mérito em conformidade com o Decreto nº 12.002/24. Conformidade também com as disposições do art. 180 da Constituição Federa e com a Lei nº 11.771/08.
IV – Necessidade de juntada de manifestação ministerial que contemple respostas aos questionamentos cabíveis do Anexo do Decreto nº 12.002/24.

 

DO RELATÓRIO

 

O Gabinete da Secretaria Executiva submeteu os autos à apreciação deste Órgão de execução da Advocacia-Geral da União (AGU), solicitando análise e manifestação acerca da proposta de Medida Provisória (MP), que dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura do território do estado do Rio Grande do Sul, em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº36, de 2024.

 

O aludido projeto foi instruído, dentre outros documentos, com minuta de Exposição de Motivos Interministerial (EMI), parecer de mérito, bem como respostas aos questionamentos cabíveis do Anexo, do Decreto nº 12.002/24.

 

Secretaria Executiva se manifestou favoravelmente a essa proposta normativa e houve requerimento de análise jurídica de urgência deste caso no despacho de aprovação do Parecer de Mérito n° 02/2024/GSE/MinC (SEI 1791700)

 

É o relatório. 

 

DA ANÁLISE JURÍDICA

 

Preliminarmente

 

Especificamente quanto ao parecer jurídico, a exiguidade de prazos para análise e manifestação, de forma reiterada, demonstra-se indesejável, visto o risco jurídico inerente a análises e exames açodados, sem possibilidade de aprofundamento e pesquisas específicas sobre os temas objeto das proposições, necessários para agregar maior segurança jurídica aos atos praticados pelo Ministério.

 

Da delimitação objetiva da atuação da Consultoria Jurídica

 

A Consultoria Jurídica procede ao exame da matéria com fundamento no art. 11, incisos I e V, da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se do âmbito de sua competência institucional, delimitada em lei, análises que importem em considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária.

 

Ademais, nos termos do art. 11, inciso IV, do Anexo I do Decreto nº 11.336, de 2023, compete à Consultoria Jurídica do Ministério da Cultura realizar revisão final da técnica legislativa e emitir parecer conclusivo sobre a constitucionalidade, a legalidade e a compatibilidade com o ordenamento jurídico das propostas de atos normativos.

 

No caso específico, a presente manifestação limitar-se-á aos aspectos da proposição legal ínsitos no âmbito de competência deste Ministério, prevista no art. 1º do o nº 11.336, de 2023, qual seja, a política pública em si.

 

Da proposta de Medida Provisória

 

A proposta de medida provisória tem como objeto o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura do território do estado do Rio Grande do Sul, em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 36, de 2024.

 

Adentrando na análise jurídica, observa-se que esta pasta se manifestou favoravelmente à edição desse ato normativo, apresentando as justificativas do Parecer de Mérito n° 02/2024/GSE/MinC (SEI 1791700), conforme se vê da leitura dos seus principais trechos:

 

