ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA CULTURA
COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍTICAS CULTURAIS

PARECER n. 00164/2024/CONJUR-MINC/CGU/AGU

 

NUP: 01400.013211/2024-48

INTERESSADOS: DIRETORIA DE FORMAÇÃO E INOVAÇÃO AUDIOVISUAL DFIA/SAV/GM/MINC

ASSUNTOS: ATOS ADMINISTRATIVOS

 

 

Senhor Coordenador-Geral

 

EMENTA:
I) Consulta Administrativa.
II) Análise da possibilidade de reavivar a linha de Arranjos Regionais na modalidade Fundo a Fundo, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual - FSA, sem a intermediação do agente financeiro.
III) Parecer pela inviabilidade jurídica da pretensão exposta, cuja alteração legal demanda nova deliberação legislativa.
IV) À consideração superior. 
 

Trata o presente da Nota Técnica nº 13/2024/DFIA/SAV/GM/MinC, datada de 27 de maio de 2024, da Diretoria de Formação e Inovação Audiovisual, relativa à análise da possibilidade de reavivar a LINHA DE ARRANJOS/COINVESTIMENTOS REGIONAIS na modalidade Fundo a Fundo, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual - FSA, sem a intermediação do agente financeiro, com a gestão da Secretaria do Audiovisual - SAv/MinC.

Segundo se extrai da referida Nota Técnica, o assunto se refere à análise da conveniência e oportunidade da retomada da referida linha de Arranjos Regionais, que tem por objetivo o investimento de recursos do citado Fundo Setorial do Audiovisual em caráter complementar às ações de fomento a serem propostas por órgãos e entidades da administração pública, direta ou indireta, Estadual, Municipal e do Distrito Federal, com vistas ao desenvolvimento do setor audiovisual local a partir do lançamento de programas específicos, sem, no entanto, a intermediação do agente financeiro.

Cumpre registrar a apresentação técnica dos embaraços quanto à operacionalização do Programa, nos termos atuais:

Por meio de reuniões e consultas à ANCINE, nas quais foi compartilhado o histórico da linha, foram destacadas dificuldades operacionais no modelo que fora empreendido, como por exemplo: a) Volume de contratos superior à capacidade técnico-administrativa da agência; b) Longevidade dos processos, haja vista ainda existirem contratos das cinco edições do programa sem finalização; c) Pouca ou nenhuma uniformidade nos instrumentos publicados pelos entes federativos acarretando a presença de rubricas anômalas nos projetos contratados, entre outros.

Nesse contexto, foram apresentados os seguintes questionamentos na conclusão da citada Nota Técnica nº 13/2024:

"(...)
Diante de todo o exposto, e considerando os esforços reunidos para atualizar e aprimorar o mecanismo em tela, considerando a possibilidade de consolidar novas formas de repasse de orçamento para operação direta pelos entes locais (Administração Pública direta ou indireta dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios), recomendamos que o expediente seja levado ao conhecimento da Secretária do Audiovisual, para que seja formalizada consulta jurídica nos seguintes termos:
a) Há respaldo jurídico para o estabelecimento de modalidade de transferência fundo a fundo com recursos do FSA, sem a intermediação do agente financeiro, com a finalidade de fomentar as cadeias produtivas locais?
b) Caso não haja, quais seriam as etapas a serem trilhadas para pavimentar juridicamente esta possibilidade?".  

É o breve relatório. Passamos à análise.

Preliminarmente, deve-se ressaltar que o exame desta Consultoria Jurídica dar-se-á nos termos do artigo 11, inciso V, da Lei Complementar nº 73/93, subtraindo-se ao âmbito da competência institucional do Órgão Consultivo a apreciação de elementos de ordem técnica, financeira ou orçamentária, bem como avaliação acerca da conveniência e oportunidade da prática de atos administrativos, restringindo-se aos limites jurídicos da consulta suscitada, consoante o Enunciado de Boas Práticas Consultivas AGU n.º 7/2016.

Impõe-se ainda destacar que foge à alçada desta Consultoria Jurídica imiscuir-se na análise técnica realizada pela unidade competente, órgão detentor de expertise para tal exame. Todavia, cabe à esta Consultoria realizar o exame sob o ponto de vista da legalidade do procedimento.

Assim, a presente manifestação apresenta natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações estabelecidas não se tornam vinculantes para o gestor público que pode, de forma justificada, adotar orientação contrária ou diversa daquela emanada por esta Consultoria Jurídica.​

Elaboradas essas considerações, o esclarecimento da primeira questão apresentada pela unidade técnica: "há respaldo jurídico para o estabelecimento de modalidade de transferência fundo a fundo com recursos do FSA, sem a intermediação do agente financeiro, com a finalidade de fomentar as cadeias produtivas locais?", inicia-se com a definição do Fundo Setorial do Audiovisual/FSA, passando pelas transferências constitucionais e voluntárias, pelos agentes financeiros e pela transferência Fundo a Fundo.

Merece assento inicial que o Fundo Setorial do Audiovisual - FSA constitui uma categoria de programação específica do Fundo Nacional da Cultura - FNC, criado pela Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, regulamentada pelo Decreto nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007, que tem por objetivo o desenvolvimento articulado da atividade audiovisual no Brasil. Os recursos do citado Fundo são oriundos da própria atividade econômica, de contribuições recolhidas pelos agentes de mercado, e, notadamente da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional/CONDECINE.

O FSA é administrado por um Comitê Gestor constituído por representantes do Ministério da Cultura, da Ancine, das instituições financeiras credenciadas e do setor audiovisual, e tem como secretaria-executiva a Ancine (art. 5º da Lei n. 11.437/2006), que também tem a competência para estabelecer critérios e diretrizes gerais para a aplicação e a fiscalização dos recursos destinados ao Fundo (art. 47, § 2º, da MP n. 2.228-1/2001).

Nesse sentido, devem ser observados os seguintes instrumentos normativos: 

- Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, cujo artigo 1º criou o Fundo Setorial do Audiovisual, a saber: "O total dos recursos da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional - CONDECINE, criada pela Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, será destinado ao Fundo Nacional da Cultura - FNC, criado pela Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986, restabelecido pela Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, o qual será alocado em categoria de programação específica, denominada Fundo Setorial do Audiovisual, e utilizado no financiamento de programas e projetos voltados para o desenvolvimento das atividades audiovisuais", destacando-se ainda os artigos a seguir:

Art. 3º Os recursos a que se refere o art. 2º desta Lei poderão ser aplicados: (Regulamento)
I - por intermédio de investimentos retornáveis em projetos de desenvolvimento da atividade audiovisual e produção de obras audiovisuais brasileiras;
II - por meio de empréstimos reembolsáveis; ou
III - por meio de valores não-reembolsáveis em casos específicos, a serem previstos em regulamento.
Art. 4º Os recursos a que se refere o art. 2º desta Lei apoiarão o desenvolvimento dos seguintes programas, nos termos do art. 47 da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001 : (Regulamento)
(...)
§ 1º Os recursos a que se refere o caput deste artigo devem ser destinados prioritariamente ao fomento de empresas brasileiras, conforme definidas no § 1º do art. 1º da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, que atuem nas áreas de distribuição, exibição e produção de obras audiovisuais, bem como poderão ser utilizados na equalização dos encargos financeiros incidentes nas operações de financiamento de obras audiovisuais e na participação minoritária no capital de empresas que tenham como base o desenvolvimento audiovisual brasileiro, por intermédio de agente financeiro, conforme disposto em regulamento.
(...)
Art. 34 O produto da arrecadação da Condecine será destinado ao Fundo Nacional da Cultura – FNC e alocado em categoria de programação específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual, para aplicação nas atividades de fomento relativas aos Programas de que trata o art. 47 desta Medida Provisória

- Decreto nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007, que "Regulamenta os arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, que destinam recursos para o financiamento de programas e projetos voltados para o desenvolvimento das atividades audiovisuais, e dá outras providências", alterado pelo Decreto nº 11.925, de 21 de fevereiro de 2024, que "Altera o Decreto nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007, que regulamenta os art. 1º, art. 2º, art. 3º, art. 4º, art. 5º e art. 6º da Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, que destinam recursos para o financiamento de programas e projetos voltados para o desenvolvimento das atividades audiovisuais", destacando-se também os artigos a seguir:

Art. 5º-A  Fica instituído, no âmbito do Ministério da Cultura, o Comitê Gestor dos recursos a que se refere o art. 1º, com a finalidade de definir as diretrizes e o plano anual de investimentos, acompanhar a implementação das ações e avaliar anualmente os resultados alcançados, composto pelos seguintes representantes:   (Incluído pelo Decreto nº 11.925, de 21.02.2024)
I - dois do Ministério da Cultura, um dos quais será o Ministro de Estado da Cultura, que o coordenará; (Incluído pelo Decreto nº 11.925, de 21.02.2024)
II - um da Casa Civil da Presidência da República;   (Incluído pelo Decreto nº 11.925, de 21.02.2024)
III - um do Ministério da Educação;   (Incluído pelo Decreto nº 11.925, de 21.02.2024)
IV - um da Ancine;   (Incluído pelo Decreto nº 11.925, de 21.02.2024)
V - um de instituição financeira credenciada pelo Comitê Gestor; e   (Incluído pelo Decreto nº 11.925, de 21.02.2024)
VI - quatro do setor de audiovisual.   (Incluído pelo Decreto nº 11.925, de 21.02.2024).
(...)
Art. 7º. Observado o disposto nos §§ 3º e 6º do art. 3º, as operações com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual serão realizadas:       (Redação dada pelo Decreto nº 8.281, de 2014)​
I - no caso das operações financeiras, pelos seguintes agentes financeiros:       (Incluído pelo Decreto nº 8.281, de 2014)
a) Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES;       (Incluído pelo Decreto nº 8.281, de 2014)
b) agências financeiras oficiais de fomento; e        (Incluído pelo Decreto nº 8.281, de 2014)
c) outras instituições financeiras credenciadas pelo Comitê Gestor; e       (Incluído pelo Decreto nº 8.281, de 2014).
(...)
Art. 16.  A Ancine e o Ministério da Cultura, com o auxílio do agente financeiro credenciado:
I - realizarão avaliação periódica da efetividade das estratégias promovidas por meio do Fundo Setorial do Audiovisual; e
II - encaminharão relatório para apreciação do Comitê Gestor, que discrimine:
a) as ações desenvolvidas;
b) a avaliação dos resultados esperados e atingidos;
c) os objetivos previstos e alcançados; e
d) os indicadores de eficácia e eficiência das ações de financiamento realizadas". NG.

Dessa forma, vê-se que os agentes financeiros são os responsáveis por administrar e movimentar os recursos financeiros do FSA, bem como pela execução operacional das linhas de ação do FSA, incluindo a contratação dos projetos junto aos proponentes e a gestão dos fluxos financeiros decorrentes das operações. Saliente-se que são os seguintes Bancos credenciados pelo Comitê Gestor para atuação como agentes financeiros do FSA: Banco do Nordeste/BNB; Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais/BDMG, Banco Nacional do Desenvolvimento/BNDES; Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul/BRDE; Caixa Econômica Federal/CEF; e, Financiadora de Estudos e Projetos/FINEP.

É preciso consignar, ainda, que o termo transferência Fundo a Fundo se refere a um instrumento de descentralização de recursos disciplinado em leis específicas que se caracteriza pelo repasse direto de recursos provenientes de Fundos da esfera Federal para Fundos da esfera Estadual, Municipal e do Distrito Federal, dispensando, não só os agentes financeiros, como a celebração de convênios, ou outros instrumentos legais. 

A suscitada Lei Complementar (LC) nº 195, de 8 de julho de 2022, conhecida como Lei Paulo Gustavo (LPG), embora tenha tido efetivamente os superávits do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) como principal fonte dos recursos, além de fontes de receita vinculadas ao Fundo Nacional de Cultura (FNC), não se presta a exemplo para a alteração dos Arranjos Regionais, uma vez que a criação de tal lei teve como principal motivação a crise econômica vivida pelo setor cultural como consequência do contexto de urgência da pandemia de Covid-19, sem cogitar da previsão legal de intermediação de agentes financeiros, razão pela qual, nesse caso, houve previsão expressa de:

- Descentralização dos recursos; 

- Democratização e Acessibilidade;

- Contrapartidas sociais e,

- Fortalecimentos dos sistemas de cultura.

Assim, no que tange à primeira questão apresentada na Nota Técnica nº 13/2024, esclareça-se não haver respaldo jurídico para o pretendido, pois o que se depreende da legislação de regência é a intermediação obrigatória do agente financeiro nos programas pertinentes, diante do fato de que tais agentes são os responsáveis por administrar e movimentar os recursos financeiros do FSA, com a execução operacional das linhas de ação do FSA, incluindo a contratação dos projetos junto aos proponentes e a gestão dos fluxos financeiros decorrentes de todas as operações.

Com efeito, quanto ao segundo questionamento contido na retrocitada Nota Técnica nº 13/2024, "Caso não haja, quais seriam as etapas a serem trilhadas para pavimentar juridicamente esta possibilidade?", a alteração das leis que regem a matéria demandaria nova deliberação legislativa.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, considerando que as leis que regem o Fundo Setorial do Audiovisual não permitem a transferência Fundo a Fundo com os recursos do referido FSA, sem a intermediação do agente financeiro, para que tais alterações possam ser consideradas lícitas, a matéria demandará nova deliberação legislativa.

Repise-se que a presente manifestação apresenta natureza meramente opinativa e, por tal motivo, as orientações estabelecidas nesta manifestação não se tornam vinculantes para o gestor público que pode, de forma justificada, adotar orientação contrária ou diversa daquela emanada por esta Consultoria Jurídica.

À consideração superior

 

Brasília 21 de junho de 2024

 

 

MARIA IZABEL DE CASTRO GAROTTI

Advogada da União

 


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