Entre o final de abril e o início de maio de 2024, em decorrência das precipitações excessivas, as quais corresponderam a um teço das chuvas previstas para o ano todo [1] , o estado do Rio Grande do Sul enfrentou enchentes e inundações. Tal situação, além de representar a maior catástrofe climática enfrentada pelo estado, causou mortes e enormes prejuízos e transtornos à população do estado. A dimensão da destruição causada pelas chuvas pode ser alcançada, por exemplo, a partir da leitura do Decreto nº 57.603, de 5 de maio de 2024, o qual especifica que, dos 497 municípios que compõem o Rio Grande do Sul, 336 foram atingidos e afetados pelos eventos climáticos de chuvas intensas.
Outro parâmetro para dimensionar os prejuízos suportados pelo estado está nos Boletins sobre os desastres do Rio Grande do Sul organizados pela Confederação Nacional de Municípios - CNM. Segundo compartilhado pela CNM, a partir de dados atualizados em 17 de maio de 2024 [2] , os danos humanos no Rio Grande do Sul estão assim contabilizados: 154 mortos; 445 desaparecidos; 90,6 mil desabrigados; 635 mil desalojados; 8,7 mil feridos e enfermos; 3,1 milhão de pessoas afetadas.
Ao se pensar, a partir dos dados apresentados, a situação específica do turismo, dos eventos e da cultura como um todo, chega-se à conclusão de que tais setores foram intensamente prejudicados pelas enchentes e inundações dos meses precedentes. 
A calamidade afetou profundamente o setor cultural em diversas regiões, causando:
Danos Físicos a Locais Culturais: Museus, bibliotecas, teatros e galerias de arte sofreram danos estruturais significativos, resultando em perda de acervos, equipamentos e espaços de exibição.
Cancelamento de Eventos: Muitos eventos culturais, incluindo festivais, exposições e performances, foram cancelados ou adiados devido a danos em infraestruturas e à impossibilidade de acesso aos locais.
Deslocamento de Profissionais: Artistas e outros profissionais do setor cultural foram deslocados de suas residências e locais de trabalho, dificultando a continuidade de suas atividades.
Perda de Patrimônio Cultural: Inundações em áreas históricas causaram danos irreparáveis a sítios arqueológicos, monumentos e edifícios de valor histórico.
Interrupção de Atividades Educativas: Programas educativos em museus, centros culturais e outras instituições foram interrompidos, impactando estudantes e comunidades locais.
Museus e Bibliotecas: Enfrentam perda de acervos raros e danificação de arquivos históricos. A recuperação e restauração desses itens serão processos longos e caros.
Teatros e Espaços de Performance: Estruturas danificadas e equipamentos perdidos ou comprometidos, afetando a programação e as apresentações.
Artes Visuais: Galerias perderam obras de arte e enfrentam custos elevados de recuperação e restauração.
Patrimônio Histórico: Áreas e edifícios históricos sofreram erosão, deslizamentos de terra e outros danos, colocando em risco a preservação de heranças culturais.
Segundo mapeamento feito pela Voz Cultural, Festipoa Literária, Instituto de Cultura da PUCRS e Matinal, com apoio do Comitê Liberart RS - Programa Nacional dos Comitês de Cultura -, Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da AL-RS e Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre, a partir de enquete “Como o teu trabalho foi afetado pelas enchentes de maio de 2024 no RS”, 242 eventos foram cancelados ou adiados e locais fechados, 86 locais de atividades ou com acervos culturais foram afetados somente em Porto Alegre e 60 espaços culturais foram afetados.
Diante desse cenário, faz-se imprescindível a elaboração de políticas públicas que visem, ao menos, minimizar os impactos econômicos nestes setores, por meio do estabelecimento de normas excepcionais para promover a segurança jurídica nas relações de consumo nos setores supracitados e evitar judicializações, fechamento de empresas e perdas de empregos, assim como contribuir para recuperação do estado do Rio Grande do Sul, após o término do estado de calamidade. 
c) os objetivos que se pretende alcançar:
O objetivo é promover a segurança jurídica nas relações de consumo nos setores supracitados e evitar judicializações, por meio da definição de prazos para:
Que o consumidor possa remarcar os serviços adquiridos ou utilizar o crédito para uso ou abatimento em outra compra, em relação aos serviços, reservas, eventos e atividades culturais cancelados ou adiados, considerando o estado de calamidade do estado do Rio Grande do Sul;
Que os prestadores de serviços turísticos e sociedades empresárias dos setores de turismo, eventos e cultura, possam restituir os valores recebidos ao consumidor, nas hipóteses de ficarem impossibilitados de oferecer a remarcação dos serviços ou a disponibilização de crédito; e
Que os artistas, agentes culturais e outros profissionais contratados para a realização de eventos cancelados ou adiados, em razão estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul, tenham prazo para restituir os recursos já recebidos. OU, na hipótese de evento a ser remarcado, que possam prestar os serviços contratados durante a nova data de realização de sua realização.
A referida medida visa amenizar os impactos econômicos nos setores de turismo, eventos e cultura, afetados pela situação de calamidade pública provocada pelas chuvas e enchentes no Estado do Rio Grande do Sul, por meio do estabelecimento de normas excepcionais para promover a segurança jurídica nas relações de consumo nos setores supracitados e evitar judicializações, fechamento de empresas e perdas de empregos, assim como contribuir para recuperação do estado após o término do estado de calamidade.
(...)
h) urgência:
A urgência e relevância desta Medida Provisória reside, principalmente, no fato de que os setores de turismo, eventos e cultura foram intensamente prejudicados pelas enchentes e inundações dos meses precedentes. Além dos prejuízos nos próprios empreendimentos, os setores de turismo, eventos e cultura ainda enfrentam outros obstáculos, a exemplo da inviabilidade dos acessos por terra e por ar, com a interrupção de rodovias e o fechamento do aeroporto de Porto Alegre, por exemplo. Nada obstante, não bastasse isso, ainda há outra situação que causa apreensão aos setores e diz respeito à possibilidade a possíveis pedidos de cancelamentos de serviços, reservas e eventos e o consequente ressarcimento imediato dos valores recebidos, o que comprometeria ainda mais a sobrevivência das empresas desses setores durante e, até mesmo, posteriormente a esse estado de calamidade, o que geraria consequências indesejadas especialmente para os setores, mas também à sociedade, haja vista que tais setores impulsionam significativamente a geração de empregos e a economia como um todo.
Os cancelamentos em massa dos serviços realizadas nos estabelecimentos hoteleiros, transportadoras turísticas, de pacotes turísticos, o fechamento temporário de parques temáticos, o fechamento de espaços culturais e de realização de eventos, entre outros, reduz drasticamente ou mesmo impossibilita, o funcionamento de suas atividades, impactando diretamente o fluxo de caixa das empresas, ameaçando a permanência das mesmas no mercado.
Diante desse cenário, faz-se imprescindível a elaboração de políticas públicas que visem, ao menos, minimizar os impactos econômicos nestes setores, por meio do estabelecimento de normas excepcionais para promover a segurança jurídica nas relações de consumo nos setores supracitados e evitar judicializações, fechamento de empresas e perdas de empregos, assim como contribuir para recuperação do estado do Rio Grande do Sul, após o término do estado de calamidade, o que atende disposto no art. 62 da Constituição.
A iniciativa se constitui, ainda, uma medida necessária e urgente que coaduna com o compromisso firmado pelo Governo Federal no processo de auxílio aos municípios do Rio Grande do Sul afetados pela calamidade pública.
(...)
De todo o exposto, esta Secretaria Eecutiva, com relação ao mérito, se manifesta favorável às minuta de medida provisória (SEI nº 1791739) e minuta de Exposição de Motivos Interministerial (SEI nº1791887)), as quais dispõem sobre o cancelamento de serviços e de reservas para os setores de turismo, eventos e cultura do estado do Rio Grande do Sul.
Sendo assim, encaminha-se o processo à essa Consultoria Jurídica, para emissão de parecer acerca da constitucionalidade e da compatibilidade com os normativos vigentes que regem a matéria.
 

A medida provisória é espécie normativa primária prevista no art. 59, da Constituição Federal de 1988, e que dela retiram diretamente o seu fundamento de validade. Exige, especificamente para a sua regular edição, a demonstração de que a tencionada ação estatal normativa é relevante e urgente, confrme preconiza o art. 62, caput, da Constituição Federal.

 

Nesse sentido, a EMI juntada no SEI 1791887 buscou demonstrar, de modo expresso e objetivo, a relevância e a urgência, conforme exigido pelo art. 52, III, do Decreto nº 12.002/24.

 

Outrossim, o supramencionado parecer de mérito apresentou argumentos, visando não só demonstrar a relevância e a urgência da proposta em tela, mas também fundamentar a eventual edição do tencionado ato.

 

Com efeito, a breve e emergencial leitura e a análise dos supramencionados parecer de mérito e EMI demonstram que o MinC cumpriu as exigências cabíveis dos arts. 52 e 58, ambos do Decreto nº 12.002/24, embora ainda não tenha respondido fundamentadamente às indagações pertinentes do seu Anexo.

 

É possível vislumbrar que essa proposta normativa visa socorrer os prestadores de serviços turísticos a que se refere o art. 21, da Lei nº 11.771/08, ante o público e notório desastre natural, que recentemente assolou aquele Estado e que pode vir a colapsar a economia local.

 

Tendo em vista as razões apresentadas pelo MinC, as medidas propostas na proposição legislativa possuem, inclusive, o condão de fomentar minimamente o setor turístico do RS, evitando a sua maior degradação derivada do dilúvio que assolou aquele Estado da Federação, coadunando-se, então, com o disposto no art. 180 da CF:

 

Art. 180. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico. (grifo nosso)

 

Percebe-se, lado outro, que o MinC possui competência e legitimidade para submeter à apreciação do Presidente da República a proposta de ato normativo, já que a proposta se coaduna com suas competências previstas no art. 21, da Lei nº 14.600/23, tendo logrado apresentar minuta de MP, EMI, parecer de mérito.

 

Art. 21. Constituem áreas de competência do Ministério da Cultura:
I - política nacional de cultura e política nacional das artes;
II - proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural;
III - regulação dos direitos autorais;
IV - assistência ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial;
V - proteção e promoção da diversidade cultural;
VI - desenvolvimento econômico da cultura e da política de economia criativa;
VII - desenvolvimento e implementação de políticas e de ações de acessibilidade cultural; e
VIII - formulação e implementação de políticas, de programas e de ações para o desenvolvimento do setor museal.

 

Importante registrar, por fim, que não se aplica Análise de Impacto regulatório (AIR) no presente caso por força do disposto no art. 1º, § 3º, do Decreto nº 10.411/20.

 

Por fim, verifica-se não ter havido respostas aos questionamentos cabíveis do Anexo do Decreto nº 12.002/24, conforme exige o seu art. 3º, §§ 1º e 2º:

 

Art. 3º  Compete aos órgãos e às entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, previamente à elaboração do ato normativo, analisar o problema identificado e a solução a ser adotada.
§ 1º  O Anexo contém questões a serem avaliadas previamente à elaboração do ato normativo e consiste em guia para auxiliar na análise de que trata o caput.
§ 2º  O Anexo não deve ser formalmente preenchido. (grifo nosso)

 

No que se refere ao parecer de mérito e à imprescindibilidade de respostas aos supramencionados questionamentos cabíveis do Anexo, a Advocacia-Geral da União (AGU), mediante entendimento apresentado em seu “Manual de Boas Práticas Regulatórias”, ressaltou a obrigatoriedade de o gestor cumprir as disposições não só da Lei Complementar nº 95/98, mas também do seu antigo Decreto regulamentador, ou seja, o de nº 9.191/17, que foi revogado pelo Decreto nº 12.002/24, quando quiser elaborar atos normativos no âmbito do Executivo federal, sendo certo que o referido entendimento da AGU ainda permanece atual e válido, aplicando-se, por conseguinte, ao novel Decreto nº 12.002/24.

 

Deste modo, recomenda-se sejam complementados os documentos instrutórios, com as devidas respostas aos questionamentos do Anexo do Decreto nº 12.002/24.

 

da CONCLUSÃO

 

Do exposto, abstraídos aspectos meritórios, bem como questões técnicas, financeiras/orçamentárias, entende-se que a proposta de Medida Provisória é juridicamente viável, observada a recomendação itens 19 e 20, quanto ao cumprimento do previsto no Anexo do Decreto nº 12.002/24, conforme exige o seu art. 3º, §§ 1º e 2º.

 

Encaminhe-se, com urgência à Secretaria Executiva.

 

Ciência ao Gabinete Ministerial.

 

Brasília, 11 de junho de 2024.

 

 

KIZZY COLLARES ANTUNES

Advogada da União

CONSULTORA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 


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